Avaliação nutricional de crianças de seis a sessenta meses
PESQUISA
Avaliação nutricional de crianças de seis a sessenta meses
Evaluación nutricional de niños en edades de seis a sesenta meses
Nutritional evaluation of children aged from six to sixty months
Francisca Georgina Macedo de SousaI; Thelma Leite de AraújoII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora da Disciplina Enfermagem
Pediátrica do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão.
E-mail do autor: fgeorgina@bol.com.br
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de
Enfermagem da UFC
1 Introdução
A vigilância e a monitorização do crescimento constituem ações fundamentais no
atendimento à criança. O crescimento é um processo bastante sensível às
diversidades do meio onde a criança cresce e deve ser utilizado como indicador
da saúde infantil. A avaliação do crescimento é a medida que melhor define a
saúde e o estado nutricional de crianças, já que distúrbios na saúde e
nutrição, independentemente de suas etiologias, afetam o crescimento infantil
(1). A maioria dos problemas de saúde e nutrição durante a infância, na opinião
dos mesmos autores, está relacionada ao consumo alimentar inadequado e às
infecções de repetição. Essas duas condições são descritas como resultado do
padrão de vida da população, que inclui dificuldades sociais e econômicas que
se refletem em condições inadequadas de moradia, comprometem a aquisição de uma
alimentação balanceada e dificultam o acesso aos serviços de saúde(2).
Acrescenta-se, ainda, que os distúrbios nutricionais da infância têm
conseqüências sérias que tornam imperativos a sua prevenção e o seu controle.
Ainda destacamos o aumento nas taxas de doença e de morte e os danos
permanentes ao desenvolvimento físico e intelectual como os resultados
negativos mais observados(3). Dessa forma, a avaliação do crescimento infantil
é também uma medida indireta da qualidade de vida da população(4). São
destacadas entre as finalidades da avaliação do estado nutricional, a triagem
da população para cuidado individual de saúde, a identificação de mudanças
tendenciosas no estado nutricional, o planejamento e acompanhamento de
programas, a política para alimentação e nutrição e o estabelecimento de um
sistema de alarme precoce(5).
Para determinar o estado nutricional, a avaliação antropométrica destaca-se
como um dos indicadores de saúde da criança. É enfatizada como importante
instrumento epidemiológico, de fácil aplicabilidade e compreensão, com a
vantagem de ser um método que permite rápida avaliação, é barato e não
invasivo, fornecendo uma estimativa da prevalência e gravidade das alterações
nutricionais.
Pela aferição do peso e da altura podem ser calculados três índices
antropométricos mais freqüentemente empregados na avaliação nutricional: peso/
idade, estatura/idade e peso/estatura e, a partir daí se definir que sistema
para avaliação será utilizado. Assim, relacionamos as metodologias mais
utilizadas para avaliação da situação nutricional em crianças.
A metodologia que tinha a função de determinar o prognóstico de morbi-
mortalidade de crianças hospitalizadas de acordo com sua condição nutricional.
No entanto, esse critério passou a ser utilizado na avaliação nutricional de
crianças independente da condição de saúde. Baseia-se no índice de peso para a
idade e sexo. Por este critério as crianças são classificadas em eutróficas,
desnutrição leve ou de 1º grau, desnutrição moderada ou de 2º grau e
desnutrição severa ou de 3º grau, considerando o percentual de adequação entre
o peso e a idade.
A proposta de Waterlow(6)baseia-se nos índices de estatura/idade e peso/
estatura e classifica a situação nutricional em quatro categorias: eutrofia,
desnutrido atual ou agudo, desnutrido crônico e desnutrido pregresso. O
comprometimento do índice estatura/idade indica que a criança tem o crescimento
comprometido em processo de longa duração -stunting, que significa nanismo. O
déficit no índice peso/estatura reflete um comprometimento mais recente do
crescimento com reflexo mais pronunciado no peso -wasting, que significa
emaciamento(6).
