Teoria humanística: análise semântica do conceito de community
Teoria humanística: análise semântica do conceito de community1
Humanistic theory: semantic analysis of the community concept
Teoría humanística: análisis semántico del concepto de community
Lorita Marlena Freitag PagliucaI; Antônia do Carmo Soares Campos CamposII
IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Titular do Departamento de
Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC),. Coordenadora do Projeto
Integrado em Saúde Ocular da UFC
IIEnfermeira, Maternidade Escola Assis Chateaubriand-MEAC/UFC,Doutoranda em
Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Membro do Projeto
Integrado em Saúde Ocular da UFC. E-mail do autor:pagliuca@ufc.br
1 Introdução
Toda ciência requer uma linguagem peculiar e o desenvolvimento de um corpo de
conhecimento próprio que possa ser aplicado à sua prática, sendo este expresso
em termos de conceitos e teorias. Os conceitos é que possibilitarão aos
cientistas e/ou pesquisadores categorizar, interpretar, estruturar e dar
sentido dentro da sua área específica do saber. A Enfermagem, ao longo de sua
história profissional, vem trilhando caminhos que têm possibilitado, através de
uma reflexão crítica, apoiar sua práxis em conhecimentos teórico-científicos.
Desde seus primórdios, a Enfermagem vem acumulando um corpo de conhecimentos e
técnicas empíricas e hoje desenvolve teorias relacionadas entre si que procuram
explicar estes fatos à luz do universo natural(1).
O desenvolvimento teórico da disciplina de enfermagem começou com a questão O
que é a enfermagem? E resultou em numerosas teorias que inclusive tentaram
responder à pergunta, identificando a missão e a meta da enfermagem. Isto foi
seguido pelas tentativas de metateoristas para definir a estrutura da
disciplina, as estratégias e as ferramentas para o desenvolvimento do
conhecimento. Uma fase importante que se seguiu foi o desenvolvimento de
conceito. O desenvolvimento de conceitos é uma fase significante no progresso
de uma disciplina. Processos usados no desenvolvimento de conceitos em
enfermagem receberam atenção considerável durante as últimas duas décadas do
século 20 e, em troca, o uso destas estratégias fez contribuições principais
para avançar o desenvolvimento de conceitos que refletem a natureza da
disciplina de enfermagem(2).
Os conceitos e suas definições são fundamentais à compreensão de uma teoria.
Assim é primordial que estes sejam claros e explicitados para não levar a
interpretações errôneas. É importante que um termo seja suficientemente
descrito para que a imagem que se tenta projetar torne-se mais explicita(3).
Nesse sentido, um dos desafios à práxisde Enfermagem é a necessidade de se
chegar a um denominador comum no que concerne à clareza de conceitos, visto
serem estes os alicerces das teorias. Muitos são os referenciais teóricos que
norteiam a prática profissional, seja na assistência, na pesquisa ou no ensino,
sendo estas construções teóricas embasadas em conhecimentos de outras
disciplinas, como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia e a Filosofia, a
exemplo da Teoria Humanística de Enfermagem(4,5), que recebeu forte influência
filosófica e fenomenológica de vários pensadores, tendo como conceitos básicos
o diálogo, a comunidade e a enfermagem fenomenológica. Dentre estes o conceito
de comunidade suscita maior clareza ante a amplitude de significados a si
atribuídos.
Considerando a real necessidade de discernir a natureza do termo comunidade
dentro do contexto em que é utilizado pelas teóricas, para que haja melhor
compreensão e aplicabilidade pelos enfermeiros que utilizam a referida Teoria,
entendemos que uma forma de contribuir para o corpo de conhecimento da
Enfermagem e suscitar outros debates acerca do tema seja uma análise crítica e
reflexiva sobre o referido conceito.
Partindo dessa compreensão, fomos motivadas a recortar um dos Modelos de
Análise de Teorias(2)para embasar este estudo que objetiva refletir
criticamente acerca da clareza semântica do conceito de comunidade, como é
definido na Teoria Humanística de Enfermagem, por entendermos que em algumas
situações descritas este conceito é mais bem representado pelo termo comunhão.
