Processo de seleção na pós-graduação em enfermagem psiquiátrica: uma discussão
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Processo de seleção na pós-graduação em enfermagem psiquiátrica: uma discussão
The selection process in a graduate course on psychiatric nursing: a discussion
Proceso de selección en el postgrado en enfermería psiquiátrica: una reflexión
Renata Curi LabarteI; Maria Cecília Moraes ScatenaII; Maria Alice OrnelasI;
Antônia Regina FuregatoIII
IProfessor Doutor do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas
da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
IIProfessor Livre Docente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências
Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
III Professor Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências
Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
E-maildo autor: furegato@eerp.usp.br.
1 Introdução
O Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica (PPGEP) stricto sensu do
Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, iniciou suas atividades com o Mestrado em
1975.
Foi o terceiro curso de Pós-Graduação em Enfermagem, o primeiro e único na
especialidade no país até hoje. O objetivo do Mestrado, é aprofundar os
conhecimentos teóricos e da assistência em Enfermagem Psiquiátrica bem como a
inserção do enfermeiro na investigação científica, com vistas à formação
docente nesta área. Tanto a estrutura acadêmica como a científica não era
fechada nos primeiros 15 anos de funcionamento, tendo em vista a demanda para
cursos de Mestrado em todas as especialidades(1). Conseqüentemente, durante
muito tempo e independente de suas especialidades enfermeiros que desejaram
cursar pós-graduação, recorreram a este programa de pós-graduação.
Este curso impulsionou a titulação de enfermeiros que criaram outros mestrados
e foi fundamental para que se criasse, em 1981, o primeiro doutorado do Brasil
num esforço conjunto das duas Unidades de Enfermagem (Ribeirão Preto e São
Paulo) da USP.
Em 1990, uma estrutura mais dirigida à formação do enfermeiro psiquiátrico foi
aprovada pela Câmara de Pós-Graduação-USP. Concomitantemente, ocorreram as
definições de 4 linhas de pesquisa com o objetivo de adequá-las à tendência de
investigação emergente das temáticas da Enfermagem Psiquiátrica e de Saúde
Mental, em sintonia com os interesses dos docentes e dos alunos da área.
Ao longo desses 13 anos, as linhas propostas foram sendo melhor definidas,
acompanhando o desenvolvimento científico dos pesquisadores do Departamento de
Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas. Hoje, com 5 linhas de pesquisa, o
Programa desenvolve projetos, muitos dos quais subsidiados por órgãos de
fomento como CNPQ, FAPESP e MS.
Linha 1: Enfermagem psiquiátrica: o doente, a doença e as práticas terapêuticas
(11 projetos). Linha 2: Promoção de Saúde Mental (10 projetos). Linha 3:
Educação em saúde e formação de recursos humanos (6 projetos). Linha 4: Estudos
sobre a conduta, a ética e a produção do saber em saúde (5 projetos). Linha 5:
Uso e abuso de álcool e drogas (5 projetos).
Em 1999 foi criado o doutorado em Enfermagem Psiquiátrica. Nesse período, o
Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, sofreu perdas de
lideres e de professores titulados. Por outro lado, empenhou-se em titular o
seu quadro tendo hoje o privilégio de contar com 14 docentes pesquisadores em
condições de consolidar tanto o Mestrado como o Doutorado e seus Núcleos de
Pesquisa. Alguns dos docentes aposentados ainda colaboram com o Programa em
disciplinas ou orientações.
A titulação dos primeiros doutores do PPGEP iniciou-se em março de 2002. Ainda
em 2002, o Programa abriu vagas para outros profissionais não enfermeiros que
trabalhem na área de Saúde Mental, o que enriquece o intercâmbio de
conhecimentos e de experiências.
Os Programas de pós-graduação, inseridos no contexto universitário, com fomento
e sob diretrizes políticas da CAPES, CNPq, FAPESP e outros dá conta não apenas
do aspecto acadêmico desta formação mas principalmente dos aspectos científicos
de cada especialidade (ou áreas) e de um sistema de divulgação do conhecimento
nacional e internacional.
Mediante a complexidade do funcionamento e da implementação de um Programa de
Pós-graduação, este estudo teve como OBJETIVO relatar o processo de seleção
ocorrido nos últimos três anos, analisando a formação e a área de atuação dos
candidatos inscritos no processo seletivo do PPGEP.
2 Metodologia
O estudo delineou-se como exploratório descritivo, a partir da análise de dados
obtidos em fonte documental do PPGEP. Durante o processo seletivo nos anos de
2000, 2001 e 2002, foram utilizados 4 instrumentos construídos, pela Comissão
de Seleção, especificamente, para este fim.
Com base na documentação entregue pelo candidato assim como nas provas de
conhecimento e entrevista cada membro da Comissão de Seleção faz sua avaliação
utilizando os instrumentos que, minuciosamente, consideram cada item a ser
avaliado dentro dos critérios de valoração dos itens: Currículo; Projeto;
Entrevista e a prova escrita de conhecimento somente para os candidatos ao
Mestrado.
Para avaliação do currículo, o instrumento foi constituído pelos seguintes
itens: I- Identificação; II- Formação; III - Atividades Profissionais; IV
Atividades de Pesquisa, Produção Técnico-Científica e V - Outras Atividades.
Para o presente estudo foram analisadas as informações contidas nos itens II e
III deste instrumento.
3 Discussão
Durante o processo seletivo, o conjunto de provas às quais o candidato é
submetido permite avaliar seu conhecimento, seu interesse, seu projeto bem como
sua formação e atividades que já desenvolveu.
