Significado da laqueadura tubária para moradoras de vilas populares de Porto
Alegre
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Significado da laqueadura tubária para moradoras de vilas populares de Porto
Alegre
The significance of tubal ligation for people living in low-end neighborhoods
in Porto Alegre
Significado de la ligadura para mujeres que viven en los barrios populares de
Porto Alegre
Ana Amélia Antunes LimaI; Anna Maria Hecker LuzII
IEnfermeira
IIEnfermeira. Orientadora do trabalho. Professora do curso de Graduação em
Enfermagem e da Pós-Graduação- Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do
Vale do Rio do Sinos - Unisinos e do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail do autor: anninhaenf@hotmail.com
1 Introdução
A esterilização tubária surgiu como método contraceptivo, em meados do século
XIX, através de experimentos realizados em coelhos e, mais tarde, em 1881,
quando uma americana teve suas tubas uterinas amarradas por já haver se
submetido a duas cesáreas(1).
Passados cem anos da realização da primeira laqueadura tubária (LT), têm
aumentado a procura pelo método, considerado contracepção definitiva, pois as
mulheres mostram-se interessadas em métodos que consideram mais eficazes e
seguros para evitar nova gravidez, além de lhes garantir maior controle de
fertilidade.
Entre os fatores que colaboram para o aumento do número de mulheres
esterilizadas no Brasil, destacam-se: fatores pessoais ligados à informação ou
falta de relacionada à existência de vários métodos contraceptivos; fatores
socioculturais, responsáveis pela mudança do status da mulher dentro da
sociedade brasileira, acentuando sua presença no mercado de trabalho 1, além do
acelerado processo de urbanização e as mudanças culturais que interferiram na
regulação da fertilidade, provocando uma queda na taxa de fecundidade a partir
da década de 1970(2).
Dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS, 1996) revelam que a
proporção de mulheres brasileiras usuárias de algum método contraceptivo era de
76,7%, estando a esterilização tubária no topo da lista atingindo 40,1% da
preferência das mulheres com 28,9 anos, revelando que a opção e realização da
laqueadura tubária (LT) vêm ocorrendo cada vez mais cedo(3). Destacam-se, entre
as razões para escolha do método cirúrgico de contracepção, a dificuldade de
acesso aos serviços de saúde reprodutiva, o pouco poder das relações afetivo-
sexuais e a baixa capacidade de negociação na esfera da sexualidade.
Outro fator é o aumento da procura pela LT por mulheres de nível educacional
menor, pertencentes às camadas mais pobres, divergindo do que ocorria em meados
de 1980, quando a LT era realizada por mulheres que dispunham de melhores
condições educacionais e financeiras, pequena parcela da população que
realizava parto cesáreo concomitante com a laqueadura tubária, procedimentos
que não eram oferecidos pelos serviços públicos.
Visando controlar os procedimentos de esterilização cirúrgica feminina e
masculina, em 1996 foi sancionada, pelo Presidente da República, a Lei Federal
9263/96 que dispõe sobre a realização desses procedimentos como métodos
contraceptivos definitivos. Os candidatos ao procedimento devem ser maiores de
25 anos e ter, no mínimo, dois filhos vivos no momento da realização da
esterilização, além de ser necessária a aceitação do cônjuge para a efetivação
do procedimento(4).
2 Justificativa do estudo e objetivos
O estudo justifica-se em decorrência das inquietações surgidas no decorrer da
assistência e orientação ao Planejamento Familiar oferecidas às mulheres
residentes na Vila Pinto/Porto Alegre e, dos questionamentos sobre os
significados da busca e conquista da laqueadura tubária para essa população.
A partir dos questionamentos expostos traçaram-se os seguintes objetivos:
- Conhecer o significado da laqueadura tubária para as mulheres
esterilizadas;
- Compreender os motivos pela escolha deste método contraceptivo;
- Descobrir se houve mudanças no relacionamento sexual após o
procedimento cirúrgico.
3 Caminhada metodológica
Trata-se de um estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, pois
permite ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado
problema5 e por basear-se na premissa de que os conhecimentos sobre os
indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela
é vivida e tal como ela é definida por seus próprios atores(6).
O contexto do estudo é de comunidade de classes populares de Porto Alegre, onde
é feito um trabalho de orientação em Planejamento Familiar às mulheres
residentes nessa vila.
