Estudo de caso como estratégia de ensino do processo de enfermagem e do uso de
linguagem padronizada
INTRODUÇÃO
Ao longo do processo ensino-aprendizagem é recomendado que o aluno vivencie o
Processo de Enfermagem como um método de resolução de problemas e uma maneira
de raciocínio que favorece julgamentos clínicos apropriados(1,2). Entretanto,
os graduandos em Enfermagem ainda têm sua formação fortemente baseada no modelo
biomédico, sendo importante rever tal paradigma e prepará-los para atuarem
considerando as respostas humanas e contribuindo para a construção da ciência
em Enfermagem(3). Considera-se que o ensino do Processo de Enfermagem e o uso
de Classificações de Enfermagem são valiosos instrumentos para que o aluno
possa compreender e valorizar tal ciência.
As Classificações podem enriquecer tanto o ensino quanto a implementação do
Processo de Enfermagem, uma vez que separam, codificam e ordenam os fenômenos
de interesse, fazendo com que os alunos e enfermeiros tenham que considerar
possibilidades e descrições previamente estudadas e estabelecidas. Na prática,
nenhuma Classificação é completa ou perfeita, mas seu desenvolvimento exige a
identificação dos propósitos e elementos centrais de uma determinada ciência ou
profissão, além de estimular o desenvolvimento de estudos(4).
O estudo de caso pode ser uma valiosa ferramenta para o professor que busca
estratégias facilitadoras para a aprendizagem. Trata-se da exploração de um
caso obtido por meio de uma detalhada coleta de dados, envolvendo várias fontes
de informações, que devem ser relevantes para a tomada de decisão(3). Seu valor
prático é prover oportunidade para examinar-se uma situação de vida real, a
partir da qual o estudante pode discutir a causa específica do problema, sua
prevenção e sugerir soluções. Esse método viabiliza uma maior correlação entre
teoria e prática, favorecendo assimilação e aplicação prática do ensino teórico
pelos alunos, além de proporcionar o estudo dos problemas e necessidades do
paciente, família e comunidade, o que oferece subsídios para se identificar a
melhor estratégia para solucionar os problemas(3,5).
Assim, o objetivo deste trabalho é relatar uma experiência de ensino, na qual
se utilizou o estudo de caso para discutir Processo de Enfermagem e uso de
linguagem padronizada de Enfermagem, de acordo com a Taxonomia II da North
American Nursing Diagnosis Association International.
MÉTODO
Trata-se de relato de experiência sobre uma estratégia de ensino. A disciplina
na qual esta atividade foi desenvolvida chama-se "Processo de Cuidar do Adulto
e Idoso", oferecida no quinto semestre do curso de Graduação em Enfermagem da
Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O foco desta disciplina é o ensino teórico-prático sobre a assistência de
Enfermagem sistematizada a clientes adultos e idosos internados em unidades
especializadas clínicas e cirúrgicas, abrangendo o cuidado aos portadores de
afecções agudas e crônicas de média complexidade nas diferentes especialidades.
Também se aborda a atenção à família/cuidadores e prevenção de acidentes no
hospital, além dos aspectos éticos na assistência.
No primeiro dia da disciplina, é ministrada aula teórica sobre Processo de
Enfermagem e uso de Classificações de Enfermagem, com ênfase na Taxonomia II da
NANDA-International (NANDA-I)(6): temas já discutidos em outras disciplinas
cursadas pelos alunos. Durante esta aula, as autoras usaram um caso real para
discutir raciocínio clínico e demonstrar o uso de linguagem padronizada nos
registros relativos à assistência: a história de um paciente jovem com Doença
de Crohn, assistido pela primeira autora durante atividades docente-
assistenciais.
