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BrBRCVHe0034-71672003000600020

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National varietyBr
Year2003
SourceScielo

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Pesquisa em enfermagem à luz da complexidade de Edgar Morin Pesquisa em enfermagem à luz da complexidade de Edgar Morin

Investigación en enfermería a la luz de la complejidad de Edgar Morin

Research on nursing in light of Edgar Morin´s concept of complexity

Silvana Sidney Costa Santos Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora da Faculdade de Enfermagem N.Sa.

das Graças (FENSG), Universidade de Pernambuco (UPE), Líder do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa sobre o Idoso - GIEPI (CNPq). E-mail: silvanasidney@terra.com.br

1 Introdução Considero ser o objeto da enfermagem o ser humano e seu objetivo prestar o cuidar/cuidado a este ser humano, seja um indivíduo ou uma coletividade, saudável ou doente, inserido em qualquer faixa etária do processo de nascer, viver e morrer humano. Portanto faz-se desejável perceber a complexidade que envolve os objetos de pesquisa da enfermagem e sua interação com outros seres humanos, com outras disciplinas, com o meio ambiente, os quais requerem uma forma de investigação aberta, contextualizada e que conta de abarcar a realidade que se apresenta. Defendo que a Complexidade, segundo Edgar Morin, pode ser uma possibilidade à pesquisa em enfermagem.

Edgar Morin é sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo, desenvolveu estudo universitário em direito e como autodidata realizou um estudo transdiciplinar em diversas áreas. Edgar Morin é "mestre na arte de fazer caminhos ao caminhar [...] é pensador da Complexidade, do imaginário, da compreensão e de uma sociologia do cotidiano e do presente"1:13).

Pensador de uma cidadania terrestre que propõe uma ética de solidariedade, Edgar Morin transita em diferentes contextos, sejam regionais ou mundiais, de forma a contribuir para a construção da complexidade. Nas suas obras voltadas ao ensino educativo Edgar Morin propõe-nos uma reforma do pensamento por meio do ensino transdiciplinar, capaz de formar cidadãos planetários, solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos atuais.

Complexidade é o pensamento que se esforça para unir, operando diferenciações.

Complexussignifica o que é tecido junto, o que uma feição de tapeçaria. A complexidade não recusa a clareza, a ordem, o determinismo, os acha insuficientes, sabendo que estes não podem programar a descoberta, o conhecimento, nem a ação(2).

Esta reflexão originou-se da experiência da autora, ao utilizar tal referencial teórico numa tese de doutoramento e teve por objetivo apresentar a Complexidade, mostrando sua importância na pesquisa em enfermagem.

2 Princípios teóricos da Complexidade A Complexidade é uma forma de compreender o mundo, tendo capacidade de integrar no real as relações que sustentam a co-existência entre os seres no universo, possibilitando o reconhecimento da ordem e da desordem; do uno e do diverso, da estabilidade e da mudança, enfim: a complexidade comporta as ações, as interações e as determinações que constituem o mundo dos fenômenos e, principalmente, a noção de incerteza(3).

As obras de Morin são baseadas em querer unir o diverso, comportando a assimilação e a reunião do que estava separado, disperso, de informações e idéias compartimentadas(4). Para Morin o meu sentido das verdades eram contrárias e minha recusa das verdades isoladas suscitou os princípios de um pensamento complexo, isto é, de um pensamento que relaciona o que, por origem diversas e múltiplas, forma um tecido único e inseparável: complexus(3:257).

A Complexidade apresenta três princípios básicos, que são complementares e interdependentes: o hologramático, o circuito recursivo e o dialógico(2-5).

O primeiro princípio, hologramático,evidencia que não apenas a parte está no todo, como o todo está inscrito nas partes, não significando, todavia, que a parte seja um reflexo puro e simples do todo, pois cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, mas de algum modo contém o todo e nesse momento é preciso colocar-se num caminhar de pensamento, o qual faz o ir e o vir das partes ao todo e do todo às partes. Considere o holograma para melhor entendimento deste princípio e a partir dele percebe-se que não se pode mais considerar um sistema complexo segundo a alternativa do reducionismo, o qual quer compreender o todo partindo somente das qualidades das partes, ou do holismo, que não é menos simplificador e que negligencia as partes para compreender o todo.

Um exemplo deste princípio diz respeito aos organismos biológicos, pois cada uma das células do corpo humano, até a mais simples célula da epiderme, contém a informação genética do ser global, mas não é em si o ser global.

