Construção de um software educativo sobre transtornos da personalidade
INTRODUÇÃO
As novas tecnologias evoluem com muita rapidez, já apresentam papel
preponderante na construção do conhecimento no campo da educação como elemento
transformador do modo de acessar e organizar as informações, e por isto colocam
novos desafios pedagógicos(1). Entre os vários recursos físicos e materiais que
fazem parte do campo da educação encontra-se a tecnologia educacional, que
serve como instrumento de apoio ao professor, funcionando como recurso
didático. Com o advento do computador surgiram os softwares, isto é, programas
que permitem o uso e a aplicação de tecnologias da informática. Dentre os
vários tipos de softwares figuram os educativos que são desenvolvidos para uso
e aplicação na educação, em função das especificidades dos estudantes, dos
conteúdos, das estratégias e abordagens didáticas e psicopedágogicas(2).
A tecnologia educacional é entendida como fundamento filosófico voltado para o
desenvolvimento do indivíduo e caracterizada por novas teorias, ensinos,
pesquisas, conceitos, técnicas para a atualização da educação, possibilitando
inovação na transmissão do conhecimento, facilitando o aprendizado e
contribuindo para o avanço educacional(3-4). Neste sentido, o uso de
tecnologias nos cursos de graduação em Enfermagem poderá contribuir para maior
interação dos estudantes entre si, com os professores e com o conteúdo
abordado, além de propiciar mais dinamicidade favorecendo a formação do
estudante. Estudos da informática aplicada à Enfermagem mostram a importância
da utilização deste recurso confirmando a tendência positiva quanto ao uso das
tecnologias interativas no processo ensino-aprendizagem. Portanto, se faz
necessário o desenvolvimento de novos programas instrucionais e a partir da sua
utilização se usufrui, cada vez mais, das vantagens que eles podem oferecer ao
ensino de Enfermagem(3,5-6).
Sabe-se que a prática de ensino de Enfermagem Psiquiátrica/Saúde Mental está
assentada em uma concepção pedagógica tradicional, que viabiliza um método de
ensino transmissivista, sendo obstáculo à formação de sujeitos críticos-
reflexivos frente à necessidade de superação do modelo de atenção psiquiátrica
em vigor(7). O estudante, diante de situações reais no contexto do ensino de
Enfermagem em Saúde Mental, apresenta dificuldades na articulação, mobilização
dos próprios recursos e do conhecimento acessado através do ensino formal. Ao
apontar para a necessidade imediata de revisão e questionamento do ensino de
Enfermagem em Saúde Mental, orienta-se a buscar neste campo novas estratégias
de ensino que proporcionem situações de aprendizagem, mediante ações
transformadoras favorecendo o desenvolvimento da competência dos futuros
profissionais(8).
A partir das considerações supracitadas este trabalho parte da seguinte
conjectura: 1) a temática dos transtornos da personalidade e os cuidados de
enfermagem fazem parte do conteúdo curricular do ensino de graduação em
Enfermagem, 2) o software educacional é uma estratégia de ensino/aprendizagem
que pode ser utilizada por estudantes de graduação em Enfermagem. Partindo-se
destes pressupostos este estudo tem como objetivo descrever as etapas de
construção de um software educacional para o ensino dos transtornos da
personalidade aplicado à Saúde Mental utilizando recursos de hipermídia para
ser utilizado por professores e estudantes na área de Enfermagem.
CONSTRUÇÃO DO SOFTWARE
A construção do software obedeceu às seguintes etapas: 1) elaboração do
objetivo; 2) determinação das características do público-alvo; 3) escolha do
referencial pedagógico; 4) escolha do referencial teórico; 5) seleção do
conteúdo; 6) desenvolvimento do software e 7) avaliação do software,
explicitadas a seguir.
Objetivo do Software
Capacitar o estudante de Enfermagem a identificar os principais transtornos da
personalidade segundo os critérios diagnósticos definidos no Manual de
Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais - DSM-IV(8), elaborado pela
Academia Americana de Psiquiatria (APA). O DSM-IV é um sistema diagnóstico e
estatístico de classificação dos transtornos mentais, segundo o modelo
categorial, destinado à prática clínica e à pesquisa em psiquiatria.
Determinação das características do público-alvo
O público-alvo refere-se a estudantes da graduação, em especial da Enfermagem,
e demais cursos da área da saúde. O seu uso poderá ser extensivo aos
profissionais da área da saúde em processo de educação permanente.
Referencial Pedagógico
Para a elaboração do software, partiu-se da abordagem cognitivista postulada
por Vygotsky. Nesta abordagem, a cognição é entendida como prática, e não como,
representação, portanto a aprendizagem na abordagem cognitivista considera as
formas pelas quais os estudantes lidam com os estímulos ambientais, organizam
dados, percebem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos
verbais, portanto é considerada predominantemente interacionista(9).
Partindo deste referencial, a construção do software foi desenvolvida a fim de
permitir a utilização de recursos individualizados permitindo o comando do
próprio estudante, revisão de conhecimentos adquiridos, mediação do processo de
aprender, estimulação ao autodesenvolvimento e ao controle próprio da
aprendizagem, exercitação da cultura lúdica e estimulação sensorial(10).
