Pesquisa em enfermagem no Brasil: problematizando a produção de conhecimentos
Pesquisa em enfermagem no Brasil: problematizando a produção de conhecimentos
Nursing research in Brazil: the problem of knowledge creation
Investigación en enfermería en Brasil: problematizando la producción de
conocimientos
Rosa Maria RodriguesI;Maria Helena Salgado BagnatoII
IEnfermeira, Mestre em Enfermagem - USP, Doutoranda em Educação na Faculdade de
Educação da UNICAMP - Campinas, Profesora da UNIOESTE, Presidenta da ABEn-
Regional Cascavel, Gestão, 2002-2004
IIEnfermeira, Professora Doutora da Faculdade de Educação da UNICAMP -
Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Práticas de Educação e
Saúde - PRAESA/UNICAMP. E-mail do autor:rmrodri@certto.com.br
1 Introdução
É notável o crescimento da produção científica na Enfermagem, principalmente
nas duas últimas décadas. Nesse sentido, é importante destacar a contribuição
decisiva dos programas de pós-graduação como espaço de apoio e desenvolvimento
da reflexão, análise e crítica na/da relação teórico-prática no campo da
Enfermagem. Este processo possibilita também, dar outras visibilidades à área
na busca da sua autonomia e identidade profissional socializando maneiras de
conhecer, ser e fazer Enfermagem.
Para colaborar com estas reflexões esta pesquisa traz uma leitura sobre a
produção científica veiculada por três periódicos de circulação nacional, sendo
dois deles localizados na Região Sudeste e um terceiro com sede em Brasília que
veicula grande parte da produção científica vinda praticamente de todo o país.
Esta sistematização permitiu-nos fazer uma aproximação ao estado da arte da
pesquisa em enfermagem.
Tais pesquisas estão cada vez mais presentes na produção científica brasileira,
em diferentes campos do conhecimento(1-4), os quais se apoiam em materiais como
artigos de periódicos, textos e resumos de seminários, congressos, dissertações
de mestrado e teses de doutorado, entre outros. As análises destes materiais
colaboram para dar indicadores das tendências dos trabalhos publicados pela
enfermagem brasileira, explicitando aspectos relevantes da produção de
conhecimentos, temas de pesquisa emergentes ou ainda temas silenciados ou pouco
explorados. É, portanto, uma pesquisa sobre a produção de conhecimentos em
enfermagem que dá uma visibilidade a esta produção possibilitando reflexões
sobre as mesmas.
O estudo teve como objetivo geral descrever e analisar elementos dos artigos
publicados nos últimos cinco anos, nos três periódicos. Os elementos
investigados contribuirão para a aproximação do estado da arte nesta produção,
podendo sinalizar os focos privilegiados, os pontos silenciados e oferecer
elementos para problematizar questões centrais na produção de conhecimentos
como, por exemplo, as de financiamento.
2 Apontamentos metodológicos
Utilizamos como fontes de dados os resumos dos artigos de três periódicos e as
notas de rodapé as quais foram imprescindíveis, para identificação de alguns
dados como, por exemplo, o vinculo de trabalho e/ou estudo dos autores e a
formação acadêmica. Para análise excluímos aquelas publicações que não contavam
com resumos como, por exemplo, as resenhas. Foram selecionados três periódicos
sendo dois da Região Sudeste e um com sede em Brasília.
Os periódicos da Região Sudeste selecionados foram: a Revista Latino-Americana
de Enfermagem em seus volumes 5, 6, 7, 8, 9, perfazendo 25 números sendo
denominada de periódico A; a Revista da Escola de Enfermagem da USP em seus
volumes 31, 32, 33, 34, 35, perfazendo 19 números, denominada de periódico B.
Já o periódico com sede em Brasília trata-se da Revista Brasileira de
Enfermagem da qual analisamos os volumes 50, 51, 52, 53, 54, num total de 20
números e a denominamos de periódico C. Deste periódico não incluímos o número
especial do volume 53, do ano de 2000, que foi exclusivamente direcionado para
a temática saúde da família e o número 2 do volume 54, do ano de 2001, que foi
uma publicação comemorativa aos 75 anos da ABEn, apresentando após análise,
inúmeros artigos que resgatavam a história desta entidade e da enfermagem, o
que poderia falsear as conclusões, dado ser um número com artigos de uma
temática específica. Delimitamos o intervalo de tempo do ano de 1997 a 2001
direcionando, portanto a coleta para um período recente da produção científica.
