Violência simbólica no acesso das pessoas com deficiência às unidades básicas
de saúde
INTRODUÇÃO
As políticas de saúde encampam uma polissemia de significados acerca das ações,
saberes e práticas que as constituem, fazendo desse paradigma um movimento em
constante evolução. O conceito de saúde é articulado com outros conceitos, como
o de ambiente, considerando-se as dimensões físicas, a exemplo de água, esgoto,
resíduos sólidos domésticos e industriais, controle de vetores, dentre outros,
e os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, para enfatizar a
necessidade de ambientes saudáveis(1).
A adoção de ambientes saudáveis requer intervenções com articulação
intersetorial e participação social visando à consecução do direito à saúde e a
melhoria das condições de vida da população(2). Saúde e condições de vida
remetem ao conceito acessibilidade que é associado a acesso a arquitetura,
comunicação, instrumentos, programas, atitudes, cultura(3), dentre outros.
Em se tratando das Pessoas com Deficiência-PCD, o conceito acessibilidade
define diretrizes discutidas e aprovadas em eventos nacionais e internacionais.
No Brasil, o acesso dessas pessoas está regulamentado pelo Decreto 3.298/99(4),
pela Lei nº 10.098/2000(5) e pela NBR 9050 da ABNT(6). Essa última fixa as
condições e os padrões de medidas exigíveis para propiciar as melhores e mais
adequadas condições de acesso às vias públicas e ao mobiliário urbano.
Em solo brasileiro, existem 24.537.984 pessoas com algum tipo de deficiência
física; 5.750.809 com deficiência auditiva e 16.573.937 com deficiência visual.
Na Paraíba, há 271.591 pessoas com algum tipo de deficiência física; 159.715
com deficiência auditiva e 473.222 com deficiência visual. E, no município
paraibano em que esse estudo foi realizado, habitam, 30.000 pessoas com
deficiência física e/ou sensorial(7).
No Brasil, os estudos sobre acessibilidade das PCD são diminutos. Entretanto,
demonstram a dificuldade de acesso desses indivíduos aos serviços de saúde
devido às barreiras arquitetônicas e atitudinais(8). Autores afirmam que o
comprometimento do acesso a bens e serviços de saúde expressam a não
valorização da demanda espontânea de cuidados curativos ou preventivos, o que
contribui com a ocorrência de complicações no estado de saúde dessas pessoas
(9).
Pode-se inferir que as barreiras atitudinais são representações dos julgamentos
políticos, morais e estéticos que compõem o habitus(10) de uma cultura dada.
Como o habitus corresponde a uma matriz definida pela posição social do
indivíduo, ele responde pelas condições de participação social baseando-se nos
arquétipos do inconsciente coletivo. É no habitus que se instaura a violência
simbólica(10), um conceito que corresponde a criação contínua de crenças e
valores que, socializados, se "naturalizam" no processo de dominação/exclusão
dos indivíduos. Uma vez naturalizada, a violência simbólica induz os indivíduos
a se posicionarem no espaço social orientando-se pelos critérios e padrões do
discurso dominante. Logo, a violência simbólica se estabelece com o
consentimento de quem a sofre dado que ela não é percebida como tal.
Em se tratando das PCD, as barreiras arquitetônicas e atitudinais são
representações da violência simbólica instituída, em parte, pela naturalização
da ação dos atores sociais e das instituições e, em parte, pelo desconhecimento
do ordenamento jurídico que ampara esses indivíduos. Daí porque é consenso que,
dentre os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), as PCD física e/ou visual
são as que enfrentam as maiores dificuldades de acesso, o que sinaliza a
necessidade de ampliação de estudos que tragam avanços nessa área(11).