A coleta dos dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada que
oferece ao pesquisador certa flexibilidade na coleta das informações(6), com
três questões centrais, desenvolvidas ao longo da entrevista e complementadas
com os questionamentos que se julgaram necessários no transcurso da mesma. As
participantes foram 12 mulheres atendidas no Centro Comunitário São José
Operário, localizado na Vila Pinto, encaminhadas para a realização da
laqueadura tubária entre julho de 2002 e junho de 2003. A idade das mulheres
variou de 26 a 45 anos, com média de 4 filhos, sendo a maioria hígida, estando
em conformidade com o que dispõe a Lei 9263/96(4) sobre procedimento cirúrgico
de contracepção.
As questões éticas foram respeitadas pelas normas da Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde(7), sobre o envolvimento de seres humanos em
pesquisa. A coleta das informações teve início após o aceite e aprovação pelo
Comitê de Ética e Pesquisa da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, sob parecer
n. 030/2003.
O consentimento das participantes obtido no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, que incluíam os objetivos do estudo, garantia do anonimato e
sigilo das informações.
Para a análise das informações foi utilizada a análise de conteúdo do tipo
temática(8).
4 Resultados e discussões
A análise das informações foi realizada considerando-se os objetivos do estudo.
Em uma primeira análise, identificaram-se inúmeras categorias relacionadas à
realização da esterilização tubária. Após reagrupá-las, surgiram três
categorias temáticas: Decisão pela laqueadura tubária; Realização da laqueadura
tubária e Vivências após a laqueadura tubária.
4.1 Decisão pela laqueadura tubária
Esta categoria aborda temas que envolvem a resolução pela contracepção
definitiva feminina, as repercussões desta escolha em seu meio social e a
maneira que as mulheres enfrentam a espera pela efetivação do método.
4.1.1 Resolução pela laqueadura tubária
A resolução por um método anticoncepcional é cultural e, historicamente, de
responsabilidade feminina. Porém, a anticoncepção deve ser assumida pelo casal,
que necessita conhecer os diferentes métodos anticoncepcionais, sua adaptação e
as condições para obtê-los.
As participantes deste estudo eram acompanhadas por enfermeiras em um Centro
Comunitário, e recebiam orientações sobre planejamento familiar. As que
desejavam realizar a laqueadura tubária e que se enquadravam nos critérios
estabelecidos na lei que regulamenta esse procedimento, eram encaminhadas à
instituição especializada nessa área.
Nessa subcategoria, destacaram-se duas modalidades de aceitação pelo método:
Aceitação pela LT- Evidenciou-se a convicção das mulheres pela necessidade da
realização da LT como método único e garantido para evitar a gravidez. Entre as
justificativas da escolha incluem-se: número de filhos tidos pelo casal (4
filhos); filhos já crescidos, comprovando decisão definitiva de não querer mais
filhos ou problemas de saúde incompatíveis com a gravidez/maternidade:
hipertensão arterial sistêmica, problemas físicos por seqüelas decorrentes de
fratura de quadril, óbito de filhos por problemas genéticos e condições
socioeconômicas desfavoráveis:
A gente não queria sofrer de novo com a possibilidade de outros bebês nascerem
com os mesmos problemas que morreram os outros dois. (Sujeito 5)
Hoje em dia, não dá pra gente ter mais que um casal, se não tu não consegue dar
nada pra eles. (Sujeito 10)
4.1.2 Aceitação, após vencida a resistência do companheiro
Para a efetivação da LT é necessário o termo de consentimento assinado pelo
cônjuge que, dessa maneira, estará concordando com o procedimento cirúrgico.
Algumas mulheres relataram dificuldades para convencer seus companheiros a
assinarem o consentimento da realização da laqueadura. No entanto, chamaram a
atenção das pesquisadoras os subterfúgios utilizados por uma das entrevistadas,
para convencer o companheiro a assinar o documento, ao mesmo tempo em que
ensinava às demais mulheres que também enfrentavam essa angústia:
Te arruma, fica perfumada, te prepara especialmente pra isso, pra
convencer ele. Daí, tu joga uma conversa de que ta preocupada com os
filho que tem pra criá, fala da dificuldade. Aí tu diz pra ele que tu
acha mais fácil assim, que tu conseguiu uma chance de operá.(Sujeito
2)
Constata-se que a aceitação e o consentimento do companheiro baseiam-se no
número de filhos tidos pelo do casal. Alguns companheiros, em um primeiro
momento, negaram-se a assinar o documento alegando que as mulheres se
arrependeriam por não poder engravidar, em caso de ruptura de sua relação
conjugal atual.
