Avaliação da necessidade de frio em pessegueiro
Avaliação da necessidade de frio em pessegueiro1INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de plantas perenes de folhas caducas é afetado por fatores
endógenos e exógenos. Quando as condições exógenas são desfavoráveis, a planta
reage, paralisando o crescimento. O mecanismo de controle da paralisação e
retomada de crescimento, apesar de pouco esclarecido, está relacionado com a
genética e fisiologia das plantas. A temperatura é, sem dúvida, o principal
fator exógeno desencadeador deste processo. Mauget (1987) cita que o principal
efeito da temperatura se refere à ação positiva das baixas temperaturas de
inverno sobre a superação da endodormência.
Quando as espécies de clima temperado são introduzidas em regiões tropicais ou
subtropicais, manifestam diversos distúrbios fisiológicos, como: abertura de
gemas de forma escalonada no tempo, redução no número de gemas brotadas,
formação de rosetas foliares, redução na produção e longevidade e, em casos
extremos, a própria sobrevivência da planta é ameaçada (Diaz et al., 1987;
Herter, 1992). As flutuações de temperatura durante o inverno podem afetar
negativamente a superação da endodormência nestas espécies. Erez e Lavee (1971)
e Erez et al. (1979) relatam o efeito adverso das altas temperaturas cíclicas
sobre a endodormência, podendo temperaturas elevadas, após um período de frio,
causar um atraso na brotação.
Um método tradicional de prever a necessidade de frio das espécies e/ou
cultivares consiste em submeter ramos inteiros, retirados de árvores em
diferentes épocas, a uma temperatura favorável ao crescimento, computando o
percentual de abertura de gemas após 21 dias ou o número de dias necessários ao
desenvolvimento de uma certa percentagem fixa, porém arbitrária, de gemas.
Quanto maior for o porcentual de abertura aos 21 dias ou quanto menor o número
de dias para atingir o porcentual fixo, mais próximo da superação da
endodormência encontra-se a cultivar ou espécie estudada. Esta técnica, há
muito tempo, vem sendo estudada para fixar as datas de fim de dormência
(Weinberger, 1950; Erez e Lavee, 1971; Richardson et al., 1974; Kobayashi et
al., 1982), porém o principal problema é não considerar, ou não permitir
isolar, os efeitos das inibições correlativas entre as gemas vegetativas e a
necessidade de calor necessária para a antese.
Outro método utilizado é o "teste das estacas de nós isolados" (Balandier,
1992; Herter, 1992). Fragmentos de ramos, contendo apenas um nó com gemas,
eliminando, assim, grande parte das inibições correlativas, são submetidos à
temperatura e fotoperíodo adequados ao crescimento. O tempo necessário para
abertura de uma gema, sob estas condições, mede a intensidade da dormência. Os
principais defeitos deste método foram assinalados por Champagnat (1983),
Mauget (1987) e Balandier (1992).
Outro fator a ser considerado na quantificação da dormência é a necessidade de
calor, verificado principalmente em gemas florais. Citadin et al. (2001)
observaram diferenças entre gemas vegetativas e florais de pessegueiro quanto à
necessidade de calor e também entre cultivares. Neste sentido, é importante
estabelecer uma metodologia clara de determinação da necessidade de frio
durante a endodormência, considerando as possíveis interações com a necessidade
de calor.
O objetivo deste trabalho foi determinar a necessidade de frio de seis
cultivares de pessegueiro, através de duas diferentes técnicas.
MATERIAL E MÉTODOS
Os trabalhos foram conduzidos em campos experimentais e laboratórios da Embrapa
Clima Temperado, localizada na BR 392 km 78, em Pelotas, Rio Grande do Sul (32º
45' S e 52º 30' O), durante os anos de 1999 e 2000.
