Cuidado domiciliar intensivo: uma possível realidade do Sistema Único de Saúde?
PESQUISA/RESEARCH/INVESTIGACIÓN
Cuidado domiciliar intensivo: uma possível realidade do Sistema Único de Saúde?
Intensive home-based care: is it a possible reality for the public health
system?
¿Cuidado domiciliar intensivo: una posible realidad del Sistema Único de Salud?
Tatiane da Costa LimaI; Mara Ambrosina de Oliveira VargasII
IEnfermeira. Especialista em Enfermagem em Terapia Intensiva pela UNISINOS.
Enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva do Pavilhão Santa Clara (UTI
Central) no Complexo Hospitalar Santa Casa
IIEnfermeira. Mestre em Educação. Doutoranda em Enfermagem/UFSC. Professora
Adjunta da UNISINOS; Enfermeira Assistencial do CTI Adulto do HCPA/UFRGS
E-mail do autor: maraav@terra.com.br
1 Introdução
O cuidado domiciliar intensivo, ou o internacionalmente conhecido Home Care
Intensive, tem-se constituído em um processo muito utilizado. E, mesmo que na
descrição da história do cuidado domiciliar no Brasil, este tipo de cuidado não
é sinalizado como uma prática comum, no início do século, a atividade
prioritária no combate às epidemias que assolaram os grandes centros eram as
visitas domiciliares. A partir deste fato, foi reconhecida a necessidade de
formação de profissionais para este exercício. Mas, esta formação era
direcionada à prestação do cuidado para o doente ou para os fatores de risco de
determinados agravos e não para orientar a família na compreensão do cuidado a
ser prestado dentro do domicílio(1) .
Logo, pode-se sinalizar que os cuidados de saúde direcionados às pessoas nos
seus domicílios não constituem uma prática nova. Porém com a especialização e
evolução da medicina e recursos de saúde, a família foi perdendo esse espaço. A
própria condição e as características das famílias foram se alterando com as
mudanças da sociedade. Constatando estas mudanças, novas formas de trabalho e
de atendimento de saúde têm sido desenvolvidas e até mesmo resgatadas, a fim de
darem apoio e resolutividade à população que dela necessitar(2) .
Cumpre destacar, que o cuidado sempre esteve presente na história humana, como
forma de viver e de se relacionar, como demonstração de interesse e de afeto,
com o objetivo de cura (3). Contudo, com toda a evolução da humanidade, em sua
relação com a tecnológica, nada mais coerente que o cuidado humano também
sofresse alterações; tais alterações do cuidado humano podem ser observadas
dentro do ambiente hospitalar: no controle rigoroso das infecções, na
complexificação da equipe profissional, no aparato tecnológico, entre outros
exemplos, repercutindo nas formas de ser e de cuidar das pessoas.
O cuidado domiciliar ou atenção gerenciada, trata do cuidado que as pessoas
doentes recebem em seus domicílios, seja ele executado por cuidadores informais
(parentes, vizinhos, amigos, voluntários) ou por profissionais da saúde. Assim,
na direção de um cuidado domiciliar prestado, por profissionais, vislumbramos a
presença da/o enfermeira2. Descreve-se como funções da enfermeira, neste
contexto: administrar recursos, identificar, planejar, implementar e avaliar a
assistência de enfermagem. Ela incentiva a família e o cliente à retomada de
suas atividades rotineiras, integra a família no cuidado do paciente através de
orientações de cuidados específicos com relação à sua patologia, atua como elo
de ligação entre o paciente e a família e com a equipe multidisciplinar e a
instituição(4).
O domicílio apresenta-se, também, como espaço adequado ao cuidado de
enfermagem, na medida em que a contenção de despesas e os riscos de infecção
servem de argumento para reduzir o período de permanência tanto em unidades de
internação como em unidades de tratamento intensivo. Muitos pacientes recebem
alta hospitalar necessitando cuidados de enfermagem como curativos, medicação
parenteral, cumprimentos das prescrições médicas e de enfermagem, dentre outros
cuidados mais complexos, como ventilação mecânica, supostamente possíveis de
serem planejados e realizados em seus domicílios(5) .