2 Trajetória e caráter do estudo
Trata-se de um estudo bibliográfico embasado na literatura, que propicia o
exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões
inovadoras(6). Desenvolvido no primeiro semestre de 2003 em Fortaleza-CE. Seu
foco de análise centra-se na clareza semântica dos termos comunidade e comunhão
mediante uma reflexão crítica na Teoria Humanística de Enfermagem(4,5) com a
utilização do Modelo de Análise de Teorias de Meleis(2),no qual a autora faz um
resgate histórico do progresso da Enfermagem, focaliza os diversos caminhos
possíveis através dos quais as teorias podem ser consideradas e analisadas e
propõe um modelo de descrição, análise, crítica e teste da teoria. Este modelo
pode ser utilizado como um todo ou em partes para analisar teorias.
Fundamentamo-nos no que assinala a autora, que define análise como um processo
de identificação de partes e componentes para examiná-los em relação ao número
de critérios identificados, sendo que este processo inclui a análise de
conceitos e de teoria(2).Recortamos desse modelo o segmento componentes
estruturais e a seguir destacamos a unidade análise do conceito que, segundo a
autora, é um processo útil para o ciclo de desenvolvimento e avaliação da
teoria. A análise de conceito pode acontecer em muitos pontos diferentes no
processo de avaliação e desenvolvimento.
O processo de análise de conceito inclui análise semântica, análise de
derivação lógica e análise de contexto do conceito(2). Elegemos como foco dessa
pesquisa a análise semântica, em termos de clareza atribuída aos conceitos
comunidade e comunhão, e para tal, realizamos consulta a diversos dicionários
para apreender o significado dos termos propostos, bem como à literatura
específica na área de lingüística e equivalência semântica na classificação de
fenômenos de Enfermagem(7).
Para maior embasamento teórico, realizamos uma leitura compreensiva da Teoria
Humanística de Enfermagem(4,5) no idioma original, inglês, e da tradução na
língua hispânica. A seguir selecionamos e recortamos trechos onde aparecem os
termos citados, efetuando a substituição de communitypor comunhão e/ou
comunidade para buscar a compreensão e os significados lingüísticos atribuídos
aos conceitos em termos de clareza semântica.Na fase seguinte que compõe o
processo de análise, consideramos a obra de Martin Buber(8) haja vista, sua
influência filosófica e fenomenológica na referida Teoria.
3 O Modelo de Análise de Teorias proposto por Meleis(2)
As enfermeiras sempre avaliaram as teorias, para utilizá-las na prática, no
ensino, no desenvolvimento de currículo, para operacionalizar a pesquisa ou
utilizar cotidianamente em suas decisões de trabalho. Estas avaliações podem
ser intencionais, sistemáticas, embasadas em critérios objetivos conscientes e
elaboradas para aperfeiçoamento, ou podem ser subjetivas, experimentais,
rápidas e baseadas na limitação de um conjunto de critérios(2).
Todos os tipos de avaliação são essenciais, nenhum é suficiente para refletir
sobre si mesmo. Por várias razões, a avaliação de teoria é um componente
essencial para a prática da enfermagem no desenvolvimento do conhecimento.
Estas razões podem ser para decidir que teoria é mais apropriada; identificar
teorias eficazes; comparar e constatar diferentes explanações; avaliar opiniões
ontológicas; para a Enfermagem ter uma estrutura de trabalho e/ou para ser um
consumidor crítico de teorias. A decisão de utilizar uma ou outra teoria
envolve um processo objetivo e subjetivo, ambos importantes. Esses critérios
oferecem melhor entendimento da escolha da questão central da teoria,
objetivos, fenômeno e as estratégicas para o desenvolvimento da teoria. Esses
critérios também aguçam estágios para a crítica(2).
Na análise da teoria, são avaliadas variáveis importantes que podem influenciar
o desenvolvimento da teoria e as suas estruturas. Consoante a autora, uma
análise compreensiva da teoria inclui considerações cuidadosas sobre as
seguintes unidades de análise: o teórico (a) com relação à experiência
profissional, rede profissional; contexto sociocultural. Sobre as origens
paradigmáticas, no que concerne a referências bibliográficas, citações,
conceitos proposições, hipóteses; e ainda das dimensões internas no que se
refere a: base lógica, sistema de relações, conteúdo, extensão, meta,
abstrações e método(2) .
A estrutura interna de uma teoria poderá estar mais bem descrita através do
delineamento dos conceitos onde a teoria é construída, sendo as propriedades
descritivas usadas em relação aos conceitos: clareza, definição, propriedades
observadas, limitações. Os conceitos também são descritos como sendo:
primitivos - conceitos que são originados dentro da própria teoria; derivados -
conceitos derivados de outras teorias, são também considerados primitivos. Os
conceitos podem ser avaliados nas seguintes dimensões: abstratos e concretos e
nas variáveis gerais e não variáveis. O grau de generalidade é que define.