A necessidade de frio das cultivares Precocinho, Eldorado, Rio grandense, BR-1,
Planalto e Della Nona foi avaliada através de duas técnicas:
a) Plantas em vasos, submetidas ao frio artificial: foi realizada, em 1999, uma
observação preliminar utilizando uma planta com dois anos de cada cultivar, e
em 2000, um experimento com três clones por cultivar, com um ano de idade. Nos
dois trabalhos, as plantas foram sorteadas e submetidas a 2ºC por 150; 300; 450
e 600 horas na ausência de luz. Em 2000, as plantas de 'Della Nona' foram
submetidas a 2ºC somente por 450 e 600 horas. Após completarem cada período,
foram retiradas da câmara fria e conduzidas à casa de vegetação, sob
fotoperíodo natural e temperatura média diária de 20ºC, regadas diariamente,
alternando a solução de Hoagland modificada e água. Duas vezes por semana,
foram anotados o número de flores abertas e o número de gemas vegetativas
laterais e apicais em estádio de ponta verde. O delineamento experimental foi
inteiramente casualizado, com três repetições, utilizando uma planta por
parcela.
b) Condições de frio natural: ramos de um ano, com comprimento médio de 25 cm,
das cultivares anteriormente citadas, exceto 'Planalto', foram coletados
periodicamente de plantas, a campo, a partir do início de abril de 2000. As
coletas iniciaram-se quando foram acumuladas em torno de 100 horas abaixo de
12ºC e até que as plantas atingissem o início da floração. Foram efetuadas
quatro coletas de ramos para 'Precocinho', seis coletas para 'Eldorado' e 'Rio
grandense' e sete coletas para 'BR-1' e 'Della Nona'. O número de coletas
variou entre as cultivares em decorrência do tempo de florescimento a campo.
'Planalto' não foi estudada devido ao baixo número de ramos disponível para
coleta. Os ramos coletados eram imediatamente colocados em vasos com água, com
volume suficiente para manter imersa a base das estacas (em torno de 150 mL), e
conduzidos à câmara de fitotron à temperatura de 20 ± 1ºC, com fotoperíodo de
12 horas de luz. A base dos ramos foi cortada e a água renovada três vezes por
semana. Nestas ocasiões, procedeu-se a contagem do número de gemas vegetativas
laterais em estádio de ponta verde e o número de flores abertas. O porcentual
máximo de flores abertas e de gemas vegetativas laterais e apicais em estádio
de ponta verde, foram computados para cada data de coleta, correspondente a
determinado acúmulo de horas de frio abaixo de 12ºC. O delineamento
experimental foi inteiramente casualizado, com três repetições por cultivar e
dez ramos por repetição.
A conversão de temperaturas para unidades de frio (UF) foi feita segundo a
metodologia desenvolvida por Richardson et al. (1974), também conhecido como
modelo de Utah.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em 1999, plantas de 'Precocinho', 'Rio grandense', 'Eldorado', 'BR-1', 'Della
Nona' e 'Planalto' que não foram submetidas a 2ºC, mas, sim, conduzidas
diretamente à casa de vegetação, não apresentaram flores abertas e brotação das
gemas vegetativas terminais e laterais (resultados não apresentados),
constatando que o frio, durante o período de repouso, é fundamental para a
floração e brotação destas cultivares. Das plantas que foram submetidas a 2ºC
por 150 horas, 'Precocinho' apresentou mais que 50% das gemas terminais
brotadas, mas nenhuma gema vegetativa lateral, e 100% de floração. 'Eldorado'
apresentou 68% de brotação terminal. Para as demais cultivares submetidas às
mesmas condições, não foram observadas floração e brotação lateral até 90 dias
após a saída da câmara fria (Figura_1). Taxas acima de 50% de floração e de
brotação de gemas vegetativas laterais e terminais foram atingidas,
concomitantemente, por 'Precocinho' submetido a 300 horas; 'Eldorado' e 'Rio
grandense' a 450 horas; e 'BR-1' e 'Della Nona a 600 horas a 2 ºC. 'Planalto',
quando submetido a 300 horas a 2ºC, somente apresentou taxas maiores que 50% de
brotação em gemas terminais e de floração, porém esta foi errática, não tendo
sido observada brotação de gemas laterais. Submetidas a 450 horas, esta
cultivar apresentou taxas acima de 50% de brotação de gemas laterais e
terminais, porém floração em torno de 37%. A permanência por 600 horas reduziu
o percentual de brotação e floração (Figura_1). Esta variação nos índices de
floração e brotação, em relação ao número de horas a 2ºC, demonstra uma certa
instabilidade desta cultivar, talvez por ela necessitar de uma quantidade de
horas de frio maior que as fornecidas neste experimento. Outro fator a
considerar está relacionado ao tamanho das plantas, que eram pequenas e com
poucas gemas vegetativas e florais, ocasionando maior variabilidade.
