A enfermeira no processo de descentralização do sistema de saúde
PESQUISA/RESEARCH/INVESTIGACIÓN
A enfermeira no processo de descentralização do sistema de saúde
The nurse in the decentralization process of the health system
La enfermera en el proceso de descentralización del sistema de salud
Maria Aparecida Santa Fé BorgesI; Maria Ângela Alves do NascimentoII
IEnfermeira. Professora Assistente do Departamento de Ciências da saúde da
Universidade Estadual de Santa Cruz UESC) -Ilhéus-BA.Diretora do Departamento
da Atenção Básica do Município de Itabuna-BA
IIEnfermeira. Orientadora.Professora titular do Departamento de Saúde da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)-BA.Doutora em Saúde Coletiva
pela Universidade de Ribeirão Preto.Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa
Integrado em Saúde (NUPISC) do Departamento de Saúde da UEFS
E-maildo autor: nupisc@bol.com.br
1 O Sistema Único de Saúde e a inserção da enfermeira
Os ideais propostos pela reforma sanitária trazem uma ampliação do conceito de
saúde e a democratização do setor saúde, reordenamento do sistema de saúde,
mudanças do modelo de assistência e das práticas sanitárias(1-4).
Estas mudanças perpassam pela construção e consolidação do Sistema Único de
Saúde - o SUS, em seus princípios e diretrizes, de universalidade,
integralidade, equidade, descentralização e participação popular, que demandam
novos perfis de profissionais para a organização e prática do novo modelo
assistencial na perspectiva da integralidade da assistência.
Portanto, o Brasil vem vivenciando ao longo da última década mudanças operadas
na política de saúde, no que tange a construção e consolidação do sistema Único
de Saúde-SUS, tendo como base a diretriz da descentralização estabelecida a
partir da reforma sanitária, especialmente no processo de municipalização, onde
o município passa a ser o condutor responsável por sua política de saúde.
Descentralização das ações, do planejamento, dos recursos financeiros e
principalmente do poder político.
No entanto, o processo de municipalização não vem acontecendo de forma
homogênea em sua implantação nos municípios em decorrência dos entraves
político, financeiro e administrativo.
Nessa perspectiva, a ABEn(5) discute em forma de oficinas em vários estados da
federação o processo de municipalização e a prática da enfermagem no sentido de
compreender e direcionar a prática da enfermagem nas transformações das
políticas de saúde e a reformulação do sistema de saúde.
A participação da enfermagem no SUS tem sido objeto de estudo de pesquisadores,
que analisam a contribuição da enfermeira no espaço do SUS local através do
processo de municipalização. Esses estudos corroboram na importância da
participação da enfermeira em diversos estados e Municípios brasileiros na
construção do SUS, em suas ações administrativas, assistenciais e educativas,
além de suas práticas políticas ainda incipientes, frente às transformações
ocorridas, voltadas para a atenção a saúde da população nos serviços de saúde,
executando, supervisionando e coordenando as ações de atendimento à população,
bem como aponta as dificuldades na construção do novo modelo de atenção a saúde
(6-10).
Assim, a municipalização possibilita a ampliação do campo de atuação da
enfermeira, favorecendo a participação da sociedade na gestão desse processo já
garantido em lei, mesmo enfrentando barreiras, desafios, num movimento
histórico e dinâmico, muitas vezes envolto num contexto desfavorável(6-10).
Tal realidade contribuiu com nossa motivação em conhecer como vem se
configurando a descentralização da saúde no município de Itabuna-Ba, com a
participação/inserção da enfermeira nesse processo.
Neste sentido, buscamos discutir o processo de descentralização da saúde em um
dado município baiano, na tentativa de fazer uma aproximação da evolução da
diretriz que recomenda um conjunto de responsabilidades, de recursos
financeiros e de poder para o município dentro da política no Estado nas duas
últimas décadas.
No nosso entender a importância desse estudo reside em evidenciar o período
histórico pelo qual passou o município de Itabuna/BA. no processo de construção
do SUS. Trata-se de um período não explorado anteriormente, que descreve a
participação da enfermeira nesse processo. Partindo desse entendimento,
estabelecemos como objetivo descrever o processo de descentralização da saúde
no município de Itabuna/BA. nas décadas de 80 e 90, identificando a inserção/
participação da enfermeira nesse processo.