Quanto mais geral é o conceito, mais ele transcende no tempo e no espaço e
maior é o nível de abstração(2) .
Em relação a analise funcional, o foco recai sobre as suposições, proposições e
conceitos. O processo de análise de conceito inclui análise semântica, que é
análise de significados lingüísticos do rótulo dado ao conceito; análise de
derivação lógica, que é a progressão lógica de identificar, apoiando, e
etiquetar um conceito; e análise de contexto do conceito que inclui as
condições debaixo das quais conceito é manifestado.
Importante, também, é a crítica da teoria, definida como exame ou estimativa de
uma coisa ou situação,com vistas a determinar sua natureza e limitações ou suas
conformidades com os padrões.Muitos critérios são essenciais na crítica da
teoria:o relacionamento entre estrutura e função, o diagrama, o círculo de
contágio, a utilidade e componentes externos(2). A crítica da estrutura e
função, uma das unidades de análise, se refere à clareza que é definida como
uma contínua avaliação de altos e baixos. Denota precisão das limitações, se o
conceito segue uma lógica, se há nitidez dos significados.
Ter clareza nos conceitos é ter definição teórica e operacional, que é
consistente em toda teoria. Se são apresentados de uma maneira parcimoniosa, se
são consistentes com as suposições e proposições da teoria. Questões como: os
conceitos são operacionalmente definidos? Os conceitos aparentam ter validação
do conteúdo e do construto? Ajudam a determinar a clareza do conceito?
Propositadamente, a clareza é manifestada com uma apresentação lógica e
coerente das proposições e ligações entre os conceitos e teorias(2) .
Conceitos são blocos da construção das teorias e os fundamentos de cada
disciplinam. São razões do progresso da disciplina de Enfermagem, mensurando a
dimensão com os membros da disciplina, que são capazes de descobrir e
desenvolver conceitos que refletem a relação do fenômeno para o cuidado de
Enfermagem(2).
4 Revisão de literatura - Análise crítica da Teoria Humanistica
A Teoria Humanística de Enfermagem, publicada em 1976, por enfermeiras, ambas
professoras norte-americanas, descrevem o que se denomina prática humanística
de Enfermagem. As autoras acreditam que a teoria de uma ciência em Enfermagem
se desenvolve a partir das experiências vividas pelo enfermeiro e pela pessoa
que recebe o cuidado(9).
Na década de 1960, as teóricas, preocupadas com questões relacionadas a
situações profissionais e clínicas de Enfermagem e seus significados para a
existência humana, buscaram, através do diálogo franco e aberto junto a um
grupo de enfermeiras que concluíam seus estudos e já atuavam em hospitais,
refletir, analisar e questionar suas experiências no âmbito profissional para
identificar fenômenos relevantes para a Enfermagem.
As teóricas referem que, através da reflexão, chegaram a considerar, descrever
e distinguir esses diálogos como lutas com, e não contra idéias dos outros.
Comunicam suas idéias, ao mesmo tempo em que estão abertas às perguntas dos
outros, esforçando-se para esclarecer e verdadeiramente comunicar e questionar
a si próprias e aos outros(4,5).
Não há uma maneira simples para definir a essência da Enfermagem humanística,
visto que sua preocupação centra-se nas experiências fenomenológicas dos seres
humanos. Suas raízes acham-se no pensamento existencialista. O existencialismo
é uma abordagem filosófica, segundo a qual os indivíduos têm a possibilidade de
livre escolha e, a partir dessa escolha, determinam a direção e o significado
de sua existência(9).
A Enfermagem humanística ou fenomenológica evolui a partir da motivação de que
a Enfermagem humanística deriva da Psicologia humanística. A forte influência
que a teoria recebeu das obras literárias de psicólogos humanistas,
fenomenologistas e existencialistas, como Marcel, Niestzsche, Hesse, Chardin,
Bergson, Jung e Buber, é marcante e bastante clara em seus trabalhos.
Humanistic Nursing (1988)é o resultado de anos de experiência em enfermagem
clínica, na reflexão e exploração destas experiências, retratando como foram
elas vividas com clientes psiquiátricos, estudantes, enfermeiras e outros
profissionais que prestam auxílio(9).
