Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde
PESQUISA
Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde
Manager's profile of basic unit of health
Perfil de los gerentes de las unidades basicas de la salud
Marilia AlvesI; Cláudia Maria de Mattos PennaII;Maria José Menezes BritoIII
IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto IV - Escola de
Enfermagem / UFMG
IIEnfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora Adjunto I - Escola
de Enfermagem / UFMG
IIIEnfermeira. Doutora em Administração. Professora Adjunto I - Escola de
Enfermagem / UFMG
Correspondência
1 Introdução
A implantação do atual Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil na década de
noventa passou a demandar gerentes com novos conhecimentos e habilidades para
atender, com eficiência, às necessidades de saúde da população no nível local.
Assim, as instâncias deliberativas passaram por um efetivo processo de
descentralização e as decisões foram deslocadas para os níveis locais, mais
próximos dos usuários dos serviços.
Esse processo de descentralização dos serviços de saúde tornou necessária a
construção de uma nova agenda no campo das políticas de recursos humanos e na
sua forma de gerenciamento. Novos dilemas se impuseram, principalmente para os
gestores do sistema, implicando o enfrentamento de novos desafios, haja vista a
relevância de sua participação na construção e consolidação do novo modelo
assistencial.
Nesse contexto, os gerentes dos serviços locais de saúde vêm assumindo novas
responsabilidades, seja com a clientela, seja com a administração central e com
a equipe de trabalho. Tratando-se das Unidades Básicas de Saúde, essas
responsabilidades têm se traduzido na implantação de novos programas, na
identificação do perfil epidemiológico da população das áreas de abrangência,
nas articulações do serviço com entidades comunitárias, com a rede
hierarquizada de serviços de saúde e com os níveis centrais de decisão do
município, com o objetivo de atender às necessidades de saúde da população.
Para isto torna-se imprescindível o planejamento e a implementação de ações
voltadas para o alcance de objetivos e metas estabelecidas e de um sistema de
avaliação direcionado para a realidade local. Além disso, os gerentes, na busca
de respostas às demandas diagnosticadas, passam a ser articuladores por
excelência, tanto no âmbito interno quanto externo às unidades de saúde,
necessitando de capacitação específica, a qual nem sempre vem sendo realizada,
repercutindo negativamente no processo de trabalho do setor.
No município de Belo Horizonte observaram-se deficiências na capacitação dos
gerentes e no processo de seleção para assumir o cargo. Assim, foram alocados
nas unidades de saúde do município, profissionais de diferentes categorias, sem
preparo prévio para realizar as tarefas exigidas pelo cargo e muitas vezes,
distorcendo a atuação gerencial nos serviços de saúde. Essa situação é ainda
agravada em função da exigência do cumprimento de uma jornada de trabalho de
oito horas diárias e dos baixos salários pagos.
Na tentativa de sanar as deficiências dos profissionais na área gerencial,
alguns treinamentos foram realizados dentre os quais se destaca o Curso de
Especialização para Gerentes dos Serviços Locais de Saúde (GERUS) oferecido
pela Secretaria Municipal de Saúde. No entanto, apesar deste e dos vultuosos
investimentos na área, essa capacitação ocorreu de forma descontextualizada e,
muitas vezes, padronizada desconsiderando-se a extensão do município e as
particularidades de cada regional. Ressalta-se ainda, o desconhecimento do
número de profissionais capacitados em exercício, a não-efetivação da formação
estratégica de um quadro reserva de gerentes para futuras substituições e os
resultados referentes à incorporação de conhecimentos e habilidades para a
realização do trabalho comunitário. Também se desconhecem as características
dos gerentes que assumiram a condução das Unidades Básicas de Saúde (UBS)
referentes aos aspectos sócio-demográficos, formação profissional, capacitação
para o exercício da função gerencial, forma de ascensão e pré-requisitos para
assumirem o cargo. Considera-se que o desenvolvimento da competência gerencial
no setor saúde constitui elemento-chave na solução dos problemas existentes nas
unidades de saúde, como estratégia de mediação entre os níveis decisórios, as
instâncias locais e os usuários dos serviços.
Assim, buscou-se, por meio deste estudo, delimitar o perfil dos gerentes das
Unidades Básicas de Saúde do Município de Belo Horizonte considerando os
aspectos sócio-demográficos, formação profissional e capacitação para o
exercício da função gerencial e identificar a forma de ascensão e pré-
requisitos para assumir o cargo de gerente.