Dentre os cuidados mais complexos, como o uso de ventiladores, se torna
possível aliar a alta tecnologia das Unidades de Tratamento Intensivo com o lar
do paciente. Ninguém questiona a importância de um local onde a tecnologia
possa ser colocada à disposição da manutenção da vida humana, porém, o que se
questiona é: até que ponto o progresso técnico, como se realiza hoje, é
saudável e promove o crescimento e a harmonização das pessoas? Pode-se dizer
que esta "crise" de ambivalência incrementa o desejo de mudança, fazendo com
que a tecnologia seja usada de forma mais criativa, servindo para melhorar a
qualidade de vida(6) .
Torna-se necessário explicar, que o paciente que precisa de cuidados intensivos
no domicílio possui características diferenciadas. Ou seja, este paciente, com
uma condição clínica delicada, necessita de estrutura e equipamentos essenciais
à vida; um suporte técnico e assistencial rigoroso e um ambiente modificado
para suportar toda a aparelhagem especifica.
Portanto, o ambiente em que este cuidado é prestado vem sendo reformulado,
modernizado e começam a apresentar novos recursos tecnológicos que o torna cada
vez mais atualizado. Neste contexto, surgiu como um outro ambiente de cuidado o
domicílio do paciente, que se torna uma alternativa de cuidado econômico e
humanitário. Na questão econômica, entra o Sistema Único de Saúde (SUS), que
pode proporcionar toda esta estrutura, talvez ainda de uma forma não tão
divulgada quanto as empresas particulares. Já na questão humanitária, tem sido
explicitado que a constante companhia dos familiares e amigos, e a convivência
diária do paciente com a rotina dentro da sua casa traz benefícios para a sua
saúde, que é objetivo do que pode ser entendido como cuidado mais humanitário.
Mas, afinal, qual a importância da assistência domiciliar?
Com o aumento populacional e o aumento do número de idosos, a demanda para
utilização de leitos hospitalares cresce proporcionalmente. A construção de
hospitais, a aquisição e manutenção de equipamentos e a contratação de pessoal
especializado trabalhando 24 horas tornam-se muito onerosas e sugerem ações de
otimização do uso desses recursos. Buscar a redução de custos é uma das funções
dos administradores hospitalares, mas esse aspecto pode se tornar secundário
diante dos benefícios que a desospitalização traz ao paciente. O paciente que
vai para casa a fim de continuar o tratamento tem oportunidade de retornar mais
brevemente ao seu cotidiano, pois tudo à sua volta o estimula. A qualidade de
vida do paciente na própria casa é muito melhor, uma vez que lá ele tem as
coisas de que gosta, tem maior oportunidade de gozar de privacidade e tem maior
facilidade para a independência funcional, facilitando a retomada de uma rotina
diária(2) .
Em suma, através deste estudo pretende-se mostrar que um indivíduo doente, que
agora está necessitando de equipamentos e de um suporte intensivo para a vida,
pode obter o cuidado domiciliar. Mesmo que isto, num primeiro instante,
reporte-se à questão financeira deste paciente, pretende-se então ressaltar que
o SUS inseriu dentro do seu lar visitas e suporte de profissionais habilitados,
assim como toda uma aparelhagem, que para ele constituem um suporte básico para
seguir a vida. E, nesta perspectiva, a questão norteadora deste estudo
configurou-se em indagar como o SUS disponibiliza o cuidado domiciliar
intensivo? Procurando responder a esta questão, constituiu-se como objetivos
deste estudo analisar como é disponibilizado este suporte de saúde: qual é o
tipo de assistência prestada pelos/as profissionais da saúde (enfermeiro,
médicos e fisioterapeutas) e como é a manutenção ou garantia dos equipamentos;
visibilizar como o sujeito deste estudo obteve este serviço: como o mesmo
chegou até ele e quanto tempo demora.
2 Metodologia
Estudo exploratório de caso individual, ou seja, um estudo de caso único. Pode-
se definir um estudo de caso como sendo o estudo de eventos dentro de seus
contextos na vida real, onde os dados devem ser coletados da pessoa-chave,
ultrapassando os limites de uma biblioteca ou das estruturas de um rígido
questionário(7). Portanto, o local de estudo foi a residência da pessoa-chave
e, dentro da sua disponibilidade, realizou-se visitas agendadas durante o
período de dois meses onde foi possível atender as questões vigentes. Os dados
coletados são predominantemente descritivos. O material obtido nessa pesquisa é
rico em descrições de pessoas e acontecimentos, incluindo transcrições de
entrevistas e de depoimentos. Cabe destacar que o sujeito deste estudo é
identificado, neste texto, pela sigla AVF.