2 Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa de caráter
exploratório. Tomamos como campo de estudo o município de Itabuna, delimitando
a rede básica e o serviço público de saúde como abrangência da pesquisa. O
município de Itabuna faz parte da micro-região geográfica sulbaiana, com uma
população estimada de 181.752 habitantes. É considerado de médio porte, um pólo
de desenvolvimento regional.
Em relação à saúde, possui uma rede composta por 19 Unidades Básicas de Saúde-
UBS, (centros e postos de saúde), funcionando nos turnos: matutino e
vespertino. Dessas UBS, seis contam com atuação de uma enfermeira em cada
turno; 11 funcionam com apenas uma enfermeira por turno. Dessas UBS, duas
funcionam na zona rural, com atuação da enfermeira em dias programados.
Os dados foram coletados através da entrevista semi-estruturada, dos documentos
técnicos (regimentos, decretos - lei, lei orgânica) e oficiais (relatórios,
planos de saúde, livros, ata) relativos às políticas de saúde implementadas no
município nas décadas de 80 e 90, que evidenciavam a inserção da enfermeira no
sistema de saúde e sua rede de unidades básicas, relacionando-os às falas das
entrevistadas, inclusive o confronto com os seus discursos.
Os sujeitos da pesquisa foram 16 enfermeiras, agrupadas em: enfermeiras
informantes-chave (aquelas que participaram e/ou participam do processo da
descentralização em Itabuna/BA - grupo I); enfermeiras que atuam na coordenação
dos serviços de saúde - grupo II) e enfermeiras que atuam nas UBS - grupo III).
Neste artigo são apresentados os dados obtidos a partir dos 03 sujeitos do
grupo I, enfermeiras informantes-chave.
Em relação aos aspectos éticos, foi solicitada a permissão para as entrevistas
através do termo de consentimento individual. Procuramos resguardar a
fidedignidade das falas, nos discursos das entrevistadas, obedecendo à forma de
falar de cada uma. Os depoimentos são identificados, obedecendo ao critério de
ordem crescente de cada entrevista realizada, por exemplo, entrevistada 3, lê-
se Ent. 3, acompanhada do grupo do qual pertença (grupo I, grupo II, grupo III)
ou seja: (Ent. 3. grupo I).
3 A trajetória da descentralização
Em Itabuna o processo de descentralização da rede de saúde foi iniciado com o
convênio n.º 02/85 através da estratégia das Ações Integradas de Saúde - AIS
(11), em 1984, priorizando nesse primeiro momento, a unificação das ações de
saúde dos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. A primeira
ação integrada pelo município foi a implantação do Sistema Integrado de
Vigilância Epidemiológica - SIVE, que passou a ter na coordenação uma
enfermeira do Serviço Especial de Saúde Pública - SESP, uma enfermeira da
Secretaria de Saúde do município e uma enfermeira da Sétima Diretoria Regional
de Saúde - 7.ª DIRES.
Implementar as AIS significava a integração dos serviços e o entendimento da
descentralização como repasse de recursos financeiros, mediante convênio para a
manutenção da prestação de serviços nas unidades da rede municipal apesar dos
[...] técnicos que compunham a comissão local interinstitucional de
saúde entenderem a perspectiva da reorganização da rede de serviços
de saúde do município, de modo a oferecer atenção integral à
população segundo níveis de complexidade crescente utilizando forma
planejada e racional a capacidade máxima dos recursos disponíveis,
melhorando a cobertura desses serviços.(Ent. 1, grupo I).
[...] o município de Itabuna já estava avançando nesse processo,
inclusive coma criação da Comissão Interinstitucional municipal
desaúde -CIMS, a CRISa - integrada pelo Diretor do SESP, Diretor do
INAMPS, o diretor da 7.ª DIRES e o Secretário Municipal de Saúde.
Concomitantemente foi formadaa comissão local Interinstitucional de
saúde- CLISb - composta por enfermeiras da Secretaria Municipal de
Saúde, 7.ª DIRES e SESP.(Ent. 1, grupo I).
Esse momento foi muito importante para as três únicas enfermeiras do município,
pois, além de suas ações de supervisão e organização dos serviços de saúde elas
participavam ativamente do processo de mudança na saúde que estava ocorrendo em
Itabuna a partir da integração da vigilância Epidemiológica aos três níveis de
governo.