2 Desafios e Perspectivas da Gerência
Afirma-se(1) que a descentralização é uma das principais estratégias de
construção do SUS, pois com a municipalização do setor saúde, as instâncias de
poder local devem assumir a tarefa de construção de um novo modelo assistencial
que não se restrinja às demandas da doença, mas ao contrário, deve desenvolver
ações que elevem a qualidade de vida e de saúde da população. Entretanto, a
construção desse novo modelo assistencial envolve alterações nas políticas de
recursos humanos, na produção de bens e serviços e na função gerencial. Os
gerentes, no papel de atores fundamentais nesse processo de mudança, passam a
ser confrontados com situações adversas, as quais podem se transformar em
dilemas, caso esses indivíduos não estejam preparados para lidar com elas.
Em relação às dificuldades enfrentadas pelos gerentes, destaca-se a tensão
existente entre o direito dos pacientes e as prerrogativas dos profissionais, a
qual precisa ser equacionada pelo gestor como um dos pontos mais delicados e
centrais da boa assistência à saúde(2).
Observa-se uma nova realidade vivenciada pelos gerentes, decorrente da nova
estrutura organizacional com características diferentes do sistema anterior,
com o qual estavam acostumados a trabalhar. A respeito dessa nova estrutura,
assinala-se(3) que a mesma é eficiente na medida em que se apresenta de forma
horizontal, livre do formalismo dos diversos níveis hierárquicos que dificultam
a rapidez no processo decisório. Assim, é imprescindível que os gerentes sejam
capazes de minimizar as dificuldades a que estão expostos e aprendam a lidar
com a nova situação, podendo desempenhar, satisfatoriamente, seu novo papel no
processo de reestruturação do sistema de saúde.
Nessa perspectiva, considera-se(4) a gerência um importante instrumento para a
efetivação de políticas, que é ao mesmo tempo condicionante e condicionada pelo
modo como se organiza a produção de serviços. Pontua-se(5) que "a boa gerência"
é um dos mais cobiçados recursos do planeta, marcando a diferença de
competitividade entre as nações de forma significativa. "Trata-se de um recurso
estratégico e, por outra parte, escasso, não generalizado, nem no mundo, nem no
interior das sociedades, inclusive das desenvolvidas"(5:115).
A despeito da exigência de um gerente com perfil diferenciado para atender às
novas demandas impostas pelo processo de municipalização, o setor saúde
tradicionalmente se ancorou no preparo técnico dos profissionais. Esse preparo
enfatiza os processos diagnósticos e terapêuticos, relegando a um segundo plano
a formação de um corpo gerencial adequadamente qualificado para atuar em
contextos específicos, como os hospitais, as unidades secundárias e as unidades
básicas de saúde. Assim, os profissionais que, ao longo do tempo, se dividiam
entre a clínica e a gerência, não mais correspondem ao perfil necessário. Nessa
ótica considera-se que,
"a predominância, durante dezenas de anos da prática médica liberal,
como principal forma de prestação de serviços às populações, terminou
por atrasar a incorporação ao campo da saúde de métodos
administrativos desenvolvidos em outros ramos da produção de bens ou
serviços"(4:109).
Referindo-se ao despreparo dos trabalhadores da saúde, o autor (4)acrescenta
que o trabalho de médicos, dentistas entre outros profissionais, conservou um
certo caráter artesanal, apesar da grande incorporação tecnológica identificada
no setor. Em decorrência do despreparo do quadro gerencial, percebem-se graves
distorções na atuação dos gerentes nos serviços de saúde, expressas por meio de
algumas dificuldades observadas em seu cotidiano de trabalho, como falta de
compreensão das estratégias governamentais, adoção de uma postura de liderança,
imprescindível para a realização do trabalho com a comunidade e equipes
multiprofissionais. Soma-se a deficiência na assimilação de informações - base
para a formulação de estratégias e para a tomada de decisão - a falta de
autonomia financeira e a intensa burocratização dos serviços públicos.
Considera-se que a capacitação gerencial constitui elemento imprescindível na
atenuação dessas dificuldades, uma vez que constitui importante instrumento
para a elaboração e implementação de estratégias adequadas ao novo contexto. A
respeito da importância da capacitação dos gerentes dos serviços de saúde,
estudos realizados(6) e publicados pela Organização Pan-americana de Saúde
(OPS), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Fundação Kellogg, sobre tendências
contemporâneas na gestão da saúde na América Latina e Central apontam
deficiências comumente encontradas levando à necessidade de capacitação dos
líderes do setor saúde em Administração, Epidemiologia e Metodologia
Operacional.
