Análise da produção científica sobre o uso dos métodos contraceptivos pelos
adolescentes
INTRODUÇÃO
A adolescência compreende o período de 10 a 19 anos de idade e é marcada por
características sexuais e secundárias, às quais se desenvolvem processos
psicológicos e padrões de identificação que evoluem da fase infantil para a
fase adulta, entre eles a transição de uma fase de dependência para outra de
relativa autonomia(1).
Este período da vida humana deve ser encarado como uma etapa importante do
processo de crescimento e desenvolvimento, o qual é marcado por transformações
relacionadas não somente aos aspectos físicos e fisiológicos, mas
principalmente ao aspecto emocional do ser humano, inserido nas mais diferentes
culturas(2).
No século XIX, a adolescência passou a ser reconhecida como período crítico da
existência humana. Esta etapa da vida, geralmente está associada à
vulnerabilidade, o que torna fundamental o enfoque da prevenção. É durante a
adolescência que os riscos vinculados ao exercício da sexualidade, trazem
conseqüências graves, tais como gravidez precoce e indesejada, doenças
sexualmente transmissíveis e AIDS, que podem levar à interrupção do projeto de
vida e interferir seriamente na formação da personalidade(3).
Podemos considerar que, nos últimos 20 anos, a modificação dos padrões da
sexualidade repercutiu no aumento da incidência da gravidez na adolescência,
principalmente nos países em desenvolvimento e nas adolescentes mais jovens. E
que embora esta ocorrência seja freqüente em todas as camadas sociais, a maior
incidência ocorre nas populações de baixa renda(4).
O conhecimento sobre os métodos contraceptivos e os riscos provenientes de
relações sexuais desprotegidas é importante para que os adolescentes possam
vivenciar sua atividade sexual de uma forma adequada e saudável, assegurando a
prevenção de uma gravidez indesejada e das doenças sexualmente transmissíveis/
AIDS, além de ser um direito que possibilita ao ser humano, o exercício da
sexualidade desvinculado da reprodução(2).
Em que pese os avanços da tecnologia no campo da contracepção, no que diz
respeito à saúde reprodutiva e sexual, diversas adolescentes ainda engravidam
sem terem planejado sua gravidez. A sociedade se mostra pseudopermissiva,
permitindo e estimulando a atividade sexual das adolescentes, proibindo, porém,
a gravidez precoce, como se a capacidade reprodutiva pudesse ser analisada de
uma forma separada e independente da sexualidade(5).
Quanto mais precoce a iniciação sexual, menores são as chances de uso de
métodos contraceptivos e, consequentemente, maiores são as possibilidades de
gravidez. Da mesma forma, é estabelecida uma correlação entre escolaridade e
contracepção: quanto maior o grau de escolaridade do jovem, maiores são as
chances de utilização de algum método tanto na primeira relação sexual quanto
nas subsequentes(6).
Os adolescentes colocam diversos obstáculos para o uso dos métodos
contraceptivos, dentre os quais podemos destacar a objeção de seu uso pelo
parceiro, o pensar que não engravidaria, ou por não esperar ter relações
naquele momento. O comporta-mento contraceptivo é sempre posterior ao início do
relacionamento sexual com a parceira. Alega-se que é atribuição exclusiva da
mulher a responsabilidade com relação à vida reprodutiva, sendo que a
imprevisibilidade e a falta de planejamento das relações sexuais são os fatores
que mais influenciam o não uso de métodos contraceptivos(7).
Nesse sentido, esse estudo se torna relevante pelo fato de que a atenção sexual
e reprodutiva dos adolescentes tem sido cada vez mais reconhecida como um
problema de saúde pública em virtude da iniciação sexual precoce e frequente,
talvez pelos programas destinados a adolescentes tanto na área da saúde, quanto
na educação, ainda não terem conseguido alcançar esse grupo, antes de uma
relação sexual desprotegida e sem a devida maturidade emocional.
Em face desta problemática, recortou-se como objeto de estudo a análise da
produção científica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) sobre métodos contraceptivos na adolescência, nos últimos dez
anos. Tendo em vista, o objeto de estudo elaborou-se a seguinte questão
norteadora: Quais as características da produção científica nacional da CAPES
sobre os contraceptivos na adolescência, nos últimos dez anos?