O meu marido não queria assinar porque ele disse que eu podia querer
mais filhos. Aí ele disse: e se tu se separar e quiser outro filho?
Mas eu não quero mais! Aí ele disse: tu quem sabe. E assinou o papel.
(Sujeito 12)
O fato de as mulheres não desejarem ter mais filhos, indica uma importante
mudança em relação aos direitos reprodutivos(9), até então menosprezados pelos
próprios companheiros que mantêm um desejo implícito de ter quantos filhos
"Deus mandar", mesmo vivendo em condição econômica precária, à qual a população
estudada pertence.
4.1.3 Repercussão da escolha no meio social
Em qualquer momento da vida é comum às mulheres compartilharem decisões com os
demais membros da família, com os amigos, com as pessoas do seu meio social. A
opção por determinado método contraceptivo deve agradar, em primeiro lugar, aos
envolvidos no assunto, ou seja, o casal. Mas, tratando-se de um método de
contracepção cirúrgico definitivo, indiretamente a escolha afeta a família que
busca exemplos malsucedidos para mistificar a decisão dos envolvidos e, de
alguma maneira, interferir na decisão já assumida, como demonstram os relatos a
seguir:
Minha sogra que é crente disse: como é que tu vai fazer uma coisa dessas, você
vai ficar impotente! (Sujeito 1).
Minha vizinha falou que era uma loucura o que eu 'tava fazendo e que eu 'tava
ultrapassada na idade e que logo ia parar a minha menstruação (Sujeito 9).
Nessas falas, constata-se a idéia de que a LT representa uma castração feminina
que pode interferir nas sensações de prazer das relações sexuais. Entre as
mulheres mais velhas de um povoado de pescadores no Pará, evidenciou-se um
saber generalizado sobre anticoncepç40ão integrado à cultura e ao mundo do
povoado(9),assemelhando-se ao saber das familiares mais velhas das mulheres
submetidas à LT.
Mas, apesar das repercussões sociais negativas, constatam-se exemplos bem-
sucedidos de adaptação a este método de contracepção definitiva.
Minha irmã disse que foi a melhor coisa que eu fiz na vida, porque ela fez e
não se arrependeu. Disse que é maravilhoso, e que agora é uma fogueira só
(Sujeito 10).
O relato permite inferir que as mulheres percebem ter maior libido sexual após
a LT provavelmente pela ausência do risco de nova gravidez - e, quando esse
aspecto é percebido positivamente, há uma tendência de as mulheres relatarem às
outras, as experiências positivas vivenciadas na esfera sexual.
4.1.4 A espera pela laqueadura tubária
Entre a manifestação pela contracepção cirúrgica e sua efetivação deve
transcorrer um prazo mínimo de sessenta dias(4). Durante este período, são
muitas as sensações manifestadas por quem aguarda ansiosamente a LT, pois esta
parece ser a única oportunidade, neste momento de suas vidas, e, para muitas,
significa uma conquista.
Aquelas semanas pareciam imensas e não chegava a hora de ir (Sujeito 10).
Fiquei muito feliz no dia que eu fiquei sabendo que tinha conseguido. Eu levei
o papel pra casa e fui sorrindo (Sujeito 9).
Evidencia-se, a partir destes relatos, que a espera pela realização da LT
representa uma vitória para as mulheres carentes economicamente, e, também, a
chance de mudança e perspectiva de futuro que começa a partir do momento em que
são aprovadas para a efetivação da esterilização definitiva, sentimentos que se
tornam mais fortes com a proximidade do dia da cirurgia.
5 Realização da laqueadura tubária
Dessa categoria emergiram subcategorias que envolvem o atendimento oferecido às
mulheres desde o momento em que foram encaminhadas para a LT, as emoções
sentidas antes e durante a esterilização, e a participação da família e dos
companheiros no dia em que realizaram o procedimento.
5.1 Participação das mulheres cuidadoras
A maternidade e o cuidado aos demais membros da família sempre foram papéis
femininos que não se modificam com o passar dos anos pois observa-se, sempre,
ao lado de um enfermo, a mulher, prestando-lhe cuidados e apoiando-o em todos
os momentos.
Cabe ressaltar a importância do apoio familiar à mulher, nesse momento e,
sobretudo, do apoio feminino. Quando informadas sobre o procedimento, as
mulheres são orientadas a serem acompanhadas por um familiar para o retorno ao
lar, visto que são submetidas a um procedimento cirúrgico ambulatorial, mas com
riscos de mal-estar, em virtude da necessidade do uso de anestésico.
