Liderança: aprendizado contínuo no gerenciamento em enfermagem
ENSAIO
Liderança: aprendizado contínuo no gerenciamento em enfermagem
Leadership: continuous learning in the management in nursing
Liderazgo: aprendizaje continua en el gerenciamiento de enfermería
Raquel Rapone GaidzinskiI; Heloísa Helena Ciqueto PeresII;Maria de Fátima Prado
FernandesIII
IEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Orientação Profissional da
Escola de Enfermagem da USP e Diretora do Departamento de Enfermagem do
Hospital Universitário da USP
IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da
Escola de Enfermagem da USP da Escola de Enfermagem da USP
IIIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da
Escola de Enfermagem da USP da Escola de Enfermagem da USP
Correspondência
1 Introdução
A liderança pode ser considerada como uma habilidade que sempre existiu na
história da humanidade, sendo encontrada na literatura desde os históricos
bíblicos por volta do ano 1300 da era cristã(2,5).
Etimologicamente, o termo liderança significa por em movimento, conduzir
pessoas para alcançarem objetivos. A própria antropologia histórica e
filosófica traz em sua trajetória a dimensão política, ética, social e cultural
da liderança, bem como a sua evolução e correlação com diversos conceitos
vinculados as questões gerenciais, principalmente as que tangem as tomadas de
decisão.
Ao longo dos anos, inúmeros estudos têm enfocado a liderança, buscando
conceituar, relacionar características e habilidades presentes nas pessoas que
se destacam como líderes, diferenciar estilos comportamentais, valorizar
aspectos situacionais, ressaltar as diferentes variáveis que podem intervir
nesse fenômeno(15). A complexidade do tema liderança vai desde o ponto de vista
semântico até suas implicações de ordem social. Expressão de difícil e variada
definição, a liderança é retratada na literatura sob os mais diferentes pontos
de vista, cujos enfoques variam conforme a visão de mundo e formação do
estudioso, do ponto focal de sua atenção e do interesse que move sua
investigação. Trata-se portanto, de assunto de natureza multidimencional, com
implicações de caráter social, histórico e político(14).
No início da década de 30, a partir da Escola de Relações Humanas, os estudos
sobre o tema liderança passaram a ter maior ênfase nas relações do homem no
trabalho. Nessa perspectiva, o fenômeno liderança que até então era concebido,
apenas nas características pessoais do líder e na posição hierárquica de esse
ocupa, passa a ser considerado como um processo que envolve líder, liderados e
situação.
Assim as teorias da administração influenciam a prática da liderança. Essas
teorias vêm transformando o significado de liderança, conforme a aplicabilidade
prática de seus pressupostos no âmbito do gerenciamento, na tentativa de se
produzir estratégias capazes de melhorar o desempenho das pessoas na condução
de outras pessoas, especialmente nas relações de trabalho(3,4,9,11,14).
A liderança trata basicamente da coordenação de grupos, destacando que nas
organizações, o significado atribuído à liderança, aos líderes e ao grupo
refletem a filosofia, a política de pessoal e as propostas de trabalho dessas
organizações(9).
Os estudos mais atuais, também, evidenciam que existe concordância que a
liderança é um fenômeno grupal e que envolve um sistema de influência social de
um indivíduo sobre os demais (13,16,15).
Nesse sentido, a marca da liderança moderna é o fortalecimento do grupo de
trabalho, ressaltando e valorizando as competências individuais, diluindo o
poder na equipe, fazendo com que cada membro reconheça o propósito e o
significado de seu trabalho, diferentemente, da ênfase dos estudos iniciais que
centravam a liderança na pessoa e no poder detido pelo líder(15).
Acredita-se que, nessa perspectiva, é possível sinalizar para o enfermeiro as
possibilidades de desempenhar esse novo papel de líder, orientado para o
futuro, mais flexível, dinâmico e disposto a assumir riscos, em contraposição
ao papel de controlador, ditador de regras, normas e procedimentos(15).
2 Desenvolvendo competências para a liderança em enfermagem
Os enfermeiros necessitam deixar a concepção idealizada e cristalizada que
historicamente foi construída pela enfermagem ao longo dos tempos que considera
a liderança na profissão como algo dado, indiscutível e aceito sem
contestações, configurando-se como instrumento de alienação e de controle,
desconsiderando os trabalhadores liderados na enfermagem, colocados como
depositários do saber e do controle do enfermeiro, sendo vistos como objetos,
cumpridores de ordens das quais não tiveram nenhuma participação(14).
O enfermeiro deve considerar que a história da profissão e sua inserção na
sociedade se dão através do trabalho conjunto de trabalhadores da enfermagem e
que esta prática só poderá ser transformada a partir da efetiva participação de
todos trabalhadores. Isso implica na distribuição de poder por parte dos
enfermeiros e da aquisição de poder por parte dos demais trabalhadores(14).
