Diagnósticos de enfermagem identificados em idosos com distúrbio mental
Diagnósticos de enfermagem identificados em idosos com distúrbio mental
Nursing diagnosis made in elderly people with mental disorders
Diagnósticos de enfermería en ancianos con disturbios mentales
Marina Borges TeixeiraI; Rosa Áurea Quintella FernandesII
IEnfermeira, Doutor em Ciências, Professor Titular I da Universidade Guarulhos-
UNG
IIEnfermeira, Obstetriz, Doutor em Enfermagem, Professor Titular I da
Universidade Guarulhos - UNG. E-mail do autor:fernands@uol.com.br
1 Introdução
No Brasil, nas últimas duas décadas estamos nos deparando com um aumento
gradativo e constante da população de idosos (1) .O reflexo deste crescimento
já se faz sentir nas instituições hospitalares gerais e, nos últimos 5 anos, na
população que recorre à assistência tanto ambulatorial como hospitalar das
instituições psiquiátricas.
O impacto social deste aumento será enorme e sabemos que não estamos
devidamente preparados para enfrentá-lo. No Brasil, percebe-se claramente o
despreparo da população, inclusive dos profissionais de saúde, em relação a
esta etapa da vida.
A velhice engloba aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Do ponto de
vista social, o indivíduo imagina uma aposentadoria feliz, com lazer, viagens,
amigos e família. Na prática, a questão da aposentadoria representa uma
diminuição salarial significativa, inviabilizando, na maioria das vezes, os
sonhos. Teoricamente, seria um período de descanso ou de diminuição de
atividades.
Em uma sociedade capitalista porém, o aposentado (idoso) é um ser
"improdutivo", não valorizado, constituindo-se um peso para seus familiares e
um ônus para os serviços previdenciários (2) .Esta visão repercute na saúde
mental e física da pessoa que acaba incorporando , como idoso, essa idéia de si
mesmo.
O idoso pode tornar-se depressivo pelas razões expostas, mas também porque é
neste período da vida que sofre as maiores perdas como: morte de amigos e
familiares, distanciamento dos filhos, perda de statuse de papel social. Por
outro lado, corre o risco de desenvolver outros quadros, desencadeados pelas
mesmas causas.
Os quadros depressivos como síndrome depressiva, depressão maior, depressão
mascarada e distimias são os mais comuns nesta faixa etária. O aparecimento de
quadros psicóticos é raro, porém, existem relatos de quadros esquizofrênicos
tardios , bem como de reações psicóticas breves. Demências e doença de
Alzheimer estão sendo relatadas em maior número, provavelmente pelo aumento da
expectativa de vida das pessoas.
Entre os distúrbios ansiosos, os principais são a ansiedade e a hipocondria .
Das síndromes mentais orgânicas o deliriumse sobressai pela intensidade dos
sintomas e risco que representa para o idoso. Distúrbios do sono e distúrbios
cognitivos (diminuição da memória, percepção, desempenho intelectual e
capacidade de resolução de problemas) surgem à medida que o idoso avança em
idade(2,3,4).
Por outro lado, o envelhecimento biológico, como processo natural, conduz o ser
humano a uma maior susceptibilidade a algumas patologias sendo mais comuns as
cardíacas; cérebro-vasculares; artrites e reumatismos; pulmonares
(respiratórios) sobressaindo bronquites, enfisema e asma; o câncer,
sobressaindo o de próstata, o de pele e o gástrico; mentais, sobressaindo os
quadros depressivos, as confusões mentais e as demências(5).
A assistência de enfermagem ao idoso requer além de conhecimento científico
específico, a visão global das necessidades do indivíduo, sobretudo, àquele
acometido de distúrbio mental.
A atenção ao idoso até um passado bem próximo não era valorizada ou considerada
uma especialidade da área da enfermagem. O panorama no Brasil, vem sofrendo
transformações na última década, transformações essas, decorrentes da
conscientização do envelhecimento populacional e da necessidade do
aprimoramento do conhecimento específico em enfermagem para assistir o
indivíduo nesta faixa etária.
O levantamento de problemas bem elaborado com anamnesee exame físicos acurados
que permitam a identificação dos diagnósticos de enfermagem , é uma maneira de
desenvolver e aprimorar a assistência ao idoso, pois certamente gerará
intervenções de enfermagem que possibilitarão, por sua vez, uma atenção de
qualidade.
O diagnóstico de enfermagem é uma declaração dos problemas de enfermagem do
paciente. Inclui a resposta de saúde tanto adaptada quanto desadaptada e os
estressores que contribuem para o problema( 4).
O Diagnóstico de Enfermagem é uma forma de expressar as necessidades de
cuidados que identificamos naqueles de quem cuidamos ou seja, é o julgamento
clínico do enfermeiro acerca da necessidade de intervenção de enfermagem(6).