Para responder este questionamento elaborou-se o seguinte objetivo: analisar a
produção científica nacional da CAPES no período de 1997 a 2007 sobre os
contraceptivos na adolescência, identificando o tipo, a natureza, o local de
realização dessas pesquisas, a área de conhecimento e a ênfase que está sendo
atribuída a esses estudos.
MÉTODO
Tratou-se uma revisão sistemática da literatura, recurso que proporciona a
incorporação das evidências científicas na prática da enfermagem, tanto na
pesquisa, quanto na assistência.
Segundo Galvão, Sawada e Trevizan(8), o método da revisão sistemática da
literatura (RSL) pode identificar os efeitos benéficos e nocivos de diferentes
intervenções da prática assistencial; também pode estabelecer lacunas do
conhecimento e identificar áreas que necessitam de futuras pesquisas na
enfermagem, com implicações para a assistência prestada. É, pois, neste sentido
que a revisão sistemática é um recurso valioso de informações para a tomada de
decisões.
A RSL apresentada neste artigo cumpriu as seguintes etapas: construção do
protocolo, após a construção do questionamento norteador deste estudo; busca
dos estudos, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES. A escolha da base se
deu em face do objetivo deste estudo; A busca dos estudos foi realizada, a
partir do(s) seguinte(s) descritores: adolescência, métodos contraceptivos e
gravidez. O período do recorte foi de 1997 a 2007; Realizou-se a avaliação
crítica dos resumos selecionados para verificar se respondiam plenamente a
pergunta-guia; foram analisadas 47 produções sobre o tema; A coleta de dados
foi feita com base em um formulário construído previamente; A síntese dos dados
subsidiou a construção do perfil das produções por meio da identificação do ano
da publicação, o local onde foi realizado, o tipo de estudo, a natureza, a área
de conhecimento, e a ênfase do estudo.
Foram estabelecidos como critérios de inclusão na amostra: resumos de teses e
dissertações que atendessem ao recorte temporal e que versassem sobre o tema
métodos contraceptivos na adolescência. E como critérios de exclusão àqueles
considerados fora da abordagem específica deste estudo, bem como do recorte
temporal.
Na análise estatística foram calculadas as frequências e os percentuais simples
sendo posteriormente agrupados em tabelas e quadros para melhor visualização
dos resultados e para facilitar a discussão.
RESULTADOS
Dentre os 47 resumos relacionados com os descritores supracitados, quatro não
abordavam de forma clara todos os aspectos propostos neste estudo. Desse modo
somente 43 resumos foram estudados, dos quais 35 (81,4%) são de dissertações de
mestrado e 08 (18,6%) são referentes a teses de doutorado, sendo que a maioria
dos estudos é de natureza qualitativa (48,8%).
Apresentamos a Tabela_1 relativa à distribuição dos estudos, segundo a natureza
dos mesmos. De acordo com estes dados, pode-se observar que do total de 43
resumos revisados segundo a natureza, os estudos qualitativos se sobressaíram
com um percentual de 48,8%, seguido do estudo quantitativo com 41,9%, e o
multimétodo com apenas 9,4%. Observou-se também que as dissertações de mestrado
foram mais freqüentes, perfazendo um total de 81,4%.

A partir da primeira classificação, apresentada na tabela_1, categorizaram-se
os resumos segundo dois períodos de publicação: de 1997 a 2002 e de 2002 a
2007. Cada período compreende cinco anos, conforme pode ser verificado na
Tabela_2.
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Observa-se que houve um equilíbrio no quantitativo de publicações nos dois
períodos do recorte temporal, com uma discreta predominância do primeiro
(51,51%) em relação ao segundo (49,49%). Os resumos analisados permitiram ainda
a sua classificação frente ao cenário onde foram desenvolvidos.
Quanto ao local de origem da realização das pesquisas, o local de maior
realização de estudos foi São Paulo, com um total de 18 (41,9%), seguido do Rio
de Janeiro (23,2%). O Rio Grande do Sul e Ceará obtiveram o mesmo percentual,
cada uma com 6,9%. As outras localidades onde foram realizados estudos sobre
métodos contraceptivos na adolescência foram: Teresina, Brasília, João Pessoa,
Santa Catarina e Goiás, cada uma contribuindo com um estudo. Para melhor
visualização dos resultados acerca das áreas do conhecimento no qual os resumos
foram enquadrados, apresentamos a Tabela_3.