A eleição de dois periódicos da Região Sudeste, economicamente mais
desenvolvida que outras regiões, ocorreu pela centralização e socialização, até
o momento, da produção científica, não só na especificidade da enfermagem, mas
também em outras áreas. Foi na Região Sudeste que, na década de 70,
implementaram-se os primeiros programas de Pós-Graduação em enfermagem no
Brasil, o que em certa medida, viabilizou uma maior produção de conhecimentos
neste espaço geográfico. Ainda, na escolha dos periódicos, consideramos o
estilo da publicação, elegendo aquelas que não se dirigissem a números
temáticos, uma vez que isto poderia alterar a diversificação geral dos
periódicos. Assim, optamos por periódicos que tivessem circulação nacional e
que divulgassem estudos em todas as áreas da enfermagem, aproximando-nos de um
estudo do estado da arte da pesquisa em Enfermagem.
Visando uma possível sistematização dos dados para a análise, elaboramos uma
matriz sob a qual foram submetidos todos os resumos e os 64 números dos três
periódicos, no período delimitado. Para confecção da matriz elencamos os dados
que poderiam oferecer subsídios para uma aproximação ao estado da pesquisa na
Enfermagem. Os elementos eleitos para busca nos periódicos foram: gênero da
publicação, áreas temáticas privilegiadas, autoria (s), formação dos autores,
vínculo de estudo/trabalho, financiamento junto aos órgãos de fomento,
elementos estes que serão detalhados na apresentação dos resultados.
Salientamos que na construção da matriz de análise para identificação das
temáticas prevalentes na produção dos conhecimentos em Enfermagem, não
consideramos as áreas temáticas definidas pelo CNPq para a indução de pesquisas
na área da saúde, nem a elaboração de Linhas de Pesquisa e Prioridades de
Enfermagem apresentada no Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-
Graduação em Enfermagem que aconteceu em Salvador em 13 de junho de 2000(5).
Justificamos a não utilização desses parâmetros, pois como são formulações
recentes pareceu-nos que o conjunto dos textos estudado não foi produzido a
partir destas orientações.
Organizamos os dados nas matrizes e fizemos a distribuição dos mesmos em
tabelas, embora elas não estejam compondo esta apresentação para publicação. Um
trabalho desta natureza implica que se façam constatações, mesmo que
provisórias, a partir dos dados estatísticos que resultaram da sistematização.
Contudo, a proposta não é a apresentação pura e simples de dados estatísticos,
buscamos extrapolar esses dados de maneira que eles sejam também indicadores
que permitam uma análise aprofundada da temática da pesquisa na Enfermagem.
Além disso, pensamos que poderá enriquecer a análise a correlação com outros
autores que já tenham tratado direta ou indiretamente das questões levantadas
na pesquisa. Outro elemento é que embora o resultados se explicitem na forma de
tabelas e números aparentemente frios, objetivos e neutros, eles foram
produzidos a partir das leituras e análises dos resumos e isto com certeza, já
carrega em si uma carga de subjetividade o que não significa que os dados foram
manipulados conforme as impressões subjetivas dos pesquisadores. Significa
apenas que, mesmo um dado aparentemente neutro carrega em si um arsenal de
valores e crenças que, mesmo não explicitados estão permeando a sistematização
e a análise.
3 Apresentação e análise dos resultados
Realizamos um levantamento de todos os números de três periódicos de 1997 a
2001, totalizando 64 exemplares nos quais encontramos 811 resumos como se pode
observar na Tabela_1.