Não há mais como negar a importância da função gerencial como elemento
integrante do trabalho da enfermeira, entendida numa lógica que privilegia os
interesses coletivos e dando concretude a uma assistência segura que leve em
consideração as reais necessidades da clientela. Nessa realidade a enfermeira é
o elemento da equipe de saúde que gerência o cuidado prestado ao cliente.
Assim, a função administrativa é inerente à prática profissional do enfermeiro,
acreditando que sejam muitos os benefícios que essa função, exercida sob
orientação de novos padrões e valores, poderá trazer para as organizações de
saúde, para os serviços de enfermagem, para a classe profissional e
principalmente para o cliente(6).
A gerência como a arte de pensar, de decidir e de agir; a arte de fazer
acontecer e de obter resultados. Resultados que podem ser definidos, previstos,
analisados e avaliados, mas que têm de ser alcançados através de pessoas e numa
interação humana constante. Esse autor refere-se ao gerenciamento não como um
processo apenas científico e racional, mas também como um processo de interação
humana que lhe confere, portanto, uma dimensão psicológica, emocional e
intuitiva(13).
A relação entre liderança e gerência é de suma importância e historicamente,
nos serviços de saúde, sempre foram valorizadas as qualidades administrativas
em detrimento das habilidades de liderança, que vem sendo exigida, nas últimas
décadas com a mudança de paradigma nas organizações de saúde, que passam de uma
visão tradicional e hierarquizada das instituições para uma visão de trabalho
mais flexível, em equipe, com unidades de trabalho semi-autônomas, onde há
distribuição de poder e confiança mútua(11).
No século XX, o desenvolvimento das competências para liderança era
praticamente, realizado em salas de aula e no trabalho centralizado na
administração. Somente na última década o desenvolvimento do líder passa a ser
concebido como um aprendizado contínuo, envolvendo várias áreas do
conhecimento.
O desenvolvimento do potencial para liderança não acontece em um curso de duas
semanas ou em um programa universitário de quatro anos, embora possam ajudar.
As competências mais complexas surgem ao longo de décadas e esse é o motivo
pelo qual está se falando cada vez mais sobre o "aprendizado contínuo". Como
passamos grande parte do tempo desperto trabalhando, é no nesse ambiente que a
oportunidade para desenvolver e praticar a liderança acontece, onde as
situações vivenciadas são reais e imperiosas, exigindo perspicácia, prontidão e
habilidade do enfermeiro(8,15).
Esse fato, portanto depende das políticas de desenvolvimento de pessoal das
organizações. Assim, o ambiente do trabalho pode encorajar e ajudar a
desenvolver potencial para liderança de seus trabalhadores ou, de modo inverso,
se o tempo no trabalho propícia pouca oportunidade para o desenvolvimento dessa
capacidade, provavelmente, nunca será aproveitado o potencial dos trabalhadores
para assumirem lideranças. Organizações muito controladoras freqüentemente
dificultam o processo da liderança ao não permitir que as pessoas se
desenvolvam e cresçam. Em estruturas muito rígidas, trabalhadores não são
encorajados a liderar e podem até ser punidos se saírem dos limites, desafiarem
o status quo e assumirem riscos. Esses tipos de organizações tendem a rejeitar
as pessoas com potencial de liderança ou restringem-se a ensiná-las apenas
sobre administração burocrática.
O aprendizado contínuo em liderança, requer ambientes organizacionais onde os
trabalhadores devem aprender a assumir riscos, sair de posições confortáveis e
experimentar novas idéias e experiências, refletir humilde e honestamente sobre
experiências para se educarem continuamente. No aprendizado contínuo as pessoas
solicitam ativamente opiniões e idéias de outras pessoas. Não presumem saber
tudo ou que outros têm pouco a contribuir. Justamente ao contrário, elas
acreditam que, com a abordagem certa, podem aprender com o outro em qualquer
circunstância. Sabem ouvir atentamente, com a mente aberta. Não presumem que
ouvir produzirá grandes idéias ou informações importantes com muita freqüência.
Pelo contrário, sabem que ouvir atentamente as ajudará a avaliar o efeito de
suas ações(8).
McCall(10) ressalta a importância das habilidades, atitudes e valores de um
líder considerado eficiente e enfatiza que esses atributos não são estáveis,
pois devem ser flexíveis, adaptáveis e abertos a um aprendizado contínuo,
acreditando na importância da experiência e da educação como facilitador desse
processo.
Essas colocações nos leva a refletir como os enfermeiros têm se posicionado
diante das situações cotidianas do trabalho e à premente necessidade de
transformação de sua prática.
Portanto a liderança requer qualidades individuais, organizacionais e grupais
que podem ser aprendidas e desenvolvidas. Motta(13) considera as habilidades
próprias da liderança em três dimensões:
1. Dimensão organizacional - refere-se ao conjunto de fatores que determinam a
possibilidade de um indivíduo tomar-se líder em um dado contexto,
caracterizando o aspecto situacional da liderança. É importante ter uma clara
compreensão da missão e dos objetivos, bem como do contexto externo da
organização onde o trabalhador atua.