A North American Nursing Diagnosis Association(7) (NANDA), atribui ao
enfermeiro não somente a responsabilidade na identificação correta dos
diagnósticos de enfermagem, mas, sobretudo no resultado das intervenções
eleitas por ele na resolução dos diagnósticos identificados.
Quando os enfermeiros compreenderem que a Sistematização da Assistência de
Enfermagem - SAE, inegavelmente, é um caminho para a qualidade da assistência,
não retardarão em incorporá-la ao seu cotidiano, renegando a forma rotineira,
pouco crítica e científica , com que vêm assistindo seus pacientes.
No Brasil, a implantação da SAE vem ganhando corpo de maneira lenta nas
instituições hospitalares, sendo ainda incipiente na área de Enfermagem
Psiquiátrica e de Saúde Mental. Logo, estudos que procurem identificar
diagnósticos de enfermagem do indivíduo idoso certamente serão bem vindos, pois
representarão um avanço na assistência de enfermagem a essa faixa etária da
população.
A finalidade desse estudo é contribuir para a melhoria da qualidade da
assistência de enfermagem ao idoso com distúrbio mental, por meio do
conhecimento dos diagnósticos de enfermagem identificados nessa população.
2 Casuística e método
Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, transversal, de campo, com
análise quanti-qualitativa dos dados, que teve como objetivo identificar os
diagnósticos de enfermagem em idosos com distúrbio mental. Realizada em um
ambulatório de saúde mental da cidade de São Paulo, que atende adultos com
distúrbios mentais e que se propõe a dar um tratamento diferenciado à população
idosa.
A população foi constituída pelos idosos que compareceram ao ambulatório, nos
meses de agosto a novembro de 2000. Fizeram parte da amostra quarenta e oito
idosos que consentiram em participar do estudo assinando, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados foram coletados por meio de entrevista, onde foi aplicado o
Instrumento SF-36 Escala de Avaliação, traduzido e validado por Ciconelli(8),
acrescido da questão: gostaria que o senhor (a) me contasse o que é seridoso e/
ou envelhecer.
Após o levantamento, os dados foram analisados e as necessidades de cuidado dos
idosos com distúrbio mental identificadas, estabelecendo-se a etapa do
diagnóstico de enfermagem.
Para facilitar a compreensão e a universalização da linguagem esses
diagnósticos foram nominados de acordo com a Taxonomia II da NANDA(7) .
3 Resultados e Comentários
Fizeram parte da amostra 48 idosos, sendo 24 do sexo masculino e 24 do
feminino. Estes idosos vêm ao ambulatório geralmente acompanhados de um
familiar. São pessoas de aparência meiga, que solicitam atenção, cordialidade,
um sorriso. No geral, têm limitações próprias da idade: dificuldade para andar,
dificuldade na audição e visão. O acolhimento dado a eles está voltado a estas
necessidades. Os problemas de memória exigem paciência, perseverança e um alto
grau de compreensão por parte dos funcionários.
Considerando-se a idade dos idosos, tanto os homens como as mulheres estavam em
sua maioria acima dos setenta anos, sendo que a idade com maior percentual
( 37,5%) em ambos os sexos estava entre 71 e 75 anos, o que corresponde a atual
média de vida do brasileiro(9).
Em relação ao estado civil da população, chamou-nos a atenção que os idosos do
sexo masculino, na sua grande maioria (22) eram casados e 2 solteiros.
Enquanto, que nas mulheres observamos um equilíbrio quanto ao estado civil,
pois o percentual de casadas, solteiras e viuvas era o mesmo.
Estudos indicam que as mulheres vivem mais que os homens e que a porcentagem de
homens viúvos que se casam novamente, é maior que a de mulheres(10).
Observando o item com quem reside chama à atenção o fato de 13 mulheres morarem
sozinhas. Uma delas, na entrevista, nos informou não ter mais ninguém de sua
família vivo. Os idosos do sexo masculino na sua maioria vivem com a esposa
(12) e/ou com esposa e filhos (10) .
O fato de encontrarmos um percentual elevado de idosas que referem residir
absolutamente sós ( 54,1% ) , surge como um grave problema para a assistência
levando nos a pensar no quanto poderíamos ajudá-las caso houvesse possibilidade
de ampliarmos nossa assistência para seu domicílio.
Em relação à renda familiar, o maior percentual observado (41,6%) para os
idosos de ambos os sexos foi de um salário mínimo, sendo que o maior número de
indivíduos (10) que recebem apenas um salário , é do sexo feminino.
O grau de instrução é condizente com a idade dessas pessoas. Sabemos que na
época em que foram crianças a ênfase não estava no ensino de uma maneira geral.