Esse estudo é relevante porque é da competência das instituições de saúde zelar
pelo acesso seguro dos seus usuários obedecendo a regras e normas destinadas a
definir e regulamentar a prevenção e a segurança de todas as pessoas que ali
convivem. A equipe de enfermagem colabora com esse processo respondendo pelas
ações organizacionais e de administração de recursos para prestação de cuidados
aos usuários(12), e desenvolvendo ações preventivas de acidentes no ambiente de
trabalho buscando, com engenheiros e arquitetos da equipe de saúde, solução
para escadarias sem corrimão, com altura ou largura dos degraus inadequadas,
com pisos escorregadios(11), dentre outros, em desacordo com as normas
técnicas.
Entende-se que a acessibilidade institucional demonstra o zelo, dedicação,
responsabilidade e envolvimento dos profissionais com o suprimento das
necessidades humanas básicas das pessoas cuidadas(13). No caso específico do
enfermeiro, assegurar o acesso da clientela demonstra, também, o cumprimento
dos preceitos legais oriundos da Lei Nº 7.498/86(14), no concernente ao artigo
11 que, privativamente, lhe delega a organização e direção dos serviços de
enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares; o planejamento,
organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de
enfermagem. E, como integrante da equipe de saúde, lhe designa a participação
em projetos de construção ou reforma de unidades de internação e a prevenção e
controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a
assistência de enfermagem.
Estudo realizado em instituições hospitalares públicas da Região Sul do Brasil
(15) que são referências, em âmbito nacional e internacional, pelas suas
experiências interdisciplinares na atenção à saúde, destaca que o trabalho de
suas equipes agrega, dentre outros, os fatores: vínculo, acolhimento,
humanização da assistência e melhora no acesso dos usuários aos profissionais e
aos serviços de saúde.
No caso desse estudo, o conhecimento da NBR 9050 da ABNT contribui com novas
formas de organização do trabalho nas unidades básicas de saúde e com o
desenvolvimento de competências, traduzidas em conhecimentos, habilidades e
atitudes, que possibilitem a atuação do enfermeiro na equipe multiprofissional,
no enfrentamento dos desafios na formação de recursos humanos para a saúde, e
na promoção da saúde por meio da participação no controle social do
planejamento e execução das ações municipais de saúde.
Outrossim, na tomada de consciência do direito da PCD e da violência simbólica
instalada, o enfermeiro e demais profissionais da saúde não podem esquecer que
o desenho universal pode ter sido adotado no projeto arquitetônico mas seu
desconhecimento faz com que seja desvirtuado no uso.
Ao considerar que o acesso aos ambientes e espaços físicos diz respeito à
qualidade de vida dos indivíduos(16), que existe legislação disciplinando as
condições de acessibilidade, que o município selecionado para a investigação
tem elevado número de PCD, objetivou-se caracterizar as condições
arquitetônicas de acesso das PCD física e/ou visual às Unidades Básicas de
Saúde (UBS) de um município paraibano.
MÉTODO
Estudo descritivo realizado no período de novembro de 2008 a março de 2009 em
20 Unidades Básicas de Saúde-UBS da zona urbana de um município paraibano. O
projeto foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº 0490.0.133.000-
08. Os pesquisadores obedeceram às diretrizes da Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, garantindo o anonimato, a privacidade, e o sigilo da
identidade dos atores envolvidos na pesquisa.
O instrumento foi um formulário check list, fundamentado na NBR 9050 da ABNT(6)
e uma máquina digital para fotografar as condições do acesso. Foram variáveis:
acesso ao prédio, acesso ao interior do prédio, móveis e equipamentos,
instalações sanitárias, bebedouros e telefones.
Priorizou-se o Desenho Universal, um conceito atrelado à idéia de sociedade
inclusiva, considerando: Ambiente Acessível se ajusta aos requerimentos
funcionais e dimensionais, e possibilita a utilização autônoma, por todas as
pessoas, com comodidade e segurança. Ambiente Praticável não se ajusta a todos
os requerimentos de acessibilidade, contudo, permite utilização autônoma por
qualquer pessoa. Ambiente Adaptável requer modificações que não afetam as
configurações essenciais, para se tornar praticável. Ambiente Não-Acessível não
reúne os requisitos necessários para a acessibilidade(16).