Referencial Teórico
Para a descrição dos transtornos da personalidade utilizou-se a classificação
proposta pelo DSM-IV, que tem como principais características: descrição dos
transtornos mentais; definição de diretrizes diagnósticas precisas, através da
listagem de sintomas que configuram os respectivos critérios diagnósticos;
modelo ateórico, sem discussão da etiologia dos transtornos; descrição das
patologias, dos aspectos associados, dos padrões de distribuição familiar, da
prevalência na população geral, do seu curso, da evolução, do diagnóstico
diferencial e das complicações psicossociais decorrentes na busca de uma
linguagem comum, para uma comunicação adequada entre os profissionais da área
de saúde e incentivos à pesquisa(8).
Seleção do conteúdo
A partir do estudo do referencial pedagógico e teórico definiu-se a utilização
de histórias e/ou filmes infantis como fonte referente às características
psicológicas dos transtornos da personalidade.
Há estudos que apresentam divertidos estudos de caso, desvendando os problemas
de saúde mental, personagens infantis de vários contos de fadas. Estes estudos
relacionam os conhecimentos psicanalíticos com importantes histórias infantis,
incluindo os contos clássicos e os personagens atuais, como a Turma da Mônica,
Harry Potter ou que conduz os leitores numa viagem aos contos através da
perspectiva psicológica e social(11-13).
Para a construção do software foram definidas nove histórias e/ou filmes
infantis, a saber: Peter-pan, Alice no País das Maravilhas, A Branca de Neve e
os Sete Anões, A Bela e a Fera, O Patinho Feio, Shrek, A Turma da Mônica, A
Turma do Mickey e Pica Pau. A partir do perfil psicológico apresentado pelos
personagens das histórias ou filmes infantis elencados identificaram-se
transtornos da personalidade em dezessete personagens (Quadro_1).

Definiu-se como referencial teórico para a construção do software a utilização
dos padrões e critérios diagnósticos dos transtornos da personalidade segundo o
DSM-IV. Entende-se como transtorno da personalidade o padrão persistente de
vivência íntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas
da cultura do indivíduo, é invasivo e inflexível, tem seu início na
adolescência ou começo da idade adulta, é estável ao longo do tempo e provoca
sofrimento ou prejuízo. Este padrão manifesta-se em duas (ou mais) das
seguintes áreas: cognição, afetividade, funcionamento interpessoal e controle
dos impulsos(8).
Segundo o DSM-IV os transtornos da personalidade são reunidos em três
agrupamentos, com base em similaridades descritivas(8):
Agrupamento A - onde os indivíduos com esses transtornos frequentemente
parecem "esquisitos" ou excêntricos. Encontram-se neste agrupamento o TP
Paranóide; TP Esquizóide e o TP Esquizotípica;
Agrupamento B - onde os indivíduos com esses transtornos frequentemente
parecem dramáticos, emotivos ou erráticos. Encontram-se neste agrupamento o TP
Anti-Social, TP Borderline, TP Histriônica e TP Narcisista;
Agrupamento C - onde os indivíduos com esses transtornos frequentemente
parecem ansiosos ou medrosos. Encontram-se neste agrupamento o TP Esquiva; TP
Dependente e TP Obsessivo-Compulsiva.
No Quadro_2 identificam-se os personagens das histórias e/ou filmes infantis,
que caricaturalmente caracterizam um TP. Cada TP apresenta critérios
diagnósticos definidos pelo DSM-IV(8).
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Reconhecendo o Software educacional como um programa desenvolvido para atender
objetivos educacionais previamente estabelecidos, para que ele seja efetivo e
esteja à altura das necessidades pedagógicas, é necessário que seu
desenvolvimento conte com ferramentas de multimídia. Portanto, após a
identificação dos personagens das histórias e/ou filmes infantis e os
respectivos transtornos da personalidade, segundo o DSM-IV(8), construíram-se
banco de multimídias com os seguintes dados: gráficos, referentes a imagens
(figuras ilustrativas dos personagens e das histórias e/ou filmes infantis
localizados em sites de busca da WEB); sonoros, relativos a áudio (som de
risada localizado no fichário do clip-art do Microsoft PowerPoint 2007); e
explicativos, usadas para compor o texto escrito do software (8,14).
Desenvolvimento do Software
A interface é o mecanismo através do qual o diálogo entre o software e
estudante, é estabelecido. Como o homem percebe o mundo através do sistema
sensório, o planejamento de uma interface deve enfatizar os sentidos visuais e
auditivos. Outro aspecto Importante refere-se à ludicidade do material
multimídia. Neste sentido definiu-se para o desenvolvimento do software
educativo, o modelo do tipo quis, isto é de perguntas e respostas, elaboradas a
partir do levantamento dos aspectos caricaturais dos personagens do universo
infantil e os respectivos transtornos da personalidade segundo o DSM-IV(8).
Para cada personagem, foram elaboradas perguntas com níveis crescentes de
dificuldade. Os níveis configuram-se como básico, intermediário e avançado.