Dezessete ( 35,4%) idosos cursaram total ou parcialmente o antigo primeiro grau
(até a 4ª série atual ). Apenas idosos do sexo masculino (8,4%) concluíram o
curso superior. Causou surpresa o fato de apenas 6 ( 12,5 % ) não terem tido
nenhuma educação formal.
Os dados acima estão de acordo com o encontrado na literatura, pois prevalecem
os quadros depressivos, nos quais sintomas como tristeza, apatia, falta de
ânimo e auto-estima diminuída estão presentes gerando uma série de problemas
para o próprio idoso. Esses sintomas foram levantados na população e juntamente
com os resultados encontrados pela aplicação do instrumento SF-36 permitiram
identificar os diagnósticos de enfermagem listados na tabela_7 .
Como pode ser observado na Tabela_7 os Diagnósticos que apresentaram maior
percentual em ordem decrescente foram sentimento de pesar disfuncional e
Déficit de atividade de recreação ( 83,3%), andar prejudicado ( 81,2%), risco
para trauma (68,7%), ansiedade (62,5%) e mobilidade física prejudicada (52%):
diagnósticos esses compatíveis com a faixa etária dos sujeitos e a cultura onde
vivem.
Andar prejudicado (81,2%) e mobilidade física prejudicada (52,0%) são
diagnósticos correlacionados que influenciam diretamente na autonomia do idoso,
tornando-o, por vezes, dependente da disponibilidade do outro para exercer seu
direito de ir e vir(5).
O sentimento de pesar disfuncional identificado em (83,3%) dos idosos,
consequência da maior longevidade das pessoas, constitui um fato gerador de
modificações dos papéis sociais que o indivíduo desempenhava. Ele perde o papel
de provedor da família, passando a depender economicamente dos filhos. Além
disso, eles se vêm obrigados a abandonar a própria casa, para residirem com
outros. A perda de amigos, por diferentes razões, leva o idoso a isolar-se cada
vez mais socialmente(4).
O déficit de atividade de recreação mencionada por (83,3%) dos sujeitos, não
representa surpresa , uma vez que o avanço da idade pode gerar a falta de
confiança em si mesmo, mais dificuldades e limitações, que por vezes impedem o
idoso de integra-se nas atividades de sua comunidade . A cultura do país em
relação ao idoso onde o preconceito de improdutivo, incapaz e senil é bastante
forte, impede o idoso de desenvolver ou manter seu potencial cognitivo e físico
, acelerando, a nosso ver, o processo de envelhecer como um todo(3,4).
A ansiedade identificada em (62,5%) dos sujeitos, é inerente ao envelhecimento.
A pessoa idosa percebe suas limitações físicas e psicológicas, bem como sua
repercussão em seu cotidiano. A falta de preparo físico e mental, para encarar
essa etapa da vida é a principal fonte geradora de ansiedade. Por isto,
destaca-se a importância do papel preventivo do enfermeiro , que assiste a
indivíduos da terceira idade(2).
Se levarmos em conta que cada um tem a idade que sente ter, ou seja que não é a
idade cronológica a que mais importa para a qualidade de vida do idoso, mas sim
a motivação para viver, é fundamental que o enfermeiro procure criar fatores
motivacionais para seus clientes.
Apresentamos, a seguir, algumas falas colhidas dos idosos que permitiram
reforçar a identificação dos diagnósticos. Minhas pernas estão fracas, não
consigo andar direito [...] não tenho mais músculo [...](Mobilidade física
prejudicada).
Por razões diversas, alguns idosos passaram a viver com outros parentes,
alterando bastante sua independência e status. Não gosto de morar na casa do
meu filho... parece que incomodo [...] eles me tratam bem mas sinto que
atrapalho assim mesmo [...](Processos familiares alterados). Morar na casa dos
outros não é bom [...] minha irmã me deu um quarto para eu e meu marido, mas é
o quarto da máquina de costura dela [...] às vezes ela quer costurar e nós
atrapalhamos, meu marido gosta de ficar deitado [...](Processos familiares
alterados).
O envelhecer, a morte de amigos e parentes, as dificuldades econômicas e de
deambulação fizeram os idosos se queixarem de isolamento. Não tenho mais com
quem conversar [...] ir à igreja[...]. Queria às vezes ir ao cinema [...] mas
está tão caro [...] com o dinheiro da aposentadoria não dá [...](Isolamento
social).
As mulheres se queixam mais do que os homens da falta de ter pessoas para
conversar, para ir à igreja, para fazer trabalho para os pobres, de não ter
condições de ir a grupos de terceira idade e terem que assistir o programa dos
outros na televisão. Quando mudei para casa de meu filho, as vizinhas ficaram
longe... não dá mais para visitá-las.... Queria que tivesse uma igreja igual a
do Taboão [...] lá tinha grupo [...] a gente fazia trabalho para os pobres
[...](Déficit de atividade de recreação).