Nesta experiência de ensino-aprendizagem, em 2009, 35 graduandos de Enfermagem
receberam o caso clínico citado e foram divididos em cinco grupos, que tinham
como tarefa propor Diagnósticos de Enfermagem e intervenções para o cliente em
questão. Além disso, cada grupo foi orientado a apresentar um tópico específico
em sala de aula para ser discutido com toda a turma e professores:
Grupo 1 - Fisiopatologia das doenças autoimunes com repercussão
gastrointestinal;
Grupo 2 - Aspectos nutricionais, intervenções terapêuticas e cirúrgicas junto a
clientes acometidos por doenças autoimunes com repercussão gastrointestinal,
com ênfase quanto à Doença de Crohn;
Grupo 3 - Aspectos emocionais, sociais e familiares relacionados ao cliente com
Doença de Crohn;
Grupo 4 - Exames diagnósticos, com ênfase em colonoscopia e enema opaco:
indicações; contra-indicações; preparo do cliente/família e complicações;
Grupo 5 - Assistência de enfermagem aos pacientes com ostomias do sistema
digestório: tipos de ostomias e suas indicações; preparo pré-operatório;
complicações; assistência (pré e pós-cirúrgica) ao cliente e família.
Para auxiliá-los na compreensão e desenvolvimento da atividade, os estudantes
receberam três impressos:
Impresso_1: descrição, de duas páginas, do caso clínico de um paciente adulto
com Doença de Crohn, contemplando os principais sinais e sintomas da doença,
alguns dados sobre o exame físico e o impacto desencadeado por tal condição na
vida do paciente e de seus familiares. Buscou-se evitar ênfase ao diagnóstico
médico;
Impresso_2: Domínios propostos pela NANDA-I e respectivas definições e a
orientação de que os alunos buscassem, no caso clínico recebido, dados
relevantes e relacionados aos Domínios. Após isto, deveriam discutir e propor
Diagnósticos de Enfermagem que melhor representassem tais dados;
Impresso_3: Orientações para o desenvolvimento da atividade proposta,
considerando o caso clínico: temas que cada grupo deveria desenvolver; tempo
que teriam para apresentação oral em sala de aula; sugestões de recursos
audiovisuais para apresentação em sala de aula; data para apresentação oral;
orientações relativas a como aproveitar o processo de ensino-aprendizagem
considerando o conteúdo oferecido pelos demais grupos; e definição de uma data
posterior à apresentação oral para entrega de trabalho escrito. Aqui o objetivo
foi encorajar os estudantes a reverem o próprio trabalho, fazerem alterações de
acordo com as discussões realizadas por professores e alunos após a
apresentação oral e, assim, sedimentar seu aprendizado.
Desde o recebimento dos impressos e orientações até a data da apresentação
oral, houve um período de 15 dias para que os alunos pudessem se preparar,
consultando literatura pertinente, a qual está descrita no programa da
disciplina. Uma vez que tal atividade teve como objetivo promover aprendizagem,
os grupos puderam submeter seu trabalho aos professores antes da apresentação,
e estes últimos tiveram oportunidade de contribuir com sugestões e instigar os
alunos a novas perspectivas e buscas.
Todas as discussões em sala de aula foram acompanhadas e complementadas pelas
professoras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quatro dos cinco grupos ultrapassaram a duração proposta para a apresentação
oral, mas todos se empenharam na qualidade do conteúdo abordado, e utilizaram
recurso de multimídia para auxiliar na apresentação. Não se limitaram à
bibliografia contida no programa e um grupo fez uma revisão bibliográfica muito
interessante sobre teses e dissertações que abordavam os aspectos emocionais
relativos à doença em questão, trazendo exemplos de depoimentos muito
significativos para os demais grupos.
Os estudantes apresentaram dificuldade para descrever os problemas que
identificaram usando linguagem padronizada, os Diagnósticos de Enfermagem. Eles
se confundiram com frequência entre diagnósticos reais e de risco, assim como
quanto aos conceitos de "características definidoras", "fatores relacionados" e
"fatores de risco". Apresentaram ainda dificuldades para priorizar algumas
respostas humanas e intervenções, propondo longas listas de Diagnósticos e de
intervenções, o que é esperado para estudantes de graduação em Enfermagem e
observado por outros autores(6-8). Porém, identificaram satisfatoriamente
problemas, propuseram diagnósticos e intervenções relevantes às necessidades do
paciente em questão.