Do agrupamento e categorização dos dados, emergiram os núcleos temáticos: 1)
Ambiente Adaptável para PCD no tecido urbano; 2) Ambiente Não-Acessível para
PCD no interior das UBS. Os resultados foram submetidos à estatística
descritiva e apresentados em tabelas e figuras.
RESULTADOS
Os dados do estudo refletem as dificuldades de acesso das pessoas com
deficiência física ou sensorial aos serviços de saúde. Para melhor clareza dos
resultados, optou-se por apresentar as Tabelas_1 e 2 que tratam,
respectivamente, das condições de acesso no tecido urbano e no interior das
UBS.

Ambiente Adaptável para PCD no tecido urbano
Na Tabela_1. são apontados os números e percentuais equivalentes às barreiras
arquitetônicas detectadas no percurso casa-Unidade Básica de Saúde que
dificultam o acesso das PCD a essas instituições. Os piores resultados se
referem a não disponibilidade de instrumentos de segurança no trânsito e de
sinalização visual indicativa da localização da UBS.
Conforme apresentado na Figura_1, determinados trechos do percurso às UBS é
marcado por ausência de calçadas (Foto A); desnivelamentos na calçada (Foto B);
presença de árvores e entulho nas ruas de acesso (Foto C); e estacionamento de
veículo frente à rampa de acesso dos usuários com dificuldade de locomoção
(Foto D).
Ambiente Não-Acessível para PCD no interior das UBS
Os resultados apresentados na Tabela_2 sinalizam uma ambiência marcada pela
violência simbólica no concernente ao direito de ir-e-vir, a segurança física
das PCD, e ao atendimento de necessidades básicas para o funcionamento
orgânico.
Na Figura_2, são apresentadas as principais barreiras ao acesso das PCD ao
interior das UBS: escadaria (Foto E); porta de entrada principal (Foto F);
áreas de circulação coletiva em desacordo com a norma técnica (Foto G); filtro
localizado em balcão fechado (Figura H); e instalações sanitárias sem espaço
livre junto às peças sanitárias e acessórios para transposição de pessoa
usuária de cadeira de rodas (Foto I).
DISCUSSÃO
Ambiente Adaptável para PCD no tecido urbano
Os percalços relativos à arquitetura urbana detectados nesse estudo evidenciam
a carga simbólico-afetiva que coloca em risco a integridade física das pessoas
que utilizam esse espaço. Os dados da Tabela_1 demonstram que em 100% das
avenidas de acesso às UBS inexistem semáforos com botoeiras com caracteres do
tipo Braille ou figuras em relevo; sinal sonoro que emita sons com intensidade
de, no mínimo, 15 dB acima do ruído de fundo. Apenas 10% das ruas têm placas
com sinalização indicando o local da UBS; 10% têm faixas de pedestres nas
proximidades dessas instituições e 10% têm rebaixamento de calçada em pontos
estratégicos.
Na Figura_1, apresentam-se as condições das calçadas para acesso às UBS: 90%
estão esburacadas e 85% estão ocupadas por árvore, entulho ou lixeira. Nos
locais de rebaixamento para acesso de pessoas com mobilidade física prejudicada
às UBS, os veículos estacionam dificultando a mobilidade segura desses
usuários.
Em relação à falta de sinalização nas ruas que dão acesso às UBS, a NBR 9050 da
ABNT recomenda o uso de placas de sinalização, e outros instrumentos que tenham
projeção sobre a faixa de circulação, colocados a uma altura de dois metros do
piso. As informações visuais contidas nas placas devem ter textura,
dimensionamento e contraste de cor dos textos e das figuras para que sejam
perceptíveis por pessoas com baixa visão(6).
O Código de Trânsito Brasileiro determina que as faixas de pedestres devem ser
colocadas onde houver demanda de travessia, junto a semáforos, focos de
pedestres, no prolongamento das calçadas e passeios. Um dos critérios para a
colocação das faixas é que em determinado espaço urbano haja circulação acima
de 25 pedestres por minuto(6).