No experimento conduzido em vasos, em 2000, taxas maiores que 50% de floração e
brotação de gemas laterais e terminais somente foram atingidas para
'Precocinho' com 450 horas a 2ºC, e para 'Eldorado', 'Rio grandense', 'BR-1' e
'Planalto' com 600 horas. 'Della Nona' também apresentou floração e brotação de
gemas terminais superiores a 50% com 600 horas, mas não para gemas vegetativas
laterais (Figura_2). Da mesma forma que em 1999, 'Planalto' apresentou
erratismo na floração e brotação.
Analisando o comportamento das plantas de 'BR-1', nos dois anos de estudo, foi
verificado que, em 1999, esta cultivar superou 50% de brotação em gemas
vegetativas laterais e terminais quando submetida a 300 horas a 2ºC. A floração
foi de 20%, decrescendo quando submetida a 450 horas, provavelmente devido ao
estado fisiológico da planta, uma vez que, neste ano, o experimento foi
conduzido sem repetições. Em 2000, índices satisfatórios de brotação e floração
foram observados em plantas submetidas a 450 horas a 2ºC. Para este tratamento
e para 600 horas, os resultados foram semelhantes àqueles obtidos em 1999. Em
condições de campo, plantas jovens florescem mais tardiamente que plantas
adultas da mesma cultivar.
Raseira e Nakasu (1998) estimaram que a necessidade de frio, abaixo de 7,2ºC,
das cultivares Eldorado e Rio grandense é em torno de 300 horas; para 'Della
Nona', 400 horas; para 'Planalto', entre 400 e 500 horas; e para 'BR-1', menor
que 300 horas.
Na Figura_3, é apresentado o número de dias para que as gemas florais,
vegetativas terminais e laterais atingissem 50% de flores abertas e ponta
verde, no experimento conduzido em vasos, em 2000. O aumento no número de horas
a 2ºC diminuiu o número de dias necessário para atingir 50% de florescimento e
brotação nas cultivares estudadas. Nas cvs. Eldorado, Rio grandense, BR-1 e
Planalto, brotação das gemas laterais acima de 50% foi observada em torno de 40
dias após a saída da câmara fria somente nas plantas submetidas a 600 horas a
2ºC, sendo que, para 'Precocinho', 450 horas foi suficiente.
Segundo o modelo desenvolvido por Richardson et al. (1974) para calcular as
unidades de frio necessárias para superação da endodormência em pessegueiro,
uma hora a temperaturas situadas entre 1,5 e 2,4ºC, bem como entre 9,2 e
12,4ºC, acumula 0,5 unidade de frio. Entre 12,5 e 20,9ºC ou abaixo de 1,4ºC não
ocorre acúmulo de unidades de frio, e uma hora acima de 21ºC tem efeito
negativo, ou seja, anula uma unidade de frio. Erez e Lavee (1971) verificaram
que a temperatura de 6ºC teve maior efeito no término da dormência em
pessegueiro do que as temperaturas superiores a 10ºC e menores que 6ºC. Neste
sentido, a contribuição em unidades de frio da temperatura de 2ºC, a que foram
submetidas as plantas em vasos, em 1999 e 2000, é basicamente a metade da
contribuição efetiva, caso as plantas permanecessem a 6ºC. Por outro lado, sob
temperatura de 2ºC, as plantas não sofreram o acúmulo de calor que, segundo
Richardson et. al. (1975), ocorre acima de 4,5ºC.