Na primeira visita, foi esclarecido ao entrevistado tudo sobre o estudo a ser
realizado, como os objetivos e o porquê de ele ser a pessoa de escolha do
estudo de caso único e lhe foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Foram utilizadas para a coleta de dados três fontes de evidências:
a entrevista, de forma aberta ou espontânea com a pessoa-chave e de forma focal
com os profissionais que a cercam; e a observação direta do comportamento e do
ambiente do entrevistado.
Na análise utilizou-se duas estratégias, quais sejam: primeiro, basear-se em
proposições teóricas, que por sua vez refletem o conjunto de questões da
pesquisa, as revisões feitas na literatura sobre o assunto e as novas
interpretações que possam surgir; segundo, desenvolver uma descrição de caso, e
assim elaborar uma estrutura a fim de organizar o estudo e, desta forma,
transcrever a realidade e o contexto do sujeito deste estudo(7) .
3 Apresentação dos resultados
Destacamos como resultados a análise que descreve todo o processo que envolve a
obtenção de um serviço de cuidado domiciliar intensivo e a que relata como este
cuidado é prestado pela saúde pública na cidade onde o indivíduo reside.
3.1 Os caminhos para se obter um suporte à vida
Quando se fala em cuidado domiciliar, surge sempre como alicerce a questão
financeira, por ser um serviço novo, disponibilizado por empresas
especializadas e, muitas vezes, significativamente, bem diferenciadas entre si.
Por sorte pode-se observar que este conceito está mudando, e que a visão de um
cuidado especializado no domicilio vem ganhando força em outros setores da
saúde. Até o início da década de 90, este atendimento era prestado de uma forma
incipiente e, atualmente, o cuidado domiciliar está em pauta, em decorrência,
principalmente, das necessidades sociais(8) . Essa alternativa assistencial vem
então sendo realizada através de iniciativas vinculadas ao setor público, rede
básica e hospitais, bem como pelo setor privado e pelas tradicionais empresas
de prestação de serviços.
Voltando ao contexto da pessoa-chave deste estudo e, principalmente, ao
ambiente que o cerca.
Parece difícil que esta pessoa sem recursos financeiros consiga obter este
serviço, que tem um custo elevado, e que até o momento parece, para a
sociedade, não ser disponibilizado pelo SUS. Ou seja, não foi fácil a caminhada
de AVF, e principalmente de sua família, rumo à assistência domiciliar gratuita
e de qualidade. Quando ainda no ambiente hospitalar, em plena fase de
recuperação, surgiu a hipótese de somente obter a alta se tivesse um suporte
ventilatório no seu domicílio. Começou então uma pressão de todos os lados: o
que antes era apenas uma hipótese, se transformou na sua realidade; os médicos
e a instituição estavam lhe cobrando a obtenção do serviço para poder
prescrever a alta.
[...] quando tive alta eu só podia sair do hospital com os aparelhos,
foi uma correria porque os médicos queriam me mandar para casa e eu
não tinha nenhuma assistência [...].
Como ele ia conseguir o serviço não importava, mas sim que fosse o mais rápido
possível. Surgiu o seguinte questionamento: o que fazer?
O irmão de AVF foi quem se disponibilizou a procurar este serviço. Sabendo que
era uma tarefa difícil, ele seguiu as informações que vinham de todos os lados,
até que descobriu uma assistência prestada pela Secretaria de Saúde da
Prefeitura.
[...] na verdade teve um médico que durante a minha internação
comentou que um paciente já tinha conseguido um respirador pela
Prefeitura, com isso meu irmão foi se informar.
Chegando lá, informaram-no da existência da Oxigenoterapia Domiciliar, que é um
resultado conjunto da união da Prefeitura, do Estado e do SUS. Assim, seu irmão
começou a providenciar a documentação necessária para a obtenção do serviço;
era uma verdadeira burocracia, sendo preciso laudo dos médicos declarando a
necessidade do suporte ventilatório e, principalmente, documentos que
comprovassem a sua renda. Com todos os documentos em mãos, foi encaminhado o
pedido, tanto para a Secretaria do Município como também junto ao Estado. Este
primeiro pedido foi negado, porém seu irmão não desistiu e arriscou novamente;
na sua segunda tentativa, seu pedido foi aceito, e dentro de 15 (quinze) dias
AVF estava dentro do programa e teria tudo disponibilizado no seu domicílio.
