Radiação gama na conservação pós-colheita da nectarina (Prunus persica var.
Nucipersica) frigoconservada
Radiação gama na conservação pós-colheita da nectarina (Prunus persica var.
Nucipersica) frigoconservada1INTRODUÇÃO
A nectarina (Prunus persica var. nucipersica), fruto de origem chinesa, é um
tipo de pêssego com epiderme desprovida de pêlos, tamanho pequeno, polpa firme,
aroma e sabor bem acentuados (EMBRAPA, 1984). A cultivar "Sunred", também
chamada de Rubrosol, foi criada pelo programa de melhoramento da Universidade
da Flórida/EUA, em 1964, é altamente produtiva (de 25 a 40 kg/planta) e bem
adaptada às condições da região Sul do Brasil (Raseira & Medeiros, 1998).
A irradiação de alimentos consiste na exposição de um dado material, de origem
vegetal e/ou animal, à radiação ionizante, proveniente tanto de uma máquina de
feixes de elétrons como de fontes radioativas. Apenas as fontes de 60CO e 137Cs
são consideradas para uso comercial, devido à produção de raios gama de
energias adequadas, disponibilidade e custo, sendo que a fonte de 60CO é a que
tem maior aceitação por apresentar-se na forma metálica e ser insolúvel em
água, proporcionando assim maior segurança ambiental (Ehlermann, 1990; Food
Irradiation, 1996).
O´Beirne (1989) descreve que, no processo de irradiação de alimentos, apenas os
raios gama entram em contato com o alimento, sem qualquer risco de contaminação
radioativa. As doses de radiação são quantificadas em termos de energia
absorvida pelo produto irradiado. A dose de 1 Kilogray (kGy) corresponde à
absorção de 1 Kilojoule por quilograma de produto irradiado. As doses
normalmente aplicadas aos alimentos situam-se entre 0,1 a 7,0 kGy.
O uso da radiação gama como tecnologia de conservação de alimentos está
basicamente ligado a três fatores: tipo de alimento a ser irradiado, dose a ser
aplicada e tempo de exposição do alimento à fonte irradiadora (Vieites, 1998),
assim como a fatores mais intrínsecos: tipo do tecido, porção da célula exposta
ao processo, volume nuclear, idade das células irradiadas, conteúdo de água
presente nas células e a fatores bióticos, como temperatura, luminosidade e
umidade relativa do ar (Grossman & Craig, 1982) antes e, principalmente,
durante e depois do processo de irradiação.
A irradiação gama pode estender a vida de prateleira de muitos frutos
perecíveis, pelo controle da deterioração causada por microorganismos, atraso
do amadurecimento e da senescência propriamente dita (Urbain, 1986). Damayanti
et al. (1992), prolongaram o período de conservação pós-colheita, em abacaxis
cv. 'Queen', pelo controle de fungos causadores de podridões, utilizando doses
de radiação gama entre 0,05 e 0,25 kGy. Germano et al. (1996), trabalhando com
abacates da variedade 'Fortuna', conseguiram, através da aplicação de radiação
gama, um incremento no armazenamento refrigerado de quatro dias para dose de
0,08 kGy e de oito dias para dose de 0,1 kGy, que inicialmente era de sete
dias. Cia et al. (2000) recomendam doses de radiações gama entre 0,5 e 2 kGy,
no controle de Botritis cinerea, em uva 'Itália'.
Segundo United Fresh Fruit ' Vegetable Association (1986), para utilizar-se
radiações ionizantes na desinfecção de alimentos e no aumento da conservação
pós-colheita de frutas e hortaliças, alguns critérios devem ser levados, em
conta, a saber: o alimento precisa ter tolerância mais elevada do que o inseto
ou o microorganismo; o tratamento requerido deve ser tão ou mais econômico que
outros tratamentos efetivos; o tratamento deve ser compatível com os aspectos
legais estabelecidos pelas autoridades sanitárias, isto é, deve ser inócuo à
saúde do consumidor; e, sobretudo, obedecer à legislação vigente do país
importador.
A Fao (1993) estima que 25% de toda a produção mundial é perdida pela ação de
insetos, bactérias e roedores. O uso da técnica de irradiação para a
conservação de alimentos, por si só, não soluciona todos os problemas de
perdas, pois, ao contrário dos métodos químicos convencionais, a irradiação não
possui efeito residual, devendo-se preservar em condições assépticas o alimento
após ser irradiado, evitando assim uma nova reinfestação (Gciia, 1991).
