Desafios na implementação do currículo por competências
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Desafios na implementação do currículo por competências
Challenges in the implementation of a curriculum by competencies
Desafíos en la implementación del currículo por competencias
Evanísia Assis Goes AraujoI; Valquíria Bezerra BarbosaII
IEnfermeira. Mestre em Saúde Pública, Professora e Coordenadora do Curso
Técnico em Enfermagem do CEFET-PE/Unidade de Pesqueira
IIEnfermeira. Mestre em Bioquímica. Professora do Curso Técnico em Enfermagem
do CEFET-PE/Unidade de Pesqueira
E-maildo autor: evanisia@terra.com.br
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
Técnico regem-se por um conjunto de princípios que incluem o da sua articulação
com o ensino médio, desenvolvimento de competências para a laboralidade, a
flexibilidade, a interdisciplinaridade e a contextualização na organização
curricular, a identidade dos perfis profissionais de conclusão, a atualização
permanente dos cursos e seus currículos, e a autonomia da escola em seu projeto
pedagógico(1).
Sobre o princípio da flexibilidade afirma-se que se reflete na construção dos
currículos em diferentes perspectivas: na oferta de cursos, na organização de
conteúdos por disciplinas, etapas ou módulos, atividades nucleadoras, projetos,
metodologias e gestão dos currículos. Essa concepção de currículo implica em
contrapartida, maior responsabilidade da escola na contextualização e na
adequação efetiva da oferta às reais demandas das pessoas, do mercado e da
sociedade(2).
Partindo-se destas definições, pretende-se analisar a experiência vivenciada
pela equipe pedagógica e corpo docente do curso técnico em enfermagem de uma
escola pública pernambucana, durante a implementação do currículo por
competências a partir da Resolução CNE/CEB.
O curso técnico em enfermagem foi reestruturado fazendo-se a transição entre o
currículo tradicional e o que preconizava a proposta curricular oficial: o
currículo por competências. Essa transição também pressupunha a adoção do
currículo integrado, em contraposição a compartimentação dos saberes
proporcionada pelas disciplinas.
Neste processo de reestruturação, as maiores mudanças ocorridas foram as
relacionadas às práticas pedagógicas e ao sistema de avaliação, que geraram
resistência por parte de docentes e discentes, tornando-se desta forma um
desafio à superação dos paradigmas que norteavam a educação profissional até
então. Essa resistência foi entendida como etapa essencial ao movimento de
construção coletiva do novo currículo escolar, uma vez que os atores envolvidos
haviam vivenciado no decorrer de sua formação, num processo histórico, o
currículo por disciplinas(2).
Para quer estas mudanças fossem incorporadas ao cotidiano escolar, fazia-se
necessária à qualificação de todos os sujeitos envolvidos direta ou
indiretamente no processo de ensino, e ainda, a adequação da organização
didática da instituição, a fim de que viessem a dar suporte às novas práticas
educativas.
Em realidade, não houve qualificação da equipe escolar, mas sim várias
discussões que não esclareceram a contento a forma de elaboração e
implementação dos projetos pedagógicos, em função da inexistência de
experiências consolidadas no âmbito nacional que pudessem servir como
referência.
Contudo, em meio às dificuldades, houve também muitos avanços ao se tentar
trabalhar com o currículo por competências. O grupo de docentes do curso
técnico em enfermagem resolveu unir suas forças em torno da construção do novo
currículo, tendo sido realizadas várias reuniões assessoradas pela pedagoga da
instituição.
O curso foi estruturado por módulos sem terminalidade, com base no Referencial
Curricular Nacional para os Cursos Técnicos em Enfermagem, adotando-se uma
concepção crítica de educação profissional e a pedagogia de projetos como
metodologia central, sem restringir a possibilidade de adoção de outras
abordagens metodológicas participativas, ativas e problematizadoras para o
ensino dos conteúdos técnico-científicos e para o desenvolvimento das
habilidades e competências profissionais que habilitarão o formando a um
exercício profissional crítico e transformador(3).