O segundo princípio, o do circuito recursivo, representa um circuito gerador em que os produtos e os efeitos são, eles mesmos, produtores e causadores daquilo que os produz, igual a um tufão quando simultaneamente ele é produzido e produtor do processo.

Um exemplo deste princípio relaciona-se à sociedade que é produzida pelas interações entre seres humanos e estas interações produzem um todo organizador que retroage sobre estes, para co-produzi-los como seres humanos: o que eles poderiam ser, não seriam se não dispusessem da instrução, da linguagem e da cultura. Sendo, o processo social um círculo produtivo no qual, os produtos são necessários à produção daquilo que os produz. Outro exemplo, para o princípio recursivo, diz respeito ao fenômeno biológico do ciclo da reprodução, no qual os seres vivos são produzidos e eles mesmos são necessários para a continuação do ciclo de reprodução, ou seja, a reprodução produz seres vivos que reproduzem o ciclo da reprodução.

O terceiro princípio, o dialógico, permite assumir racionalmente a inseparabilidade de noções contraditórias (como ordem, desordem e organização) para conceber um mesmo fenômeno complexo, ou seja, ele une duas noções que tendem a excluir-se, reciprocamente, mas são indissociáveis em uma mesma realidade.

A dialógica permite assumir racionalmente a associação de ações contraditórias para conceber um imenso fenômeno complexo. Com essa forma de pensar Morin teve a idéia que ele chamou de unidualidade, quando afirma que o ser humano é um ser unidual, totalmente biológico e totalmente cultural a um tempo.

O modo complexo de pensar não tem somente a sua utilidade para os problemas organizacionais, sociais e políticos; pois, o pensamento que afronta a incerteza pode esclarecer as estratégias do nosso mundo incerto; o pensamento que une pode esclarecer uma ética dareunião e da solidariedade; o pensamento da Complexidade tem igualmente os seus prolongamentos existenciais que postulam a compreensão entre os seres humanos(6).

Um modo de pensar capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados está apto a desdobrar-se em uma ética da união e da solidariedade entre humanos, pois um pensamento hábil em não se fechar no local e no particular, mas de conceber os conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e o da cidadania. A reforma do pensamento teria, então, conseqüências existenciais, éticas e cívicas.

As diversas complexidades que foram aqui descritas, como a desordem, a contradição, a dificuldade da lógica, os problemas da organização, formam o tecido da Complexidade(4). Complexus é o que está junto, é o tecido formado por diferentes fios que se transformam numa unidade, isto é, tudo se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a unidade da Complexidade; porém, a unidade do complexus que foi formada não destrói a variedade e a diversidade das Complexidades que o teceram.

4 Pesquisa em Enfermagem a partir da Complexidade Considerando a complexidade que envolve os objetos de estudo da enfermagem, torna-se desejável escolher um caminho metodológico mais apropriado a sua apreensão, ou seja optar por um método que apresente maior possibilidade de retratar esta realidade. E entendendo o método como caminho da investigação acoplado a/e originário da teoria e não amarra do fazer científico, a Complexidade, de Edgar Morin, quando utilizada como escolha teórica termina sendo um guia para achar o caminho preterido.

O método de investigação do estudo, na Complexidade, surge dos pressupostos teóricos, pois, como lembra Morin 5, "a teoria não é nada sem o método"(6:337), ou seja, ambos são componentes indispensáveis da complexidade. Para esse autor, a Complexidade não tem metodologia, mas pode ter o seu método, o que ele chama de lembrete. E continuando o seu ponto de vista, acrescenta que o método da Complexidade pede que pensemos nos conceitos sem dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras.

Para Morin(7) a palavra método não significa metodologia, pois a metodologia é um guia a priorique programa a investigação, ao passo que o método que se liberta ao longo do caminhar do pesquisador, será, sempre um auxiliar da estratégia, comportando, necessariamente, descobertas e inovações.

A finalidade do método, na complexidade, é ajudar o pesquisador a pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade do problema. O método que guia o pesquisador para a elaboração da epistemologia complexa é precisamente aquele que resulta da epistemologia complexa. Complementa Morin que o método auto-produziu-se. A necessidade de fazer comunicar os conhecimentos dispersos para desembocar num conhecimento do conhecimento, a necessidade de superar alternativas e concepções mutilantes ..., tudo isto contribuiu para a auto-elaboração de um método visando o pensamento o menos mutilante possível e o mais consciente das mutilações que opera inevitavelmente para dialogar com o real(7:30).