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Como observado, as publicações foram realizadas em diversas áreas do
conhecimento, sendo que o maior destaque foi para a área da Saúde, com um
percentual de 58% dos estudos realizados, seguido da área de Ciências Sociais
com um total de 21%. Também foram verificados estudos na área das Ciências
Humanas (18%) com pesquisas, cujo foco foi voltado para as representações dos
adolescentes e profissionais sobre a gravidez na adolescência e para os
reflexos da gravidez precoce, além de estudos na área da Educação (3%).
Quanto à ênfase do estudo, a maioria das produções científicas se deteve em
abordar o conhecimento e uso de métodos contraceptivos, bem como as opiniões/
concepções dos adolescentes sobre os aspectos envolvendo a sua sexualidade e a
saúde reprodutiva (Quadro_1).
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DISCUSSÃO
Na leitura dos resumos, observou-se que o conhecimento e uso dos métodos
contraceptivos tiveram três enfoques diferentes. A seguir, faremos uma
abordagem destacando-os:
Desconhecimento e não uso de métodos contraceptivos
Apesar de existirem diversas fontes de informações sobre as formas de prevenção
da gravidez, ainda encontramos adolescentes que nas suas primeiras relações
sexuais, referem a não utilização de métodos contraceptivos, por falta de
conhecimento sobre os mesmos(9-10).
Vale ressaltar que embora o país conte com a implantação de programas de saúde
com extensão de cobertura populacional em muitas localidades, como é o caso da
Estratégia de Saúde da Família (ESF), muitos jovens ainda não têm acesso à
informação e aos serviços adequados ao atendimento de suas necessidades de
saúde sexual e reprodutiva, o que os estimula a tomar decisões de maneira livre
e responsável(11).
À medida que os adolescentes desconhecem os métodos contraceptivos, ou os
conhecem de forma incorreta, acaba perpetuando mitos, como a idéia de que o DIU
atrapalha a relação sexual ou que o coito interrompido é eficaz na prevenção da
gravidez. Dessa maneira, o desconhecimento ou, a inadequação do conhecimento
sobre as diversas possibilidades contraceptivas atua como fator de resistência
ao uso(12).
A pouca ou nenhuma escolaridade influencia diretamente na não aquisição de
práticas preventivas. A(O) adolescente que não estuda ou abandonou os estudos
fica mais vulnerável à gravidez na adolescência ou a aquisição de uma DST.
Nesta perspectiva, o abandono escolar apresenta-se como fator de risco
individual importante na adolescência. Portanto, parece existir unanimidade na
relação entre a baixa escolaridade e a não adesão às medidas contraceptivas(3).
Conhecimento e não uso de métodos contraceptivos
Apesar dos adolescentes afirmarem conhecer pelo menos dois tipos de
contraceptivos, nunca fizeram uso de nenhum deles (13). Estudo feito com
meninas de rua mostrou que a gravidez das adolescentes não é por
desconhecimento dos contraceptivos, pois ela é desejada na maioria das vezes
(14).
Corroborando com esse pensamento, estudo realizado em João Pessoa no ano de
1998, concluiu que as adolescentes tinham algum tipo de conhecimento acerca da
contracepção, gravidez e dos riscos de uma gestação precoce, mas a grande
maioria abandonava o uso de métodos contraceptivos por desejo de engravidar
(15). Ainda reafirmando esta posição, estudo conduzido no município de Recife
no ano 2000, observou que os adolescentes apresentaram um amplo conhecimento
sobre os contraceptivos, porém uma pouca utilização desses métodos(16).
Muitos adolescentes informam ainda que, apesar de terem recebido orientação
sexual da família, é com os amigos que eles mais conversam sobre sexo, e que a
maioria possui conhecimentos sobre os métodos contraceptivos, porém muitos não
o praticam. A confiança no parceiro foi o principal motivo alegado para não
realizar a prevenção. Sob este enfoque o conhecimento acerca dos métodos
contraceptivos não garante o seu uso e as atitudes não são barreiras que
impeçam práticas efetivas de proteção(17).
Ainda neste contexto, cumpre referir que o conhecimento da contracepção
inscreve-se em um processo de aprendizado e de tomada de decisões no qual o
conhecimento dos métodos não é decisivo. O conhecimento necessariamente não
predispõe à mudança de comportamento. No entanto, pressupõe-se que o acesso à
informação traga grande contribuição à transformação imediata das práticas
sexuais juvenis, instaurando uma conduta de auto proteção que eliminaria os
possíveis riscos(18).