O rebaixamento nas calçadas deve localizar-se nas esquinas, nos meios de quadra
e nos canteiros divisores de pistas, independente desses locais terem, ou não,
faixas ou semáforo. Não pode haver desnível entre o término do rebaixamento da
calçada e o leito carroçável(6).
Para que as PCD e as demais pessoas usufruam livre trânsito as calçadas
precisam ter largura mínima de 1,50 metro para circulação de duas cadeiras de
rodas. Havendo rebaixamento da guia, deve-se assegurar uma faixa livre no
passeio, além do espaço ocupado pelo rebaixamento, de no mínimo 0,80 m(6).
A presença de calçadas estreitas, com buracos, desnivelamento, árvores, entulho
e lixeiras atentando contra o livre trânsito e a segurança dos transeuntes
corrobora com outro relato em que a locomoção de pessoas obesas, idosas e
aquelas que fazem uso de cadeira de rodas, de muletas, de bengalas é
dificultada devido as calçadas estarem ocupadas por comércios informais,
motocicletas e bicicletas(17).
No concernente ao fato de 100% das UBS não ter estacionamento privativo para
PCD, a ABNT recomenda que, nas vias públicas, para cada 100 vagas disponíveis
para estacionamento uma deve ser para a PCD(6).
O fenômeno "barreiras arquitetônicas" é fato comum no território brasileiro.
Estudos realizados em outros estados(17-18) apontam dificuldades do acesso das
PCD no percurso casa-hospital condizentes com os mesmos achados desse estudo.
O difícil acesso das PCD nas áreas circunvizinhas às UBS, também, corrobora com
o enunciado de outros autores segundo os quais, a acessibilidade urbana costuma
ser permeada por relações entre objetos que muitas vezes possuem grande carga
simbólico-afetiva com os usuários desse espaço, sendo capaz de incentivar,
deprimir, cuidar ou mesmo pôr em risco o bem estar das pessoas que utilizam
esse espaço(19).
A inacessibilidade das PCD na malha urbana sinaliza o conflito decorrente do
confronto entre o capital cultural e o capital linguístico % enquanto o Estado
brasileiro cria e legitima um capital jurídico que assegura o acesso das
pessoas com deficiência a bens e serviços, o capital cultural se encarrega de
naturalizar a violência simbólica(10) por meio das divisões e hierarquias
sociais fundadas na diferença biológica.
Compreende-se que a acessibilidade não depende, apenas, da vontade e da ação do
Estado. Apesar de já se observar melhorias no acesso ao tecido urbano do
município investigado, ainda é preciso que a sociedade entenda que cidade
acessível é aquela que promove a equiparação de oportunidade em todas as
esferas da vida. Essa tomada de consciência implica co-responsabilidade dos
cidadãos no planejamento e conservação da urbanização evitando a plantação de
árvores nas calçadas, a colocação de entulhos e mobiliários nas vias públicas.
E fiscalizando/solicitando aos setores responsáveis as adaptações necessárias
para assegurar o acesso de todas as pessoas a bens e serviços, de modo que as
demandas sociais sejam ouvidas, valorizadas e atendidas pela administração
pública, conforme estabelece a Lei Nº 10.257(20) denominada Estatuto da Cidade.
Esse cuidado exige que a ambiência atenda pressupostos do Desenho Universal,
que são da seguinte ordem: equiparação nas possibilidades de uso, flexibilidade
no uso, uso simples e intuitivo, captação da informação, mínimo esforço físico
e tolerância para o erro(21).Conforme esse pressuposto, o desenho acessível a
todas as pessoas precisa do incremento de determinados dispositivos e
adaptações do espaço urbano para viabilizar a maximização das competências e
habilidades dos usuários, redução das dificuldades e barreiras encontradas de
modo a lhes permitir participação, igualdade e mais independência para uma vida
com qualidade(19).