A pergunta central para as autoras era: como as enfermeiras e os pacientes
interagem? E como podem as enfermeiras desenvolver a base de conhecimento para
as situações de enfermagem? Porque elas entendem que essas situações
experenciadas por ambos são os constituintes da ciência da Enfermagem(2).
A teoria da prática de Enfermagem humanística, de acordo com as teóricas,
propõe concretamente que as enfermeiras abordem a Enfermagem consciente e
deliberadamente como uma experiência existencial. Sendo a Enfermagem uma
experiência-existência que se vive entre seres humanos, é necessário que se
reconheça cada ser humano, existindo singularmente em sua situação, lutando e
diligenciando com seus companheiros para sobreviver e chegar a ser, para
confirmar sua existência e entender seu significado(4-5).
Na fenomenologia combinada com o humanismo em uma abordagem existencial-
fenomenológica-humanista, há reverência à vida que valoriza a necessidade de
interação humana, para que se determine o significado originário do indivíduo
ser-no-mundo(9).
Entre os pensadores que inspiraram as teóricas, destaca-se o filósofo e rabino
Martin Buber, como aquele cujas idéias existencialistas e humanistas
influenciaram diretamente as autoras. Referido filósofo traz um pensamento no
qual percebemos a atualidade marcante em suas reflexões, que se fundamenta no
vigor com que suas reflexões tornam possíveis novas análises e no
comprometimento deste pensamento com a realidade concreta e a experiência
vivida, ou seja, ocupa-se do que é mais característico do homem: sua
humanidade. O fato primordial de seu pensamento é a relação, o diálogo na
atitude existencial da face a face.
Esse pensamento sobre os tipos de relação mostrou-se relevante para a prática
de Enfermagem humanística ao focalizar a interação humana, no mundo vivido,
criando as palavras princípio: EU-TU, EU-ISSO e NÓS(10).
As teóricas(4,5) descrevem características especiais derivadas da fenomenologia
existencial(7). A primeira diz respeito ao relacionamento EU-TU, marcada pelo
diálogo intuitivo e intersubjetivo que acontece quando um ser humano se envolve
com o outro. Nessa relação sujeito-sujeito, cada um reconhece a singularidade
do outro, e oferece ao outro a presença autêntica. Para as autoras, a
autenticidade envolve respostas auditivas, olfativas, orais, visuais, táteis e
sinestésicas, cada uma conferindo um significado singular à consciência do
outro.
A segunda característica, EU-ISSO, compreende a relação sujeito-objeto. Embora
guarde semelhança em como as pessoas interagem com os objetos, porém um objeto
é aberto à investigação, enquanto o ser humano como objeto pode dar-se a
conhecer ou obstaculizar esse conhecimento. Finalmente, a terceira
característica, a relação NÓS, é o fenômeno da comunidade ou comunhão. É o
momento em que as pessoas se unem e lutam por um objetivo comum.
5 A Teoria Humanística de Enfermagem e seus principais conceitos
Na Enfermagem, como em qualquer outra ciência, os conceitos são significativos,
sendo os que mais influenciam ou determinam sua práxis: o homem/indivíduo; a
sociedade/ambiente; a saúde e a Enfermagem, sendo o indivíduo o centro dessa
prática. Estes conceitos vêm sendo mencionados por vários enfermeiros desde
Nightingale. Esses conceitos podem ser identificados por quatro conceitos do
metaparadigma da Enfermagem: a pessoa da qual a Enfermagem cuida; o meio
ambiente no qual a pessoa vive; o continuum saúde-doença, no qual a pessoa
interage com o enfermeiro e, finalmente, as ações de Enfermagem em si(11) .
Na teoria da prática de Enfermagem humanística, o ser humano é visto a partir
de sua individualidade, mas necessariamente relacionado com outros seres
humanos, no tempo e no espaço. A saúde é considerada como uma questão de
sobrevivência, como uma qualidade de vida ou morte, através do potencial que os
indivíduos possuem para o bem-estar e o estar melhor. Enfermagemé vista dentro
do contexto humano; uma resposta confortadora de uma pessoa para outra em um
momento de necessidade, que visa ao desenvolvimento do bem-estar e do vir-a-ser
(4,5).
O processo de relação caracteriza a profissão do enfermeiro, na qual um ser
humano ouve atentamente o outro com o objetivo de lhe prestar ajuda. Na teoria
humanística, o potencial dos seres humanos é amplamente valorizado e, em lugar
de tentar suplantar outras visões, volta-se para suplementá-las(10).