É importante salientar que a identificação das características dos gerentes das
UBS apresenta relevância e pertinência no atual contexto, uma vez que poderá
subsidiar a adoção de estratégias de capacitação dos mesmos. Essas estratégias
devem ser direcionadas para a formação de gerentes aptos a enfrentar o contexto
de mudanças no setor saúde e adequadamente preparados para o planejamento e
implementação de ações voltadas para o atendimento dos problemas de saúde da
população. Devem também estar voltadas para o desenvolvimento e aperfeiçoamento
de instrumentos administrativos eficientes e modernos destinados ao controle
dos processos referentes às áreas clínica e administrativa dos serviços.
Considerando-se a complexidade dos serviços de saúde, os critérios nem sempre
adequados de escolha dos gerentes como atores estratégicos para a organização
dos serviços, a fragilidade e descontinuidade dos programas de educação
permanente, o conhecimento sobre quem são os trabalhadores que atuam na área
gerencial pode oferecer subsídios para a implementação de projetos de
capacitação voltados para a realidade local e, conseqüentemente, para a
efetivação das políticas públicas de saúde.
3 Metodologia
O trajeto metodológico escolhido para a caracterização dos gerentes das
Unidades Básicas de Saúde de Belo Horizonte fundamentou-se nos critérios da
pesquisa descritiva, cujo foco essencial reside no desejo de conhecer um
determinado agrupamento populacional(7).
A população alvo deste estudo foi composta por gerentes das UBS pertencentes
aos 9 Distritos Sanitários que compõem o cenário da Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte (SMS/BH). O município no período da pesquisa contava
com 127 UBS, distribuídos pelos distritos, que recebem as mesmas denominações
das regionais Administrativas, ou seja, Centro-Sul, Norte, Noroeste, Nordeste,
Oeste, Leste, Venda Nova, Barreiro e Pampulha. Após autorização da SMS/BH para
realização da pesquisa no município de Belo Horizonte e aprovação do projeto
pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMG, contatou-se os
gerentes, solicitando a sua colaboração.
Um dos critérios de escolha para determinação da amostra foi selecionar
gerentes de todos os distritos. A amostragem estabelecida, não - probabilística
intencional, foi de 59 gerentes (46,45%) do total das UBS. Outro critério
estabelecido foi a aceitação do profissional ao convite realizado por contato
telefônico, quando era explicado os objetivos da pesquisa e marcado um dia de
acordo com a disponibilidade do mesmo. Dos gerentes contatados apenas 03 se
recusaram a conceder entrevista alegando problemas diversos. As entrevistas
ocorreram entre setembro de 2000 a maio de 2001, com base em um roteiro básico
com questões abertas e fechadas, submetidas a um teste piloto com gerentes de
um dos distritos.
Os dados aqui apresentados, obtidos com base nas entrevistas com os gerentes,
referem-se às características quanto ao sexo, idade, tempo de exercício de
gerência, critérios de indicação para o cargo, categoria profissional e
capacitação para o exercício da função gerencial, que compõem o perfil dos
gerentes da Rede Básica de Saúde de Belo Horizonte, organizados de acordo com
distribuição de freqüência e analisados de forma descritiva à luz da
literatura.
4 Descrição do Perfil dos Gerentes das UBS de Belo Horizonte
Na delimitação das características dos gerentes das Unidades Básicas de Saúde
de Belo Horizonte, verificou-se que 89,83% dos entrevistados eram do sexo
feminino e 10,17% do sexo masculino. Esses dados refletem, de forma expressiva,
a tendência de feminilidade da força de trabalho em saúde.
A respeito da participação da mulher no mercado de trabalho, tem-se verificado
um aumento significativo nos últimos anos. Afirma-se(8)que a participação da
mulher na População Economicamente Ativa (PEA), teve um crescimento de 48% na
década de 80, tendo sido mais marcante na zona urbana, principalmente em São
Paulo.
