Preservativo feminino: uma possibilidade de autonomia para as mulheres HIV
positivas
Preservativo feminino: uma possibilidade de autonomia para as mulheres HIV
positivas
Female condom: a possibility for autonomy in HIV-positive women
Preservativo femenino: una posibilidad de autonomía para las mujeres con SIDA
Gisele Maria Inchauspe PreusslerI; Vania Celina Dezoti MichelettiII; Eva Neri
Rubim PedroIII
IEnfermeira Coordenadora do Serviço de Assistência Especializada em DST's/Aids
(SAE) de Porto Alegre, Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,UFRGS
IIEnfermeira da Assessoria de Planejamento e Programação (ASSEPLA) da
Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre
IIIProfessora Enfermeira do Curso de Graduação e Pós-Graduação da escola de
Enfermagem da Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS,
Doutora em Educação. E-mail do autor:preusssler@via-rs.net
1 Introdução
O ser humano em seu ciclo vital, passa por distintas fases de desenvolvimento.
Estas foram estudadas por vários pesquisadores e entre eles podemos citar o
teórico psicanalista de grande influência sobre o estudo do desenvolvimento(1).
A identidade não esta totalmente formada no final da adolescência, continuando,
sim, a movimentar-se através de posteriores estágios desenvolvimentais da vida
adulta (1:62), sendo portanto de grande importância os anos iniciais. As
demandas culturais atribuídas nas fases iniciais do desenvolvimento, como
controle dos esfíncteres (2 anos), aprendizado das habilidades escolares (6a 7
anos),formação de parceria íntima (adulto jovem) , são de extrema relevância,
sendo atribuída a maturidade um papel insignificante na seqüência dos estágios
ciclo do desenvolvimento humano(1).
Cada estágio está centrado em um determinado dilema em uma determinada tarefa
social, denominados esses estágios em "estágios psicossociais" (1:63).
Em cada estágio do desenvolvimento a pessoa se confronta com novas tarefas,
tenha tido resolvido com êxito ou não as tarefas anteriores.
As questões não resolvidas serão levadas adiante, como excesso de
bagagem, dificultando a solução total ou bem sucedida de dilemas
posteriores. Aqueles estágios mais anteriores são assim especialmente
importantes porque determinam o palco para tudo o que vier a seguir
(1:64).
Os estágios de desenvolvimento em relação à qualidade do ego no decorrer do
ciclo vital são: confiança básica versus desconfiança; autonomia versus
vergonha, dúvida; iniciativa versus culpa; atividade versus inferioridade;
identidade versus confusão; intimidade versus isolamento; procriação versus
estagnação; integridade do ego versus desespero (1)
Neste estudo aborda-se a fase adulta e os papéis que a mulher vem desempenhando
neste período, enfocando sua sexualidade e a função reprodutiva.
Entre os 13 e 18 anos ocorre uma adaptação ao senso do self às mudanças da
puberdade, a adolescente já pode fazer uma escolha ocupacional, atinge a
identidade sexual adulta e busca novos valores; em torno dos 19 aos 25 anos,
forma uma ou mais relações de intimidade que vão além do amor adolescente; tem
condições de formar grupos familiares; dos 26 aos 40 anos tem e cria filhos,
busca a conquista profissional e desenvolve a criatividade, e treinamento da
geração seguinte e finalmente acima dos 41 anos integra estágios anteriores e
encontra a identidade básica. Aceita o self (1:63).
Historicamente, nas relações entre homens e mulheres, a mulher sempre se
manteve num papel de aceitação, subordinação, desencadeando atitudes sexuais e
sociais diferenciadas a serem desempenhadas entre homens e mulheres.
...a diferenciação anatômica e suas representações simbólicas-
percepção da oposição direta entre as noções de atividade (pênis que
penetra) e passividade (vagina que é penetrada)- forjaram, a partir
de esquemas de valores culturais construídos, a noção do que
significa masculinidade, feminilidade e suas interações sociais e
sexuais (2:40).