Citadin et al. (2001) submeteram as cultivares estudadas a 2ºC por mesmos
períodos de tempo e observaram que houve diferenças quanto à necessidade de
calor para o florescimento e brotação destas cultivares após a saída da câmara
fria. 'Della Nona' e 'BR-1' apresentaram alta necessidade de calor; 'Planalto'
e 'Eldorado' foram intermediários; e 'Precocinho' e 'Rio grandense' baixa
necessidade de calor. Resultado semelhante pode ser observado na Figura_3. Os
resultados obtidos por estes pesquisadores corroboram a hipótese de Richardson
et al. (1975) e Raseira (1986), que o tempo de florescimento de uma cultivar
depende basicamente de dois fatores: unidades de frio necessárias para superar
a endodormência e unidades de calor acumuladas após a superação da
endodormência até o pleno florescimento. Assim, foi considerado neste
experimento o percentual máximo de abertura de gemas vegetativas e florais, sem
considerar o número de dias necessário para que este índice fosse atingido.
Até alguns anos atrás, a medida das necessidades de frio era sempre relacionada
com temperaturas iguais ou abaixo de 7,2ºC (Weinberger, 1950). É difícil, no
entanto, aceitar que um processo regulado internamente por trocas bioquímicas
possa estar sujeito a uma temperatura fixa. Trabalhos mais recentes
demonstraram que uma faixa mais ampla de temperatura influencia a
endodormência, e que temperaturas superiores a 7,2ºC podem ser efetivas no
acúmulo de frio, principalmente em espécies e cultivares de baixa necessidade
de frio (Erez e Lavee, 1971; Diaz et al., 1987; Petri, 1996).
Na Figura_4, são apresentados os gráficos da necessidade de frio das mesmas
cultivares, exceto 'Planalto', baseados em coletas periódicas de ramos a campo,
sob condições de frio natural, em 2000. A cada coleta, foram registradas as
temperaturas acumuladas abaixo de 12ºC. Índices acima de 25% de floração e/ou
brotação foram considerados satisfatórios para considerar superada a
endodormência, uma vez que é mais difícil atingir 50% em ramos destacados,
devido à queda de gemas e desidratação dos ramos. Assim, 'Precocinho' com o
acúmulo em torno de 200 horas apresentou 28% de floração e, com 360 horas, 100%
de floração e brotação. 'Eldorado' necessitou de 365 horas para proporcionar
56% de brotação das gemas laterais, porém não foram observadas taxas superiores
a 10% de floração, mesmo com 524 horas. O fato pode ser atribuído à excessiva
queda de gemas florais observada durante a condução do experimento. 'Rio
grandense' apresentou 29% de floração com acúmulo de 365 horas, apresentando
satisfatória brotação de gemas laterais. 'BR-1' atingiu 14% de floração e 28%
de brotação lateral com 418 horas. A floração desta cultivar não foi
satisfatória, porém, a campo, as plantas apresentaram brotação e floração
compacta e satisfatória, indicando que o frio acumulado no período foi
suficiente para a superação da endodormência. 'Della Nona' não atingiu
satisfatória brotação e floração mesmo quando computadas 800 horas, levando a
crer que temperaturas abaixo de 12ºC não sejam um bom parâmetro para avaliar a
necessidade de frio desta cultivar.
Citadin et al. (1998) observaram que a conservação de ramos destacados, mesmo
quando submetidos a diferentes substratos, é muito variável e, em geral,
insatisfatória, mascarando o verdadeiro potencial de floração e brotação. O
fato foi novamente observado por Citadin (1999) em ramos submetidos a 400 e 800
horas a 2ºC, onde a floração e brotação mantiveram-se em torno de 5% a 10%.
Portanto, resultados de experimentos de necessidade de frio, utilizando ramos
destacados com índices adotados acima de 50% de floração e brotação, podem não
representar o real comportamento da planta a campo.
CONCLUSÃO
Considerando os resultados obtidos nos dois experimentos, estima-se que a
necessidade de frio de 'Precocinho' é em torno de 300 horas a 2ºC, equivalente
a 150 unidades de frio (UF) pelo modelo de Utah, ou próxima a 200 horas abaixo
de 12ºC; para 'Rio grandense' e 'Eldorado', em 450 horas a 2ºC (225 UF) ou 365
horas abaixo de 12ºC; para 'BR-1', em 450 horas a 2ºC (225 UF) ou 418 horas
abaixo de 12ºC; e para 'Planalto' e 'Della Nona', acima de 600 horas a 2ºC. Não
foi possível prever a necessidade de frio abaixo de 12ºC para 'Della Nona'.