Enquanto a metodologia de Waterlow relaciona os índices estatura/idade seguida
de peso/estatura, a de Gómez prioriza o índice peso/idade/sexo para a
classificação da situação nutricional. A primeira por sua vez, possibilita o
estabelecimento de prioridades de intervenção, uma vez que estabelece o tipo de
desnutrição(1).
A metodologia proposta pela OMS classifica a desnutrição energético-protéica em
moderada e grave, de acordo com os parâmetros estatura/idade e peso/estatura.
Este critério é inadequado para ser utilizado na assistência primária, pois
identifica apenas as formas moderadas e graves de desnutrição, o que impediria
uma intervenção mais precoce junto às crianças com formas leves ou em risco
nutricional(1).
Nas Unidades Básicas de Saúde, o gráfico de crescimento do Cartão da Criança
(CC), é o instrumento utilizado nas consultas de enfermagem para avaliação do
crescimento da criança de zero a cinco anos Os parâmetros para avaliação da
curva do gráfico são o peso, a idade e o sexo. O acompanhamento do crescimento,
com a utilização da curva-gráfico, permite aferir se a criança está em processo
de desnutrição, tornando-se, assim, um instrumento extremamente útil no
estabelecimento de situações de risco nutricional(7).
Segundo as metodologias supracitadas, as medidas mais freqüentemente utilizadas
têm por objetivo determinar a massa corporal, expressa pelo peso, e as
dimensões lineares, expressas pela estatura. No entanto, tais parâmetros não
determinam deficiências nutricionais específicas, como as hipovitaminoses, o
que exigiria exames laboratoriais complementares. No entanto, apesar dessas
limitações, a antropometria tem sido, sem nenhuma dúvida, o método mais
utilizado em todo mundo e também o proposto pela OMS para a avaliação da
condição nutricional.
2 Objetivos
- identificar a prevalência de agravos nutricionais de crianças de seis a
sessenta meses;
- classificar a situação nutricional das crianças utilizando os critérios de
Waterlow(6) e da curva peso/idade.
3 Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, exploratório e descritivo, realizado no
período de maio a outubro de 2002, parte da pesquisa onde se identifica a
prevalência de anemia ferropriva e fatores de risco associados, realizado na
localidade de Vila São Pedro, município maranhense de Paço do Lumiar, com
inserção na Grande São Luís. Constituída por 950 domicílios e população
estimada em 3.680 habitantes, segundo informações da Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA-2001). Pelo Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB - 2002),
existem na localidade 769 famílias cadastradas no Programa Saúde da Família
(PSF), com um total de 2.779 pessoas. Para fins deste estudo, foram
identificadas 380 crianças de seis a sessenta meses, a partir das fichas de
cadastramento de famílias do PSF. No estudo foram avaliadas 371 crianças porque
nove delas não compareceram aos encontros de verificação de peso e estatura.
A localidade de Vila São Pedro situa-se a 20 km de São Luís, é servida por
rodovia asfaltada e serviço urbano de transporte coletivo. Dispõe de rede de
água, luz e asfalto, mas é desprovida de esgoto sanitário. Apresenta bolsões de
pobreza, caracterizados por moradias em precárias condições de saneamento e de
vida. Banhada pelo mar, tem como principais atividades econômicas a pesca e o
cultivo de hortaliças.
Para avaliação da condição nutricional das crianças optou-se pela classificação
de Waterlow e pela curva do gráfico de crescimento do cartão da criança e da
classificação sugerida pelo Ministério da Saúde adotada pela estratégia Atenção
Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI).
A partir do resultado encontrado definem-se quatro possibilidades de
classificação nutricional:
1. Eutrófico: A/I superior a 95% e P/A superior a 90% do p 50 do padrão de
referência;
2. Desnutrido atual ou agudo (wasted): A/I superior a 95% e P/A inferior a 90%
do p 50 do padrão de referência;
3. Desnutrido crônico (wasted and stuting): A/I inferior a 95% e P/A inferior a
90% do p 50 do padrão de referência;
4. Desnutrido pregresso (stuting): A/I inferior a 95% e P/A superior a 90% do p
50 do padrão de referência.