Objetivando a adaptação dos alunos a esta nova realidade ao ingressarem no
curso, visto que tinham sido formados até ali pelos ditames da educação
bancária, ainda tão arraigada no sistema escolar, passaram a serem utilizadas
no primeiro módulo do curso, as técnicas ativas de ensino. Esta metodologia
permite ao aluno expressar-se, trabalhar em grupo, discutir e propor soluções,
buscar ativamente o conhecimento e avaliar resultados, habilidades consideradas
como básicas para o êxito nos módulos subseqüentes.
O segundo módulo passou a abordar os conteúdos relativos à promoção da saúde
individual e coletiva, no nível de atenção primária, atendendo às mudanças nos
paradigmas do cuidado de enfermagem advindas da transição entre os modelos
curativo e preventivo de atenção à saúde, a partir da reforma sanitária, e da
consolidação no Brasil do Sistema Único de Saúde.
Os terceiro e quarto módulos passaram a ter como objetivo a construção das
competências necessárias à assistência de enfermagem nos níveis secundário e
terciário de atenção à saúde.
Durante os três primeiros anos da implementação do novo currículo, observou-se
a sobreposição e omissão de conteúdos ao se trabalhar sem as disciplinas, o que
demonstrou que a organização do currículo por disciplinas, a princípio,
permitia um melhor controle escolar. Houve também dificuldades quanto ao
registro das atividades das avaliações por competências, uma vez que não houve
a padronização dos instrumentos de registro e a organização didática da escola
não havia sido reformulada. Esta reformulação ocorreu efetivamente cerca de
três anos após o início da implementação do novo currículo; uma de suas
propostas foi então que as competências fossem agrupadas por disciplinas e
realizados projetos de trabalho interdisciplinares, visto que a equipe
pedagógica e docente não havia conseguido trabalhar sem o norte da disciplina e
de forma integrada.
Entre os resultados obtidos pode-se destacar o crescimento do corpo discente em
termos qualitativos evidenciado pela crescente autonomia na busca e construção
dos conhecimentos; pela postura crítica, reflexiva e compromisso ético. O corpo
docente também cresceu assumindo um novo perfil, deixando de ser um mero
transmissor do conhecimento para tornar-se orientador e coordenador do processo
educativo, provocador de dúvidas, em atitude de cooperação junto aos alunos.
Trocou, portanto a posição de depositário único do conhecimento disciplinar
para a de aprendiz tanto dos temas em estudo como das metodologias de abordagem
dos mesmos.
O currículo ganhou autonomia à medida que pode ser atualizado sempre que novas
tecnologias surgem e são incorporadas às práticas da equipe de saúde. Por outro
lado, a escola tem sua autonomia limitada pela sociedade e pelo mercado de
trabalho. Um dos desafios do currículo por competências refere-se à
certificação da formação profissional, pois o mercado de trabalho não se
encontra preparado para compreender a nova linguagem adotada, isto é, conceitos
avaliativos substituindo o registro numérico. Embora esta substituição traduza
com mais fidedignidade os resultados da construção da aprendizagem, os
profissionais responsáveis por processos seletivos tendem a supervalorizar as
"notas" durante a seleção de candidatos a emprego, fato que pode dificultar a
inserção do profissional egresso no mundo produtivo.
2 Considerações Finais
Entendendo a mudança como um processo composto por etapas seqüenciais de
avanços, mas também de retrocessos, e que toda mudança implica em reações as
mais diversas que vão desde a negação à aceitação, torna-se mais fácil
compreender o movimento por que tem passado a educação profissional brasileira.
É mister afirmar-se que as verdadeiras reformas sempre partem do íntimo do ser
humano e adquirem daí, um ritmo próprio. Neste sentido, é imprescindível
persistir na (re)construção de uma escola ideal que objetive um ensino
profissional de qualidade, oferecendo aos egressos oportunidades de inserção no
mercado de trabalho, que exige cada vez mais um profissional cidadão
qualificado.