Tratando-se de benefícios trabalhistas, chama a atenção o fato de as mulheres
se inserirem mais informalmente no setor produtivo que os homens. O auge dessa
diferenciação encontra-se no setor de serviços no qual, em 1988, 72% das
mulheres exerciam suas atividades na informalidade, enquanto para os homens
essa proporção era de apenas 35,6%. Já na agricultura, homens e mulheres
compartilhavam a informalidade de maneira mais igualitária, com ligeira
predominância para as mulheres (96,7% e 89,6%), respectivamente. Entretanto, se
as mulheres lideravam a informalidade quando a ocupação se referia a cargos de
alto prestígio, ou seja, 87% dos postos de gerência e administração eram
ocupados por homens e apenas 13% por mulheres.
Em relação à área da saúde, a tendência da ocupação de cargos gerenciais por
mulheres foi apontada em estudo (9)sobre a função gerencial do enfermeiro em
hospitais de grande e médio porte da rede privada de Belo Horizonte. Um dos
aspectos que influencia essa situação é o fato de serem, os métodos e técnicas
tayloristas, aplicados majoritariamente às mulheres, quando ao capital
interessa organizar a produção, tirando vantagem dos baixos salários e da fraca
regulamentação do trabalho existente em países do Terceiro Mundo. Essa
tendência parece ser uma realidade nas Unidades Básicas estudadas, apesar de
todo o discurso de mudança existente no setor saúde.
Em relação à faixa etária dos gerentes, verificou-se que 83,03% dos mesmos
encontravam-se na faixa de idade entre 36 e 50 anos. Percebe-se, assim, que se
por um lado o quadro gerencial possui maior maturidade profissional, por outro
lado, os profissionais mais jovens, ou em início de carreira, têm tido menos
oportunidades de assumir cargo gerencial nas UBS do município. Verificou-se o
predomínio de gerentes na faixa etária entre 36 a 40 anos (33,90%) seguida de
46 a 50 anos (27,11%) e de 41 a 45 anos (22,02%) e 10,20% acima de 50 anos,
totalizando 93,23% dos gerentes com idade superior a 36 anos de idade.
Essa situação, de certa forma, foge dos padrões atuais da gerência nas
organizações, em que é detectada a tendência de incorporação de profissionais
jovens, que são treinados pelas instituições e desenvolvem alto grau de
identificação com o trabalho e com a organização, para implementar processos de
inovação organizacional. Nessas empresas, as carreiras não são padronizadas e
dependem do desempenho individual, assim como os salários pagos e os espaços
ocupados. Entretanto, o setor público, em particular o da saúde, segue normas
tradicionais de gerência e construção de carreiras rígidas ao longo da vida
profissional, desconsiderando outros critérios como o conhecimento gerencial, a
capacidade de inovação e a produtividade. Nessa perspectiva, autores
(10)afirmam que as organizações de saúde apresentam objetivos ambíguos,
complexos e ambiciosos, ligados a valores, normas e ideologias e, portanto,
difíceis de se definir. Acrescentam ainda que essas organizações sofrem a
influência de um ambiente composto pela multiplicidade de grupos sociais com
interesses e expectativas próprias.
No que se refere às formas de ascensão ao cargo de gerente das UBS, verifica-se
a opção por profissionais já inseridos nos serviços de saúde. Identificou-se
que 44,07% dos gerentes foram escolhidos por seleção interna, entre os
profissionais que já atuavam nos próprios serviços; concurso interno, 15,25%;
eleição internas, 13,56%; indicação do gerente anterior, 8,47%; indicação
política não especificada, 8,47%; por eleição com a participação dos usuários,
3,39% convidados pelo Distrito Sanitário e somente 3,39% foram indicados tendo
como critério a capacidade gerencial para assumir a função. Esses resultados
levam a refletir sobre a reestruturação administrativa ocorrida nos serviços de
saúde nos últimos anos. Percebe-se que houve um decréscimo das indicações
políticas para o cargo, como muitas vezes ocorria anteriormente e aumento das
indicações pelos próprios pares que, pela proximidade no dia a dia dos
serviços, identificam o melhor perfil para exercer a função gerencial nas UBS.
Pode-se inferir, no entanto, que essa modalidade de escolha traz a
possibilidade de privilegiar as relações pessoais e a experiência profissional
nas UBS em detrimento da competência gerencial para exercer as atividades
exigidas pelo cargo.
