Tendências da temática qualidade de vida na produção científica de enfermagem
PESQUISA
Tendências da temática qualidade de vida na produção científica de enfermagem
Tendencies of life quality in the scientific nursing production
Tendencias de la temática calidad de vida en la producción científica de
enfermería
Maria Suêuda CostaI;Maria Josefina da SilvaII
IEnfermeira. Auditora da Secretaria de Saúde de Fortaleza. Mestranda em
Enfermagem DENF/FFOE/UFC
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem
da UFC
E-mail do autor: sueud@ig.com.br
1 Introdução
O tema qualidade de vida é bem mais complexo do que parece. Desde as épocas
mais remotas que diversos autores têm procurado desenvolver métodos com vistas
à melhoria da qualidade de vida, mesmo que não explicitando o termo. Assim,
cuidar da saúde e do ambiente, de modo amplo, contribuiu para a qualidade de
vida sem ser o foco da intervenção. Com a mudança de paradigma da saúde a
partir da segunda metade do século XX, onde se introduz a concepção de
prevenção e promoção, o termo passa a compor o léxico relativo aos aspectos da
saúde.
A partir da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde,
realizada em Ottawa, em 1986(1), que este tema aparece seguidamente nos
discursos dos profissionais de saúde e nas intenções das políticas públicas em
geral. No entanto, ainda não se reflete nas práticas de saúde. Qualidade de
vida passa a ser componente da promoção da saúde ou decorrente dela, ora causa,
ora efeito, mas sem uma definição muito clara do que seja realmente ou de como
conseguí-la. Os aspectos subjetivos ainda povoam sua definição ou concepção,
dificultando ainda mais a instrumentalização do conceito.
A expressão qualidade de vida pode indicar valorização, comparação e
caracterização ou apresentar uma outra dimensão, a subjetiva. No primeiro caso,
se estabelece uma escala de valores ou classificação; assim é que dizemos:
péssima ou excelente qualidade. A dimensão subjetiva enseja diversas
interpretações de acordo com os diferentes indicadores pessoais de valores e
princípios(2).
Uma interpretação sobre a dimensão subjetiva de qualidade de vida pode ser
apreendida nas idéias que se seguem: estabelecer parâmetros quantitativos que
possam expressar o subjetivismo do processo de bem-estar, do sentido de
felicidade, da amplitude do amor, dos caminhos do prazer, buscando-se a
realização pessoal, constitui o maior desafio para textualizar qualidade de
vida de forma ampla e genérica, através de números ou indicadores que possam
refletir a complexidade do termo(3).
Alguns estudos da década de 80 e 90 do século passado mediram qualidade de vida
tendo como foco central a capacidade funcional dos indivíduos. Um desses
estudos teve como base as conceitualizações(4)de qualidade de vida sob três
dimensões: capacidade funcional: aspectos físicos, sociais, intelectuais e
emocionais; percepção sobre o estado de saúde e satisfação com a vida; sinais e
sintomas de doenças crônicas.
A Organização Mundial da Saúde desenvolveu um instrumento para avaliação da
qualidade de vida utilizando enfoque multidimensional. Embora a diversidade de
conceituação de Qualidade de Vida seja grande, há três características
principais que são aceitas por diferentes correntes teóricas: subjetividade,
multidisciplinaridade e bipolaridade, acrescida da complexidade e mutabilidade
(5)
A saúde, tida como o maior recurso para o desenvolvimento socioeconômico,
depende de fatores como alimentação, renda, educação, habitação, justiça
social, eqüidade, ecossistema estável, dentre outros, no entanto, é apenas uma
das dimensões de qualidade de vida.
A enfermagem, lidando no seu cotidiano com as ações de promoção e proteção da
saúde está muito próxima dos aspectos relevantes para a promoção da qualidade
de vida para seus clientes. Mas qualidade de vida, como decorrência da promoção
da saúde, não parece ser ainda o foco do sistema de saúde formal.
No campo da produção científica a enfermagem trilha pelos caminhos de suas
diversas áreas na exploração desta temática. A curiosidade científica nos leva
a querer conhecer para quais aspectos tende a geração do saber, ao dissecar um
tema de tanta relevância para os que trabalham no campo da saúde e para os
diversos segmentos populacionais.
Hoje o "estar saudável", é um conceito interligado às múltiplas facetas de
qualidade de vida, que por sua vez, se relaciona com estilo de vida, com papéis
que se harmonizam em função da busca de bem-estar, com o jeito de ser e de
encarar a vida e das relações com o ecossistema. Então, para onde se direciona
o pensar da enfermagem em relação ao tema proposto?
O presente estudo objetiva, assim, buscar através de consultas disponíveis nos
meios eletrônicos e de publicações dos três últimos anos em periódicos de
enfermagem, conhecer sua produção científica acerca desta temática. Acreditamos
que trazer à tona esta produção possibilita caracterizar as lacunas dentro da
temática na construção do conhecimento para e pela enfermagem.