[...] O sistema integrado de vigilância epidemiológica possibilitou
uma mudança no modelo de assistência à saúde porque integrava as
técnicas dos três níveis de governo (SESP, DIRES e S.M.S), onde com o
planejamento e supervisão foi possível estabelecer cobertura vacinal,
coordenação de imunização com funcionamento da rede de frio e
treinamento para os servidores que atuavam na rede básica de saúde.
Houve um fortalecimento qualitativo (Ent. 2, grupo I).
Este depoimento demonstra o processo importante que passava o município em
relação à organização do sistema de saúde pois,
[...] inclusive nós naquela época (1984), me lembro que nós
recebíamos vários técnicos do Paraná, Brasília para ouvirem e
conhecerem esse sistema integrado de vigilância. Diríamos que a
seriedade era tão grande que técnicos do ministério da saúde se
deslocaram para fazer parte desse processo das AIS que estava
acontecendo em Itabuna(Ent.1, grupo I).
No período de 1983 a 1988 existia na Secretaria de Saúde apenas três enfermeira
participando da descentralização da saúde no município. Nessa época das AIS a
ação da enfermeira no planejamento e na supervisão talvez facilitasse o
desenvolvimento desse processo
[...] Eu me lembroque naquela época das AIS quando nós reuníamos toda
a equipe de saúde para reunião com o prefeito e tudo, os médicos
começaram a dizer que as enfermeiras eram o staff da prefeitura,
porque eles achavam que a gente tinha uma posição destacada(Ent.1,
grupo I).
A enfermeira nesse momento se insere no sistema e no serviço saúde, onde
participam do processo de construção da descentralização após a realização de
seminários e reuniões técnicas na Secretaria de Saúde e na rede através da
organização dos serviços voltados para a atenção à criança e à mulher em
relação à imunização e pré-natal apesar de que, nessa época, a consulta da
enfermagem não era considerada como uma atividade institucionalizada. Segundo
as informantes-chave esse grupo entendia o processo que estava ocorrendo no
Brasil, na Bahia e em Itabuna(Ent. 1; grupo I).
[...] a gente começou organizando os serviços nas ações, primeiro com
vacinação, notificação, investigação epidemiológica, depois a gente
passou para outros serviços. Também criamos a comissão técnica
integrada para supervisão dos serviços em todos os postos da
prefeitura. (Ent. 3, grupo I).
Percebemos nesse período o avanço do município, pois enquanto no país estava
ocorrendo o processo das AIS em Itabuna era aprovada na Câmara Municipal, o
Código de Postura através da Lei 1331 de 08 de janeiro de 1985(12) que traduz
nos aspectos legais a política administrativa de responsabilidade do município
em matéria de proteção à saúde, da ordem pública e proteção ao verde, prevenção
de incêndio e combate ao fogo e dos estabelecimentos comerciais e industriais.
Estatuindo-se as relações entre o poder público local e os munícipes, ao
assumir zelo pela promoção, proteção da saúde e pelo bem-estar público da
coletividade, avançando nos aspectos legais a responsabilidade municipal nas
questões de saúde, ou seja,cinco anos antes da elaboração da Lei Orgânica do
Município que foi promulgada em 05 de abril de 1990(13).
Ainda, nesta gestão municipal, Itabuna celebra o termo de adesão ao aditivo
financeiro para operacionalização do Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde-SUDS(14), com a transferência dos recursos financeiros condicionada à
construção da CIMS (já constituída no município) e instituição do Conselho
Municipal de Saúde, e o plano municipal aprovado pelo Conselho municipal de
saúde.
Com a eleição municipal de 1988, ocorrem mudanças na gestão municipal.
[...] Em 1989, com mudança da gestão através das eleições municipais,
assume o município o prefeito Fernando Gomes, havendo também mudanças
na direção do SESP e 7.ª DIRES, ocorrendo uma desacumulação do
processo de descentralização da saúde em Itabuna(Ent. 2, grupo I).
Neste contexto a Secretaria de Saúde do Estado transfere para o município a
gestão de todos os sete postos de saúde sob seu comando, assim como os termos
específicos de cessão de uso, bens e equipamentos, também à sessão de pessoal
pertencentes ao Estado.