AVF, após inúmeras complicações que teve, tanto em casa como dentro do
hospital, encontrava-se pronto para voltar ao seu domicílio sem nenhuma
seqüela, excetuando, é claro, as que atingiram o seu sistema respiratório.
Portanto, as condições para obter a tão esperada alta hospitalar, relacionavam-
se diretamente à presença constante de um aparelho de BIPAP (biteuel positive
arway pressure), que é uma modalidade de ventilação não-invasiva.
Para uma melhor compreensão da necessidade ventilatória de AVF, cita-se a
definição de Ventilação NãoInvasiva(9): como uma técnica de ventilação mecânica
onde não é empregado qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal ou
nasotraqueal), sendo a conexão entre o ventilador e o paciente feita através do
uso de uma máscara nasal ou facial. Neste caso ele faz uso, no seu domicílio,
de um aparelho de ventilação BIPAP e de uma máscara nasal.
Quando AVF foi incluído no programa de Oxigenoterapia da Prefeitura, o paciente
e seu domicílio não precisaram passar por nenhuma avaliação, pois tudo era
fornecido através de laudos de seus médicos. Seu irmão levava e trazia laudos,
exames, diagnósticos e tudo o que era exigido pelo Município.
Após a sua alta hospitalar, ao chegar em casa, lá se encontrava o aparelho de
BIPAP e a bateria (no break). Contudo, não tinha um condensador de ar, ou seja,
durante um certo período ele teve que alugar um torpedo de ar para manter sua
oxigenação. Houve um gasto imenso, e os amigos e parentes o ajudaram como
podiam, tudo para não deixá-lo sem "oxigênio". Outro detalhe muito importante é
o fato de que não estava à sua disposição a manutenção dos aparelhos e quando
acontecia algum imprevisto nos aparelhos não existia nenhuma assistência. A
única solução era a sua internação hospitalar como opção para não ficar sem o
suporte ventilatório.
Durante um certo período muitas foram as reinternações e muitos foram as marcas
de aparelhos fornecidos. O primeiro modelo, utilizado por AVF, não ciclava,
somente ventilava, ou seja, ele não se adaptou com o aparelho que "só mandava
ar". Foi então que, em uma de suas últimas internações, ao voltar para casa, lá
estava um aparelho ciclado, com inspiração e expiração.
Nas minhas últimas internações eu tinha muito medo do momento de voltar para
casa, tinha pânico do que me esperava do outro lado do hospital, meu medo era
se acontecesse alguma coisa em casa, o que eu ia fazer?
AVF já faz uso dos equipamentos em seu domicílio por volta de quatro anos. Com
o passar do tempo ele começou, com muito esforço, a fazer novas conquistas
junto à Secretária da Saúde; não foi fácil, mas seu irmão lutou bastante para
continuar no programa de Oxigenoterapia do município. A manutenção agora é
prestada por uma empresa terceirizada, a mesma que fornece o aparelho de BIPAP
presta a manutenção, e o condensador de ar também é fornecido pela mesma
empresa.
O que antes era fornecido pela Secretária de Saúde da Prefeitura e do Estado,
agora está centralizado somente no Município, e isto facilitou muito até na
hora de cobrar a qualidade prestada, pois agora AVF se dirige apenas a um lugar
na busca de atendimento ou assistência. Os medicamentos e os atendimentos de
especialistas ele consegue através do posto de saúde mais próximo de sua
residência; isto não é fácil e ele passa pelo mesmo processo que qualquer outra
pessoa, ou seja, as filas e a burocracia que cerca o serviço público.
A sua situação financeira é muita baixa, e mesmo com o serviço sendo prestado
pelo SUS, ele tem custos significativos que não estão incluídos no orçamento da
prestadora do serviço, como a energia consumida pelos aparelhos de ventilação:
o custo da sua conta mensal junto à Companhia de Energia Elétrica é elevado e
quem paga é AVF. Alguns medicamentos, que não são fornecidos pelo posto, também
são comprados com o seu dinheiro. Com isso, AVF e sua esposa fazem o possível
para suprirem todas as despesas com saúde.