Ambiente Não-Acessível para PCD no interior das UBS
Os dados constantes na Tabela_2 sinalizam que nem todas as pessoas podem
exercitar, livremente, o direito de ir e vir, pois, apesar de todas as UBS
terem estrutura térrea, em 20% delas as PCD física ou visual não têm condição
de adentrar porque o acesso se dá por meio de escadas ou de rampas que não
obedecem às normas preconizadas pela NBR 9050(6). As áreas de circulação
coletiva de 65% dessas instituições têm largura inferior a 1,20 metros e
possuem portas com largura inferior a 80 centímetros, medidas essas
preconizadas pelas normas técnicas(6)
Em 100% das UBS inexistem recursos digitais, em Braille, para uso por PCD
visual. Em 75% delas o piso não possui superfície regular, estável, firme e
antiderrapante, pondo em risco a segurança física dos usuários. Esses achados
corroboram com relato de outro estudo em que as condições de acesso ao prédio,
às áreas de circulação e ao mobiliário(11) se assemelham às agora apresentadas.
Os autores desse outro estudo(11) recomendam a sinalização visual para a
indicação de percurso em edifício ou a distribuição dos seus ambientes por meio
de setas associadas a textos, figuras ou símbolos. E para a indicação na forma
tátil, utilização de recurso do tipo linha-guia ou piso tátil.
O mobiliário de 20% das UBS tem altura superior ao preconizado pelas normas
técnicas(6), segundo as quais, os balcões de atendimento devem ser instalados a
0,80m do piso, com altura livre mínima de 0,70m(6) permitindo aproximação
frontal por cadeirante. A inobservância dessa especificação compromete o acesso
do usuário cadeirante, determina uma sustentação postural inadequada que pode
desencadear perturbações de estima e comportamento.
Ainda, conforme a Tabela_2, 15% das UBS não disponibilizam bebedouro ou filtro
de água para os usuários. E em 30% dessas instituições a disponibilização de
filtros sobre mobiliário não permite aproximação lateral de uma pessoa
cadeirante. Também, inexiste telefone público em 40% das UBS, fato que
contraria a NBR 9050 que recomenda que se disponibilize um mínimo de 1% de
telefones do tipo local e DDD, instalados de acordo com os requisitos de
acessibilidade de modo a permitir sua utilização por PCD(6).
As instalações sanitárias em 96% das UBS estão em desacordo com as normas
técnicas, pois, a porta dos sanitários tem largura inferior a 70cm(6). Em 65%
dessas dependências o espaço interno não possibilita as manobras necessárias
para que uma pessoa cadeirante possa utilizá-las. E em 75% dessas instituições
inexistem barras horizontais instaladas junto a bacia sanitária e ao lavatório
para que as pessoas com mobilidade prejudicada possam se apoiar(6).
Investir na temática acesso da PCD na rede básica de saúde requer enfoque na
ambiência, sem descuidar da arte e estética que permeiam uma atenção solidária,
acolhedora, resolutiva e humana. Requer atenção ao capital jurídico
estabelecido pela Constituição Federal de 1988, ao Decreto 3298/99(4) que
dispensa atenção a Saúde das pessoas com deficiência; a Lei Nº 10.098/2000(5)
que trata da acessibilidade; ao capital simbólico relacionado com a definição
dos "sujeitos de direito"; e a própria dinâmica da assistência em saúde.
Em 2003, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Humanização
HumanizaSUS, priorizando o atendimento com qualidade e a participação integrada
dos gestores, trabalhadores e usuários na consolidação do SUS. Dessa idéia
emergiu a Cartilha do HumanizaSUS voltada para as questões da ambiência que
sinaliza as diretrizes necessárias para se pensar os usuários do sistema de
saúde como sujeitos moralmente merecedores de direitos(22).
A Cartilha da PNH entende a ambiência hospitalar como um espaço social,
profissional e de relações interpessoais, norteada pela inter-relação homem x
espaço. Os seus pressupostos se apóiam em três objetivos: a) possibilitar a
produção de sujeitos e o processo de trabalho; b) promover conforto a
trabalhadores, paciente e sua rede social com enfoque na privacidade e
individualidade dos sujeitos envolvidos; e c) assegurar que o espaço facilite o
processo de trabalho funcional favorecendo a otimização de recursos e o
atendimento humanizado, acolhedor e resolutivo(22).