Foram constatadas manifestações de apoio das mulheres da família e de alguns
companheiros, evidenciando o comprometimento com o desejo das mulheres em
realizar a LT.
Foi tudo bem. Fui de ônibus com uma comadre minha. Me senti bem (Sujeito 5).
Meu marido foi comigo. Ele até falhou serviço pra ir junto (Sujeito 7).
5.2 Recepção na instituição
No âmbito profissional, principalmente na enfermagem, depara-se com mulheres
que cuidam de mulheres, havendo uma diferença fundamental neste universo que,
apesar de feminino, apresenta dois pólos: de um lado, as mulheres pertencentes
a uma instituição, conhecedoras da verdade científica, e, do outro, as usuárias
de um sistema, muitas vezes inacessível, cujo atendimento é precário e
desrespeitoso(10).
Percebeu-se, nos relatos das mulheres, que o atendimento que lhes foi
dispensado difere daquele recebido nas instituições públicas de saúde, onde,
muitas vezes, ocorre o descaso, o mau atendimento e o desrespeito aos direitos
do cidadão. Os relatos a seguir, expressam sentimentos de valorização do ser
humano e respeito pelos seus direitos.
Eu fui bem recebida. Cheguei lá e dei o papel e ela mandou eu esperar. Toda
hora elas vinham tirar a pressão, preocupadas com a gente (Sujeito 8).
Eu cheguei e fui bem tratada, bem recebida (Sujeito 6).
O bom atendimento nesse serviço contribuiu para a continuidade do processo de
realização da LT, demonstrando implicitamente, a confiança no serviço oferecido
e a certeza de que, naquele momento, contavam com pessoas preocupadas com seu
bem-estar.
5.3 Emoções pré-laqueadura tubária
Há momentos significativos na vida de uma mulher. O nascimento do filho é
descrito como um desses momentos, ou talvez, o mais importante em sua vida.
Entretanto, quando se trata da conquista de algo inatingível, ou simplesmente
difícil de conseguir para uma mulher sem condições financeiras, este também
passa a ser um momento importante para muitas delas.
A esterilização tubária representa, para as mulheres estudadas, um momento
importante de suas vidas, talvez só comparado ao nascimento de um filho ou
quando este pronuncia, pela primeira vez, a palavra mãe.
A conquista da LT para as mulheres da Vila Pinto é interpretada, de certa
maneira, à emancipação de seu papel de reprodutoras, portanto, ao fim de um
ciclo e início de outro, almejado por mudanças e novas conquistas, ou talvez, a
continuidade de seu cotidiano, em mães e esposas sem a preocupação em evitar
novas gestações.
Nesse universo de sentimentos, fica explícita a felicidade pela conquista da
LT, a dúvida e o nervosismo no momento da cirurgia, as conseqüências
traumáticas do pós-operatório, representadas pelo temor de sentir dor, mas,
principalmente, são percebidos sentimentos de vitória, conforme os relatos:
Eu lia toda noite aquele papel e pensava: eu consegui, é uma vitória, eu
consegui! Minha pressão subiu na hora, não foi de medo, foi mais emoção
(Sujeito 9).
Bateu o nervosismo um pouco e pensei: o que será que vai acontecer aqui dentro?
(Sujeito 2).
Eu 'tava com medo de fazer. Com medo da dor (Sujeito 8).
Apesar de fornecidas adequadas orientações pré-procedimento, entende-se que é
preciso preparar psicologicamente a mulher para o dia da realização da LT,
pois, mesmo apoiada por familiares e recebendo atendimento adequado, percebeu-
se a necessidade de orientação e preparo psíquico para esse momento.
6 Vivências após a laqueadura tubária
Essa categoria responde aos questionamentos sobre mudanças e perspectivas
envolvendo sentimentos e repercussão na esfera sexual, além dos aspectos
relacionados aos cuidados após o procedimento cirúrgico.
6.1 Recuperação e resguardo
Durante as orientações dadas às mulheres antes da realização da LT foram
abordados aspectos relacionados aos cuidados que deveriam ter após o
procedimento: permanecer em repouso por dois ou três dias e evitar levantar
peso durante uma semana; manter cuidados com a incisão, deixando-a limpa e seca
e abster-se de manter relações sexuais por, pelo menos, uma semana(11).
