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BrBRCVHe0034-71672004000300002

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variedadeBr
ano2004
fonteScielo

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Acidentes do trabalho com substâncias químicas entre os trabalhadores de enfermagem PESQUISA

1 Introdução As substâncias químicas são introduzidas no trabalho em saúde e enfermagem, em seus diferentes estados como gases, vapores e líquidos para uso em esterilização, desinfecção de materiais, anestesias e tratamentos medicamentosos dos pacientes.

Nessa condição, constituem instrumentos necessários ao trabalho de enfermagem, submetendo o trabalhador às cargas e aos processos de desgastes biopsíquicos.

A condição é possível de reversão, conforme os efeitos dessas substâncias possam ser informados e conhecidos pelos trabalhadores e instituições e diante da vontade política de promover a saúde dos envolvidos nesse trabalho.

A forma como o trabalho de enfermagem é organizado agrava os processos de desgastes dos trabalhadores. A manipulação das substâncias é comum em salas mal ventiladas, espaço físico inadequado, problemas com equipamentos, mistura de substâncias químicas, ritmo acelerado de trabalho, pressões das chefias, longas jornadas de trabalho, uso inadequado de EPI e falta de medidas de proteção coletiva que possibilitam ou intensificam a exposição dos trabalhadores(1).

Vale apontar que as substâncias químicas em determinado nível promovem, preservam, mantêm e recuperam à saúde da população, mas, também, atuam no ambiente hospitalar com riscos à saúde do trabalhador de enfermagem.

Para a compreensão dessa problemática no seu contexto, é necessário abordar os fundamentos teóricos que explicam os processos saúde-doença vivenciados pelos trabalhadores de enfermagem, resgatando conceitos que articulam a relação trabalho e saúde, permitindo, assim, recortar o objeto deste estudo.

Ao longo do tempo, várias teorias do processo saúde-doença foram conformando-se em nossa sociedade para explicar esse fenômeno, como a unicausalidade, a multicausalidade e a determinação social(2,3,4).

O modelo de determinação social da doença surge nas décadas de 60 e 70 do século XX(5).

Nesse estudo, aborda-se a teoria da determinação social pela concordância de que o processo saúde-doença é a síntese de múltiplas determinações. Assim, a determinação social aparece como alternativa às limitações explicativas das teorias do processo saúde-doença e propõe um modelo que concebe a saúde-doença como um processo social, que historicamente os processos biopsíquicos humanos têm mudado em função das transformações sociais ocorridas. Por isso, a causalidade precisa ser contextualizada, buscando-se estabelecer todo o conjunto de relações capazes de determinar uma doença(2).

A teoria da multicausalidade, enquanto explicativa do processo saúde-doença, mantém-se hegemônica, haja vista que grande parte da legislação trabalhista sobre a saúde do trabalhador está fundamentada nessa teoria, que se explicita no conceito de acidente de trabalho e estabelece outras normas baseadas na teoria do risco.

Sob essa concepção, a Portaria 3214 de 78, do Ministério da Saúde, dispõe sobre as Normas Regulamentadoras -NRs- relativas à segurança e à saúde no trabalho. A Portaria dispõe, dentre outras normas, sobre o uso de Equipamento de Proteção Individual EPI-NR6 e trata do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional PCMSO- NR7(6,7).

Outro dispositivo legal é a Lei 6.514 de 77 que dispõe sobre o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho SESMET e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CIPA, regulamentados, respectivamente, pela NR4 e pela NR5. Ambos os instrumentos foram criados para que os trabalhadores e as empresas tratem da prevenção de acidentes e das condições de trabalho (8). Ao SESMET, cabe de modo mais específico empenhar-se tecnicamente para que sejam tomadas as medidas prevencionistas de acidentes do trabalho ou de doenças ocupacionais, de modo a proteger com eficácia os trabalhadores em relação aos riscos profissionais existentes.

Nessa perspectiva, na maioria das vezes, esses serviços enfocam a patologia, a fisiologia e a toxicologia do trabalho, como fundamentos da medicina do trabalho.

A teoria explicativa do processo saúde-doença, segundo a determinação social desse processo, é ao mesmo tempo histórica e social e ancorada no modo de produção da sociedade.

A categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção historicamente determinado, sendo este o conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção, nos quais a produção organiza a sociedade(9).

Nesse contexto, o trabalho é compreendido como uma atividade que, orientada por uma finalidade, realiza o metabolismo entre o homem e a natureza a ser por ela transformado e, assim, exercer a criatividade.

Os elementos do processo de trabalho são o objeto, os meios/instrumentos e o trabalho em si em suas formas específicas de organização e divisão(9).

O processo de trabalho concretiza formas de valorização do capital, tanto pelas estratégias de intensificação do ritmo de trabalho como pela introdução de novas tecnologias(1).

Assim, recompõem-se os elementos do processo de trabalho da Enfermagem em um Hospital Público Universitário. Citamos como objeto de trabalho o corpo individual coletivo dos pacientes: os meios e instrumentos, a área física, materiais, equipamentos, recursos financeiros e o saber. Nas formas de organização e divisão do trabalho de enfermagem, a autora refere como importantes: o trabalho realizado pelas distintas categorias profissionais, o modelo médico-clínico curativo que o orienta, a sistematização da assistência, a divisão do trabalho por funções, atendimento 24 horas e a jornada de trabalho, cuja finalidade ou produto final é a recuperação ou controle do corpo individual dos pacientes(1).