2 Percurso teórico-metodológico
Trata-se de um estudo bibliográfico, organizado a partir de dois eixos
estruturantes: 1 - pesquisa na Internet, através da Biblioteca Regional de
Medicina - BIREME em duas fontes de dados: Base de Dados de Enfermagem (BDENF)
usando-se como referência para a busca a expressão qualidade de vida; e a base
de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS) onde a busca se deu pelo cruzamento das expressões - qualidade de
vidae da palavraenfermagem, uma vez que não é específica para a profissão. O
segundo eixo foi a pesquisa em periódicos de enfermagem no período 2000-2002,
buscando-se a investigação da mesma temática e/ou termos correlatos.
Para a realização deste levantamento a escolha foi baseada nos critérios:
classificação QUALIS B ou C internacional ou B nacional, elaborada pela
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior - CAPES;
disponibilidade dos periódicos na Biblioteca Setorial da UFC e acervos
particulares.
A fim de proceder-se a investigação foram selecionadas cinco revistas, sendo
duas QUALIS C internacional: Revista Brasileira de Enfermagem, Revista Texto
& contexto; uma QUALIS B internacional: Revista Letinoamericana de
Enfermagem e duas B nacional: Revista da RENE e Revista de Enfermagem da UERJ.
Com o intuito de ampliar-se as possibilidades de chegar-se à temática
pretendida foram utilizadas as seguintes palavras nos títulos dos artigos:
qualidade de vida, vida saudável, modos de vida e estilos de vida. Não
utilizamos as palavras-chaves uma vez que em alguns títulos não estavam
disponíveis por serem editoriais e resumos.
Os resultados foram organizados em tabelas onde foram identificados os dados
bibliográficos dos textos tais como volume, número, mês da edição; número total
de títulos em cada periódico consultado; título do texto e autores.
Posteriormente os resultados foram categorizados a partir dos temas
recorrentes.
Nas bases de dados coletados pela Internet não ficamos restritos aos textos
escritos nos anos de 2000 a 2002. A seleção se deu a partir do que havia
disponível em cada banco de dados utilizando, para a organização dos dados, a
mesma categorização.
As categorias foram: ações de saúde a grupos específicos: nesta categoria foram
incluídos os títulos que contemplavam saúde da mulher, saúde da criança,
doenças crônicas especialmente insuficiência renal crônica. Estudos teóricos:
foram incluídos concepções teóricas, reflexões sobre temas da prática,
tendências profissionais. Educação e ensino; envelhecimento/terceira idade;
políticas de saúde; ética; relações no trabalho e saúde mental; intervenções de
enfermagem: nesta categoria foram incluídos trabalhos que versavam sobre ações
diretas de enfermagem em vários espaços de prática profissional.
A pesquisa limitou-se aos textos apresentados na língua portuguesa já que era
nosso interesse conhecer a produção nacional sobe a temática da qualidade de
vida.
3 Resultados
Na base de dados BDENF foi usada para a busca a expressão qualidade de vida,
sendo encontrados 89 títulos, dos quais, 18 foram excluídos por coincidirem com
os pesquisados na LILACS, restando assim, 71 títulos que foram agrupados em
nove categorias, conforme consta na Tabela_1.
Na base de dados LILACS foram utilizadas para a busca a expressão qualidade de
vidae em um processo de refinamento, foi acrescida a palavra enfermagem. Foram
encontrados 66 títulos e igualmente agrupados em noves categorias, sendo
apresentadas também na Tabela 1.
Podemos observar na tabela 1 que a temática mais recorrente é a relacionada a
ações a grupos específicos, com 20 (28,2%) de trabalhos no banco de dados BDENF
e 16(24,2%) no banco de dados LILACS. A seguir temos os trabalhos que estão
relacionados a intervenções de enfermagem com 13 (18,3%) e 10 (15,1%)
respectivamente. A temática qualidade de vida foi menos abordada no campo da
saúde mental no LILACS, com dois trabalhos e políticas de saúde voltadas para
qualidade de vida e ética no banco de dados BDENF com apenas um trabalho
relacionado.
Os trabalhos abrangem um período de aproximadamente 8 anos, com uma
concentração maior a partir do ano de 1997. É interessante observar que no
banco de dados BDENF 25 dos títulos são de teses e dissertações, correspondendo
a 35%. Já no banco de dados LILACS encontramos 20 (30,3%) dissertações e teses
e 11(16,6%) monografias de especialização.
Nenhum dos trabalhos analisados foi voltado para a qualidade de vida na
perspectiva de promoção da saúde.
Com relação aos periódicos de enfermagem foram consultados 962 títulos, dos
quais apenas sete estavam inseridos nas palavras investigadas, conforme dados a
seguir:
Como podemos observar na tabela_2 nos anos pesquisados a produção sobre
qualidade de vida foi insignificante. Na pesquisa on line, a fase mais profícua
de trabalhos relacionados à qualidade de vida concentrou-se nos anos de 1997 a
2000.
