Desvelando a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem
REVISÃO/REVIEW/REVISIÓN
Desvelando a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem*
Clarifying the Implementation of the Nursing assistance systemization
Desvelando la implementación de la sistematización de la asistencia de
Enfermería
Patrícia Madalena Vieira Hermida
Enfermeira. Especialista em Formação Profissional na Àrea da Saúde -
Enfermagem, Mestranda em Enfermagem na Pós-Graduação em Enfermagem da FCM -
UNICAMP
E-mail do autor: patymadale@yahoo.com.br
1 Introdução
A evolução da enfermagem e sua consolidação enquanto ciência é caracterizada
pela construção de um corpo de conhecimento próprio no decorrer de sua
história, mas especificamente a partir da década de 50. Nos anos 70 houve uma
preocupação das enfermeiras com o desenvolvimento de teorias de enfermagem,
como um meio de estabelecer a enfermagem como profissão(1).
Dentro desse corpo de conhecimentos, baseado em teorias de enfermagem, surge o
processo de enfermagem (PE), sendo uma representação do mecanismo por meio do
qual esses conhecimentos são aplicados na prática profissional(2).
O PE já vinha sendo aplicado nos Estados Unidos e Reino Unido, quando na década
de 70, chegou ao Brasil invadindo as escolas de enfermagem e contribuindo para
a teoria de enfermagem de Wanda de Aguiar Horta(2).
O PE recebe várias definições de acordo com muitos autores e teorias, sendo
que, em cada uma delas segue um modelo e é fundamentado de acordo com os
conceitos, pressupostos e proposições próprias dessas teorias. Na verdade, o PE
pode ser entendido como a aplicação prática de uma teoria de enfermagem no
cotidiano da assistência de enfermagem aos pacientes.
O PE trata-se de uma forma organizada de cuidar do paciente, seguindo alguns
passos previamente estabelecidos (coleta de dados, diagnóstico, planejamento,
implementação e avaliação dos resultados)(3). É um método a ser seguido a fim
de alcançar os objetivos desejados em relação à assistência de enfermagem, o
qual baseia-se num modelo assistencial e deve levar em conta a especialidade à
que está sendo dirigido (cardiologia, pediatria, etc).
Para uma melhor compreensão desse conceito, cabe aqui uma breve explicação
sobre o que é um método. De maneira geral, é entendido como uma forma
sistemática e ordenada de delimitar problemas, fazer e executar planos para
resolvê-los, mesmo que seja necessário delegar a outros a execução desses
planos, e exige como última etapa a avaliação da eficácia na resolução dos
problemas(4).
Diante dessas considerações, a enfermagem deve privilegiar suas ações
específicas/próprias junto ao cliente e atuar como parceira dos demais
profissionais, não apenas como suporte de ações médicas e administrativo-
burocráticas, mas compartilhando seus saberes no atendimento às necessidades do
paciente(5,6).
Há uma interdependência entre o trabalho médico e de enfermagem, porém, cada
disciplina exerce funções específicas e tem uma visão diferente acerca do ser
humano, enquanto objeto de estudo/trabalho que requer atenção de ambos.
Dentre as vantagens de utilizar-se um método como uma estratégia para a
assistência de enfermagem estão a sustentação de um padrão mínimo de qualidade
da assistência e, um melhor sistema de registro de informações sobre o paciente
(5).
A sistematização da assistência de enfermagem - SAE, através do processo de
enfermagem, tem sido alvo de trabalhos acadêmicos e de experiências práticas em
algumas instituições. No Brasil a sistematização "tem sido discutida, desde o
início da década de 70, visando à eficácia da assistência, ampliação e
definição do espaço da enfermagem na equipe de saúde"(3:5).
Após a iniciativa e investimento do COREN-SP, em 1999, de implantar o PE de
forma definitiva nas instituições de saúde públicas e privadas de todo o
Estado, a Resolução COFEN nº 272/2002, surgiu como apoio legal para a
implementação dessa prática em âmbito nacional, dispondo sobre a SAE nas
instituições de saúde brasileiras(7). Ela trata no seu Art. 1º sobre a função
privativa do enfermeiro de implantar, planejar, organizar, executar e avaliar o
PE, o qual compreende: histórico, exame físico, diagnóstico, prescrição e
evolução de enfermagem.
