Pupunha no mercado de Manaus: preferências de consumidores e suas implicações
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
A pupunha (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) foi domesticada para que seu fruto
fosse usado na economia indígena nas formas de farinha, bebida fermentada e
fruto cozido. Na economia atual, tanto urbana como rural, é usado como fruto
cozido e é subutilizado (Clement, 2000). A demanda para fruto fresco (usado
após cozido) manteve-se estável ao longo das últimas décadas, apesar de uma
campanha de fomento à produção bem executada. Uma parte dessa campanha usou
germoplasma de população de Fonte Boa (Amazonas), da raça mesocarpa 'Solimões',
pois acreditava-se empiricamente que este germoplasma atenderia à demanda para
fruto fresco em Manaus (Moreira Gomes et al., 1987), o maior mercado para
pupunha no Estado do Amazonas. No entanto, os municípios do baixo Rio Solimões
e alto Rio Amazonas, onde este germoplasma foi plantado, não são importantes
fornecedores de pupunha para Manaus, hoje. Uma conseqüência de uma campanha de
fomento que aumentou a oferta, mas não a demanda, é que os produtores perderam
tempo e dinheiro, o que sugere falhas no plano de fomento e na pesquisa em que
se baseava.
Cachos de pupunha do município de Fonte Boa obtinham os maiores preços na feira
principal de Manaus, mesmo após os maus tratos de uma viagem de 1011 km no
porão de um barco de linha. No entanto, as preferências dos consumidores não
foram analisadas na época. O objetivo do presente estudo preliminar foi
determinar algumas características dos frutos e cachos de pupunha que a
população de Manaus acredita serem importantes, em preparação para um estudo
mais detalhado, bem como avaliar as implicações destas preferências.
Na entressafra, no período do início de setembro ao final de outubro de 2001,
foram entrevistadas 30 pessoas que compraram pupunha na Feira da Banana, o
principal ponto de entrada e comercialização de pupunha no centro de Manaus.
Procurou-se obter informações sobre as preferências para: cor do fruto
(indiferente, amarela, alaranjada e vermelha); tamanho do fruto e do cacho
(pequeno, médio e grande); textura do fruto (oleosa, mais oleosa que seca,
meia:meia, mais seca que oleosa e seca); aparência do fruto (indiferente, casca
lisa ou rachada5; presença de danos por insetos na casca do fruto (não importa
ou importa); como escolher qual cacho comprar (só olhando, apertando,
descascando, abrindo ou amassando6 a polpa); preço pago pelo cacho
(R$1,00=US$0,38); forma de consumo pretendido (só cozido, farinha ou outro).
Observou-se o movimento da feira e obtiveram-se informações preliminares sobre
a cadeia de comercialização centrada em Manaus.
Cachos de pupunha chegam diariamente à Feira da Banana vindos principalmente
pelo Rio Solimões, especialmente de Coari (368 km via fluvial de Manaus), Tefé
(663 km), Fonte Boa (1011 km) e Tabatinga (1650 km). A maior chegada de pupunha
ocorreu nas 3as às 6as feiras. Os feirantes sabem que a distância até Manaus é
positivamente correlacionada ao tamanho dos frutos ao longo do rio, o que
permite verificar a informação do gerente do barco sobre sua origem. Barcos de
linha geralmente trazem centenas de cachos, podendo trazer até 2.000 cachos num
só lote. Os cachos geralmente são vendidos por R$3-4 nos cais do porto, embora
cachos especialmente grandes e bonitos podem comandar preços de até R$8-9.
Dependendo da quantidade e da aparência dos frutos, um lote leva de 3 a 7 dias
para ser vendido.
Na Feira da Banana, uma controla a maioria absoluta da comercialização da
pupunha que chega durante a safra menor, ocupando um espaço de 3 x 9 m cedida
pela Prefeitura, onde espalha ou empilha os cachos diretamente no chão de
cimento. A recomendação técnica é pendurar os cachos para melhor ventilação, o
que maximiza a vida de prateleira (Mora Urpí et al., 1997). Durante uma manhã,
em média, 50 pessoas passam por hora ao lado da área comercial, das quais
metade olha e/ou examina os cachos, e sete realizam uma compra.
Mais de 50% acredita que frutos de cor vermelha são melhores (Figura_1A). A cor
vermelha tende a ser altamente correlacionada à quantidade de coroteno na polpa
(Mora Urpí et al., 1997), mesmo que sejam pigmentos distintos (antocianina vs
caroteno).
A maioria dos compradores preferem frutos médios a grandes, em cachos grandes a
médios (Figura_1B e C), e ao mesmo tempo preferem frutos algo oleosos (Figura
1D). Estas duas demandas são difíceis de atender, pois enquanto existe uma
correlação alta e positiva entre tamanho e amido (ou seja, frutos secos), a
correlação é alta e negativa entre amido e óleo (Clement et al., 1998),
e,conseqüentemente entre tamanho e óleo. O resultado é que muitos acabam
comprando cachos que não são de sua preferência (Figura_1E).
Setenta por cento dos compradores preferiram os frutos lisos e brilhantes, pois
acreditam que têm boa qualidade da polpa (no caso polpa mais ou menos oleosa),
mas não detalharam esta idéia; apenas 20% dos compradores manipularam os frutos
para sentir a qualidade da polpa (Figura_1F). Apenas um comprador amassou a
polpa entre os dedos. A maioria dos compradores (63%) não quis aceitar frutos
com danos de insetos ou outras manchas, mas, na prática, teve que aceitá-los,
porque é muito raro encontrar um cacho tão limpo como o desejado.
Os 30 compradores entrevistados pagaram em média R$7,10 (desvio-padrão ±4,60)
por cacho. Um comprador pagou R$20 por um cacho grande e outros 3 pagaram de
R$15 a R$18 por cachos maiores; todos estes cachos foram de Fonte Boa
(Amazonas), confirmando assim a informação empírica de Moreira Gomes et al.
(1987). A maioria dos compradores (57%), no entanto, preferiu pagar R$5 ou
menos por cacho (Figura_1G); os compradores neste grupo pagaram R$4,10 (±1,10)
por seu cacho. Mais uma vez ocorreu uma discrepância entre preferência e
prática: o grupo que pagou R$5 / cacho incluiu indivíduos que preferiam cachos
grandes, mas ficaram com cachos pequenos (Figura_1H).
Em resumo, a maioria dos 30 compradores de pupunha entrevistados nesta feira de
Manaus preferia frutos médios, oleosos e vermelhos com preço razoável, embora
houvesse um segundo grupo que aceitou pagar mais, mas com as mesmas
preferências. Os frutos de pupunha de Fonte Boa, usados no programa de fomento
mencionado, são de cor vermelha, de tamanho médio a grande (47±14 g; até 75 g)
e secos (67,7±10,4% amido vs 8,8±6,1% óleo no peso seco; Clement et al., 1998).
A implicação clara é que futuros programas de pesquisa e fomento deveriam
concentrar-se em frutos com maior demanda, como os de Coari, por exemplo (32±9
g, até 50 g; 54,5±13,8% amido vs 21,0±11,6% óleo; Clement et al., 1998).
Atender a essas demandas num programa de melhoramento será difícil, pois alguns
pares de caracteres preferidos possuem correlações negativas. No entanto, a
mensagem mais importante é que é essencial entender melhor o consumidor de
pupunha, quantificando suas preferências com mais eficiência, bem como o
tamanho e comportamento dos diferentes segmentos deste mercado.