Perfil das trabalhadoras de enfermagem com diagnóstico de LER/DORT em Salvador-
Bahia 1998-2002
PESQUISA
Perfil das trabalhadoras de enfermagem com diagnóstico de LER/DORT em Salvador-
Bahia 1998-2002
Profile of nursing workers with RSI/WRMD diagnosis in Salvador-Bahia in 1998-
2002
Perfil de las trabajadoras de enfermería con diagnóstico de LER/DORT en
Salvador-Bahia 1998-2002
Claudete Dantas da Silva VarelaI;Silvia Lúcia FerreiraII
IEnfermeira. Mestranda do Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia- EEUFBA, área de concentração em Enfermagem na
Atenção à Saúde da Mulher
IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Comunitária
(DECOM) da EEUFBA. Pesquisadora do Grupo de Estudos da Mulher (GEM) e do Núcleo
de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM)
E-mail do autor: silviaf@terra.com.br
1 Introdução
A reestruturação dos meios de produção em decorrência da globalização da
economia têm levado a precarização das condições de trabalho. Como efeito, os
trabalhadores sofrem com o desemprego e os fatores de risco gerados a sua
saúde.
Observamos que os índices de desemprego são elevados nesses últimos anos, assim
como a informalidade e as taxas de precarização. Essas transformações no
trabalho apresentam inúmeros desafios para a classe trabalhadora e em especial
para a categoria de enfermagem. Com essas mudanças, são observadas
fragmentações do trabalho, através de mecanismos como as subcontratações a
exemplo da terceirização e da introdução de novas tecnologias, a robótica e a
automação dos serviços. Como resultado imediato presenciamos a precariedade das
condições objetivas e subjetivas do trabalho, o que tem proporcionado impacto
na classe trabalhadora modificando a sua forma de ser.
Em referência a automação dos serviços, fala-se da introdução de novas
tecnologias de informações que exigem um(a) trabalhador(a) com alto grau de
polivalência, qualificado tanto no grau de educação inicial, como na capacidade
e na autonomia(1).
Enfoca assim, que as conseqüências dessa revolução para as sociedades, os
grupos sociais e os indivíduos não estão pré-determinadas, dependem das
estratégias organizacionais e das decisões políticas(1). A submissão ao capital
vai tornar o(a) trabalhador(a) inseguro(a) e mais competitivo(a) no mercado de
trabalho que exige produtividade, qualificação profissional, reduz garantias e
direitos trabalhistas, elevando assim, as tensões sociais gerando ansiedade,
angústia e medo e, consequentemente, as doenças ocupacionais.
Entre essas doenças, as Lesões por Esforços Repetitivos (LER/DORT) se destacam
configurando-se como uma doença que questiona paradigmas e práticas na área de
saúde do(a) trabalhador(a), pois ao mesmo tempo em que se apresentam como uma
doença nova já era velha conhecida da medicina conforme citação de Bernardino
Ramazzini em 1700; sendo entendida à luz das sucessivas modificações dos
processos e das relações de trabalho ao longo da história.
Os danos à saúde dos(as) trabalhadores(as) são percebidos quando se analisam as
mudanças no perfil de morbidade. Além das epidemias conhecidas como as
pneumoconioses, entre outras, vemos atualmente a expansão dos casos de LER/
DORT.
A tenossinovite, tendinite, bursite, epicondilite, síndrome do túnel do carpo e
cervicalgia estão entre as maiores responsáveis pelos afastamentos do trabalho
na população com menos de 40 anos e em particular as mulheres (2). Essas
mulheres têm desenvolvido trabalhos repetitivos e monótonos, destituídos de
conteúdo intelectual, mesmo que representem 40% da população economicamente
ativa brasileira.
Analisando a correlação entre os fatores causais das lesões de membros
superiores, hoje se acredita que as mulheres costumam ter mais lesões por
esforços repetitivos nesses membros do que os homens (3). Essa constatação está
em diversos trabalhos, variando os índices de 78,9% a 87,0% no país(2).
O ritmo de trabalho, a busca da qualidade, a repetitividade, o controle do
horário para as refeições, as duplas jornadas de trabalho, a pressão da chefia,
as posturas inadequadas, o esforço físico, são alguns dos fatores que
contribuem para a incapacidade ou limitações nas mulheres, transformando as
suas vidas e consequentemente levando a uma incidência maior dos casos de LER/
DORT. Neste contexto estão inseridas as trabalhadoras de enfermagem.
Dentre os diversos campos da atividade humana, o trabalho de enfermagem
representa um tradicional reduto histórico feminino, já que o objeto principal
é o cuidado, tradicionalmente exercido e aperfeiçoado pelas mulheres. A
institucionalização da profissão (enfermagem moderna) realizada por uma mulher,
Florence Nightingale, só reafirmou esta tendência no mundo moderno do trabalho
já que nessa longa trajetória, as mulheres sempre estiveram majoritariamente
presentes.
