Assistência de enfermagem à criança hospitalizada: breve retrospectiva
HISTÓRIA DA ENFERMAGEM
Assistência de enfermagem à criança hospitalizada: breve retrospectiva
Nursing care of child: short retrospection
Asistencia de enfermería al niño: breve retrospectiva
Maria Cristina Frères de SouzaI; Isabel Cristina dos Santos OliveiraII
IEnfermeira gerente do setor de Pediatria Oncológico do Instituto Nacional de
Câncer / RJ. Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ.
Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras)
da EEAN / UFRJ
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de
Enfermagem Médico-Cirúrgica - EEAN/UFRJ. Pesquisadora / CNPq
E-mail do autor: constanciar@ig.com.br
1 Introdução
Este estudo enfoca o panorama da política de saúde infantil, em destaque, no
contexto hospitalar na cidade do Rio de Janeiro, tendo como propósito descrever
a assistência de enfermagem à criança hospitalizada na primeira metade do
século XX.
Considero importante apresentar a assistência na área de saúde dentro dos
hospitais gerais e pediátricos, para um melhor entendimento dos fatores
intrínsecos e extrínsecos que influenciaram na assistência à criança
hospitalizada e a prática da enfermagem.
Trata-se de um estudo histórico. As fontes primárias escritas são os artigos
publicados na revista Brasileira de Enfermagem no período em estudo. As fontes
secundárias estão constituídas pela literatura pertinente à temática.
2 Os marcos históricos da assistência de enfermagem à criança hospitalizada
A assistência à criança estava vinculada diretamente ao contexto histórico-
social e econômico do país. No início do século XX, ocorreram mudanças no setor
da saúde, "caracterizou-se por um período de transição quanto à
assistência social e filantrópica em favor de uma assistência à saúde com
subvenção particular e/ou pública"(1: 25).
Em 1901, foi inaugurado no Rio de Janeiro, o Instituto de Proteção e
Assistência à Infância, fundado por Carlos Artur Moncorvo Filho. Esta
instituição teve ampla repercussão, sendo reconhecida em nível municipal
(Decreto n. 139 - 17/11/1909) e federal (Decreto n. 3877 -12/11/1919), com
instalações de filiais por todo o país, cujos objetivos eram atender à criança
pobre nos múltiplos problemas psico-patológicos(2;3).
Foi inaugurada, em 1910, a Policlínica das Crianças, mantida pela Santa Casa de
Misericórdia. O primeiro diretor foi o médico Antonio Fernandes Figueira, que
fundou a Sociedade Brasileira de Pediatria no mesmo ano. A partir de 1918, a
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro manteve também o
Hospital São Zacarias, que alojou uma clínica pediátrica(4).
Na década de 20, ocorreu a Reforma Carlos Chagas, reorganizando os serviços de
saúde pública, sendo criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP)
vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, com ação em várias
áreas, incluindo a higiene infantil e supervisão dos hospitais públicos
federais(5).
Em 1921, com o auxílio e cooperação do governo dos Estados Unidos e
financiamento da Fundação Rockefeller, acontece a fundação da Escola de
Enfermeiras do DNSP (posteriormente Escola de Enfermagem Anna Nery) moldada ao
sistema de Florence Nightingale, originário da Inglaterra, que chega ao Brasil
proveniente dos Estados Unidos, implantando a enfermagem profissional(6). As
enfermeiras realizavam orientações às mães, nos consultórios de higiene
infantil, sobre: cuidados da gestação, parto, pós-parto e com seus filhos, com
o objetivo de combater a mortalidade infantil(7).
Com a destruição da hegemonia cafeeira na década de 30, a política de saúde
toma novas direções. Uma nova aliança no poder é formada com a revolução de 30,
e a burguesia industrial nascente, os cafeicultores, os grandes comerciantes
importadores e as oligarquias dissidentes coexistiram de forma instável(8).
A política de saúde de caráter nacional centralizou-se, a partir de 1930, em
dois subsetores: saúde pública e medicina previdenciária, prevalecendo o de
saúde pública(9). Enquanto, com a evolução do ensino da pediatria, a
assistência à criança foi institucionalizada com dois tipos de prática médica:
puericultura e assistência médica privada(10).