O credenciamento do município de Itabuna desde as AIS ao SUDS, possibilitou a
expansão da rede básica, ocorrendo nesse período, umatransformação na estrutura
da rede de assistência (efetivada na gestão de 1983 a 1988). O empenho por esse
aumento estava de acordo com a estratégia das ações integradas em saúde de
descentralizar, regionalizar e integrar esses serviços de saúde. Em relação à
rede básica, embora tenha crescido, houve uma tendência na ampliação da
estrutura física das unidades e no aumento da capacidade e especialização no
atendimento à saúde(15). Inclusive o município se estruturou com significativa
rede de postos de saúde situados nos bairros periféricos da cidade e na zona
rural.
A rede básica foi estruturada com um conjunto de unidades de diferentes níveis
de complexidade de atenção das diversas instituições prestadoras de serviços.
Apresenta área geograficamente delimitada de intervenção definida com uma
população adscrita a essa unidade(15). Desse modo, o sistema local foi
organizado em quatro módulos, onde em cada um deles foi instituída uma unidade
básica de saúde de referência por seu maior nível de complexidade no
atendimento. No entanto o sistema de referência e contra-referência preconizado
nesta forma de organização, não funciona na prática devido à desarticulação
entre a rede básica, os laboratórios e os hospitais. Ou seja, a desarticulação
entre a atenção básica, a média e alta complexidade.
Em Itabuna, no período de 1989 a 1992 a rede básica aumentou em sua estrutura e
capacidade instaladas devido à transferência de unidades de saúde e
equipamentos de outro nível de governo, bem como houve um incremento de
recursos humanos transferidos do Estado para o município.
Em referência aos recursos humanos, começa a ocorrer expansão no município a
partir do final da década de 80 e início da década de 90 devido à necessidade
de reorganização do sistema de saúde assim como pela transferência de
servidores estaduais para a gestão municipal, que começa a assumir uma
"problemática" do processo de descentralização, passando o sistema local a
contar em suas instituições servidores com níveis e cargos salariais
diferenciados, acarretando dificuldades de manutenção de pessoal na prestação
de serviços.
Entendemos que esta situação continua gerando conflitos ocasionados pela
resistência às mudanças. Não há registro de discussão acerca da
descentralização com estes servidores, levando-os assim a insatisfação devido à
rede de serviços ser ainda inadequada para a municipalização(16).
Particularmente em 1992 houve um incremento de recursos humanos na rede básica
devido à realização do concurso público municipal para o setor saúde. Em
relação à enfermagem, foram admitidas sete enfermeiras na rede básica, com
função de supervisão e administração de recursos materiais das unidades e de
pessoal de enfermagem(17). Neste mesmo ano foi implantado o Programa de Agentes
comunitários de saúde - PACS.
Em 1993 ocorre nova eleição municipal, mudando assim o gestor municipal. É
eleito um prefeito de frente progressista. Assume a Secretaria de Saúde um
médico sanitarista como secretário de saúde e uma enfermeira como assessora
técnica. Retoma novamente o processo de discussão da municipalização com a
participação dos segmentos da sociedade e a (re) estruturação do Conselho
Municipal de Saúde, através da definição das entidades representativas para
este Conselho. Vale ressaltar que a Associação Brasileira de Enfermagem -
Regional Itabuna- (ABEn) teve assento garantido no CMS, conforme observamos
nesse depoimento
[...] A gente volta à cena porque, como nós tínhamos criado a ABEn, a
gente brigou para que a ABEN tivesse um assento no Conselho. Então
nós conseguimos ter esse assento no Conselho. E é quando a gente
volta nesse processo a discutir Itabuna, participando no Conselho
dessas discussões também (Ent. 2, grupo I).
Este depoimento demonstra a vontade da ABEn, sociedade civil organizada
representante da Enfermagem em participar do processo de (re) organização do
Sistema de Saúde. entretanto a reconstrução foi difícil. Embora o gestor
municipal desejasse um avanço na saúde, o seu entendimento sobre saúde ainda é
limitado, pois ele desconhece o processo de descentralização não entendendo a
necessidade de maior autonomia para a Secretaria de Saúde desencadear o
processo de municipalização, pois,
[...] o gestor não tinha essa clareza do que era municipalização e do
que era descentralização. Quando eu falo dessa descentralização,
seria a descentralização em termos de recursos também, essa autonomia
da própria secretaria(Ent. 1, grupo I).