Essas afirmações são reforçadas quando se identificam os pré-requisitos para
assumir a gerência das UBS. Dos 59 respondentes, 62,71% afirmam não haver pré-
requisito para o cargo; 13,50% apontam apenas o curso superior no qual se
graduaram; 13,56% indicam o fato de ser profissional de saúde (6,78%) e ter
experiência anterior (6,78%), como necessário; 6,78% foram selecionados para o
cargo e, apenas, 3,39% indicam a capacidade de Administrar, como pré-requisito
essencial. Os resultados reforçam as dificuldades no estabelecimento de
critérios para escolha dos gerentes, pois o percentual que aponta para a
inexistência de pré-requisito para assumir o cargo é expressivo (62,71%). Alie-
se a isso a afirmação de que para 13,50% o curso de graduação possibilita
assumir a função. Sabe-se, entretanto, que para a maioria dos cursos da área de
saúde, não há disciplinas específicas ou mesmo conteúdos de administração, que
lhes garantam um conhecimento necessário ou clareza do que dele se espera para
o exercício do cargo.
Quanto às formas de aquisição de conhecimento administrativo anterior para
assumir a gerência tem-se 26,39% dos profissionais adquiriram no curso de
graduação; 25,00% por experiência prática em outros setores; 15,28% em cursos
de especialização; 6,94% atualização; 1,39% aperfeiçoamento; 1,39% curso de
Administração Hospitalar; e 23,61% afirmam não ter nenhum conhecimento antes de
assumir a gerência da UBS. Considerou-se aqui 72 respostas, pois os 59
respondentes podiam escolher mais de uma resposta.
A experiência prática a que se referem 25,00% dos gerentes como conhecimento
prévio antes de assumir o cargo, não significa claramente conhecimento em
gestão pública. Reforça-se o que se afirmou anteriormente em relação aos cursos
de graduação quanto ao enfoque gerencial dos currículos dos cursos de
graduação, frente aos 26,39% que apontam tal critério como fonte de aquisição
do conhecimento. Além disso, 23,61% apontam a inexistência de conhecimento
anterior na área gerencial. Esse dado é relevante e pode explicar parte das
dificuldades enfrentadas pelos gerentes no exercício da função, pois afirma-se
(5) a existência de deficiências da gerência pública e a inadequação dos
profissionais para o atendimento das atuais demandas organizacionais. Essa
realidade também é apontada em outro estudo(6)sobre uma avaliação dos serviços
locais de saúde da América Latina e da Central, cujos indicadores mostram a
necessidade de capacitar os líderes do setor saúde em Administração,
Epidemiologia e Metodologia Operacional.
Tratando-se da formação na área gerencial, chama-se(11) a atenção para a
existência de deficiências nos Cursos de Administração, os quais enfatizam o
tradicionalismo e são marcados pelo pensamento administrativo formal. Ao
analisar as questões relativas à formação gerencial nos cursos da área de
saúde, refere-se a deficiências ainda maiores. Pontua-se que, na formação
acadêmica, o contexto organizacional é subestimado e que os conteúdos são
repassados ao aluno de forma acrítica e mecânica. Considerando-se que a
gerência eficiente está vinculada à reformulação das idéias dos modelos
teóricos e das abordagens metodológicas, o perfil adequado do gerente requer,
além da sofisticação das técnicas gerenciais e das habilidades específicas, uma
formação humanística mais ampla.
As modificações propostas para as universidades visam ao atendimento das
necessidades de um perfil gerencial mais apropriado ao atual contexto e que
busque, portanto, preparar o profissional na dimensão "supratécnica", devendo
ser enfatizada, na formação do gerente, o desenvolvimento de
habilidadescriativas derelacionamento. Observa-se (11) a necessidade dos
gerentes compreenderem a realidade organizacional e ter conhecimento nas áreas
de economia e sociologia. No entanto, percebe-se que essas características
dificilmente são encontradas nos atuais gerentes das UBS, os quais possuem
conhecimentos restritos na área gerencial, adquiridos na graduação, em
especializações cursadas em diferentes instituições de ensino, ou mesmo em
cursos de aperfeiçoamento e atualização, além dos que informaram não ter nenhum
tipo de formação gerencial.
Outra questão importante refere-se ao tempo de permanência na gerência das UBS.
Apesar de se caracterizar como um cargo de confiança, não foram observadas
mudanças significativas nos períodos eleitorais, época em que os gerentes das
Regionais e algumas vezes dos Distritos Sanitários são substituídos. Essa
situação reforça a redução de indicações políticas para a ocupação do cargo,
quando constata-se o tempo de permanência no cargo. Verifica-se que 67,84%
estão no cargo há mais de 5 anos; seguidos por 22,0% que estão no intervalo
entre 2 a 5 anos; 5,08% de 1 a 2 anos e também 5,08% a menos de um ano.