O tipo de relação que a mulher vem mantendo consigo mesma e com sua
sexualidade, perpassando o universo do amor e da fidelidade em especial nas
relações afetivas, tem sido marcada pela subordinação ao desejo masculino,
colocando a mulher num lugar de vulnerabilidade as DST e a AIDS. Cabe salientar
que a estrutura anatômica e fisiológica também favorece para o desenvolvimento
destas patologias. Isto é confirmado pela mudança do perfil da epidemia que no
início dos anos 80 era em torno de 25 casos masculinos para 1 feminino e hoje é
de 2 para 1 com perspectiva de crescimento (3). A disseminação do HIV por todo
o planeta, atualmente caracterizado e marcado pela transmissão sexual, vem
fazendo com que as pessoas repensem suas práticas sexuais e seja incentivada
mudança de comportamento. A mudança do perfil da epidemia, destacando a
feminilização, nos remete em construir urgentemente meios que assegurem a esta
parcela da população desfrutar de sua sexualidade, com autonomia, sem colocar
em risco seu corpo e sua saúde. Sabe-se que
a negociação do uso do preservativo significa trazer à tona a
discussão , o debate sobre a construção de valores e normas
referentes ao exercício da sexualidade de homens e mulheres quanto a
forma com que se organizam as experiências, as interações sexuais e
as relações de gênero(2:37).
Dentro deste contexto surge como alternativa o preservativo feminino, um novo
aliado à transmissão das DST's, especialmente a infeção pelo HIV, e que aos
poucos começa a ser introduzido na vida das mulheres.
Inventado na década de 80, começou a ser comercializado em 1993. Os principais
consumidores do preservativo feminino são os países da África, América Latina e
Ásia. Em grande parte, os preservativos foram oferecidos pelo governo ou
organizações internacionais. No Brasil esse tipo de preservativo é mais vendido
nas regiões Sul e Sudeste (4).
O uso do preservativo significa para algumas mulheres a possibilidade de
conquista de uma liberdade de escolha, que antes não possuíam, pois antes do
surgimento do preservativo feminino as mulheres dependiam em parte, da escolha
do homem para protegerem-se. Além disso, é tão confiável quanto o preservativo
masculino quando se trata de prevenção de DST's, ou até mais seguro se usado
corretamente, já que é mais resistente não há risco de vazamentos e possibilita
também segurança para o homem. O preservativo feminino vem sendo
disponibilizado pelo Ministério da Saúde desde o ano de 2000, no entanto pelo
elevado custo deste insumo, sua distribuição não ocorre de forma universal como
o preservativo masculino, sendo destinado a uma parcela da população como:
profissionais do sexo, mulheres em situação de violência, mulheres
soropositivas e ou companheiras de homens soropositivos, mulheres usuárias de
drogas e mulheres de baixa renda. Cabe ressaltar a possibilidade de autonomia
que o preservativo oferece para as mulheres, considerando a feminilização da
epidemia e a dificuldade que as mulheres tem de negociar o uso do preservativo
com seus parceiros. O Serviço de Assistência Especializado em DST/AIDS de Porto
Alegre, é um dos serviços que disponibiliza o preservativo feminino, pois
atende a população definida pelo MS. A distribuição neste serviço iniciou em
maio de 2000, sendo sempre acompanhada de um trabalho educativo, que acontece
individualmente ou em atividade de grupo. Independente da metodologia utilizada
são abordados nos encontros os seguintes temas: noções básicas sobre anatomia e
fisiologia do aparelho reprodutor feminino, explicação sobre o preservativo
incluindo, cuidados ao abrir, com o manuseio, conservação, lubrificação,
posição adequada para colocação, como desprezar. Aborda-se também as eventuais
complicações que podem acontecer durante a utilização do preservativo como,
ruído indesejado, penetração externa ao preservativo, lubrificação inadequada
ou excessiva, reação alérgica, conduta em caso de perda do mesmo no organismo e
a contra-indicação da utilização simultâneo do preservativo feminino com o
masculino, além de discussões e esclarecimentos sobre dúvidas que as mulheres
expõem na consulta ou no grupo. Utiliza-se como recursos didáticos para esta
atividade o modelo feminino pélvico,cartazes explicativos e vídeo relacionado
ao tema. No período de maio 2000 a maio de 2001, 185 mulheres experimentaram o
preservativo feminino, no entanto somente 16,2% delas aderiram ao uso regular
do método. Para medirmos a aceitabilidade, foi realizado um levantamento a
partir de alguns critérios: consideramos uma adesão aceitável, aquela em que a
mulher retirou o preservativo 80% ou mais, das vezes previstas; uma adesão
parcial, aquela em que a mulher voltou ao serviço para buscar o preservativo
entre 50-80% das vezes previstas e uma adesão não aceitável, aquela em que a
mulher retirou menos de 50% das vezes previstas. Para serem avaliadas dentro
destes critérios, elegemos as mulheres que ingressaram no programa até dezembro
de 2000, totalizando 111 mulheres, isto nos garantiu que as mulheres avaliadas
estivessem no mínimo a cinco meses no programa, sendo realizado o percentual
referente aos meses de participação. Destas, 18 (16,2%), foram consideradas
aderentes, 15 (13,51%), foram consideradas parcialmente aderentes e 78 (70,27%)
não aderentes. Todas as mulheres que participaram deste levantamento tem idade
superior a 18 anos.