O software foi desenvolvido no programa Microsoft PowerPoint Office 2007. Este
programa com seus mecanismos de botões de ação e hiperlink possibilitam
configurar ações e macros. No nível "básico" foram elaboradas dez perguntas,
cada uma com três alternativas de resposta, sendo uma a resposta certa e duas
erradas (Figura_1). Enviando a resposta errada, a partir de hiperlink, o
jogador navega para o slide de resposta errada onde se emite um som de
gargalhada, e o botão de retorno ao jogo. Quando o jogador escolhe a opção
certa se navega para o slide onde serão apresentadas as principais
características do respectivo transtorno da personalidade. Ainda associado
neste slide há a opção de continuar o jogo ou navegar para o slide onde se
apresenta o perfil "orkutiano" elaborado para cada personagem com seu
respectivo transtorno da personalidade (Figura_2). Para a elaboração destes
perfis seguiu-se os critérios diagnósticos definidos pelos DSM-IV para cada
transtorno da personalidade especificamente.
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[/img/revistas/reben/v64n6/a26fig02.jpg]
No nível intermediário existem sete perguntas, de maior complexidade, que o
nível básico, cada uma com três alternativas de resposta, sendo uma delas certa
e duas referindo-se as erradas (Figura_3). Como no nível básico, o jogador erra
a resposta, navega-se para um slide onde é emitido um som de gargalhada e com o
botão de retorno ao jogo. Quando o jogador escolhe a opção certa se navega para
o slide onde serão apresentadas as principais características do respectivo
transtorno da personalidade e, como no nível inicial, tem-se a opção de
continuar ou navegar para o slide com o perfil "orkutiano".
[/img/revistas/reben/v64n6/a26fig03.jpg]
No último nível elaboraram-se dezesseis perguntas, de maior complexidade, que o
nível intermediário, cada uma com duas alternativas de resposta, tem-se na
descrição da pergunta: opção de navegar para o slide onde serão apresentadas as
principais informações da história e/ou filme infantil do respectivo
personagem; este slide possui um botão de retorno ao jogo (Figura_4). Quando o
jogador escolhe a opção certa navega para um slide onde é avaliado como
resposta correta e quando erra a resposta, navega-se para um slide onde emite
um som de gargalhada e com o botão de retorno ao jogo.
O jogo completo é composto por 134 slides, distribuídos da seguinte forma: 2
com apresentação do jogo educativo, 40 do nível básico, 28 do nível
intermediário, 64 do nível avançado e o último slide com os créditos da
construção do software.
AVALIAÇÃO
Para a validação do software utilizou-se a sala de informática da UFSJ bem como
a aplicação do jogo e escala de Reeves. Participaram ao todo 26 estudantes do
curso de Enfermagem do 2º ao 6º períodos, todos consentiram com a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que a validação do jogo foi
aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade.
Para a validação foi utilizado o método de Reeves que utiliza duas abordagens
complementares em relação à interface com o usuário (10 critérios), e aos
aspectos pedagógicos do software (14 critérios). O Método de Reeves avalia o
software atráves de marcação sobre escala não dimensionada representada por
dupla seta, onde há conceitos antagônicos nas extremidades, sendo negativamente
à esquerda e positivamente à direita(15). Encontrou-se a media de 9,7 para os
critérios relacionados à interface com o usuário (facilidade de navegação,
design da tela, compatibilidade espacial do conhecimento, apresentação da
informação, estética e funcionalidade), sendo: Facilidade de navegação com
pontuação de 9; design de tela com 10; compatibilidade espacial 9; apresentação
da informação com 9; estética 10 e funcionalidade com 9. Para os critérios
pedagógicos obteve-se a média de 8.3 (epistemologia, sequenciamento
instrucional, validade experimental, valorização do erro, estruturação,
controle do aluno e aprendizado cooperativo), sendo 9 para epistemologia; 9
para sequenciamento instrucional; 9 para valorização do erro; para estruturação
7; controle do aluno media 7 e aprendizado cooperativo 9.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Informática em Enfermagem é a área de conhecimento que estuda a aplicação dos
recursos tecnológicos no ensino, na prática, na assistência e no gerenciamento
da assistência e do cuidado(16). A utilização de ambientes virtuais de
aprendizagem no ensino de Enfermagem aplicado ao campo da saúde mental é uma
estratégia, que por ser inovadora, torna-se um desafio. Portanto, considerando
os objetivos deste estudo, concluiu-se que a construção do software atingiu a
sua meta como instrumento de ensino-aprendizagem, mostrando ser uma alternativa
para o ensino da área de saúde, principalmente no campo da saúde mental.
A inserção de tecnologias estimula o estudante à descoberta de novas fontes de
pesquisa, permitindo um processo de ensino-aprendizagem eficaz e condizente com
a atualidade. O software educativo não substitui outras fontes de consulta, mas
sua dinâmica provê ao estudante maior agilidade na busca de informações que
sirvam ao processo ensino-aprendizagem. Acredita-se que a rapidez de acesso se
reflete no ganho de tempo e na possibilidade de aprofundamento por meio de
outras fontes de consulta.