O primeiro aspecto sistematizado foi a busca nos resumos pelos gêneros que são
mais freqüentes na Enfermagem. Para tanto, consideramos que os trabalhos
poderiam ser distribuídos em trabalhos de pesquisa, de análise ou reflexão
teórico-metodológica, relatos de experiência, revisões bibliográficas, ensaios,
documentários e outros para aqueles trabalhos que não se enquadrassem em nenhum
desses gêneros. Ressaltamos que foram designados como pesquisa aqueles
trabalhos que apresentaram uma certa sistematização científica, explicitando
direta ou indiretamente um referencial teórico-metodológico, instrumentos e
técnicas de coleta, sistematização e análise de dados. Salientamos, ainda, que
essa opção excluiu trabalhos que tinham cunho científico e valor tanto quanto
os que foram colocados sob essa denominação, além do que essa opção explicita
uma determinada concepção de produção do conhecimento, que considera como
científico apenas aquilo que se aproxima do paradigma empírico-analítico.
Cabe ressaltar que o periódico C, a partir do ano 2000, passou a identificar
seus artigos com as designações acima o que, por um lado facilitou o trabalho,
mas por outro, em certos momentos criou controvérsia quanto à designação
proposta pela revista e a por nós apontada. Nesta controvérsia, optou-se por
seguir a identificação que a revista trazia, uma vez que isto já era um
consenso, por certo alcançado pelo grupo de consultores do periódico.
A partir destes indicadores foi possível constatar que a maioria dos artigos,
61,5%, é do gênero pesquisa; os relatos de experiência aparecem em segundo
lugar com 13,3%, seguido de análise ou reflexão teórico metodológica com 13,0%,
revisões bibliográficas com 5,8%, ensaios com 5,7% e documentários com 0,7%.
Este quadro dá indicadores de um predomínio de produção de conhecimentos
respaldado em dados empíricos e parece explicitar o esforço que a enfermagem
tem feito, desde que iniciou sua trajetória pela pesquisa de se firmar como uma
área de conhecimento consolidada, tendo como referência o modelo tradicional de
ciência, ou o modelo empírico analítico. Para tal referencial o conhecimento
tem sua origem nas ciências naturais, tem como método a explicação (procura das
causas), tem como produto informações, como aplicação o controle técnico, como
orientação normativa as regras e leis (normalidade) e como interesse propiciar
um instrumental de controle(6). Particularmente não podemos criticar essa
atitude de buscar firmar essa prática como ciência, mas ao mesmo tempo não
acreditamos que a designação de ciência seja necessária para garantir o status
e a visibilidade tão almejada. Nesta mesma linha de raciocínio podemos afirmar
que a medicina ou a odontologia em si também não são ciências no modelo
tradicional (elas são práticas sociais que, como a enfermagem, utilizam-se de
conhecimentos produzidos por elas próprias, mas tem o apoio de uma proporção
significativa de conhecimentos produzidos por outras áreas, tradicionalmente
consideradas científicas como a biologia a química, a física) e nem por isso
elas deixam de gozar de um status elevado, pelo contrário, são duas profissões
da área da saúde que tem espaço e visibilidade bem definidos e adquiridos.
Por outro lado, se cruzarmos este dado com os relativos à formação dos autores
veremos que há uma predominância das publicações por parte de alunos de pós-
graduação e de doutores e podemos entender os motivos do gênero pesquisa ser o
predominante. As publicações explicitam que quem produz são os atores
envolvidos na formação Stricto Sensu, daí a predominância de trabalhos no
gênero pesquisa.
Quanto às áreas temáticas buscamos ver nos artigos aquelas temáticas que se
apresentam como centrais na Enfermagem, tais como a do cuidado ou da
assistência, sendo que sob essa temática englobamos todos aqueles artigos que
se referiam ao cuidado explicitamente ou que eram referentes ao cuidado da
Enfermagem em áreas especializadas como cuidado nas Unidades de Terapia
Intensiva, no Centro Cirúrgico, as pesquisas sobre a sistematização da
assistência, entre outras; a gestão/administração na Enfermagem, na qual
registramos todos os trabalhos relacionados direta ou indiretamente a essa
temática, como o tema liderança, por exemplo; na temática educação/ensino,
foram englobados todos os artigos que tratassem do ensino, desde a formação de
auxiliares, técnicos, enfermeiros (na graduação e na pós-graduação), até a
educação continuada e as práticas educativas em espaços não formais; a temática
saúde pública englobou todos os artigos relacionados à saúde comunitária, saúde
pública, etc.; as temáticas saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente,
saúde do idoso, saúde do trabalhador, HIV/AIDS, Enfermagem psiquiátrica e saúde
mental, foram apontadas de antemão também por serem áreas que consideramos
consolidadas em nossa prática, apenas tivemos o cuidado de salientar o espaço
em que acontece em maior amplitude a produção nessas temáticas, ou seja, se ela
se concentra em maior grau no espaço hospitalar ou em espaços não hospitalares.