Reportando-nos as tarefas e atividades do ciclo vital no estágio de
desenvolvimento que se encontram estas mulheres, destacamos como principais:
forma uma ou mais relações de intimidade que vão além do amor
adolescente, forma grupos familiares; tem e cria filhos, foco na
conquista profissional e criatividade, e treinamento da geração
seguinte, integra estágios anteriores e encontra a identidade básica.
Aceita o self(1:63) .
Estas mulheres têm como agravante para o enfrentamento desta fase do ciclo
vital, a soropositividade para o HIV, que pode ter surgido nesta fase, ou em
fases anteriores. Este fato isolado nos levaria a pensar que o preservativo
feminino seria bem aceito para esta parcela da população.
No entanto conforme já citado, mesmo tendo algumas tarefas a serem cumpridas na
fase adulta, os comportamentos desempenhados neste período serão reflexos do
que aconteceu nos anos iniciais, pois estes são fundamentais na construção do
ego. Na fase adulta, os conceitos, hábitos, estão de uma certa forma
estruturados, interferindo diretamente no comportamento. Isto indica que a
introdução de métodos relacionados ao comportamento, devam ser oferecidos
preferencialmente antes da fase adulta, assim serão mais facilmente
incorporados nos hábitos de vida.
A epidemia da AIDS nestes últimos 20 anos, tem desencadeado que, cada vez mais
cedo, os temas relacionados a prevenção sejam inseridos nas práticas
educacionais , o que não aconteceu com esta geração de mulheres estudadas e
isto pode ser apontado como um agravante na aceitabilidade do método, pois
mesmo as mulheres conhecendo sua sorologia, seu agravo e a necessidade de
protegerem-se não estão conseguindo utilizar o preservativo feminino , por não
terem introjetado em seu comportamento esta prática.
2 Considerações Finais
Este levantamento nos leva a refletir que, a inserção de novos métodos, exige
além de orientações técnicas, mudanças comportamentais e estas não acontecem
como um fato isolado, e sim estão inseridos dentro de uma construção social e
cultural, que dentro de um processo deve ser gradativamente reconstruído. A
exemplo disto, podemos citar as experiências com o preservativo masculino, que
foi inserido no mercado há mais tempo e, no entanto ainda hoje não está
introjetado como um hábito para uma parcela significativa da população.
Por outro lado tivemos uma parcela de mulheres que consegui ultrapassar estes
desafios e obteve a adesão necessária e que poderão ser multiplicadoras desta
prática, que proporciona, sobretudo autonomia para mulher. Porém cabe salientar
que o estudo deste tipo necessita de estabelecimento de indicadores mais
fidedignos que não somente o registro da retirada do preservativo no serviço de
saúde.
Entendemos que o uso e aceitabilidade do preservativo feminino estão em fase de
"fecundação" e sua inserção efetiva exigirá uma mudança de comportamento, tanto
dos usuários como dos profissionais, e isto, é sem dúvida um grande desafio,
principalmente quando envolve sexualidade e consenso entre duas pessoas. Cabe
assim, persistir neste desafio, incentivando a criação de espaços, que
possibilitem as mulheres falar de suas vivências, culturas e dificuldades,
elevando sua auto estima, potencializando sua capacidade de negociação e poder
de decisão, oferendo subsídios e orientações na construção conjunta de mudança
de comportamento. Devemos também, incentivar cada vez mais, que esta prática
seja inserida nos processos educativos, tanto em nível escolar como nos
serviços de saúde desde as fases iniciais, isto possibilitará que no futuro
tenhamos mulheres mais fortalecidas, com autonomia para decidir como cuidar seu
corpo e sua saúde.
A utilização correta deste método poderá também contribuir para a mudança do
perfil da epidemia. Não queremos com isto, responsabilizar unicamente a mulher
pela mudança deste perfil epidemiológico, pois com isso estaremos eximindo a
responsabilidade do homem, quanto ao uso do preservativo masculino, mas sim que
estas mudanças seja resultado das práticas dos sujeitos envolvidos neste
processo.
Este artigo não esgota o tema, mas espera-se que sirva de incentivo para que
outros estudos sejam realizados com o objetivo de despertar nos profissionais
tanto da educação como da saúde estratégias facilitadoras, que possibilitem uma
inserção rotineira deste insumo no cotidiano das mulheres.