A maioria dos distúrbios do sono no idoso pode estar relacionada à depressão,
ansiedade, tristeza ou a perdas sofridas. Às vezes o que ocorre é uma
diminuição do sono noturno e uma redistribuição do sono ao longo do dia(10).
Velho não dorme [...] parece que a gente dorme de pouquinho [...] eu acordo às
2 horas da manhã e não durmo mais [...]. Eu durmo pouco [...] a gente tem tão
pouco tempo ocupado que fica cochilando o dia todo [...](Distúrbio no padrão do
sono). Todos então morrendo, vizinhos, amigos [...] minha vez está próxima
[...]. Até meu companheiro dos últimos anos foi embora [...](a filha nos contou
da profunda tristeza do pai com a morte de um gato que viveu 13 anos com eles).
(Sentimento de pesar disfuncional) .
Distúrbio da imagem corporal:As idosas que tiveram este diagnóstico referiram
que percebiam-se feias, às vezes sentiam seu corpo entortar e que um lado
estava mais curto que o outro. Acho que estou ficando com o corpo todo torto
[...] eu tento me esticar mas não dá [...] será que isto é da doença? [...].
Minha perna está secando por isso só uso calça comprida [...] olha como está
feia [...](levanta a barra da calça para mostrar).
As falas de alguns expressavam problemas referentes ao Distúrbio da auto-
estima. Velho é descartável [...] ninguém quer saber mais dele [...] fui um
homem respeitado [...] agora, minha filha, não vivo mais [...]. A mulher velha
fica feia [...] não gosto sequer de me olhar no espelho [...] tudo enrugado
[...] a boca caída [...] me sinto um trapo usado [...].
Risco de violência direcionada a si mesmo. Alguns dos idosos já haviam tentado
suicídio e durante a entrevista, usaram frases que expressavam claramente a
vontade de se matar.
Memória prejudicada. Sabe-se que no processo de envelhecimento normal, se a
memória não é estimulada podem ocorrer lapsos que são percebidos pelos idosos
( 2). Sabe, minha filha, eu vim aqui porque estou muito esquecido... já esqueci
o que você me perguntou agorinha [...]. Outro dia esqueci a água no fogo [...]
quando vi a panela queimou [...] minha filha quer me levar para uma casa de
idosos pois ela trabalha e está com medo de me deixar sozinha [...].
Processos de pensamento perturbados: Às vezes eu tenho dificuldade de colocar
minhas idéias [...] parece que a gente confunde tudo [...] acho que é de
memória falha [...]. Tenho um pensamento de que os outros querem me fazer mal
[...] outro dia na rua uma mulher veio atrás de mim e eu gritei com ela [...]
ela vinha me bater [...](a filha informou que era uma vizinha que havia mudado
algum tempo e estava vindo cumprimentá-las).
Enfrentamento individual ineficaz:Não consigo viver com minha filha [...]
tentei morar com ela mas a casa é diferente [...]. Estou tentando morar
sozinha, cuidar de minha casa [...] porém, a cabeça não é mais a mesma [...] as
pernas não ajudam também [...] acho que vou voltar a viver com minha filha
[...].
Ansiedade: Tenho medo de esquecer as coisas [...] toda vez que vou sair, fico
tremendo [...] tenho medo de não saber o que fazer [...]. Toda vez que preciso
ir no banco não consigo dormir na véspera [...] e se eu errar o ônibus [...] se
não conseguir subir no degrau alto [...].
4 Conclusões
A maioria dos diagnósticos refere-se a dificuldades decorrentes do processo de
"envelhecer" em um país em desenvolvimento que ainda não despertou para os
problemas decorrentes do envelhecimento populacional: problemas sociais,
despreparo de seus profissionais e falta de investimentos na prevenção. Os
diagnósticos de enfermagem identificados, na sua maioria decorrem da
impossibilidade dos idosos realizarem a contento as atividades da vida diária.
A tristeza patológica, o desânimo, a falta de perspectiva, tornam estes idosos
profundamente infelizes. Com a população do presente estudo procuramos
identificar um possível cuidador e conversamos com os enfermeiros do
ambulatório no sentido de conseguirem identificar, na comunidade, locais onde
os idosos pudessem encontrar apoio. E aos que moravam sozinhos, solicitamos um
agendamento com a assistente social.
Saber intervir frente a esses diagnósticos requer do enfermeiro, conhecimentos
e habilidades específicas além, das que caracterizam a especialidade como;
capacidade empática; envolvimento emocional e sobretudo, respeito pelo ser
humano. Assim, o enfermeiro tem um importante papel no âmbito preventivo,
preparando seus clientes jovens para esta etapa da vida.