As temáticas que denominamos como Pesquisa e Produção do Conhecimento, Ética,
Ética Profissional e Bioética, História da Enfermagem, Enfermagem e Trabalho,
surgiram na leitura dos resumos sendo que especificamente na temática
Enfermagem e Trabalho foram inseridos todos os resumos que faziam referência à
prática da Enfermagem, à organização da Enfermagem, aos problemas da profissão.
Ainda houve a necessidade de reunir sob a denominação de Outros, aqueles temas
que não se enquadravam em nenhuma dessas temáticas, como por exemplo, os
trabalhos tratando da sexualidade de forma genérica, sobre internet, sobre
motivação entre muitos outros que apresentaram um pequeno número de
ocorrências.
A partir destes direcionamentos foi possível verificar que as áreas temáticas
se apresentam com a seguinte configuração: Cuidado/Assistência em Enfermagem
com 18,7%, Educação/Ensino com 12,0%, Saúde da Criança e do Adolescente com
9,6%, Saúde da Mulher com 7,4%, Gestão/Administração em Enfermagem com 6,0%,
Saúde do Trabalhador com 5,8%, Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental com 5,5%,
História da Enfermagem com 4,4%, Enfermagem em Saúde Pública com 4,0%, Pesquisa
e Produção do Conhecimento com 3,8%, HIV/AIDS com 3,1%, Enfermagem e Trabalho
com 3,0%, Saúde do Idoso com 2,3%, Ética, Ética Profissional e Bioética 1,2% e
outros temas com 13,3%.
Os dados dos periódicos consultados explicitam que há uma predominância de
pesquisa que tomam o campo assistencial na enfermagem para estudo com
ocorrência de 18,7%. É importante salientar que, na prática da pesquisa, parece
que a enfermagem assume efetivamente a temática do cuidado como um foco
privilegiado de sua atuação. Por outro lado cabe indagar se este dado não
reflete ainda a predominância de temáticas dirigidas à assistência
individualizada que era a tendência da pesquisa na década de 80 e que vinha se
diversificando a partir de então, com a emergência de outras temáticas(7).
Ressaltamos ainda que a temática da Saúde da Mulher tem uma maior tendência a
se concentrar no espaço não hospitalar com 75,4% dos trabalhos neste espaço em
contraposição a 19,7% no espaço hospitalar, indicando que este é um tema mais
abordado do ponto de vista da Saúde Coletiva. Isto pode ser entendido pela
ênfase que é dada pelos programas oficiais na saúde da mulher, concentrando-se
essas práticas nos espaços preventivos. Registramos, ainda, que este dado
quando foi analisado e apresentado em um encontro de pesquisa, tendo como fonte
apenas o periódico C, apresentou uma tendência de equilíbrio entre os espaços
hospitalares e não hospitalares tendência esta que não se confirmou quando da
reunião dos dados dos três periódicos.
A temática Saúde da Criança e do Adolescente apresentou-se com tendência de
direcionamento para a área hospitalar com 52,5% enquanto que os trabalhos
direcionados para o espaço não hospitalar perfizeram um total de 43,8%. Tal
dado sugere que há uma menor produção de conhecimentos pelos enfermeiros
(docentes ou assistenciais) que estão ligados aos espaços de atenção extra-
hospitalar.
A temática da Saúde do Trabalhador aparece bastante concentrada no âmbito
hospitalar com 55,8% dos trabalhos, indicando que os estudos sobre a saúde do
trabalhador feitos pela enfermagem tem focalizado em grande medida os problemas
relacionados ao próprio trabalho da enfermagem que acontece nos ambientes
hospitalares.