Percebe-se que a maioria dos gerentes (67,84%) encontra-se no cargo há mais de
5 anos e muitos deles assumiram a função à época da Municipalização da Saúde.
Salienta-se a relevância desse fato, pois a baixa rotatividade pode trazer
maiores facilidades para os gerentes no estabelecimento de contatos mais
efetivos com a comunidade, conhecimento de suas necessidades e maior
possibilidade de dar continuidade aos projetos iniciados, sem a interferência
de mudanças que ocorrem, naturalmente, quando novos governos assumem,
principalmente, quando há alternância partidária. Nesse sentido, é importante
reconhecer que, nos últimos anos, o município de Belo Horizonte vem sendo
governado por coligações partidárias que mantêm uma certa linha de pensamento,
o que pode estar influenciando a permanência dos gerentes das UBS nos cargos.
A redução de indicações políticas para o cargo de gerente e o fato de a
gerência pública ter assumido novo enfoque com novas obrigações decorrentes da
descentralização, influenciou também as categorias profissionais que passaram a
assumir a gerência das UBS. Assim, o médico que tradicionalmente ocupava a
gerência das unidades de saúde, dividindo-se entre a clínica, outros empregos e
consultórios particulares, começa a ter seu espaço ocupado por outros
profissionais. Anteriormente, em situações diversas, o cargo de gerente das
unidades de saúde era ocupado pelo médico, enquanto a gerência operacional, de
fato, era exercida por outros profissionais que se preocupavam com o mínimo de
organização dos serviços. O enfermeiro, por suas características de formação e
cultura profissional, assumiu em grande escala essa gerência informal. Com a
nova proposta assistencial e exigência do cumprimento de uma jornada de 8 horas
diárias para o gerente, outros profissionais passaram a assumir o cargo de
gerente, como pode ser observado quanto à formação básica dos atuais gerentes
das UBS de Belo Horizonte: 49,15% são Enfermeiros; 13,57% Odontólogos; 13,57%
Psicólogos; 8,49% Médicos; 5,08% Assistente Social; e 10,14% dividem-se entre
Terapeuta Ocupacional (1,69%) e outras profissionais com mais de uma formação
Enfermeiro e Sociólogo (1,69%); Farmacêutico e Bioquímico (1,69%), Assistente
Social e Filósofo; (1,69%), Enfermeiro e Pedagogo; (1,69%) Assistente Social -
Sociólogo e Administrador (1,69%).
Constata-se que a formação profissional é uma expressão recente que designa
processos históricos referentes à capacitação para e no trabalho, assumindo uma
relação permanente entre o trabalhador e o processo de trabalho. Na sua acepção
mais ampla, "designa todos os processos educativos que permitam, ao indivíduo,
adquirir e desenvolver conhecimentos teóricos, técnicos e operacionais
relacionados à produção de bens serviços desenvolvidos nas escolas ou nas
empresas"(12:94).
Em relação à formação dos gerentes das UBS de Belo Horizonte, observa-se uma
predominância de enfermeiros (49,15%), que se eleva para 52,53% quando se
contabilizam os dois que cursaram também Pedagogia e Sociologia, mas que estão
nas UBS como enfermeiros, quando comparados aos demais profissionais. Esse dado
permite-nos fazer algumas inferências. Inicialmente, é importante salientar
que, historicamente, o enfermeiro tem ocupado cargos de chefia/coordenação de
unidades ou áreas de trabalho e da equipe de enfermagem. Estudos(9-15) apontam
para um considerável número de enfermeiros em cargos de chefia na área
hospitalar. Esses enfermeiros vêm assumindo a função gerencial sob a
argumentação de que, além de possuírem conhecimentos relativos à prestação do
cuidado ao cliente, possuem capacitação na área administrativa e se relacionam
de maneira satisfatória com os demais membros da equipe multidisciplinar(9).
Ao assumir a gestão das UBS, o enfermeiro vem dando continuidade ao trabalho
que anteriormente era realizado na informalidade e, por possuir uma visão geral
da unidade e maior contato com a clientela, passou a ser um elemento importante
na composição do quadro gerencial do município. Há também que se ressaltar que
o Curso de Graduação da Enfermagem é um dos poucos da área de saúde que possui
em suas diretrizes curriculares uma carga horária específica destinada à
Administração, oferecendo maior respaldo ao profissional para assumir cargos de
gerência.