Para que haja a produção do sujeito e do processo de trabalho é preciso que
haja o implemento de ações que assegurem o acesso dos sujeitos e a
integralidade nas ações em saúde. O princípio da integralidade defendido pelo
SUS reconhece a saúde como um direito fundamental de todos os cidadãos cabendo
ao Estado assegurar as condições indispensáveis ao usufruto desse direito
promovendo o acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade.
A idéia de integralidade preconizada pelo SUS gera a expectativa que os
gestores e profissionais de saúde reconheçam os usuários como sujeitos de fato,
de direito, e com necessidades básicas que precisam ser atendidas. Entretanto,
a inacessibilidade das PCD a algumas UBS compromete a proposição da
integralidade como componente fundamental de cuidado em saúde e,
consequentemente, compromete, também, a produção de sujeitos.
A análise das condições de acesso das PCD as UBS do município paraibano
estudado demonstra que, apesar desses indivíduos estarem, gradativamente,
assumindo posições nos diversos espaços sociais, participando da vida em comum,
essas conquistas não tem garantido sensibilização e reflexão de todos os
profissionais da saúde sobre as dificuldades encontradas por esses usuários no
dia-a-dia, principalmente quando as necessidades dessas pessoas dizem respeito
à situação de doença. Na prática, a preocupação com a acessibilidade desses
indivíduos aos ambientes hospitalares é diminuta, fato que compromete a
qualidade da assistência prestada(10).
Consoante esses resultados, pode-se afirmar que a carga simbólico-afetiva que
promove a inacessibilidade das PCD aos bens e serviços é da ordem das barreiras
atitudinais, focadas no desconhecimento das competências e necessidades das
PCD.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acesso das PCD física ou sensorial aos serviços de saúde engloba inúmeros
fatores e pode ser analisado sob abordagens diversas. No caso desse estudo,
ficou caracterizado que a oferta de serviços não significa, necessariamente,
atendimento efetivo da demanda, dado que as dificuldades do acesso começam no
tecido urbano, permeado pelas barreiras arquitetônicas e pela indisponibilidade
de instrumentos sinalizadores do percurso casa-UBS.
A dificuldade de acesso às UBS sinaliza o conflito entre o ordenamento jurídico
que assegura o acesso das PCD a Saúde, os pressupostos da NBR9050 que
estabelece parâmetros e padrões de acessibilidade arquitetônica, e as
diretrizes emanadas da Cartilha da PNH Ambiência que recomenda assistência
visando a produção de sujeitos e o processo de trabalho, o respeito a
privacidade e individualidade dos sujeitos envolvidos, e a funcionalidade do
trabalho de modo a promover a otimização de recursos e o atendimento
humanizado, acolhedor e resolutivo.
O acesso às UBS é permeado por condições em que se percebe que os gestores
pensaram no atendimento às PCD, mas as soluções apresentadas não atendem às
reais necessidades desses usuários devido ao uso restrito das normas técnicas
(6). Dessa forma, o acesso dessas pessoas é permeado pela violência simbólica
que se caracteriza por tecido urbano carente de adaptação e ambiente não
acessível no interior das UBS.
Espera-se que os resultados desse estudo induzam a uma consciência crítica e
reflexiva de modo a influenciar a minimização de obstáculos, ou otimizar o
acesso das PCD física e/ou sensorial e propiciar uma nova abordagem do processo
assistencial na busca da promoção da saúde e qualidade de vida desse segmento
social.
Por fim, é preciso que os gestores e as equipes de saúde adotem uma prática
centrada em ações resolutivas das dificuldades de acesso dos usuários aos
serviços, priorizando a assistência integral, universal, equitativa. Que essas
ações sejam transformadoras das atitudes e comportamentos nas relações
interpessoais e que valorizem o controle social.