As trabalhadoras de enfermagem representam atualmente, um percentual importante
de mulheres na força de trabalho em saúde, apesar de estar acontecendo no
setor, um processo de "feminização" de algumas profissões de nível superior,
onde predominava a mão-de-obra masculina. Em que pese o processo de feminização
das profissões de saúde como medicina e odontologia(4-6).
Dados recentes confirmam uma carga horária maior associada ao multiemprego, das
trabalhadoras de enfermagem refletindo o esforço dessas trabalhadoras em
perceber um salário melhor, principalmente as que trabalham nos serviços
públicos estaduais(7).
Essas trabalhadoras pouco sabem a respeito da sua doença e quando sabem, por
medo de perder o emprego não procuram ajuda de imediato nas unidades de saúde o
que leva o diagnóstico a ser confirmado as vezes tardiamente, podendo resultar
em uma incapacidade de caráter permanente ou limitação dos movimentos tornando
difícil a execução das atividades. Em geral as doenças ocasionadas pelo
trabalho são percebidas quando já estão em estágio avançado. È comum, na fase
inicial os sintomas se confundirem com outras doenças o que também dificulta o
diagnóstico, e uma conseqüente subnotificação.
No Brasil é muito difícil dimensionar a problemática da subnotificação dessas
doenças, devido à insuficiência dos registros. Dados oficiais apontam para um
crescimento estimável delas e dos acidentes de trabalho, mas sabe-se que o
subregistro é expressivo nessa área. Acredita-se que esses números não dizem a
realidade sobre as doenças e acidentes ocupacionais no Brasil.
As notificações dessa enfermidade apesar de serem insipientes, causam
preocupação aos órgãos de controle ligados aos trabalhadores do Brasil e do
mundo. No País embora não existam dados que apontem de forma oficial a
magnitude desta patologia, o DATAPREV (Empresa de Processamento de Dados da
Previdência Social) registrou em Minas Gerais, em 1999, cerca de 4.756 casos de
benefícios por LER, chegando as aposentadorias por invalidez a um total de 700,
no mesmo período(8).
Na Bahia, só a partir da década de 90, é que as LER assumem uma relevância
crescente nas estatísticas de doenças profissionais, superando em incidência a
surdez profissional e a intoxicação por benzeno. Em 1991, o Centro de Estudos
de Saúde do Trabalhador (CESAT) registrou 4,2% de casos de LER diagnosticados.
Esse número aumentou para 60% em 1996 e em 2000, permanecendo a LER/DORT
liderando as estatísticas relativas as doenças ocupacionais.
O Centro de Estudo de Saúde do Trabalhador, é uma unidade da Secretaria de
Saúde do Estado da Bahia - SESAB, fundada em 1988, sua finalidade é realizar
pesquisas e estudos sobre a relação entre o trabalho e a saúde do trabalhador
em todo o Estado. O seu quadro funcional é composto de uma equipe de diversas
áreas, o que resulta em um trabalho multidisciplinar do entendimento específico
de cada profissional.
Este estudo teve por objetivo analisar o perfil das trabalhadoras de enfermagem
(enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem), com diagnóstico de LER/DORT
atendidas no CESAT de 1998 a 2002.
2 Metodologia
Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, onde foram avaliados os dados
referentes às trabalhadoras de enfermagem com diagnóstico de LER/DORT atendidas
no Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador (CESAT), no período de 1998-2002.
Utiliza-se como fonte, dados secundários coletados nos prontuários das
trabalhadoras de enfermagem atendidas no Ambulatório do CESAT, empregando-se um
roteiro previamente elaborado, onde se priorizam dados sócio-demográficos
(idade, escolaridade, situação conjugal) história ocupacional (ocupação, outro
emprego, turno de trabalho, renda mensal e esforço físico no trabalho, vínculo
empregatício, tempo de trabalho, tipo de atividades) dados ligados ao lazer e a
vida social.
3 Análise e discussão dos resultados
Do total de prontuários consultados, foram encontradas 79 trabalhadoras de
enfermagem com diagnóstico confirmado de LER/DORT, distribuídos nos cinco anos
em que se procedeu à análise. Com exceção do ano 2000, identifica-se um
decréscimo no número de atendimentos. É possível que este decréscimo, se deva a
uma maior conscientização sobre os aspectos do trabalho que propiciam o
aparecimento das LER/DORT.
Comparando-se a faixa etária das trabalhadoras de enfermagem estudadas,
observa-se na Tabela_2, uma concentração maior nas faixas de 30 a 49 anos.
Também foi identificado dentre estas, um expressivo número de mulheres casadas.