As orientações dadas às mulheres pretendiam envolvê-las no processo de
autocuidado, visando garantir a eficácia do método de contracepção escolhido,
orientações que foram acolhidas por algumas mulheres,
6.2 Sentimentos e mudanças após a laqueadura tubária
Percebe-se, ao longo dos relatos, que a laqueadura tubária, desde seu primeiro
momento, provoca, nas mulheres, sentimentos mistos de alegria, medo e
ansiedade. Estes sentimentos são melhor explorados a partir do instante em que
as mulheres percebem que seu desejo a esterilização tubária é concretizado e
que pode ser compartilhado igualmente com todos, em especial com o companheiro.
Em casa eu disse: a mãe fez uma cirurgia pra não ter mais nenê e todo mundo
ficou feliz (Sujeito 7).
Eu não tava com fome, eu tava tão feliz com tudo! [...] Ele ficou feliz e eu tô
feliz da vida! Tá todo mundo contente!(Sujeito 11).
O procedimento não representa apenas uma conquista da mãe-esposa, mas, da
família: pai-mãe-filhos, comprovando que "compartilhar decisões é uma
estratégia que as famílias utilizam para conseguir um sentido igualitário de
poder entre seus membros"(10:73).
Porém, ao mesmo tempo em que a alegria contagia a todos, a desconfiança da
eficácia do método é manifestada pela mulher, principalmente, havendo exemplos
malsucedidos em seu meio social/familiar.
Ainda tô confusa, porque a comadre fez e engravidou de gêmeos(Sujeito 7).
Não é perigoso desfazer? Eles só amarraram e se der errado, faz de novo?
(Sujeito 2).
Outros relatos apontam a insegurança do anticoncepcional oral quando ocorre
esquecimento, pois, isso suscita dúvidas quanto a estarem ou não grávidas,
justificando, assim, sua opção pela LT por acharem segura e confiável, além de
lhes conferir emancipação do uso do comprimido.
O remédio se tu esquecer um dia tu fica impressionada: bah, tô grávida ou não?
Com a ligadura tu fica mais tranqüila (Sujeito 6).
Eu não queria mais ficar dependente de comprimido. A ligadura é uma segurança!
(Sujeito 9).
Os sentimentos relatados pelas mulheres do estudo mostraram que, após a LT,
elas se sentiam mais seguras durante as relações sexuais, e aliviadas por não
mais usarem outros métodos anticoncepcionais, fato constatado também entre as
mulheres de um povoado do Pará:
[...] a esterilização em si tem um grande atrativo para as mulheres
[...] o desejo de poder se operar, significava um grande alívio para
a vida das mulheres, fim da busca de meios anticoncepcionais, não
mais riscos de uma gravidez indesejada, fim do cuidado cotidiano com
a anticoncepção (9:84).
6.3 Reinício das relações sexuais
O retorno às relações sexuais após a laqueadura tubária é uma dúvida constante
manifestada pelas mulheres do estudo, que questionam "quando vou poder usar?".
As orientações sobre o retorno à vida sexual têm por foco o bem-estar das
pacientes, sendo orientadas a reiniciar as relações quando confortáveis sem
dor, sentindo-se seguras e sem a pressão do companheiro.
Outra dúvida manifestada pelas participantes do estudo relacionou-se às
sensações durante o ato sexual após a LT. Constatou-se o desconhecimento do
corpo feminino, não somente pelos homens, mas, principalmente, pelas mulheres,
como reflexo da baixa escolaridade, do difícil acesso às informações sobre
sexualidade e, algumas vezes, das crenças manifestadas pelos familiares. Apesar
das dúvidas surgidas, algumas mulheres manifestaram-se satisfeitas, não
relatando qualquer mudança na vida sexual conjugal.
Ele achou bom. Eu já inaugurei e foi tudo igual(Sujeito 1).
A 'casa' já tá em ordem. Eu senti tudo normal (Sujeito 2).
Em outro momento, duas entrevistadas relataram sensações de medo e ansiedade no
retorno à vida sexual: a) medo pela presença dos pontos; e b) ansiedade do
companheiro em retornar às relações, para verificar se houve mudanças do desejo
sexual.
Ele tá ansioso pra ver como é que ficou, pra provar, pra fazer o
teste. Ontem à noite ela tava perguntando: 'tu não pergunta ou tu tem
medo de perguntar quando vai dar pra usar?' Eu disse não. Primeiro
vai ter que tirar os pontos(Sujeito 9).