Para avaliação da situação nutricional, segundo os critérios de Waterlow(6),
utilizou-se o cálculo:
As medidas de peso, a estatura e a idade das crianças foram necessárias para
que, combinadas, formassem os indicadores da situação nutricional definidos
pelo padrão de referência do NCHS (National Center for Health Statistics) como:
peso/idade (P/I), altura/idade (A/I) e peso/altura (P/A), recomendado pela OMS
e adotado oficialmente pelo Ministério da Saúde (MS). Um déficit em um destes,
freqüentemente, é encarado como evidência de problemas nutricionais e é
utilizado para representar os graus de carências aos quais as crianças estão
submetidas.
O segundo critério utilizado foi a curva peso/idade do cartão da criança e a
classificação sugerida pela AIDPI (peso muito baixo, peso baixo para a idade e
peso não é baixo). A curva peso/idade constitui-se de quatro linhas denominadas
percentis. A linha superior é o percentil 97. A linha do meio corresponde ao
percentil 10; a linha logo abaixo do percentil 10 corresponde ao percentil 03 e
a linha inferior ao percentil 02. O ponto de encontro entre o peso e a idade
corresponde à situação nutricional da criança. Caso o ponto se encontre abaixo
da curva inferior (< -3 DP ou P 0,1) a criança tem peso muito baixo para sua
idade. Caso o ponto esteja localizado entre a curva inferior e a do meio ((= -
3 DP ou P 0,1 e < - 2 DP ou P 3) a criança é classificada como peso baixo para
a idade. Se o ponto de inserção localizar-se na linha ou acima da curva do meio
(= -DP ou P 3), a classificação será de peso não é baixo. Além da classificação
estabelecida pela estratégia AIDPI, o Ministério da Saúde adverte os
profissionais de saúde sobre aquelas crianças que se encontram entre os
percentis 10 e 3, caracterizadas como de risco nutricional e as acima do
percentil 97 como de sobrepeso(7).
As idades das crianças foram confirmadas pelos registros de nascimento e, na
falta destes, pelo CC e calculadas em meses. E foram pesadas em balanças
digitais.
A medida do comprimento em crianças menores de dois anos foi realizada com a
criança deitada
Os resultados foram analisados pelo programa EPI-INFO versão 6.0 e estão
apresentados em tabelas e freqüências simples.
4 Resultados e discussões
Do total de 371 crianças avaliadas, observa-se que 57,1% eram do sexo feminino
e as faixas etárias de maior e de menor prevalência, respectivamente, foram de
54 a 60 meses (18,9%) e de seis a onze meses (6,7%).
Segundo o critério de Waterlow, 57,1% das crianças foram classificadas como
eutróficas (sem comprometimento nutricional), enquanto 42,9% apresentaram
desnutrição, variando entre desnutrido agudo (11,9%), desnutrido pregresso
(22,4%) e desnutrido crônico (8,6%). As crianças classificadas como desnutrido
agudo e pregresso demonstram ter sofrido uma perda de peso recente que é o
resultado de processos infecciosos e/ou internações(5).
Na categoria de desnutrido crônico, estão as crianças com déficit de altura
para idade, como resultado dos efeitos crônicos da desnutrição, que as levou a
um retardo no crescimento corporal. Mesmo que ocorra recuperação nutricional
(recuperem o peso), estas crianças não se recuperarão do déficit estatural(5).