Os custos líquidos da irradiação oscilam entre 10 e 15 dólares americanos por
tonelada, no caso da aplicação de uma dose baixa (até 1 kGy), como, por
exemplo, para inibir a germinação em batatas e cebolas ou retardar o
amadurecimento de frutos. Variam entre 100 e 250 dólares americanos por
tonelada, no caso de aplicação de uma dose alta (acima de 10 kGy), como, por
exemplo, para garantir a qualidade higiênica de algumas especiarias (Morrisson
& Roberts, 1990). Estes custos são competitivos com os de outros
tratamentos convencionais, e, em alguns casos, a irradiação pode ser mais
barata, dependendo do tipo de produto, quantidade e distância do campo de
produção até a fonte irradiadora (Gciia, 1991).
Portanto, o presente trabalho visa a um prolongamento na vida útil de
prateleira da nectarina cv. "Sunred", através da aplicação de radiação gama em
diferentes dosagens.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no laboratório de Frutas e Hortaliças, do
Departamento de Gestão e Tecnologia Agroindustrial, da Universidade Estadual
Paulista ' UNESP ' Câmpus de Botucatu. Os frutos colhidos no início do estádio
de maturação (coloração verde-avermelhada), em propriedade rural no município
de Botucatu-SP, foram selecionados, limpos, pré-resfriados a 4ºC por 12 horas,
sendo então encaminhados ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura ' ESALQ/
USP, localizado em Piracicaba-SP, onde as nectarinas receberam a aplicação de
raios gama, que têm como fonte o 60CO. O irradiador utilizado foi o "GAMMABEAN
650", e para a constituição dos tratamentos, as doses foram as seguintes: 1 '
0,0 kGy; 2 ' 0,2 kGy; 3 ' 0,4 kGy; 4 ' 0,6 kGy; 5 ' 0,8 kGy. A dose aplicada em
cada tratamento foi obtida em função da variação do tempo de exposição do fruto
à fonte irradiadora. Após aplicação das doses pre-determinadas, as nectarinas
foram colocadas em câmara fria com 0ºC e 90-95% de UR, segundo recomendação de
Chitarra & Chitarra (1990). As análises foram realizadas a cada sete dias,
24 horas após a retirada de cada amostra da câmara fria (simulação de
comercialização), por um período de 28 dias, sob os seguintes aspectos:
O aspecto visual do fruto foi avaliado, através de uma escala subjetiva de
valores definida pelos autores, com base no avanço do amadurecimento bem como
na ocorrência de injúrias e podridões que podem comprometer a qualidade
comercial do produto, sendo: 0,4 ' ótimo; 0,3 ' bom; 0,2 ' regular; 0,1 ' ruim.
A perda de massa fresca foi obtida pela pesagem direta dos frutos em balança
"OWA LABOR", com resultados expressos em porcentagem.
A firmeza de polpa foi avaliada através do penetrômetro ' Fruit pressure test
mod.FT327 (3-27 lbs), ponteira de 8 mm.
Os sólidos solúveis totais foram avaliados através da leitura refratométrica
direta, em graus Brix, com o refratômetro tipo Abbe, marca ATAGO ' N1.
O conteúdo de acidez total titulável, expresso em Cmol.L-1, foi obtido através
da titulação de 10 g de polpa, homogeneizada e diluída para 100 mL de água
destilada, com solução padronizada de hidróxido de sódio a 0,1 N.
A razão entre os valores de sólidos solúveis totais e acidez total titulável
foi obtida através da fórmula SST/ATT.
O delineamento experimental empregado no experimento foi o inteiramente
casualizado, com esquema fatorial 5x5 (doses de radiação e épocas de
amostragem), com 5 tratamentos e 3 repetições. Os dados foram submetidos à
análise de variância e à comparação de médias pelo teste DMS (P£0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela_I mostra-nos de forma significativa que os frutos pertencentes ao
tratamento 3, dose de 0,4 kGy, apresentaram ao final do período experimental
uma melhor manutenção da qualidade visual, não observando, nos frutos
submetidos a essa dose, nenhuma ocorrência de deteriorações ou podridões. É
importante ressaltar que a queda da qualidade do aspecto visual, detectada nos
frutos submetidos a doses superiores a 0,4 kGy, não foi de origem
microbiológica; isto pode ser explicado pelo fato de que a radiação gama, em
doses acima de um limiar, pode interferir nos processos fisiológicos,
acelerando o metabolismo e acarretando amadurecimento precoce dos frutos. Estes
resultados são semelhantes aos obtidos por Thomas et al. (1995) no qual destaca
a eficiência da radiação gama, aplicada em uvas, quanto a uma redução da
incidência de podridões em pós-colheita e por Urbain (1986), em abacaxis cv.