Na época, a política social se fundamentava no assistencialismo de caráter
populista como base para difusão de princípios político-ideológicos, como
cidadania, direitos sociais e nacionalidade(11).
O Presidente Getúlio Vargas iniciou a construção de hospitais da Prefeitura do
Distrito Federal, como o Hospital Jesus especializado em clínicas médica e
cirúrgica infantis(12:217-219) e o Instituto de Puericultura no âmbito federal
(13).
Cabe destacar que o Hospital Jesus foi inaugurado em 20/6/1935, passando a
denominar-se Hospital Estadual Jesus (artigo 102 do Decreto n. 66-18/9/63); e o
Instituto de Puericultura era um órgão assistencial e de ensino da puericultura
e pediatria, incorporado à Universidade do Brasil (Decreto-lei n. 98-23/12/37)
e denominado Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da UFRJ em
1954.
O Presidente reconhecia a necessidade de uma rede (estados, municípios e
iniciativa privada) eficiente de serviços de amparo à maternidade e à infância
através de um discurso populista apoiado nas idéias eugênicas, provenientes do
nazismo alemão, de melhorar a raça e dar ao país gente forte e sadio(11).
A participação político-social das enfermeiras durante o Estado Novo estava
voltada para o aspecto social das doenças nas crianças, destacando a
importância de uma infância sadia(14).
Em seus artigos, as enfermeiras destacavam o alto índice de mortalidade
infantil e de analfabetismo, mas a relação entre as condições sócio-econômicas
e a saúde da população, não eram discutidas. Também não apresentavam análise
crítica, reproduzindo os discursos ideológico-governamentais(1).
Durante a década de 40, persiste o movimento eugênico através das metas
governamentais e nos discursos dos puericultores, refletindo na produção
científica das enfermeiras(1).
O médico sanitarista João de Barros Barreto realiza uma reforma no Departamento
Nacional de Saúde (DNS) em 1941, durante o Estado Novo. Com esta organização,
tentou-se coordenar as atividades de saúde em âmbito federal e dedicar recursos
à assistência à maternidade e à infância(5).
A construção de hospitais infantis ou serviço clínico infantil em pavilhões
anexos aos hospitais gerais era uma necessidade para atender às crianças
doentes, através de estabelecimentos adequados(15).
A conjuntura sócio-econômica favoreceu o crescimento dos ideais
redemocratizantes. A hegemonia político-econômica norte-americana limita a
expansão da política econômica nacionalista praticada pelo Governo Vargas.
Todos estes fatores contribuíram para a queda de Getúlio Vargas, em 1945,
assumindo o poder através de eleições diretas, o general Eurico Gaspar Dutra
(16).
Conforme a citada autora, o setor químico e farmacêutico encontrava-se entre as
indústrias que mais se expandiram no período de 1939 a 1952. A produção
farmacêutica internacional realizou a descoberta de novos medicamentos e
antibióticos.
No pós-guerra, no setor saúde surge importantes mudanças, tais como o
surgimento de órgãos internacionais como: Organização Mundial da Saúde (OMS) e
Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI) ou Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF); e com a venda de implementos terapêuticos surge a
hegemonia da influência curativa(17).
Nos fins da década de 40, construiu-se no Rio de Janeiro, três hospitais para
atender à clientela infantil. O Hospital Infantil inaugurado em 1947, para
atendimento da clínica pediátrica geral e passando a denominar-se Hospital
Estadual Salles Netto em 1965. Em 1948, inaugurou-se o Hospital Barata Ribeiro
com o objetivo de atender os alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino
de 1° grau da Prefeitura e particulares, nas clínicas cirúrgica e ortopédica.
Este hospital passou a atender também a clientela adulta, em 1955, motivada
pela obra de Hospital Souza Aguiar, recebendo os pacientes e funcionários do
referido hospital. Por iniciativa do Ministério da Aeronáutica, inicia-se, em
1949, a construção do Centro Médico-Pedagógico Nossa Senhora do Loreto sendo
inaugurado em 1950, destinado ao tratamento e internação de crianças portadoras
de afecções cirúrgicas. A partir de 1963, este centro denomina-se Hospital
Estadual Nossa Senhora do Loreto(12).