Relacionando as conseqüências da desnutrição na população infantil, destacamos
prejuízos ao desenvolvimento mental, pois as carências nutricionais estão
associadas a privações sociais e econômicas que, por si só, já afetam o
desenvolvimento da criança(2). O comprometimento da imunidade com conseqüente
diminuição da resistência às infecções é mais uma conseqüência desta carência,
ampliando riscos ao crescimento e desenvolvimento saudável na população de
menores de cinco anos.
Segundo o critério Curva peso/idade, 19,7% das crianças estavam incluídas na
classificação de risco nutricional, seguindo-se as crianças com peso baixo para
a idade com 11,6%. Tais classificações sugerem perda de peso recente e/ou
manutenção de situações de risco que impedem a criança de alcançar peso ideal
para a idade representada por processos infecciosos de repetição e erro
alimentar(8).
Posto aqui os extremos nutricionais - de um lado a carência alimentar,
representada pelas crianças com déficit peso/idade (34,0%), e, do outro, o
sobrepeso (1,6%), embora em percentual bem inferior - a convivência desses
extremos traz grandes desafios ao setor saúde na execução de políticas e
práticas que contemplem necessidades tão distintas(9).
Neste sentido, profissionais e famílias devem ser parceiros igualmente
responsáveis pela busca e construção de estratégias que garantam mudanças de
comportamento, que se definem na literatura como ações de co-responsabilidade.
Esta relação exige esforço, criatividade, habilidades, adequação de recursos e
estratégias para resolução de problemas e situações adversas, principalmente as
relacionadas ao comportamento alimentar. Por outro lado, as modificações nos
hábitos alimentares não são rapidamente alcançadas, o que exige dos serviços e
dos profissionais de saúde estratégias permanentes e de longo prazo,
acompanhadas de melhoria das condições sociais e econômicas a que estão
submetidas as crianças, principalmente aquelas menores de cinco anos de idade.
5 Conclusão
Independentemente do critério utilizado para avaliação nutricional na população
infantil, aqui representadas por crianças de seis a sessenta meses, não foi
observado distanciamento significativo nos resultados. Ambos refletiram alta
prevalência para os problemas nutricionais na ordem de 42,8% pelo critério de
Waterlow e 34,0% quando considerados os parâmetros peso/idade da curva de
crescimento do CC.
Com relação aos critérios adotados na avaliação do estado nutricional,
enfatiza-se o emprego da curva de crescimento do CC, por ter se mostrado eficaz
na avaliação do estado nutricional. Outro ponto positivo na utilização da curva
peso/idade foi a possibilidade de captar as crianças classificadas como risco
nutricional.
Quanto à metodologia de Waterlow, apesar de definir o grau de severidade e
comprometimento nutricional, não faz referências às situações de sobrepeso e
risco nutricional.
Conclui-se que os problemas nutricionais são possíveis de serem identificados,
reconhecidos e tratados na atenção básica de saúde, desde que os serviços e
profissionais direcionem atenção e metodologias para vigilância deste agravo.
Reconhece-se, aqui, o papel social da Universidade, associando atividades de
ensino e extensão, alcançando comunidades como a de Vila São Pedro. Como
professoras sentimo-nos responsáveis em implementar esforços no sentido de
minimizar os problemas nutricionais apresentados neste estudo.
Acredita-se que as ações educativas deverão sempre permear o cuidado à criança,
enriquecendo o ambiente familiar e levando os pais, principalmente as mães, a
adotarem comportamentos e estilos saudáveis de vida para que, desta forma,
sejam reduzidos os riscos que comprometem o crescimento e o desenvolvimento da
criança. As atividades educativas não devem atender somente as questões
biológicas, mas se estender aos determinantes sociais, visando estimular
hábitos de higiene e de ingestão adequada de nutrientes.
Propõe-se inserir os alunos da enfermagem no cuidado à criança, promovendo a
integração dos mesmos no contexto social da comunidade da Vila São Pedro, sendo
estes capazes de compreenderem a realidade local, de produzirem e socializarem
conhecimentos, de agir e interagir para melhorar a situação de saúde das
crianças.