Percebemos que durante o processo de descentralização a equipe técnica precisou
de tempo para elaborar a proposta de reorganização do sistema de saúde local,
começando justamente pela participação da população através do controle social.
Intitui-se o processo de discussão com os servidores de saúde municipal no
sentido de implantar a nova política de saúde adotada pela nova gestão, tendo a
participação então, desse corpo técnico da SMS, de uma enfermeira como
assessora.
Em julho de 1994, o município institui o Fundo Municipal de Saúde(18) e a lei,
que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS(19), o Conselho
Municipal de Saúde e as Comissões Locais de Saúde como órgãos colegiados
permanentes de caráter consultivo e deliberativo, integrante da estrutura do
sistema municipal de saúde, obedecendo as leis orgânicas da saúde. Neste mesmo
ano, o município assume a gestão do sistema de saúde na gestão incipiente(20)c.
Na forma de gestão da Norma Operacional Básica de 1993 (NOB-SUS 01/93), o
sistema de saúde do município começa a ser organizado como prestador de
serviços e passa a receber os seus proventos através de serviços produzidos.
Assim, a gestão da assistência ambulatorial também se dá em nível hospitalar e
não só na rede básica. As unidades públicas e contratadas com respectivos
serviços, recursos humanos e produções são acompanhadas pelo menos para o
financiamento através do SIA e SIH/SUS.
Com a intenção de implementar a municipalização, o município começa a
reestruturar a rede básica através da contratação de profissionais de saúde
multidisciplinares para que atendessem as necessidades de saúde da população.
Nesse intuito foram contratadas enfermeiras para todas as unidades de saúde,
perfazendo um total de 33 enfermeiras, atuando na gerência informald (grifo
nosso), com o apoio do nível central, assumindo o planejamento e direção das
ações de saúde, a supervisão dos procedimentos de enfermagem, o controle de
higiene e dos recursos materiais, além da assistência ao pré-natal de baixo
risco e o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, as
atividades de educação em saúde e as visitas domiciliares em conjunto com os
agentes comunitários de saúde, através de ações programáticas, associadas à
demanda espontânea(21).
Concretamente a enfermagem neste período apresenta uma importância quali-
quantitativa como força de trabalho no setor saúde, contribuindo com a
reorganização dos serviços na construção do SUS local(9,22).
Entendemos que no período de 1993a 1996, houve uma retomada da discussão sobre
a municipalização da saúde, tendo uma das autoras deste estudo participado do
processo, inclusive como trabalhadora de saúde na rede básica de saúde. A
enfermeira volta a se inserir de uma forma mais ativa nesse processo, com maior
autonomia, contudo continua desenvolvendo na maioria das vezes, atividades na
área da assistência.
Durante o processo da municipalização da saúde em Itabuna, a enfermeira
enfrentou dificuldades na (re) organização dos serviços. Lentamente ela foi se
inserindo como uma técnica da atenção à saúde e como um agente que veio também
para construir a municipalização da saúde. Na realidade passou a assumir
diversas atividades surgidas a partir da descentralização das ações e serviços
de saúde para atender a demanda reprimida.
Ainda assim, a participação da enfermeira na municipalização contribui com a
melhora do atendimento prestado a população numa perspectiva da integralidade
da assistência e amplia a sua participação e autonomia(7,9,10,23), conforme
depoimento a seguir,
[...] O enfermeiro então era quem fazia a consulta, nós tivemos a
participação dos enfermeiros nos conselhos locais de saúde. Então foi
muito importante a enfermeira nessa parte do procedimento, de
oferecer ações mais integrais para a população. Então a enfermeira
assume esse papel agora em termo de avaliação mesmo de qualidade de
serviço entendeu? (Ent. 1, grupo I).
Outro fato importante foi a I Conferência Municipal de Saúde(24), realizada em
agosto de 1995 com discussões sobre a participação popular nas políticas de
saúde em Itabuna, quando tivemos a oportunidade de participar como delegada
representante dos prestadores de serviço (SMS) das comissões locais de saúde.
Essa Conferência foi um marco na história da saúde para o município, porque
possibilitou a discussão do modelo de saúde que Itabuna iria adotar, o
financiamento das ações de saúde e o controle social, através do Conselho
Municipal e dos Conselhos Locais sobre estas ações(25).