Nos últimos anos observou-se que muitos candidatos inscritos para o processo de
seleção, não têm experiência e/ou formação na Enfermagem Psiquiátrica e Saúde
Mental.
Analisando os quesitos "Formação" e "Atividades Profissionais" de seus
currículos chama a atenção o alto índice de candidatos sem formação e/ou
experiência na área.
Nos últimos três anos houve 91 candidatos inscritos para pós-graduação em
Enfermagem Psiquiátrica (mestrado e doutorado). Destes, 51com formação e/ou
experiência na área.
Todos os pós-graduando farão a formação acadêmica voltada para as
especificidades da área e serão orientados por especialistas das de enfermagem
psiquiátrica ou de ciências humanas desenvolvendo uma pesquisa focalizada nos
conhecimentos desta área. Além disso se preparam para disseminar o conhecimento
teórico, prático e científico através do ensino e da pesquisa pois terão o
título de Mestre e/ou Doutor.
Este fato tem sido objeto de reflexão e discussão por parte dos membros da
comissão encarregada da seleção dos candidatos ao PPGEP.
Analisando a origem e a formação dos candidatos inscritos para o processo
seletivo do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica nos últimos
três anos, observa-se que muitos são profissionais que atuam em diferentes
especialidades de atendimento ao cliente. Justificam sua procura alegando que
em algum momento do exercício de sua prática perceberam que o conteúdo técnico-
científico que permeava suas práticas não era suficiente para "dar conta" dos
aspectos emocionais apresentados por pacientes e pela própria equipe.
Enfermeiros que trabalham em saúde mental foram unânimes ao relatarem que os
conhecimentos adquiridos no curso de graduação em enfermagem, não foram
suficientes para subsidiar seu desempenho como enfermeiros psiquiátricos(2).
Por outro lado, concordamos que a Saúde Mental é um aspecto importante em todos
os cuidados à pessoa, nas diferentes fases da sua vida, especialmente quando se
enfrenta algum episódio de doença. A formação nesta área tem sido desenvolvida
em cursos de especialização que dão o suporte teórico e o conhecimento das
teorias que dão sustentação à prática.
A Pós-graduação "strictu sensu" está voltada para capacitação de recursos
humanos para a docência, para a pesquisa e para a produção de conhecimentos
científicos numa área, especifica. Dessa forma, a estrutura dos Programas
preveem o aprofundamento em temas que se supõe sejam do domínio de quem procura
esta formação.
Por outro lado, o tempo de titulação (Mestrado e Doutorado) tem sido cada vez
mais reduzido, segundo orientações e pressões dos órgãos gestores dos Programas
de Pós-graduação do país (CAPES), não havendo tempo nem espaço para suprir
deficiências na formação dos alunos.
Daí, surgem várias questões: Como fica a formação de pessoas que chegam sem o
conhecimento e/ou experiência em conteúdos básicos da Saúde Mental?
É na Pós-graduação strictu sensu que os conteúdos básicos de Saúde Mental devem
ser ministrados ou o conhecimento destes conteúdos deve ser pré-requisito para
o ingresso na Pós-graduação? Seria então necessária a criação de um pré-
requisito para ser cumprido antes da seleção?
Ou seria o caso de se instituir algumas disciplinas específicas para os
selecionados que não tiverem experiência na área? Poderia se pensar em uma
experiência especial para os não enfermeiros?
Estas reflexões têm no seu bojo questões de diversas conseqüências. Este
mestre/doutor em Enfermagem Psiquiátrica (não enfermeiro ou sem experiência na
especialidade) vai ter um título que lhe conferirá o direito de ministrar aulas
e de produzir conhecimento de enfermagem psiquiátrica.
Uma mestra em Enfermagem Psiquiátrica, titulada por este Programa, sem nenhuma
experiência na área, foi recentemente aprovada num concurso para enfermeiros
sendo indicada para Enfermagem Psiquiátrica por sua titulação. Sua dissertação
de Mestrado foi uma contribuição da Saúde Mental para outra especialidade
clínica. Procurou docentes do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e
Ciências Humanas buscando material, etc. Questionamos que ensino esta
profissional vai oferecer?
É interessante afluir a possibilidade de que enfermeiros de outras
especialidades e outros profissionais das áreas afins venham buscar esta
complementaridade na enfermagem psiquiátrica e de Saúde Mental. É interessante
também o intercâmbio que se dá durante a formação do mestre e/ou doutor.
Mas como o Programa pode resolver este impasse sem fechar esta riqueza de
intercâmbio? Que exigências deveriam ser feitas para minimizar o problema?
Criar uma disciplina básica dentro do Programa, obrigatória para todos os
alunos (como alguns programas de pós-graduação o fazem) ou para os que não
tiverem experiência na especialidade (que conteúdo seria?). Criar na seleção,
critérios que valorizem quem tem experiência em Serviços de Saúde Mental ou de
Enfermagem Psiquiátrica; ou que desenvolveu estudos que contribuam com a
especialidade; ou que cursou disciplinas ou fez cursos que lhe confira a
condição de poder contribuir com a área; ou ainda de que tenha experiência no
ensino desta especialidade?
Este é o único Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica em todo o
país e esta reflexão reforça a importância da troca de experiências, de
convivência com as diferenças, porém, questiona: Será que estamos no caminho
certo? Até onde é salutar a abertura? Qual o limite necessário e onde estaria a
linha de corte?
Agradecimentos: Trata-se de um recorte da pesquisa intitulada "Incorporação de
uma perspectiva de gênero em saúde através da construção de indicadores de
gênero da assistência de enfermagem", com o apoio financeiro do CADCT/ BA.