Em 1950, durante o governo Dutra, amplia-se a assistência médica aos segurados
da previdência social, ocorre a compra e construções de hospitais e aquisição
de equipamentos médicos(18).
A dicotomia aumenta em relação aos aspectos preventivos e curativos, ficando a
prática sanitária em segundo plano. Na área de pediatria, a assistência à
criança concentra-se nos hospitais, com as especializações, surgindo as
clínicas pediátricas. Com isso, é sentida a necessidade de maior demanda de
pessoal de enfermagem mais qualificado nos hospitais. Neste sentido, a
Associação Brasileira de Enfermagem (criada em 1926 com a denominação de
Associação Brasileira de Enfermeiras diplomadas) e agências internacionais como
a OMS, objetivando a capacitação de pessoal, ressaltam a necessidade de criação
de escolas de Enfermagem(10).
Segundo Oliveira(1:52), na década de 50, o hospital assumiu uma posição central
na prestação de saúde, concentrando diversas especialidades, e também, apoiado
na maior utilização de medicamentos, emprego mais intensivo de equipamentos e
serviços de diagnósticos.
As enfermeiras destacavam o aprendizado contínuo em diferentes áreas, como uma
necessidade para atualização acerca do desenvolvimento científico e tecnológico
(19).
Veloso(20), em seu artigo descreve a necessidade de criação de hospitais
pediátricos ou enfermarias específicas nos hospitais gerais, inclusive com a
participação da enfermagem no plano de construção ou adaptação, ressaltando a
importância da experiência desses profissionais para evitar novas despesas com
reformas. Ainda, a autora, destaca, de forma descritiva, as rotinas e a
estrutura física de um Departamento de Pediatria em um hospital geral, tais
como: área física, ambiente, recreação, isolamento, limpeza, roupas, entre
outros.
Ainda, para Veloso(20), os hospitais infantis necessitavam de enfermeiras
diplomadas com "certa especialização" em enfermagem pediátrica para
orientar as demais, demonstrando que a enfermagem encontrava-se no caminho de
desenvolver-se no campo da especialização, acompanhando as especializações
médicas na área de pediatria.
Por outro lado, Teixeira(21) critica o preparo das enfermeiras nas escolas,
demonstrando entre as dificuldades encontradas por estas profissionais o seu
desconhecimento no lidar com o comportamento da criança e suas necessidade,
conhecimentos sobre nutrição e dietética infantil e pouco interesse sobre a
recreação e terapia ocupacional.
Oliveira(22) enfatiza a seleção de pessoal e o aprimoramento das enfermeiras
para cuidar da criança hospitalizada, assim como o conhecimento sobre o
desenvolvimento biopsicossocial da criança e o papel da mãe substituta.
3 Considerações finais
No início do século XX, o setor saúde deixa o caráter social e filantrópico
para ser subsidiado pelo governo. Em relação a assistência à criança, inúmeros
hospitais são inaugurados nos anos 30 e 40, apesar da política nacional de
saúde caracterizar-se por ações preventivas, e persistir o movimento eugênico.
As enfermeiras reproduziam o discurso ideológico-governamental em relação a
taxa de mortalidade infantil, analfabetismo, condições sócio-econômicas, entre
outros.
As transformações da política de saúde infantil e o fortalecimento das ações
curativas, com o advento de novas tecnologias, propiciaram cada vez mais as
ações de enfermagem no contexto hospitalar, resultando na necessidade de uma
assistência diferenciada à criança.
Nos anos 50, o hospital é o centro de atendimento à saúde, e na área de
pediatria, a assistência à criança concentra-se em hospitais especializados ou
enfermarias específicas nos hospitais gerais.
As enfermeiras destacavam a necessidade da aquisição de conhecimentos técnico-
científicos para cuidar das crianças hospitalizadas em diferentes situações.
A assistência de enfermagem à criança, na primeira metade do século XX
caracteriza-se por transformações técnico-científicas no cenário hospitalar,
favorecendo a construção do saber da enfermagem na área de pediatria.