Por outro lado, a tendência da temática HIV/AIDS, aparece bastante definida no
espaço extra-hospitalar com 84% dos trabalhos, o que pode indicar que a
enfermagem tem se debruçado timidamente sobre trabalhos de pesquisa com doentes
de AIDS, dando maior relevância aos trabalhos extra-hospitalares. A isso
poderíamos relacionar o maior incentivo, até mesmo governamental, a trabalhos
preventivos, dado ser a AIDS uma doença ainda sem cura definitiva. Entretanto
avaliamos que este é um dado relevante que merece atenção por parte dos
estudiosos da área.
Encontramos a temática Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental também tendendo a
se concentrar no espaço extra-hospitalar, com 59,6%, comparados aos 36,2% do
espaço hospitalar, o que pode nos indicar que está havendo uma mudança de
postura da enfermagem brasileira em relação a esta área fato este que pode ser
reflexo da reforma psiquiátrica e do modelo desacreditado de assistência
asilar/manicomial que foi/é predominante, direcionando a produção do
conhecimento para fora das instituições psiquiátricas tradicionais.
Um importante registro que se faz aqui é o da pouca ocorrência de resumos que
tratassem da saúde coletiva especificamente (3,6%). Apesar disto, é possível
inferir que esta pouca ocorrência não signifique exatamente que há apenas 3,6%
de pesquisas ou textos que se direcionem à saúde coletiva. Se levarmos em
consideração os trabalhos das áreas de saúde da mulher, da criança e do
adolescente, do idoso, do trabalhador, HIV/AIDS e enfermagem psiquiátrica e
saúde mental que se concentram no espaço não hospitalar este percentual se
elevaria para 22,9% (3,6% dos especificamente voltados para saúde coletiva e
157 resumos - 19,3% das áreas de saúde da mulher, da criança e do adolescente,
do idoso, saúde do trabalhador, HIV/AIDS, Enfermagem psiquiátrica e saúde
mental com textos fora do espaço hospitalar). Contudo, pensamos que esta não
seja uma observação muito precisa, pois nem sempre um texto que não se voltava
para o espaço hospitalar tinha ao mesmo tempo uma perspectiva direcionada à
saúde coletiva.
Em relação à autoria identificamos uma tendência de produção coletiva, expressa
pelos seguintes dados: artigos com duas autorias, 42,9%, com três autores,
21,6%, com 4 autores, 11,1%, com cinco autores, 4,9% e com seis autores e mais
0,6%, em contraposição aos 17,5% de resumos de autoria individual. Tal
distribuição pode ser justificada pelo crescente incentivo para formação de
grupos de pesquisa, sendo cada vez menos recomendada a produção individual.
Isso sem dúvida é um aspecto importante, pois pode favorecer as discussões e
produções coletivas. Dado que a produção, como veremos adiante está bastante
concentrada nos programas de pós-graduação, essa produção coletiva acaba sendo
as parcerias entre docentes doutores e alunos de pós-graduação, fato este que
pode explicar o elevado percentual (42,5%) de resumos com duas autorias.
A questão da produção coletiva tem sido um dos itens avaliados pelos órgãos de
fomento como, por exemplo, o CNPq que pretende com isso "estimular estudos
interdisciplinares, voltados para resolução de problemas sociais, tanto através
de propostas tecnológicas como estudo de estratégia de sobrevivência(5:
91)".Assim, percebe-se por parte dos órgãos financiadores, uma tendência a
direcionar os recursos para trabalhos realizados em grupos. Da mesma forma a
CAPES, em suas últimas deliberações, direcionou muitos dos recursos para
financiamento apenas de pesquisas que estejam vinculadas a grupos e parcerias
entre universidades. Os dados por nós levantados nesta pesquisa não nos
permitem afirmar que a produção acadêmica da enfermagem esteja se pautando por
estes critérios até o momento.