Em 1996, ocorre nova eleição para prefeito e Itabuna mais uma vez muda seu
gestor. Contudo, o processo de municipalização da saúde continua, até por
exigência das normas que o Ministério da Saúde edita, no sentido de manter a
descentralização e a efetivação do SUS.
Nesse período, Itabuna assume a gestão plena da atenção básica(17)e,
reestrutura e regulamenta o Conselho Municipal de Saúde, revogando as
disposições da lei municipal n.º 1667 de julho de 1994(19), alterando neste
sentido a composição das instituições participantes do CMS(26).
É criada a estrutura da Secretaria de Saúde(27), que tem por finalidade a
formulação, coordenação e execução da política de saúde do município mediante
ações próprias e articuladas com outros órgãos públicos federais, estaduais,
municipais e entidades particulares, objetivando o acesso universal e
igualitário nos serviços de saúde.
Todavia, apesar do sistema de saúde do município vir se reestruturando, durante
este período não houve expansão da estrutura física da rede básica que se
mantém a mesma desde a década de 80, mesmo com a inserção de diversos
profissionais de saúde de nível superior no gerenciamento desses serviços.
Atualmente Itabuna dispõe de uma rede de serviços de média e alta complexidade,
oferecendo serviços na área de urgência/emergência, traumo-ortopédico,
hematologia, radioterapia, oftalmologia, medicina nuclear, terapia renal
substitutiva, fisioterapia, anatomia patológica, citopatologia,
radiodiagnóstico, endoscopia, tomografia computadorizada, patologia clínica
dentre outros, num quantitativo que lhe garante o conceito de pólo regional na
área hospitalar, fortalecendo assim o crescimento do sistema secundário e
terciário na atenção à saúde.
No entanto, o mesmo não ocorre com a rede do sistema público, pois não houve
ampliação das unidades básicas de saúde, as quais são enfraquecidas mediante o
fortalecimento do atendimento individual curativista, direcionado à queixa/
conduta, através do projeto saúde em sua casa(17). Privilegiando o atendimento
em ruas e praças dos bairros periféricos através de carros montados para o
atendimento clínico, ginecológico, oftalmológico e odontológico,
descaracterizando o SUS em seus princípios de universalização, integralidade e
equidade,comprometendo as ações de saúde desta população.
4 Considerações finais
Itabuna nessas décadas vivenciou um processo de transformação em quatro
momentos distintos de acordo com as mudanças de gestão, com características de
um desenvolvimento desigual em seu processo de descentralização. Sua política
institucional oscilou nas diversas conjunturas expressada através das
estratégias implantadas ou implementada em seus períodos determinados. Assim,
os avanços ou retrocessos aconteceram conforme foi à compreensão por parte dos
gestores municipais do processo de descentralização/municipalização,
favorecendo ou dificultando dessa maneira a atuação dos trabalhadores de saúde,
dentre eles a enfermeira.
A enfermeira se inseriu na realidade em quase todos esses momentos acima
referidos e a depender do cenário estabelecido ela participou mais
efetivamente, sofrendo a influência das diversas conjunturas conformadas pelas
políticas implantadas em cada contexto.
Desta maneira, a inserção da enfermeira nesse processo foi seguida de acordo
com as mudanças transcorridas em cada momento vivenciado pela gestão municipal.
Entendemos que os resultados apresentados neste estudo em relação à
participação da enfermeira não podem estar desvinculados a um contexto que é
histórico e social, estando em constantes transformações, sejam elas positivas
ou negativas, a depender do olhar de cada ator social. E por isso, imprimindo
uma participação dessa trabalhadora (enfermeira), muitas vezes com limitação em
decorrência das políticas de saúde ora vigente que não se compromete com a
saúde da população, e assim mantém um sistema de saúde debilitado, fragmentado,
porque persiste num modelo de assistência, centrado na doença, no indivíduo e
no tecnicismo que não atende na maioria das vezes as necessidades de saúde da
população.
No entanto, ressaltamos a importância da participação da enfermeira na
efetivação do Sistema Único de Saúde mediante o desenvolvimento de sua prática
sanitária e sua participação política enquanto sujeito social desse sistema.