As Revista da UERJ e RENE não tiveram nenhum artigo sobre o tema e as demais
ficaram no mesmo patamar, entre 2 e 3 artigos no período, mesmo com um número
elevado de artigos nas edições analisadas.
Os sete títulos selecionados, que representa 0,72% do total de artigos
consultados, contemplaram apenas três das categorias encontradas, conforme são
apresentados no Quadro_1.
4 Discussão
A temática qualidade de vida e suas dimensões fazem parte do cotidiano dos
profissionais de saúde. O paradigma de saúde que a Reforma Sanitária no Brasil
adotou vai além da dicotomia saúde como ausência de doença e se apoia na
concepção de saúde como resultante das condições materiais, sociais, políticas,
culturais de cada sociedade e da subjetividade individual e o modo de tocar a
vida. Conceitos como bem-estar subjetivo, estilo de vida saudável, políticas
públicas saudáveis, municípios saudáveis, desenvolvimento sustentável,
empoderamento, fazem parte do arsenal teórico que dispomos para compor ações
voltadas para a saúde da população.
Dentre as funções essenciais da saúde pública destaca-se a promoção da saúde
que envolve participação da comunidade na saúde, informação e educação em
saúde, e melhoramento da qualidade de vida(6). Estas são funções nas quais a
enfermagem é chamada a exercer um papel preponderante dada sua formação
profissional e, acrescentamos, sua atividade nuclear que é o cuidar.
Embora a temática qualidade de vida tenha se mostrado atual, necessária de
estudos pela complexidade de sua conceituação e operacionalização, não há ainda
um investimento no campo da enfermagem, conforme se pode observar nos achados
da pesquisa.
Os resultados obtidos na presente pesquisa indicam que os recursos que a
informática oferece para a pesquisa bibliográfica é uma opção estratégica para
o escoamento da produção científica da enfermagem e fonte de pesquisa sobre os
mais diferentes temas. A facilidade de acesso e a amplitude ilimitada de
alcance desta produção se constitui num poderoso recurso para atualização
permanente onde quer que geograficamente o profissional esteja.
Em relação ao tema qualidade de vida na produção de enfermagem há indícios de
que o centro de interesse dos autores de enfermagem se direciona para as ações
em grupos específicos mas sem focalizar a promoção da saúde e sim intervenções
de enfermagem em instituições ou programas voltados a agravos específicos, com
ênfase nas doenças crônico degenerativas. Há uma certa preocupação em
construção de teorias sobre qualidade de vida bem como educação em saúde e
ensino, para envelhecimento e velhice e as relações no trabalho em enfermagem.
As bases de dados oferecem a possibilidade de acessar-se o texto em resumo e
somente alguns periódicos viabilizam o acesso ao texto na íntegra via Internet.
Esta restrição se acentua quando a produção, em uma quantidade considerável,
ainda está sob a forma de monografias, teses e dissertações que têm circulação
restrita. Mais uma vez fica evidenciada a necessidade de dar escoamento a esta
produção acadêmica através de periódicos seja da área específica, seja
multidisciplinares.
As publicações consultadas nos periódicos de enfermagem nos últimos três anos
acerca desta temática pode ser considerada inexpressiva do ponto de vista
quantitativo e praticamente apontam para o mesmo centro de interesse dos
autores do meio virtual.
No levantamento realizado não se verificou a preocupação com a qualidade de
vida do próprio enfermeiro, bem como, um enfoque expressivo na promoção da
saúde.
5 Considerações finais
Diante das evidências deste estudo, é possível considerar que ainda existe uma
cultura voltada para os cuidados curativos, hospitalocêntrico, orientando a
prática de enfermagem e em conseqüência, a produção do conhecimento continua
distante do interesse por ações básicas de promoção da saúde. Pode-se abstrair
que na luta pela sobrevivência profissional, as adversidades do cotidiano
parecem produzir em muitos enfermeiros uma espécie de indiferença às dimensões
de sua qualidade de vida e possivelmente a de sua clientela como ser saudável;
daí a maioria dos trabalhos estarem voltados para as pessoas fragilizadas pela
doença ou pelo processo de envelhecimento.
O discurso sobre qualidade de vida, o uso abusivo do termo ainda não se
converteu em estudos teóricos e disseminação de um saber para orientar o novo
paradigma de intervenção na saúde. Falar em qualidade de vida pode estar sendo
mais um jargão profissional que uma prática efetiva, que se materialize em
geração de conhecimento.
O estudo, embora exploratório, merecedor de um aprofundamento em outras
realidades da profissão, indica que é necessário investir nos estudos voltados
para a qualidade de vida na perspectiva da promoção da saúde para assim fazer
cumprir os princípios dos organismos internacionais que colocam a saúde como um
dos pilares da sociedade solidária, que implica, por sua vez, na qualidade
satisfatória de vida para cada cidadão.
Por outro lado, é necessário criar mecanismos de escoamento da produção de
enfermagem, especialmente a gerada nos cursos de pós-graduação latu sensu e
strito sensu.