Embora tenham recebido a orientação de que poderiam solicitar auxílio às
professoras, elas foram procuradas com frequência bem menor que o desejado e
esperado. Durante as apresentações orais, verificou-se a presença de dúvidas e
equívocos que poderiam ter sidos discutidos com as professoras previamente. Por
outro lado, acredita-se que a discussão destes equívocos pode ter sido
proveitosa para outros alunos que apresentariam as mesmas dúvidas.
Quanto ao uso de linguagem padronizada de Enfermagem, os estudantes
consideraram alguns diagnósticos muito similares entre si, abstratos e
incompletos, embora tenham reconhecido seu valor como ciência de Enfermagem e
estratégia adequada de documentação do raciocínio clínico. Eles também
apresentaram grande tendência a tentar descrever problemas médicos como
Diagnósticos de Enfermagem. O que também se observa em outros estudos(7-9).
Uma vez que cada grupo teve 20 minutos para apresentar seu tema, o que incluiu
Diagnósticos de Enfermagem e intervenções relacionadas, notou-se que a riqueza
das discussões presentes nos trabalhos escritos de alguns grupos não esteve
presente na apresentação oral. Assim, foi necessário estimular os alunos a
compartilhar seus trabalhos escritos com todos da turma. Verificou-se que a
maioria participou ativamente do processo, entretanto, alguns se mostravam mais
preocupados com o próprio tema e com seu desempenho na apresentação, não
aproveitando as discussões dos trabalhos anteriores e dos posteriores ao seu.
Algumas dificuldades apresentadas pelos alunos podem ser explicadas em parte
pela formação geral deficiente e pela entrada cada vez mais precoce no curso de
graduação em Enfermagem. O que acarreta limitações ao professor no processo de
ensino-aprendizagem, tendo este último que lidar constantemente com
desinteresse e indisciplina (10).
Ao longo do desenvolvimento desta estratégia de ensino, todos os diagnósticos
propostos pelos alunos e suas intervenções foram discutidos em sala de aula por
professoras e estudantes.
Uma vez que, apesar do processo de mudança, a formação do enfermeiro ainda está
presa à fisiopatologia como a estrutura conceitual e à cura da doença como
meta, a coleta de dados realizada pelo enfermeiro é semelhante a do médico,
visto que a base teórica e os objetivos acabam sendo os mesmos(5). Por isso,
buscou-se apresentar um caso que direcionasse mais o olhar dos alunos para a
especificidade da coleta de dados para assistência de Enfermagem, promovesse
discussões sobre o raciocínio clínico e uso de linguagem padronizada. Buscou-se
dar visibilidade às respostas humanas, bem como à assistência de Enfermagem
pertinente, e menor foco no exame físico e na doença.
Como bem colocam Rodrigues e Mendes Sobrinho(10), é papel do professor
possibilitar aos alunos um pensamento crítico, a partir da valorização da
criatividade, da reflexão e da participação, condições que são indispensáveis
para a inserção social e construção da cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta estratégia de ensino se mostrou bastante instigante e motivadora para
abordar diferentes aspectos da assistência de Enfermagem, sobretudo para o
ensino do Processo de Enfermagem e uso de linguagem padronizada. Mostrou ser
mais interessante para os estudantes que aulas expositivas, promovendo sua
participação nas discussões em sala de aula e busca por conhecimento fora da
mesma, o que evidenciou sua co-responsabilidade quanto ao aprendizado.
Limitações e desafios foram observados ao longo desta experiência: alguns
estudantes se envolveram apenas com o próprio tema, sem aproveitar a riqueza
das discussões realizadas pelos outros grupos e professores. Outros ainda não
participaram ativamente do processo vivenciado por seu grupo como um todo,
limitando-se a uma pequena parte do tema que ficou sob sua responsabilidade.
Esta estratégia vem sendo utilizada há dois anos e a cada ano sofreu
reestruturação em função da experiência com cada grupo e das sugestões
oferecidas pelos alunos. O intuito tem sido romper com o modelo tradicional de
ensino e oferecer ao aluno a oportunidade de ser sujeito do processo de
aprender, estando consciente deste desafio e recebendo as ferramentas
necessárias para enfrentá-lo.