Considerando a formação dos autores, encontramos, que 29,8% são doutores, 20,7%
são alunos de pós-graduação, 9,9% são alunos de graduação, 7,0% são mestres,
5,9% são enfermeiros graduados, 2,4% são outros profissionais 1,3% são
especialistas, 1,0% são enfermeiros bolsistas e que 22,0% não deixam claro a
titulação acadêmica. O número elevado de autores que não explicitou sua
formação acadêmica, em sua maioria, eram autores que faziam referência apenas
ao nível ocupado nos planos de carreira dentro das universidades, o que nos
impossibilitou de saber claramente se eram doutores, mestres, especialistas,
uma vez que o nível na carreira não tem ligação necessária com a titulação
acadêmica em todas as instituições de educação superior. Entretanto, os dados
explicitam que há uma relação direta entre titulação acadêmica e produção de
conhecimentos na Enfermagem. Permitem retomar a afirmação feita no início deste
texto de que é preciso buscar na produção de conhecimentos uma das
possibilidades de dar visibilidade que a Enfermagem tanto anseia. Assim, é
importante o alerta de que, nos periódicos estudados, encontramos um déficit de
produção de conhecimentos por parte dos trabalhadores que estão na assistência
direta ou desenvolvendo a prática da Enfermagem nos diversos espaços em que ela
acontece efetivamente, uma vez que a produção é bastante concentrada nos
programas de pós-graduação. Tal dado pode indicar um distanciamento da pesquisa
dos problemas que são prementes no cotidiano dos trabalhadores de enfermagem.
O vínculo de trabalho e/ou estudo dos autores, apresentou-se da seguinte forma:
87,1% situam-se em universidades públicas, 4,2% em hospitais públicos, 1,6 % em
universidades privadas, 1,0% em centros de saúde, 0,4% em hospitais privados,
0,3% em ambulatórios; 0,1% em instituições de ensino médio, 0,2% em clínicas,
em 3,9% dos resumos não foi possível identificar o vínculo de trabalho e/ou
estudo e 1,2% eram profissionais de espaços diferentes dos elencados para
pesquisa. Registramos que para fidedignidade deste dado recorremos ao recurso
de busca na internet para verificação da razão social da instituição e poucas
foram as instituições que não foram identificadas a partir deste recurso. Cabe
ainda o registro de que um grande percentual da produção científica está
concentrada nas universidades da Região Sudeste, mesmo no periódico que não é
localizado nesta região, corroborando nossa afirmação inicial deste texto de
que a referida região, pelas características lá enumeradas concentra grande
parte da pesquisa no Brasil.
Os dados apresentados reforçam a afirmação acima da correlação entre produção
de conhecimentos e titulação acadêmica. Por outro lado, oferece um importante
argumento em defesa da universidade pública como espaço privilegiado de
produção e socialização científica. Assim, se há um discurso oficial de que as
universidades públicas são onerosas e que não cumprem com sua função, essa
afirmação, no que se refere à Enfermagem, tem que ser questionada. Há que se
fazer uma leitura crítica, inclusive questionando a quem interessa este
discurso, uma vez que a universidade pública é, na Enfermagem o locus,quase
exclusivo, da produção e socialização de conhecimentos.
Se somarmos o percentual de trabalhos produzidos pelas universidades públicas e
pelos hospitais públicos teremos um total de 91,3% de produção a partir destes
espaços. Assim, a política neoliberal desencadeada na década de noventa no
Brasil que, para a educação superior e para as instituições de caráter público
teve como conseqüências à expansão da rede privada e o sucateamento da rede
pública, bem como uma política de desvalorização destas instituições, deve sem
dúvida, em curto prazo, refletir na qualidade da produção de conhecimentos.
Quanto ao financiamento das pesquisas, encontramos que 79,2%, não explicitam em
seus artigos a fonte de financiamento e 20,8% mencionam. Destes, 66,6% são
apoiados financeiramente pelo CNPq, 14,0% pela FAPESP, 8,6%, pela CAPES, e 9,8%
por outras fontes de financiamento. Isso pode indicar que a produção de
conhecimento, na sua grande maioria, não tem sido financiada ou que os autores
não destacam sua fonte de financiamento quando publicam seus trabalhos de
pesquisa. Sugere ainda que, sendo a produção centralizada nas universidades e,
portanto, realizada por docentes haveria uma vinculação direta dos projetos de
pesquisa com a destinação de carga horária do trabalho docente.