Assim, no cotidiano da Enfermagem, teoria e prática não existem separadamente;
ao contrário, se entrelaçam de forma articulada e harmoniosa para direcionar o
fazer da Enfermagem. O modo como o ser-enfermeiro faz uso dessa teoria, que
está tão intimamente articulada à sua práxis em resposta ao conhecimento e à
necessidade do ser-cuidado, constitui não só a ciência, mas reflete a arte da
Enfermagem.
A teoria e a prática da Enfermagem Humanística dependem da experiência,
conceituação, participação e do ponto de vista particular de cada enfermeira em
relação a sua visão de mundo e da Enfermagem(4,5). Com base nesta visão, as
teóricas sugerem três conceitos que são a base da Enfermagem humanística: o
diálogo, a comunidade e a Enfermagem fenomenológica.
A Enfermagem é um diálogo vivo. Trata-se da enfermeira e do paciente,
relacionando-se de modo criativo. Envolvidos nesse diálogo, estão o encontrar-
se, o relacionar-se e o estar-presente; uma chamada e uma resposta, que
constituem uma indicação da natureza complexa do diálogo vivo. O termo diálogo,
como é empregado, tem um significado que transcende o conceito atribuído pelo
dicionário, como a conversa entre duas ou mais pessoas. O diálogo tem um
sentido existencial, uma forma de relação intersubjetiva, na qual um indivíduo
distinto e único se relaciona com outro.
O encontro é a reunião de seres humanos e caracteriza-se pela expectativa de
que haverá uma enfermeira e um alguém a ser atendido. A Enfermagem é um tipo
especial e particular de encontro, porque tem uma finalidade. Paciente e
enfermeira têm um objetivo e uma expectativa.
O relacionar-se se refere ao processo de a enfermeira estar com o outro
oudesempenhar um com o outro. Os seres humanos relacionam-se como sujeito-
objeto, quando utilizam e conhecem outros através de abstrações, conceituações,
rótulos ou categorizações; e também como sujeito-sujeito, que ocorre quando
duas pessoas se acham reciprocamente abertas, totalmente humanas. A relação EU-
TU enseja esse potencial único. Ambas as relações são elementos integrantes da
Enfermagem humanística.
A presença é a qualidade de estar aberto, receptivo, pronto, disponível para a
outra pessoa de modo recíproco.
A presença efetiva é a condição para que ocorra um diálogo genuíno.
As ações visíveis, não necessariamente significam presença, pois esta
não pode ser demonstrada. No entanto, esta pode revelar-se sutilmente
pelo olhar, pelo toque ou pelo timbre de voz(4:5).
As autoras fazem uma analogia filosófica da descrição de Platão, que retrata a
comunidade como um macrocosmo, sendo sua natureza condicionada à classe de
homens, o microcosmo, que a compõe. Para as teóricas, a comunidade é
considerada um macrocosmo, sendo a Enfermagem um microcosmo. Cada enfermeira
pode diferenciar-se, entre si, como um microcosmo. Da união de ambos, resulta o
progresso comum. A Enfermagem humanística ocorre e está influenciada pela
comunidade. O macrocosmo, a comunidade, refletiria a qualidade da presença da
enfermeira, e o microcosmo, a enfermeira, reflete a qualidade da presença da
comunidade para com ela(4-5).
A Metodologia da Teoria Humanista de Enfermagem como proposta pelas teóricas é
composta por cinco fases:
Preparação da capacidade de conhecer da enfermeira para vir-a-conhecer. Nesta
primeira fase, acontece a preparação da enfermeira cognoscente para conhecer.
Essa preparação intelectual é derivada de introspecção, diálogo e leituras de
obras literárias de autores de renome com diferentes visões e descrições da
natureza.
A enfermeira conhece o outro intuitivamente. Esta etapa compreende o
conhecimento intuitivo, exige estar dentro do outro, no ritmo das experiências
do outro, o que resulta em um conhecimento especial e inexpressável; esse
conhecimento intuitivo supõe a relação EU-TU, pressupondo, ainda, estar aberto
ao significado das experiências do outro.
A enfermeira conhece cientificamente o outro. O fenômeno é visto por vários
aspectos. A enfermeira analisa, considera o relacionamento entre os
componentes, sintetiza temas e exemplos e em seguida interpreta sua visão
seqüencial da realidade vivida através de símbolos.