Muitos estudos têm sido realizados tendo como objeto os adolescentes e os
métodos de proteção/contracepção. Vários demonstraram que o conhecimento sobre
os métodos anticoncepcionais existentes é elevado, o que não implica
necessariamente o uso adequado ou regular destes, e apesar do aumento
considerável desse uso nos últimos anos, ainda deixa a desejar(11,19-23).
Evidências em saúde revelam que dentre os motivos mencionados pelos
adolescentes sobre a falta de uso da anticoncepção, encontra-se a dificuldade
de diálogo com o parceiro, a qualidade e/ou inadequação da informação a
respeito da contracepção e reprodução, assim como sobre o uso correto de
métodos anticon-cepcionais(24).
Conhecimento e uso de métodos contraceptivos
Alguns autores discutem em seus estudos a questão da dissociação entre o
conhecimento teórico e prático, mesmo entre os adolescentes com mais anos de
estudo e informação. Afirmam que apesar de fazerem uso mais adequado dos
métodos contraceptivos, não os utilizam na proporção correspondente a seus
conhecimentos, existindo uma descontinuidade e negligência, o que demonstra
dificuldade em transformar as informações científicas em condutas sexuais
saudáveis(25-26). Corroborando com este pensamento, não obstante o conhecimento
adequado seja um importante fator para a adoção de atitudes corretas, não é
raro às vezes em que o conhecimento não apresenta essa relação de linearidade
com a atitude, pois as circunstâncias em que o sujeito está inserido poderão
influenciá-lo a tomar uma conduta dissonante(27).
De uma forma geral, percebe-se que os adolescentes atualmente possuem um
abrangente conhecimento dos métodos contraceptivos, embora não se tenha ainda
avaliado a qualidade desse conhecimento. A falta de planejamento e a
esporadicidade com que ocorrem as relações sexuais são aspectos que influenciam
o não uso desses métodos contraceptivos(28).
No tocante as opiniões e concepções sobre sexualidade, que foi outro enfoque
dado à temática, as adolescentes casadas e especialmente as de condições
econômicas mais elevadas, consideraram a gravidez como uma experiência
maravilhosa, que traz sentimentos de alegria e felicidade, e que o controle da
natalidade deve ser uma conduta compartilhada entre os parceiros. E para as
adolescentes pertencentes ao estrato econômico mais baixo da população, a
gravidez também não pareceu percebida de forma negativa e foi associada a
ganhos sociais(29-30).
Para as adolescentes não-grávidas, a gravidez não é desejada e nem tampouco
planejada. Ela se constitui como um projeto de vida futuro, que realiza os
desejos de segurança, valorização e independência. Para as adolescentes
grávidas, a gravidez funciona como elemento de identificação social, que exige
mudanças drásticas de comportamento(14).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos estudos analisados é importante observar que o interesse em
estudar e discutir como os adolescentes estão se comportando diante de sua
sexualidade e principalmente com relação ao uso de contraceptivos não se
restringe somente aos profissionais da área da saúde, mas também aos
profissionais das áreas de Ciências Sociais, Humanas e Educação. Entretanto,
chamou na atenção a inexistência de estudos que apontem para o enfrentamento
das questões relacionadas ao não uso ou uso inadequado dos métodos
contraceptivos.
O presente estudo reforça a necessidade de investimento na educação voltada a
esse contingente populacional, principalmente no que se refere à formação do
cidadão, capacitando-o para lutar pelos seus direitos, entre os quais podemos
citar o acesso a informações necessárias para prática da anticoncepção.
Neste contexto, se faz necessário a implantação de políticas públicas voltadas
para a saúde sexual e reprodutiva do adolescente, bem como uma ampliação
curricular e capacitação docente na área de educação sexual, discutindo não
somente os aspectos fisiológicos, mas também, a afetividade, o amor e os
relacionamentos. É de fundamental importância também que, os sistemas de saúde
possam contar com profissionais, especialmente de enfermagem, realizando o
planejamento e execução de atividades educativas para os adolescentes,
enfocando a saúde sexual e reprodutiva, no sentido de reduzir o índice de
gravidez indesejada, e de doenças sexualmente transmissíveis.
Esperamos que este estudo possa contribuir para formação de um corpo de
conhecimento próprio da enfermagem, que possa vir a subsidiar a tomada de
decisão do enfermeiro no que tange a promoção de saúde sexual e reprodutiva dos
adolescentes. Neste sentido, novos estudos que discutam estratégias de
enfrentamento do problema devem ser empreendidos.