2. Dimensão interpessoal - congrega questões como a influência, comunicação,
cooperação, mudanças e conflitos, convergindo para o gerenciamento das relações
com o propósito de atingir as metas coletivas. As habilidades interpessoais
compreendem comprometimento com o outro, reconhecimento do valor das pessoas e
capacidade de respeitar, valorizar, ressaltar as características individuais
positivas, bem como, a necessidade de aprender a aceitar as pessoas como elas
são, sem idealizações e confiança mútua, permitindo que os liderados
desenvolvam métodos próprios de trabalho. A comunicação é considerada
instrumento fundamental para o líder, resultando, entre outras coisas, em uma
aproximação das pessoas, um compartilhar de idéias e visões, ampliando a
compreensão sobre o trabalho de cada um.
3. Dimensão individual _ engloba atitudes, habilidades e formas
comportamentais, que estão vastamente descritas na literatura, como necessárias
à formação de um líder desde que sejam articuladas com as características da
situação e dos liderados. Atualmente, as competências individuais dos líderes
são vistas com maior flexibilidade, aceitando-se que qualquer pessoa seja
vulnerável ao aprendizado de tais habilidades, podendo tornar-se líder.
Nesse sentido a inteligência emocional citada por Goleman(7) contribui para a
analise da dimensão individual da liderança apontando elementos como: Auto
Consciência _ representa a autopercepção, isto é, o autoconhecimento, a
compreensão dos própiros estados interiores, das preferências, das intuições,
das emoções, bem como, dos pontos fortes e das limitações pessoais. O
autoconhecimento é apontado, também, por por Bergamini(2), como condição de
credibilidade de liderança, sendo necessário ter claro os próprios valores que
guiam a maneira como se sente, como se diz o que se pensa, como se fazem
escolhas e como se age;
Auto Regulação: é a habilidade para controlar e lidar com as emoções e impulsos
internos e a capacidade de enfrentamento das divergências e dos obstáculos com
integridade ética e serenidade;
Auto Motivação: caracteriza-se pela dedicação e vontade intrínseca de realizar
o trabalho em consonância com as metas do grupo e a iniciativa para
operacionalizar e implantar idéias e projetos, atuando em situações de
ambigüidade com flexibilidade, otimismo, persistência e confiança para lidar
com as mudanças, buscando continuamente solução para os problemas;
Empatia: percepção dos sentimentos dos outros, reconhecendo suas necessidades
preocupações, potencialidades e limites;
Aptidões sociais:congrega questões como a influência, comunicação, cooperação,
liderança, mudanças, conflitos convergindo para o gerenciamento das relações
com o propósito de atingir as metas coletivas.
Essas habilidades envolvem o conhecimento sobre o comportamento humano, bem
como, os processos pessoais que se objetiva atingir através da capacidade de
compreender sentimentos, atitudes e motivações dos indivíduos, que na maioria
dos casos são revelados por aquilo que dizem e fazem(2).
As dificuldades encontradas na liderança decorrem, em sua grande maioria, da
inabilidade em lidar com algumas situações do trabalho, principalmente aquelas
que dizem respeito ao autoconhecimento e ao relacionamento interpessoal(15).
Nesse contexto, o papel do líder é de facilitador, possibilitando oportunidades
de crescimento pessoal e profissional, para que as pessoas possam ser criativas
e críticas, de modo a exercer a autonomia individual e grupal baseada no
respeito mútuo.
Diante dessas colocações, reforça-se a crença na possibilidade dos enfermeiros
tornarem-se líderes, através da reflexão dos conhecimentos, atitudes e
habilidades necessárias na tentativa de desenvolvê-las e praticá-las em seu
cotidiano de trabalho, contemplando assim, uma liderança mais humana e
participativa.
3 Considerações Finais
No século XXI, os líderes do futuro terão que adaptar suas atividades ao mundo
que encontrarão, com isso deverão valorizar o trabalho e também realizá-lo,
desenvolvendo habilidades e construindo conhecimentos em grupo.
Os líderes têm que conhecer as habilidades necessárias para integrar
organizações, colocando as culturas organizacionais e os sistemas de negócios
distintos lado a lado para trabalhar como um todo coerente(1).
Assim, o enfermeiro não deve ser mais olhado como depositário e transmissor do
saber, pois ele constitui um dos elos de sedimentação de saberes. O trabalho
grupal deve ser fundamentado na comunicação contínua entre os pares, integrando
o ambiente interno e externo e transformando a administração auto centrada,
formal e fechada em administração que contemple o caráter da interdependência;
sendo dinâmica, participativa, integradora e flexível, e ainda, aberta,
democrática e cooperativa, na qual os indivíduos possuem senso de autonomia sem
perder a concentração na meta coletiva.
Dessa forma o enfermeiro deve reconhecer o valor do outro e do trabalho grupal,
visando estabelecer uma liderança responsável e ética, onde a busca contínua do
conhecimento, a confiança e a fluidez prevaleçam em prol da busca cada vez
maior da qualidade da assistência.