Em relação à formação profissional do enfermeiro, verifica-se que, apesar de as
atuais demandas do mercado de trabalho exigirem dos profissionais uma visão
mais abrangente e voltada para os novos desafios de uma sociedade em permanente
transformação, as Escolas de Enfermagem não têm conseguido acompanhar o
acelerado ritmo das mudanças. Apesar do empenho em qualificar o corpo docente,
adotar novas metodologias de ensino e criar a consciência da necessidade de
educação permanente, essas escolas continuam formandoprofissionais que
apresentam dificuldades de inserção na realidade social e das organizações.
Essa situação tem levado algumas instituições de saúde a capacitarem seus
profissionais, mas de forma pontual e de acordo com demandas específicas, o que
por um lado eleva a competência instalada de algumas categorias, mas por outro,
contribui para a elevação dos níveis de desgaste e ansiedade das pessoas que se
sentem despreparadas para realizar as atividades demandadas. Por outro lado, os
programas de desenvolvimento de pessoal não alcançam de forma equânime todos os
profissionais, ancorados nos princípios de aprendizagem organizacional,
comprometendo significativamente o trabalho em equipe, imprescindível nos dias
atuais.
Contudo, em relação à ocupação de cargos gerenciais pelo enfermeiro, destaca-se
seu posicionamento no cumprimento e viabilização de ordens e no repasse de
ideologias. Um estudo(16)realizado sobre a identificação de enfermeiras com um
hospital filantrópico de Belo Horizonte, revelou que estas encontravam-se
ligadas à organização por meio de laços afetivos, psicológicos, materiais-
financeiros e ideológicos. Em relação aos laços ideológicos, observaram que as
enfermeiras-gerente assimilaram, de forma significativa, as diretrizes e
valores preconizados pela organização, assumindo um papel relevante no repasse
da ideologia institucional aos demais funcionários das unidades de trabalho,
deixando clara a importância do cumprimento das exigências e metas
institucionais por parte de toda a equipe de trabalho.
No que se refere à formação acadêmica básica dos profissionais que vêm
assumindo a gerência das UBS, é importante ressaltar que, em geral, os órgãos
formadores não têm conseguido acompanhar as intensas transformações econômicas,
sociais e tecnológicas dasúltimas décadas, o que tem exigido constante busca
dos profissionais por cursos de pós-graduação ou de atualização e
aperfeiçoamento. A universidade apesar de se definir como instituição dedicada
à inovação, não sabe inovar-se, mantendo a mesma "velharia secular". Ressalta-
se que é impossível inovar permanecendo o mesmo, ou seja, não é possível que
nos inovemos sem nos desconstruirmos, pelo menos em certa medida(17).
A formação profissional na ótica taylorista-fordista"assume um caráter restrito
de adestramento da mão-de-obra e de adaptação do produtor direto ao posto de
trabalho. Nas organizações que superam os limites dessas práticas, a formação
profissional é incorporada como estratégia operacional na busca de qualidade e
produtividade"(12:96) e está associada em grande parte às necessidades
definidas pela empresa no que se refere à política organizacional e de gestão
do trabalho, pois, a formação profissional(12).
Vale ressaltar, também, a colocação de a respeito do tempo de permanência nas
organizações, pois o comportamento organizacional é controlado rigorosamente em
relação a tempo. Os indivíduos chegam ao trabalho em determinada hora e deixam-
no também em uma hora certa. "O status nas organizações relaciona-se à
liberdade em questão de horário ou de utilização do tempo"(17).
Dessa forma, a exigência de jornadas de trabalho mais extensas para os
gerentes, nem sempre foram aceitas por todos os profissionais, principalmente
por aqueles que possuíam outras fontes de rendas superiores aos baixos salários
pagos pelo setor público. Parece-nos que está havendo um processo seletivo
natural para os cargos de gerentes das UBS, em função das extensas jornadas de
trabalho e aceitação dos baixos salários, apesar de uma certa flexibilidade de
horário decorrente do cargo.
Retornando ao processo de capacitação dos profissionais pelas organizações de
saúde, para assumirem o cargo, tem-se um outro dilema, pois esse não é o foco
principal de sua área de ação. Além disso, "a discussão sobre a qualificação é
complexa e polêmica em razão, principalmente, da ausência de consenso quanto
aos critérios a serem considerados em sua definição"(18).