Podemos afirmar que as fontes de financiamento da pesquisa em enfermagem, por
excelência, são aquelas vinculadas ao sistema de Educação Superior Federal,
aqui representados pelos trabalhos financiados pela CAPES e CNPq. De acordo com
as informações encontradas, há uma pouca participação dos órgãos de fomento
estaduais como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo),
que financia pesquisas no Estado de São Paulo. Sob a denominação de outros
também inserimos fontes de financiamento de outros Estados como a FAPERJ do Rio
de Janeiro, órgãos de estados do Nordeste, do Rio Grande do Sul, mas com
pequena ocorrência.
Neste aspecto pode ser inserida a discussão sobre os direcionamentos das
políticas públicas para a Educação Superior, inclusive em relação ao fomento de
pesquisas. Neles está presente uma tendência à progressiva desobrigação do
Estado para com este nível de educação, deixando para as leis de mercado a
definição dos caminhos da produção e reprodução de conhecimentos.
No que tange à área da Enfermagem essa questão é preocupante, pois, nesta
lógica, se os temas que são objetos de pesquisa, não se configurarem em uma
mercadoria de grande aceitação no mercado, não haverá interesse em se financiar
pesquisas dessa natureza. Está aí uma arena de conflitos e embates dos
pesquisadores preocupados com uma produção científica que contemple
prioritariamente os problemas e as necessidades sociais.
4 Considerações finais
O estudo realizado ofereceu indicadores do predomínio de alguns locus da
produção de conhecimento, bem como das temáticas que têm sido privilegiadas
como objeto de estudo pela Enfermagem, indicando presenças, ausências e
limitada ocorrência de temáticas importantes como a saúde coletiva que figura
com apenas 3,6% dos resumos analisados, mas que mesmo assim consideramos que
devam ser debatidas no cenário atual.
Identificamos algumas tendências da produção e socialização do conhecimento na
Enfermagem como a maior concentração de artigos relativos a pesquisas,
entendendo esta atividade como uma produção e organização sistemática do
processo de pesquisa e dos seus resultados, tendo como suporte o paradigma
empírico analítico.
Podemos ver também que emergiram múltiplas e variadas temáticas que, se
representam um movimento de distanciamento do modelo tradicional de ser e fazer
enfermagem, ainda apontam uma certa permanência do mesmo modelo predominando as
temáticas voltadas para a assistência.
Identificamos uma forte tendência de produção do conhecimento em parcerias com
dois autores, na sua maioria doutores e alunos de pós-graduação, explicitando
que a produção de conhecimentos em enfermagem tem tido seu principal espaço na
pós-graduação. Contudo, avaliamos que seja necessário que se consolidem grupos
de pesquisa, para possibilitar a produção efetivamente coletiva.
Reafirmamos que há forte predominância do espaço público representado pelas
universidades, como quase únicos, na produção e socialização dos conhecimentos
em Enfermagem, o que nos leva a reforçar a defesa da permanência e ampliação
desses espaços e não o seu desmonte como tem sido efetivado pelas políticas
públicas para este setor. Esta defesa se apresenta mais clara quando olhamos
para as fontes de financiamento que são, na sua totalidade, vinculadas a órgão
públicos federais e estaduais.
Gostaríamos de apontar (embora não tenha sido um dado por nós sistematizado),
que percebemos uma forte concentração dos trabalhos de pesquisadores da Região
Sudeste, sustentando nossa afirmação inicial neste texto de que esta Região tem
se constituído no espaço geográfico privilegiado da produção científica no
Brasil. Tal fato em nosso entendimento se explica pelo desenvolvimento
econômico experimentado pela Região.
Acreditamos que esta pesquisa deixa lacunas pouco discutidas e que devem ser
temas de pesquisa por pesquisadores especialistas em cada uma das áreas que foi
superficialmente trabalhada. Podemos afirmar que os periódicos, fontes dos
dados, têm se constituído em importantes meios de divulgação de conhecimentos
na Enfermagem brasileira.