Eu queria né, mas o marido ta com medo! Ontem eu disse: e aí? Não - ele disse -
tu ta com os pontos machucados, então espera! Mas eu, por mim já tinha testado!
(Sujeito 10).
O reinício das relações sexuais é permeado de dúvidas, ansiedade e medo do
casal, situações que poderiam ser contornadas se as orientações fossem dadasao
casal, o que se torna impossível porque muitos companheiros/maridos são os
únicos provedores pelo sustento da família, impossibilitando seu acompanhamento
em todas as fases da realização da LT.
6.4 Agora vou cuidar de mim, vou achar meu caminho
Constata-se, ao longo do processo que envolve a conquista e a realização da LT,
que as mulheres buscam, através do procedimento, emancipar-se dos demais
métodos anticoncepcionais de uso corrente, e almejam a liberdade de controlar
sua fertilidade com mais segurança, além de determinar o número de filhos que
desejam parir, ou seja, as mulheres estudadas buscavam, com a LT, viver suas
vidas, elas mesmas e os filhos que têm, sem a preocupação de outra gestação, de
mais um filho para criar em condições econômicas desfavoráveis. Elas expressam
o desejo de criar seus filhos continuando suas vidas, algumas exercendo o papel
de avós e, outras, por terem vivido pouco sua juventude, agora vêem a
necessidade de um recomeço, de buscar mais liberdade através de um trabalho, ou
quem sabe, seguir um caminho já trilhado anteriormente, mas interrompido, em
alguma fase da vida, para assumir a maternidade e o casamento.
Agora vou poder trabalhar(Sujeito 7) .
Ai, chega né! Agora vou cuidar de mim, vou achar meu caminho (Sujeito 2).
Através dos depoimentos deste estudo é possível reafirmar a decisão da escolha
da LT com a preocupação em cuidar os filhos que já têm, aliada à preocupação
com o sustento adequado da família e com o futuro dos filhos.Constatou-se que
as mulheres deste estudo depararam-se muito cedo com a maternidade, deixando,
no passado, seus desejos e planos, que agora despertam novamente. Já
construíram suas famílias e com elas pretendem trilhar novos caminhos,
manifestando o desejo de melhorar e possibilitar melhor educação aos filhos,
pois estão - e isso está implícito em seus relatos satisfeitas com a
maternidade.
7 Considerações finais
A orientação ao planejamento familiar na comunidade da Vila Pinto, em Porto
Alegre, trouxe conhecimentos e experiência educativa para a saúde das mulheres,
gerando novas idéias para o desenvolvimento de estudos futuros.Para as mulheres
do estudo, a conquista da LT significou uma vitória em suas vidas e,
principalmente, a emancipação da responsabilidade pela contracepção, do uso
contínuo dos anticoncepcionais de uso corrente, que muitas vezes, causavam mal-
estar e insegurança quando usados incorretamente. Os motivos da escolha da LT
como método contraceptivo envolveram a existência de problemas de saúde, tanto
das mulheres quanto dos filhos, o número de filhos do casal, as precárias
condições econômicas em que essas mulheres vivem e, até mesmo, a má adaptação
aos métodos de contracepção oral/injetável.Após a realização da LT não foi
relatada nenhuma mudança significativa no âmbito sexual e, apesar das opiniões
de alguns familiares apresentarem-se negativas, a LT não causa "impotência" à
mulher, o que foi constatado nos depoimentos das entrevistadas, que se sentiram
muito seguras após a realização do procedimento.A assistência ao planejamento
familiar ultrapassa os limites da orientação ao uso dos métodos contraceptivos,
envolvendo a educação de comunidades em que, a exemplo da estudada, o acesso
aos serviços de saúde reprodutiva é, algumas vezes, inacessível ou pouco
eficaz. É preciso investir em educação e não simplesmente orientar as mulheres
a utilizarem determinado método contraceptivo sem que conheçam seus próprios
corpos.No âmbito da saúde reprodutiva, de que tratou este trabalho, é preciso
que os profissionais tenham bons conhecimentos técnico-científicos para
orientar o casal para que a contracepção seja de sua escolha e, ao mesmo tempo,
segura e eficaz.Acredita-se que estimulando a contracepção compartilhada pelo
casal, os serviços de saúde estarão contribuindo para retirar da mulher a
responsabilidade pelo controle de sua fertilidade, conferindo-lhe maior
tranqüilidade no âmbito sexual.