Uma síntese complementar dos outros. Envolve o relacionar, o comparar e o
contrastar aquilo que ocorre nas situações de Enfermagem para ampliar a
compreensão própria acerca da Enfermagem. A enfermeira compara e sintetiza as
múltiplas realidades conhecidas e chega a uma visão ampliada.
A seqüência no íntimo da enfermeira, dos vários ao único paradoxal. Nesta
quinta etapa, a enfermeira inicia seu conhecimento por uma noção geral, algo
intuitivamente captado; depois o estuda, compara, contrasta e sintetiza, de
modo a chegar a uma verdade que é significativamente pessoal, embora tenha um
significado geral. Este é o paradoxo.
Análise etimológica e claridade semântica dos conceitos de comunidade e
comunhão
Para buscar a compreensão dos conceitos que embasam a Teoria Humanística de
Enfermagem pesquisamos em diversos dicionários o significado de comunidade e
comunhão, dos quais selecionamos cinco que são apresentados no quadro a seguir.
Etimologicamente, semântica, do grego semantiké, é definida normalmente como
estudo do significado dos signos ou teoria da significação. Entretanto, o autor
nos chama a atenção para o fato de que essa definição é muito genérica para ser
satisfatória. Não explica, por exemplo, qual é a unidade lingüística cujo
significado a semântica estuda, não se sabe, através desses conceitos, se ela
se debruça sobre o morfema, a palavra, a frase ou o texto. Para conceituar
semântica de maneira satisfatória, é, necessário percorrer, ao menos
rapidamente, a história do seu desenvolvimento(17).
Este termo foi utilizado em fins do século XIX por Michel Bréal para designar o
estudo do sentido. Esse lingüista estabeleceu que o objetivo desse ramo do
conhecimento era investigar as mudanças de sentido das palavras a fim de
determinar os mecanismos que regulam essas alterações. Instituiu ele os
fundamentos de uma semântica diacrônica, valendo-se dos conceitos desenvolvidos
pela retórica clássica e pela estilística (17) .
Etimologicamente, o termo comunidade, do inglês (community),espanhol
(comunidad),francês (communauté), italiano(comunitá),deriva do latim
(communitãte), é conceituada como conjunto de pessoas com vida em comum debaixo
de certas regras, em um lugar por elas habitado. Enquanto que o termo comunhão,
do inglês (communion), espanhol (comunión),francês (communion),italiano
(comunione) deriva do latim (communiõne) e é definido como união de idéias,
opiniões e de sentimentos. Cabe, portanto, considerar comunhão o subtendido no
discurso O espírito não está no Eu mas entre o Eu e o Tu (...) o homem vive no
espírito na medida em que pode responder ao seu Tu. Ele só é capaz disso quando
entra na relação com todo o seu ser(8).
Para fundamentar nossa tese, após leituras sucessivas e recortes de trechos
onde aparece a palavra communityesta foi substituída pelas palavras comunidade/
comunhão. A releitura do texto assim reescrito permitiu inferir que comunidadee
comunhãosão termos diametralmente opostos. Comunidade está implicitamente
ligada ao espaço físico emque se processa o encontro, enquanto que comunhão
está na esfera do intersubjetivo. É possível estar em comunhão com o outro ser
em comunidade, independente do ambiente que esse encontro venha a ocorrer, no
entanto estar em comunidade não implica estar em comunhão. O exemplo do quadro
apresentado a seguir ilustra a síntese da análise procedida este estudo.
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6 Buscando a compreensão dos conceitos de comunidade e comunhão à luz da
semântica
Na pesquisa realizada em obra da Sociologia, há referência que um dos termos
bastante controvertidos que veio a ter uma grande variedade de significados é
comunidade. Este termo é empregado às vezes como sinônimo de sociedade, cidade,
vizinhança, inclusive em expressões como Comunidade católica, Comunidade negra
para designar, nas grandes cidades, certa categorias sociais sem coesão. Uma
palavra que é rodeada de significados múltiplos e imprecisos requer,
naturalmente, uma cuidadosa definição técnica: comunidade é um grupo
territorial de indivíduos com relações recíprocas, que se servem de meios
comuns para lograr fins comuns. Uma comunidade é essencialmente "ligada ao
solo" no sentido de que os indivíduos vivem permanentemente numa dada área e
funcionam conjuntamente nos principais assuntos da vida. A comunidade é
considerada sempre em relação ao meio físico(18).