As dificuldades encontradas na implementação do PE são apontadas por acadêmicos
de enfermagem, enfermeiros e docentes em diversos trabalhos, o que justifica a
relevância deste estudo para que se possa pensar em superá-las no cotidiano da
prática da enfermagem assistencial.
Portanto, este estudo tem como objetivo identificar as dificuldades encontradas
na implementação da SAE e os fatores que interferem prejudicando sua
implementação, nos trabalhos nacionais publicados nos últimos cinco anos.
2 Metodologia
Para realizar este estudo de revisão de literatura, primeiramente foi feito um
levantamento bibliográfico acerca da temática da SAE, utilizando as bases de
dados do Lilacs, Medline e Bdenf, no Sistema Bireme.
Para proceder a busca das referências bibliográficas nestas bases de dados,
foram utilizados como palavras-chave: sistematização, assistência, enfermagem e
processo de enfermagem. A partir dessa busca realizou-se a leitura de todos os
títulos e resumos das referências bibliográficas identificadas nas bases de
dados.
Na etapa subsequente foram selecionadas as referências bibliográficas de
interesse para este estudo, considerando como critérios: ser um trabalho
desenvolvido no âmbito nacional; ter sido publicado nos últimos cinco anos;
abordar no resumo do trabalho as dificuldades na implementação da SAE/processo
de enfermagem e/ou os fatores que interferem prejudicando a sua
operacionalização.
As referências bibliográficas selecionadas são de trabalhos publicados em
periódicos de enfermagem nacional (Revista Gaúcha de Enfermagem, Acta Paulista
de Enfermagem, Latino-Americana de Enfermagem, Baiana de Enfermagem e Nursing),
caracterizados como trabalhos de pesquisa.
Os estudos foram categorizados em Trabalhos A, B, C, D, E e F para facilitar a
apresentação dos dados. Cada categoria representa um estudo publicado num
periódico e pode ser entendido como:
Trabalho A, pesquisa realizada com enfermeiras chefes em 18 hospitais
de São Paulo(8).
Trabalho B, pesquisa realizada com enfermeiros que trabalham nas
unidades de internação de clínicas médica e cirúrgica, num hospital
do interior de São Paulo(9).
Trabalho C, uma pesquisa realizada com acadêmicos e enfermeiros de um
hospital e Universidade do Rio Grande do Sul(10).
Trabalho D, pesquisa realizada com enfermeiros da unidade de
queimados de um hospital do interior de São Paulo(11).
Trabalho E, pesquisa desenvolvida com enfermeiros que trabalham em
uma UTI de um hospital geral de grande porte da região sul do Rio
Grande do Sul(12).
Trabalho F, pesquisa realizada com enfermeiros que trabalham em UTIs
gerais de dois hospitais, um hospital universitário e o outro um
hospital-escola privado, situados em Salvador/Bahia(13).
Para este estudo foi considerado que a dificuldade na implementação da SAE pode
ser entendida como aquilo que é difícil de colocar em prática, por exemplo,
pode ser difícil realizar a ausculta pulmonar no exame físico ou pode ser um
obstáculo fazer o diagnóstico de enfermagem e prescrever cuidados. Por outro
lado, os fatores que interferem prejudicando a implementação da SAE é aquilo
que favorece uma dificuldade, exemplificando, a falta de tempo ou o preparo
inadequado na graduação.
3 Resultados e Discussões
A apresentação dos dados levantados nas pesquisas analisadas e seus respectivos
resultados e discussões serão a seguir comentados.
3.1 Dificuldades encontradas na implementação da SAE
É importante esclarecer que, em todos os trabalhos ficou muitas vezes difícil
distinguir as dificuldades apresentadas na implementação da SAE e os fatores
que interferem prejudicando sua implementação. Portanto, os dados foram
agrupados nos quadros, segundo o entendimento da autora acerca dessa distinção
de termos.
O Trabalho B apontou o maior número de dificuldades na operacionalização da
SAE, diferentemente do Trabalho A, cujos dados foram interpretados como fatores
que estavam prejudicando a implementação da metodologia.