Contudo, os caminhos para se obter um suporte de vida são cercados de
imprevistos e obstáculos. Logo, acaba tornando-se importante implementar, como
objetivo prioritário, a persistência na busca dos direitos que nos cercam.
3.2 Como é prestada a assistência domiciliar pela dinâmica do SUS
AVF faz parte de um programa da Secretária da Saúde da Prefeitura local, este
intitulado de Oxigenoterapia Domiciliar Crônica. O serviço foi criado com o
intuito de diminuir a demanda, relativamente crescente, de pacientes com
distúrbios respiratórios crônicos que ocupam leitos hospitalares; com isto, a
Prefeitura, junto ao Serviço de Pneumologia, criou um suporte de assistência
respiratória. Então, os pacientes em condições podem usufruir deste suporte
dentro do seu domicílio e de forma gratuita.
A Prefeitura fornece os equipamentos através de uma empresa terceirizada; esta,
por sua vez, é quem faz a manutenção dos mesmos. No domicílio de AVF foi
disponibilizado um aparelho ventilatório de BIPAP, uma bateria (no break), um
condensador de ar, um umidificador de ar, uma máscara nasal.
O concentrador de ar, no início, era um equipamento fornecido pela Secretaria
de Saúde do Estado; há pouco mais de três meses este também passou a ser de
responsabilidade da Prefeitura, ou seja, da empresa terceirizada. A máscara
nasal é a mesma desde quando ele solicitou o serviço, por quase quatro anos.
A máscara que eu uso está quebrada, eu tive que fazer um remendo nela com um
saco plástico: estou pedindo para a Secretaria [...] é uma burocracia, uma
máscara nova é muito cara.
A Prefeitura disponibiliza também uma enfermeira para cuidar deste programa,
ela é funcionária do posto de saúde. Em suas visitas mensais, o objetivo da
enfermeira é realizar uma auditoria do serviço que está sendo prestado. Nosso
contato com ela foi difícil devido à sua pouca disponibilidade; segundo AVF,
ele mesmo, também não consegue manter muito contato com ela.
Entrou-se em contato com a empresa terceirizada, lá esclareceram que toda a
manutenção é prestada por eles, assim como a troca dos equipamentos quando
necessário. Para que ocorra a troca de equipamentos é preciso passar um pedido
pela Prefeitura e lá ser aprovado, do contrário a empresa não troca nenhum
aparelho. Também informaram que são eles que enviam um fisioterapeuta para
realizar visitas mensais no domicílio do paciente. E, neste caso, este
fisioterapeuta avalia as condições do suporte ventilatório de AVF e como estão
os equipamentos, assim como também troca o circuito e o filtro. No entanto, ele
não realiza nenhum tipo de fisioterapia motora ou respiratória no paciente.
Durante as visitas o fisioterapeuta preenche uma ficha cadastral que
posteriormente é enviada para o Município, a fim de prestar contas do serviço
que a empresa está executando no domicílio do paciente. São dados observados
durante a sua visita: fonte de oxigênio, fluxo, oximetria com e sem o aparelho,
pressão arterial, freqüência cardíaca e respiratória, ausculta pulmonar e uma
breve descrição da evolução do paciente. Outro dado interessante é que o
fisioterapeuta também é terceirizado, portanto o seu contato com o município é
relativamente distante.
A assistência médica prestada é através do posto de saúde mais próximo da sua
residência, onde o paciente é que deve ser deslocado até lá. Portanto, AVF há
muito tempo não consulta com o pneumologista, somente nos casos de emergência
onde se desloca para o pronto atendimento do hospital mais próximo. Convém
destacar que as informações obtidas sobre o serviço de assistência médica foram
obtidas com AVF, pois nenhum dos profissionais médicos se disponibilizaram a
auxiliar neste estudo.
Nesta direção, uma indagação se faz presente: Como é a relação desta equipe de
saúde com o sujeito deste estudo, assim como com possíveis outros indivíduos
que necessitariam deste tipo de atendimento? Considerando que a equipe de
enfermagem integra os serviços de saúde, a enfermagem, tanto quanto a equipe em
geral, deve zelar pelo bom atendimento, diversificando, aprimorando e
promovendo cuidados(5). Neste contexto, a comunicação entre a equipe
multidisciplinar e dos mesmos com a família, é de extrema importância para o
bom andamento do cuidado domiciliar.