No entanto, vale ressaltar a importância das organizações de saúde terem
assumido a capacitação de seus gerentes, da forma mais contextualizada possível
naquele momento, por meio de acordos interinstitucionais, como foi o caso do
GERUS, que capacitou 69,67% dos respondentes, sendo que destes, 10,15% possuem
mais de uma capacitação aliada ao GERUS, aperfeiçoamento (5,08%); treinamento
(1,69%); outra especialização (3,38%). Apenas 18,64% gerentes foram capacitados
em treinamentos ou outros cursos e 3,39% que não responderam.
Considerando-se que o GERUS foi um curso de especialização voltado para os
gerentes dos serviços locais de saúde, é imperioso reconhecer a preocupação do
município em capacitar o quadro gerencial das UBS. Essa capacitação dos
gerentes em exercício ocorreu de forma articulada com outros organismos
nacionais e internacionais como o Ministério da Saúde, a OPS e Fundação Kellog,
utilizando também recursos do FAT e com a participação de grande contingente de
profissionais habilitados e comprometidos com a área de Saúde Coletiva. Por
outro lado houve também a conscientização de alguns gerentes que buscaram
capacitação gerencial complementar, com seus próprios recursos, apesar dos
baixos salários, dos custos elevados dos cursos e do pouco tempo disponível,
que os levaram a realiza-los à noite ou em finais de semana.
No entanto, diante de um mundo globalizado e competitivo pode-se dizer que a
marca mais profissionalizante é "saber pensar", mais que dominar conteúdos que
envelhecem rapidamente". Nesse sentido, cursos rápidos do tipo "treinamento,
não são úteis nem para entrar no mercado e muito menos para sustentar a
cidadania do trabalhador"(17). Tal afirmação coloca os gerentes diante de uma
situação conflituosa e sempre inacabada, pois por mais que se esforcem sempre é
preciso mais formação, mais informação, mais atualização e desenvolvimento de
novas habilidades na forma de pensar e exercer a gerência dos serviços, como um
componente essencial na mudança do padrão de assistência da população.
5 Considerações finais
Com este estudo foi possível a delimitação do perfil dos gerentes das Unidades
Básicas de Saúde do Município de Belo Horizonte, considerando as
características apresentadas e discutidas. O número elevado de mulheres
exercendo a gerência reflete a feminização da força de trabalho em saúde,
determinada, em grande parte, pela enfermagem, profissão majoritariamente
feminina. Se de um lado pode-se dizer que este fato reflete uma submissão desse
grupo profissional aos baixos salários pagos pelo setor público e às exigências
de extensas jornadas de trabalho; de outro há o conhecimento adquirido de
conteúdos de Administração na formação de base, tendo em vista que a enfermagem
é um dos poucos cursos da área de saúde que enfoca a gerência na graduação.
É preocupante o fato de que, em tempos de intensas mudanças na saúde e de
utilização de modelos de gestão mais ousados e flexíveis, não tenha sido
adotada como pré-requisito a formação gerencial para ocupar o cargo,
considerando inclusive a especificidade da clientela atendida. Faz parte do
perfil delineado a experiência anterior em gerência, que não necessita ter sido
adquirida no setor público, pois as adaptações são sempre possíveis e
enriquecedoras, desde que haja uma base conceitual como orientação.
A indicação e eleição interna como critérios de acesso ao cargo reflete que a
escolha dos gerentes tem sido feita, em sua maioria, pelos parceiros de
trabalho. Entretanto, se de um lado a faceta democrática pode ser um
facilitador para aceitação e indicativo de uma liderança, por outro lado, nem
sempre é garantia de competência e, portanto, de um bom gerenciamento.
Em face das exigências do sistema vigente e das demandas de saúde da população,
considera-se que o município repense a capacitação dos atuais gerentes, bem
como, a formação de futuros profissionais que venham a assumir o cargo. É
necessário ampliar as possibilidades para que os profissionais possam associar
conhecimentos anteriores e as experiências profissionais com metodologias de
trabalho inovadoras e criativas na liderança da equipe interdisciplinar, com a
finalidade de resolver as demandas de saúde da população. Também se reconhece
que o gerenciamento de uma Unidade Básica de Saúde, na busca de resolutividade,
supera a dimensão dos conhecimentos e atributos individuais, sendo também
necessário que o município assuma o compromisso na capacitação de seus
gerentes, respaldando-os com conhecimentos necessários para responder às
exigências da política de saúde vigente.