A operacionalização da proposta da SAE por meio do processo de enfermagem tem
esbarrado em muitas dificuldades, prevalecendo na prática clínica a organização
do cuidado centrado em tarefas, ou seja, o que importa é a realização da ação
(2), o que foi identificado nos trabalhos D e E.
Publicações nacionais menos recentes, também destacam várias dificuldades na
operacionalização da SAE, algumas já citadas pelos trabalhos desta revisão
(14,15).
Há estudos que vão além e retratam que existem dificuldades e
incompatibilidades dentro do próprio ensino do P.E. nas escolas de graduação em
enfermagem(16-18). Isso pode de certa forma refletir e justificar algumas
dificuldades apresentadas posteriormente na atividade do profissional e várias
delas podem ser observadas no quadro_1, exemplificando, a dificuldade em
realizar o exame físico.
3.2 Fatores que interferem prejudicando a implementação da SAE
Para alguns autores existem ordens diferentes de fatores que interferem na
aplicação do PE e esses se inter-relacionam. Alguns desses fatores estão no
âmbito da organização (políticas, normas, objetivos dos serviços, muitas vezes
estabelecidos por médicos e administradores sem a participação dos
enfermeiros), outros fatores fazem parte do próprio quotidiano desses
profissionais (atitudes, crenças, valores, habilidades técnicas e
intelectuais), para os quais muitas vezes se busca explicação nas deficiências
do ensino formal e na sua relação com a prática. Um outro fator é a maneira
como o processo tem sido operacionalizado nos serviços - uma imposição da
chefia de enfermagem que valoriza mais a documentação à implementação dessa
metodologia de forma efetiva na prática(2).
Os fatores identificados nos trabalhos foram classificados neste estudo como
sendo de ordem: Pessol/Profissional (quadro_2), Organizacional (quadro_3),
relacionados ao Modelo Teórico (quadro_4) e outros (quadro_5).
É possível identificar que são muitos os fatores de ordem Pessoal/Profissional
que prejudicam a implementação da SAE, com destaque, o preparo inadequado na
graduação/despreparo do pessoal, presentes em quatro dos trabalhos pesquisados.
Alguns autores, observando a formação do enfermeiro, confirmam que o aluno tem
saído da graduação sem o amplo conhecimento necessário para colocar em prática
o método específico de sua especialidade, que qualifica sua atividade junto aos
pacientes, transmitindo-lhes confiança e segurança(9).
Em 1989 já se apresentava dentre os fatores que mais freqüentemente dificultam
a utilização do PE, a falta de preparo dos enfermeiros sobre o método(14).
Talvez seja pertinente questionar até que ponto as instituições de ensino de
graduação têm discutido e implantado medidas para resolver esse problema.
Outra autora também afirma que um dos problemas para a implementação da SAE é
que a maioria dos profissionais de enfermagem desconhece o assunto, por
deficiência do processo de formação(3).
Um estudo realizado em 2001 contribui apontando que a efetiva implantação do PE
e sua continuidade com sucesso, exige que o enfermeiro esteja preparado com
conhecimentos científicos e constante atualização(12).
Publicações menos recentes também citam alguns fatores que têm dificultado a
implementação dessa metodologia, alguns inclusive presentes nos trabalhos
analisados neste estudo(14-18).
Observa-se que muitos dos fatores que prejudicam a implementação da SAE
apontados nos estudos desta revisão se apresentam, no âmbito da organização,
destacando-se a carência de pessoal de enfermagem/enfermeiros, identificada em
quatro dos trabalhos em estudo.
Assim, é preciso salientar a responsabilidade das instituições propiciarem
todas as condições necessárias ao enfermeiro para executar de forma efetiva o
planejamento da assistência, pois, não basta fazer, é preciso fazê-lo bem; não
basta exigir, é preciso oferecer condições(19).
É preciso considerar que "para a implementação do processo de enfermagem há
pelo menos duas barreiras iniciais a serem transpostas: uma relacionada à
escolha, interpretação e aplicação do modelo conceitual, e a outra a sua
operacionalização no contexto da prática"(2:50).