A família é algo essencial, pois sem o auxílio de seu irmão, da sua esposa e de
amigos, AVF nunca teria condições de ir em busca do que não está sendo
fornecido pelo programa. Por isso, também se enfatiza a importância de uma
família unida quando se fala de cuidado domiciliar.
Cada vez mais os pacientes são cuidados dentro dos seus domicílios enquanto
ainda sob ventiladores mecânicos, com cânula de traqueostomia ou sob
oxigenoterapia(10). Este cuidado pode ser realizado com relativo sucesso, sendo
importante a família estar emocional, educacional e fisicamente preparada para
assumir o papel de cuidador primário. A equipe de cuidado domiciliar deve estar
disponível e o domicílio é avaliado para determinar se está adequado para
operar com segurança todo o equipamento elétrico.
Observou-se que ele está recebendo em casa um suporte de cuidado domiciliar.
Com certeza este suporte é o que lhe mantém a vida e por isso fica difícil
julgar até que ponto este não está sendo o seu cuidado domiciliar intensivo.
4 Considerações finais
Pode-se constatar que não é fácil a obtenção de um cuidado domiciliar gratuito
e de qualidade. Gratuito? Sim, pois o serviço prestado e a aparelhagem que se
encontra na residência de AVF foram fornecidos sem acarretar custos. Com
certeza, a qualidade não foi a mesma de um serviço privado, mas como
questionarmos qualidade quando o que ele tem em casa é o que lhe mantém vivo.
Acreditamos que a questão qualidade deva ser questionada por nós, profissionais
enfermeiras, na medida em que é baliza de nossa formação uma preocupação
constante com o que de melhor pode ser oferecido a um cliente/paciente, seja
qual for o ambiente em que o mesmo estiver inserido. Portanto, não podemos
nunca esquecer, quer seja no ambiente hospitalar ou no ambiente domiciliar,
este paciente deve seguir sendo orientado, observado e acompanhado enquanto um
ser doente, ou melhor, buscando seu potencial de saúde para bem viver. Dito de
outro modo, seja qual for o ambiente em que toda a tecnologia e a assistência
estão sendo prestadas tudo deve seguir na busca constante da recuperação e
reabilitação deste indivíduo.
Apesar de não visibilizado o cuidado domiciliar intensivo, podemos declarar que
novo não é o cuidado domiciliar e sim o fato deste cuidado ser prestado pelo
SUS, algo que então não é divulgado e apresentado aos profissionais e
pacientes. Nesta direção, o que nos surpreendeu é saber que o cuidado que está
sendo disponibilizado pelo SUS é cercado de tecnologia o que, até então,
encontrávamos somente dentro das UTIs.
Cumpre destacar que perante a dificuldade de se obter o serviço, o paciente e
sua família devem fazer uso dos seus direitos de cidadão. Portanto, deve-se
questionar e pressionar pelo seu direito à vida seja qual for o ambiente, assim
como preconizar a prestação de assistência à saúde, gratuitamente.
Não podemos esquecer também, que o alicerce de todo este serviço, é e sempre
será a família, pois neste cenário de cuidado domiciliar são os familiares que
cumprem em tempo mais integral o papel de cuidador. Assim, estes mesmos
familiares tornam-se o nosso foco principal no momento de orientar, eles devem
estar seguros e confiantes na constante busca de qualidade de vida.
Para finalizar, consideramos que a profissional enfermeira deva buscar
subsídios para além de efetivamente atuar, divulgar através de publicações e
eventos a temática do cuidado domiciliar, principalmente os disponibilizados/
assessorados pelo SUS. Além disso, reforçamos a importância da enfermeira
assumir uma postura política, preocupada em visibilizar a sua participação
neste tipo de serviço, não só como auditora de estrutura e assistência, mas
também como pessoa-chave para desenvolver o melhor atendimento às necessidades
do paciente e sua família. Em suma, acreditamos que na medida em que tal
profissional tenha uma proposta concreta de inserção neste tipo de programa, os
sujeitos que dele necessitam teriam muitos benefícios.