Tabela_3
A ocupação que mais se destacou nos dados, foi a de Auxiliar de Enfermagem
(74), em seguida um número pouco expressivo de Enfermeiras (4) e Técnicos de
Enfermagem (1). Essa força de trabalho é absorvida pelo setor saúde, que tem
assumido políticas próprias ao seu crescimento. O numero reduzido de
enfermeiras encontrado com este diagnóstico é justificado em função do papel da
enfermeira decorrente da divisão técnica no trabalho em saúde, onde esta ocupa
geralmente a função de coordenadora e supervisora de tarefas de profissionais
de menor qualificação. Tais funções ao se constituírem como de maior conteúdo
intelectual, as distancia em alguns contextos, do trabalho manual. Há também,
em conseqüência disto, um número de enfermeiras proporcionalmente menor
comparado com o de auxiliares.
Tabela_5
O nível de escolaridade predominante dentre as trabalhadoras de enfermagem com
diagnóstico confirmado está coerente com o nível de auxiliares de enfermagem.
Há predominância na faixa de renda de 5 a 6 salários mínimos. Com a inserção da
mulher no mercado de trabalho houve um aumento da renda familiar, o que tem
contribuído para as despesas da família. No Brasil 25% das mulheres são chefes
de família.
Identifica-se que 77,22% das entrevistadas estão empregadas. Muitas
trabalhadoras permanecem no trabalho ainda que sofrendo por medo de perder o
emprego. Além das conseqüências econômicas da situação de desemprego, a
trabalhadora empregada teme a discriminação.
As mulheres aposentadas por invalidez ou redução da capacidade funcional têm
tendência a desenvolver um quadro depressivo dificultando o seu tratamento.
Tabela_7
Foi constatado que dentre as trabalhadoras, 44 trabalham em regime de turno e
35 em horário administrativo. Para ambos os horários há a possibilidade de
acomodação de dois vínculos empregatícios, duas fontes de renda onde um cenário
de desemprego e baixo salários é uma constante. Conciliar o emprego com as
demandas familiares, de cuidados de casa e dos filhos também explica essa
opção. Segundo avaliação das trabalhadoras acerca da organização do trabalho,
destaca-se que em relação ao trabalho noturno implica em um ritmo acelerado sem
pausas suficientes para a recuperação física e mental e sem oportunidades de
conversar com todos os pacientes, o que sugere um certo grau de isolamento
social.9
Ao término de uma jornada de trabalho uma minoria de trabalhadoras retornam ao
lar para recuperar-se do cansaço de um turno de trabalho onde normalmente outro
turno a espera: o trabalho doméstico. Essa sobrecarga de trabalho contribui
para o adoecimento da trabalhadora.
Tabela_8
Das 79 trabalhadoras de enfermagem atendidas ao longo dos 5 anos, apenas 44 são
sindicalizadas, o que nos leva a crer que o fato dessas trabalhadoras não
aderirem a sindicalização, parece ser um elemento fortemente favorável a
manutenção das condições de trabalho desfavoráveis para elas.
A análise da tabela 9, indica que nesses cinco anos o diagnóstico mais
freqüente entre estas mulheres foi a síndrome do túnel do carpo seguido de
cervicalgia e tendinite.
Constatou-se em vários estudos que a ocorrência de distúrbios do sistema
muscular como a síndrome do túnel do carpo é mais acentuada nas mulheres, no
entanto não há evidências de que ao serem controlados os fatores laborais a que
estão expostas, sejam mais susceptíveis do que homem ao aparecimento da
síndrome do túnel do carpo. Essas doenças vêm adquirindo grande importância na
atualidade pela sua constante e progressiva presença em diferentes categorias e
ramos de atividades
4 Conclusão
Foram encontradas 79 profissionais acometidas de LER/DORT sendo 4 enfermeiras,
74 auxiliares e uma técnica de enfermagem. Estes dados permitiram traçar um
perfil sócio-demográfico, evidenciando características do trabalho e da vida
afetivo-familiar que propiciaram o aparecimento das LER /DORT.
Algumas das características do trabalho de enfermagem favorecem o aparecimento
dos sintomas músculo esquelético e por ser uma profissão feminina as mulheres
estão duplamente expostas já que exercem em casa e na família também atividades
repetitivas e desgastantes.
Ficou evidenciado que as condições de trabalho associadas a uma carga horária
maior, ao multi-emprego, a repetitividade e as posições anti-ergonômicas têm
contribuído para o desenvolvimento das LER/DORT. Podemos inferir com a
realização deste estudo que para haver uma modificação no perfil de LER-DORT é
importante alterar as relações referentes ao processo produtivo gerador das
LER-DORT consideradas como uma das doenças ocupacionais mais incapacitantes.
Esses distúrbios ósteomusculares constituem um dos riscos mais incidentes sobre
as trabalhadoras de enfermagem na área hospitalar reduzindo a sua capacidade
laborativa. Problemas como esses, podem ser minimizados com o estudo e a
orientação da Ergonomia, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho
dessa categoria.
Diante da importância do problema é necessário que as trabalhadoras de
enfermagem sejam esclarecidas quanto a relevância das LER/DORT visando a
proteção de sua saúde.