O quadro_4 mostra que apenas o Trabalho F apontou fatores relacionados ao
modelo teórico que prejudicam a implementação da SAE, estando todos ligados
apenas a etapa de aplicação do modelo conceitual. Pode-se até indagar se as
demais tentativas de implementação têm procurado seguir algum modelo conceitual
ou são realizadas empiricamente, sem um modelo teórico que subsidie essa
prática.
A falta de tempo foi destaque entre os outros fatores que prejudicam a
implementação da SAE, apontada em quatro dos trabalhos em estudo.
É possível identificar através dos quadros_2_a_5 que as dificuldades nessa
implementação têm sido atribuídas a diversos fatores, apresentados pelos seis
trabalhos em estudo, porém, alguns são mais representativos, encontrando-se o
maior número de fatores no âmbito Pessoal/Profissional e Organizacional. Assim
sendo, precisam ser considerados para que seja possível a implementação dessa
prática nos locais onde foram realizadas as pesquisas.
Alguns autores fazem sugestões para se alcançar a implementação da SAE
efetivamente ou para superar as dificuldades encontradas na implementação dessa
proposta. Nesse sentido, escrevem que para o sucesso da SAE deve haver uma
parceria com a educação continuada a fim de suprir as dificuldades reais dos
profissionais, com enfermeiros responsáveis/competentes, que tenham
referenciais teóricos, objetivos assistenciais e avaliem constantemente essas
práxis(9). Além disso, apontam a necessidade de se promover uma ampla discussão
sobre o assunto nas Escolas de Enfermagem, a fim de determinar o referencial
teórico que embasará o PE e definir a metodologia a ser empregada no ensino do
mesmo(10). Para vários autores um dos caminhos para a implementação eficaz é a
integração docente-assistencial, ou seja, a integração entre as faculdades e as
instituições de saúde que servem de campo de estudo para os futuros enfermeiros
(3,12,13).
Para uma efetiva implantação do PE, existem autores que consideram necessário
haver primeiro um comprometimento da chefia de enfermagem com a proposta,
promovendo reuniões e elaborando um plano de ação que incluiria: a
sensibilização da equipe para a importância dessa metodologia; o
desenvolvimento de um estudo aprofundado do tema com o envolvimento de toda a
equipe; e a construção coletiva dos meios para viabilizar a execução do
processo. Esses autores esclarecem que, o plano de ação viria garantir e
assegurar que os objetivos fossem direcionados para viabilizar a implementação
do PE, tendo como primeiro passo a sensibilização dos enfermeiros(12).
4 Considerações Finais
A temática da sistematização da assistência de enfermagem é atual embora seja
discutida no Brasil desde a década de 70, com tentativas de implementação em
diversas especialidades e contextos (hospitalar, ambulatorial, creche, etc).
No entanto, percebe-se que essas tentativas nem sempre atingem o êxito
desejado, pois "esbarram" em dificuldades das mais variadas origens, tornando a
implementação da SAE um processo desestimulador e muitas vezes inviável na
prática dos profissionais de enfermagem. Outras vezes ela persiste basicamente
como uma atividade burocrática, perdendo toda a sua essência.
As facilidades e dificuldades na implementação do processo de enfermagem devem
ser analisadas pela equipe de enfermagem, uma vez que cada instituição possui
suas peculiaridades, a fim de que o método seja implantado com conhecimento da
situação e com metas possíveis de serem alcançadas(14).
A valorização da enfermagem enquanto profissão depende também da postura do
profissional frente aos problemas que emergem da sua prática. O enfermeiro
precisa ser autêntico e conquistar o seu espaço com mérito, através do uso do
seu conhecimento científico específico, que pode ter na SAE a autonomia
necessária para desenvolver um trabalho consciente, eficiente e gratificante do
ponto de vista de resultados positivos na assistência prestada.
Considerando a relevância da SAE para a valorização da enfermagem, embasada por
corpo de conhecimento científico próprio, é necessário refletir e discutir
sobre as dificuldades levantadas neste estudo, bem como os fatores que
desencadeiam e sustentam tais dificuldades, para que se possa superá-las,
tornando sua implementação uma atividade prazerosa e principalmente, garantindo
ao paciente uma assistência com mais qualidade.