"Queen," e Zuleta (1989), em mangas cv. "Tommy Atkins", nos quais afirmam que a
radiação gama pode promover o aumento da sua vida útil pelo controle de
deteriorações causadas por microorganismos e pelo atraso do amadurecimento e da
senescência.
Pelos dados obtidos na Tabela_II, observou-se que as nectarinas irradiadas a
uma dose de 0,4 kGy apresentaram, ao longo do período de frigoconservação, um
melhor controle da perda de massa fresca dos frutos. Os frutos da testemunha e
os frutos irradiados com a dose de 0,8 kGy foram os que mais perderam em
porcentagem de peso, como os frutos da testemunha devido aos processos normais
referentes ao amadurecimento; já os frutos submetidos a doses acima de 0,8 kGy,
provavelmente devido ao fato de que a dose elevada de radiação pode ter
aumentado a intensidade respiratória, proporcionaram maiores perdas de água.
Estes dados são concordantes com Dennison & Ahmed (1975) e Murray et al.
(1981) que, trabalhando com tomates, recomendam a utilização da radiação gama,
em pós-colheita, com a finalidade de diminuição da velocidade dos processos
metabólicos envolvidos no amadurecimento, como a respiração e,
conseqüentemente, a perda de água. O mesmo é relatado no artigo de O´Beirne
(1989) que verificou que a irradiação tem como uma de suas principais funções
biológicas o retardo dos processos fisiológicos envolvidos no desenvolvimento
dos frutos, acarretando assim um maior tempo de conservação em pós-colheita.
Com base nos dados obtidos na Tabela_III (Firmeza de polpa), pode-se observar
que as nectarinas submetidas à dose de 0,4 kGy de radiação gama apresentaram
maior firmeza de polpa em todo o período experimental, demonstrando assim a
eficiência da dose de radiação gama corretamente aplicada, diminuindo
diretamente as perdas de firmeza de polpa. O mesmo é afirmado por United Fresh
' Vegetable Association (1986), Gciia (1991), Vieites (1998) nos quais é
descrita a eficiência da aplicação da radiação gama, na conservação dos
atributos de qualidade, na pós-colheita de frutos e hortaliças, em função da
dose, do tempo de exposição e do tipo de alimento a ser irradiado, e por Miller
& McDonald (1999), em trabalhos com mamão cv. "Surise Solo", no qual
mencionam a interação positiva entre dose de radiação gama X temperatura de
frigoconservação, proporcionando assim uma maior firmeza de polpa.
De acordo com os resultados expressos nas Tabelas_IV, V e VI referentes à
análise de sólidos solúveis totais (SST), acidez total titulável (ATT) e a
razão entre SST/ATT, constata-se que, pela não-interferência da radiação gama
nos parâmetros nutricionais dos alimentos, relatada em diversos artigos, ao
final do período de 28 dias de experimento, os tratamentos propostos não
apresentavam diferença significativa entre si, pelo teste de Tukey, ao nível de
5 %, fato este comprovado pelo relato de Bande (1990), no qual menciona que
frutos e hortaliças devidamente irradiados não apresentam nenhuma toxidez e
praticamente mantêm o mesmo valor nutritivo que os processados por outros
métodos. O mesmo ocorreu no artigo de Cia et al. (2000), em experimento com uva
Itália, no qual é observado o não-comprometimento nos teores de sólidos
solúveis totais e acidez total titulável pela aplicação de radiação gama, e com
Zhao et al. (1996) trabalhando com mamão e Domarco et al. (1996) trabalhando
com uva Itália, no qual relatam que a radiação gama não exerce efeito
significativo nos teores de sólidos solúveis.
CONCLUSÕES
Com base nos objetivos de prolongamento da vida útil de prateleira e
caracterização dos parâmetros (físicos e nutricionais) de qualidade durante a
frigoconservação da nectarina cv. "Sunred", conclui-se que o uso da radiação
gama, na dose de 0,4 kGy, é útil quanto a uma melhor conservação dos atributos
de qualidade da nectarina cv."Sunred", prolongando seu período de conservação
pós-colheita sem influência sobre os parâmetros nutricionais avaliados.