Morin escolhe a caminhada ao caminho e nesta trajetória o método consiste na descrição do caminho percorrido ao longo da caminhada empreendida e nesta caminhada, torna-se interessante que o pesquisador faça um ir e vir incessante entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o separável e o inseparável e para isso utiliza a lógica clássica e os princípios de identidade, de não contradição, de dedução, de indução; procurando enxergaros seus limites e algumas vezes procurando transgredi-los 1.

Não se trata de abandonar os princípios da ciência clássica _ ordem, separalidade e lógica, mas de integrá-los num esquema que é ao mesmo tempo "largo e rico"(8:205); não se trata também, de "opor um holismo global e vazio a um reducionismo sistemático"(8:205), mas de ligar o concreto das partes à totalidade, pois é preciso articular os princípios da ordem e da desordem, da separação e da junção, da autonomia e da independência, que estão em dialógica, ou seja, são complementares, concorrentes e antagônicos, no seio do universo.

É desejável que o pesquisador não esqueça que o pensamento complexo é essencialmente o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. "É o pensamento capaz de reunir [...], de contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto"(8:207).

O paradigma da Complexidade proposto por Morin, termina por retratar um conhecimento sobre condições possíveis, tornando-se, então, um conhecimento relativamente imetódico ou construído a partir de uma pluralidade metodológica; necessitando de uma composição transdisciplinar e/ou individualizada, se individualizada sugere um movimento de maior personalização do trabalho científico e do investigador.

Considerando que teoria e método se confundem e que ambos são componentes indispensáveis do conhecimento complexo, acrescento as ponderações de Morin quando aponta ser o método uma atividade pensante do sujeito e para o mesmo autor, o método torna-se central quando reconhecimento e presença de um sujeito procurante, conhecente e pensante; sabe-se que o conhecimento não é acumulação dos dados ou informações, mas sua organização; a lógica perde seu valor perfeito e absoluto; a sociedade e a cultura permitem duvidar da ciência em vez de fundar o tabu da crença; sabe-se que a teoria é sempre aberta e inacabada; sabe-se que a teoria necessita da crítica da teoria e a teoria da crítica; incerteza e tensão no conhecimento; o conhecimento revela e faz renascer ignorâncias e interrogações(6: 337).

Morin direciona como fundamental na reforma do fazer científico torná-lo uma atividade social e imaginal, considerando que todo ato de conhecimento funciona como uma gestação coletiva. Morin reconhece o valor do método nas difíceis veredas da pesquisa científica, sendo a Complexidade uma estratégia de desintegração para a reconstrução, ela desmonta a totalidade, clássica e monolítica, com a "preocupação teórica de estabelecer uma nova totalidade aberta, circular, precária e em permanente intercâmbio com as suas partes"(1: 31). E para isso, Morin não vacila em situar a sua evolução no sentido da exploração de um modelo teórico bem mais denso, no qual não reina a ordem, mas também e sobretudo a desordem.

Morin, em relação ao conhecimento complexo, diz que ele não tem término, e isto não apenas porque ele é inacabado e inacabável, mas também porque ele chega por si ao desconhecido. "Atrás da complexidade, o indizível e o inconcebível.

Sob os conceitos, o mundo. Sob o mundo?"(3:260) Ou ainda, chegar ao fim não significa ter concluído, mas ter caminhado.

5 Considerações finais Acredito que a complexidade conduz a uma série de problemas fundamentais que são os problemas relacionados ao destino humano na atualidade. E esse destino humano depende da capacidade de todos os seres humanos compreenderem os problemas fundamentais, procurando contextualizá-los, globalizá-los e integrá- los, e depende também da capacidade de todos para enfrentar a incerteza, procurando encontrar os meios que permitam aos seres humanos caminhar num futuro incerto, não esquecendo de manter a coragem e a esperança em suas vidas.

Para construir as bases metodológicas favoráveis à pesquisa, em uma concepção de conhecimento aberto, dinâmico e dentro dos pressupostos da Complexidade torna-se possível adotar a idéia de que o pesquisador precisa desenvolver e construir os métodos e caminhos mais adequados às explicações dos fenômenos que ele busca revelar. Sem ignorar os princípios da lógica e objetividade da ciência, mas não perdendo de vista a busca da articulação da teoria com a realidade.

A utilização do método da Complexidade na investigação leva a considerar que a complexidade "enfatiza o problema e não a solução"(8:23) e que tudo está em movimento e este movimento se finda na ação reflexiva da inter-relação de todas as coisas, num caminhar que, como diz Petraglia(9:16) "começa onde termina e termina onde começa", porém modificado ou pelo menos sendo visto com outro(s) olhar(es).


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