Ainda em relação à semântica, encontramos resultados de pesquisa desenvolvida
por enfermeiras que procederam à equivalência semântica dos fenômenos
constantes na CIPE-Classificação de Fenômenos de Enfermagem-versão Alfa,
objetivando definir uma linguagem universal da prática de Enfermagem. O estudo
constou de três etapas: tradução e classificação dos fenômenos de Enfermagem em
inglês para língua portuguesa, por um bilíngüe, incluindo revisão, correção e
modificações por outro bilíngüe e uma revisão final por um expert; back-
translationfeita por outro elemento bilíngüe; revisão e modificação da back-
translation por um grupo de expertsna área da Enfermagem e finalmente a
verificação da equivalência semântica dos fenômenos das duas versões,
classificando os títulos e as definições como tendoexatamente o mesmo
significado, quase o mesmo significado e significado diferente(7).
Entre os conceitos analisados, encontramos comunidade,definida como um fenômeno
de enfermagem pertencente ao meio ambiente humano, com a seguinte
característica específica: ação que mantém funcionando todas as pessoas de um
distrito, cidade ou área geográfica particular. Observamos que o conceito de
sociedade, no mesmo estudo, assemelha-se ao conceito de comunidade. Portanto um
fenômeno físico e não intersubjetivo como o conceito de comunhão.
Voltando a nossa visão para as citações selecionadas da Teoria em estudo,
constatamos que, ao procedermos à substituição do termo comunidade por
comunhão, em alguns segmentos da Teoria, podemos vislumbrar o fenômeno da
verdadeira comunhão, o face-a-face, a sutileza do olhar, a plenitude do
encontro, a beleza singular que só pode ser contemplada como referido na
seguinte citação:
Aquele que habita e contempla no amor, os homens se desligam do seu
emaranhado confuso próprio das coisas; bons e maus, sábios e tolos,
belos e feios, uns após outros, tornam-se para ele atuais, tornam-se
TU, isto é, seres desprendidos, livres, únicos, ele os encontracada
um face-a-face(8)
Constatamos que o conceito comunidade carece de maior clareza semântica para
uma melhor compreensão do seu real significado. Este fato nos faz acreditar
que, para as teóricas, os termos se equivalem, ou seja, community é utilizado
tanto para designar o fenômeno da comunidade, como sendo um espaço geográfico
onde pessoas com interesses comuns se reúnem e lutam por seus objetivos, e
comunhão como sendo união de idéias, opiniões, sentimentos. No entanto, para
nós, ambos os termos têm sentidos divergentes, portanto necessitamos utilizar
os dois termos para expressar o fenômeno, dependendo da sua natureza.
7 Tecendo algumas Considerações Finais
A análise realizada dos conceitos de comunidade e comunhão da Teoria
Humanística de Enfermagem nos conduziu a reflexões acerca da importância e
pertinência da clareza semântica dos conceitos que embasam uma teoria.
Assim, corroboramos a idéia dos autores quando referem que a clarificação e
diferenciação sistemática de conceito são críticas para o avanço do
conhecimento e o desenvolvimento de disciplinas científicas, sendo pré-
requisito para a evolução da teoria e necessário para uma comunicação clara e
precisa entre os membros da disciplina(19).
O Modelo de Análise de Teorias utilizado, apesar de sua complexidade,
contribuiu sobremaneira para o objetivo proposto, possibilitando uma visão
ampliada da Teoria analisada, o que nos permitiu chegar a algumas conclusões
acerca de um dos seus principais conceitos.
Consideramos que,embora as teóricas utilizem o termo comunidade para designar
alguns fenômenos que para nós estariam mais bem representados pelo termo
comunhão como um dos conceitos da teoria, este pode ser apreendido em sua
plenitude como a perfeita união das palavras princípio EU-TU originando o NÓS
como resultante do diálogo, do encontro do relacionamento e da pre-sença
autêntica que, consoante as teóricas, se revela através da sutileza do olhar, o
timbre da voz, do toque, isto porque, as ações visíveis não necessariamente
significam presença(4,5).
Assim, acreditamos que, mesmo não estando explicitado o termo comunhão,a
exemplo da presença genuína, se desvela e permeia as ações da enfermagem
humanistica, considerada como um diálogo vivo, nos chamados e respostas, na
relação inter-humana direcionada a nutrir o bem-estar e o estar melhor do ser
humano sendo que esta relação se encontra presente nas fases da enfermagem
fenomenológica.