É na interação do trabalhador com os elementos do processo de trabalho que este se expõe às cargas de trabalho. O conceito de cargas de trabalho difere do conceito de risco pela noção de historicidade contida nos processos de adaptação (proteção ou destruição da integridade corporal) que estão implícitos nas cargas(10,11).

O desgaste do trabalhador expressa-se "nas transformações negativas originadas pela interação dinâmica das cargas, nos processos biopsíquico humanos. É a perda da capacidade efetiva e/ou potencial, biológica e psíquica". Neste sentido, o desgaste se se manifesta na forma aguda ou crônica dos órgãos ou a incapacitação do trabalhador em desenvolver seu potencial tanto biológico como psíquico(10).

O desgaste não se refere de modo necessário a uma doença e pode ser um processo reversível pela possibilidade do corpo humano recuperar perdas e capacidades, desenvolvendo potencialidades(11).

Estudos distinguem aos trabalhadores de enfermagem a exposição a dois diferentes tipos de cargas de trabalho: as de materialidade externa e as interna ao corpo. Estabelece que as externas são aquelas que, ao interagirem com o corpo do trabalhador, sofrem mudanças de qualidade, podendo ser detectadas e medidas, sendo agrupadas em físicas, químicas, biológicas e mecânicas. As cargas internas expressam-se por transformações internas no corpo e agrupam-se em fisiológicas e psíquicas(1,11).

Dentre as cargas de materialidade externa, o estudo das cargas químicas reveste-se de grande importância, pois envolve todas as substâncias químicas a que se expõem os trabalhadores, presentes em determinado processo de trabalho em suas diferentes formas, ou seja, sólidas, líquidas ou gasosas. A exposição dos trabalhadores às cargas químicas ocorre, sobretudo, na interação do objeto de trabalho com os meios e instrumentos de trabalho com as formas de organização do trabalho.

Assim, as substâncias químicas constituem em instrumentos de muitos processos de trabalho e, dentre eles, o trabalho em saúde e enfermagem.

Estas substâncias químicas são amplamente usadas em distintos trabalhos. Em 1993, mais de seis milhões de substâncias químicas diferentes eram produzidas industrialmente para o consumo da população mundial(12).

Segundo estimativa do Cadastro Internacional de Substâncias Químicas - CAS, 17 milhões de produtos químicos estariam sendo produzidos até 2000(13).

Esta mega produção traz à sociedade possibilidades de inovações e conquistas nos vários mercados, onde são comercializadas com as mais diversas finalidades e em quantidades que podem variar de gramas a toneladas(14).

As tecnologias geradas pela indústria química são desenvolvidas, com predominância, nos países desenvolvidos que orientados pela intencionalidade do lucro vendem essas novas substâncias químicas aos países em desenvolvimento, sem garantir o adequado treinamento praticamente inexistente, orientação e estudos de seus efeitos sobre a saúde dos trabalhadores nas instituições que a consomem, colocando em risco a saúde dos trabalhadores, dentre eles os de enfermagem.

Centenas de substâncias químicas de uso hospitalar podem constituir-se em cargas tóxicas, mas, raramente os efeitos produzidos pelas mesmas são associados à sua toxicidade, uma vez que a natureza dessas substâncias químicas e o uso das mesmas acarretam riscos à saúde dos trabalhadores de enfermagem, pois as substâncias variam de medianamente perigosas a perigosas, sendo muitas delas carcinogênicas(14).

Na maioria das vezes, os trabalhadores desconhecem os possíveis efeitos das substâncias químicas, sofrem processos de desgaste em função da diversidade dos produtos químicos utilizados no ambiente hospitalar. Os produtos químicos empregados em hospitais exercem diversas finalidades, como por exemplo, esterilização, medicação, desinfecção, além da manutenção dos equipamentos e instalações.

No Brasil, as cargas de trabalho a que os trabalhadores hospitalares são expostos, estão, geralmente, associadas aos agentes biológicos e às radiações ionizantes, fato este que vem favorecer o desconhecimento ainda maior por parte dos trabalhadores em relação às cargas químicas(15).

Isso evidencia que falhas possam estar ocorrendo nos padrões técnicos de aquisição ou aprovação das substâncias ou produtos pelos órgãos nacionais competentes.

Para análise da exposição dos trabalhadores de enfermagem às cargas químicas, considerou-se quatro tipos de substâncias. O primeiro tipo refere-se às substâncias químicas de um modo geral (óxido de etileno, glutaraldeido, formaldeido, hipoclorito de sódio, sabões, éter, benzina). O segundo tipo relaciona-se ao uso medicamentoso das substâncias (gases anestésicos, quimioterápicos, antibióticos, anti-sépticos como água oxigenada, iodo, álcool, ácidos como o acético e alguns colírios). O terceiro tipo refere-se às poeiras e fumaças. E o quarto tipo é representado pela exposição aos materiais de borracha, como por exemplo, as luvas(1).

Os efeitos das cargas químicas que se manifestam no corpo do trabalhador podem ser mais graves pela possibilidade de potencialização dessas cargas e pela interação com as cargas psíquicas, decorrentes das formas de organização do trabalho como subordinação, parcelamento, fragmentação, monotonia, repetição e ritmo de trabalho acelerado(1).

2 Objetivo Analisar os acidentes de trabalho ocorridos com substâncias químicas, notificados e registrados, com trabalhadores de enfermagem de um hospital público universitário.

3 Caminho Metodológico Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem quantitativa que se caracteriza como análise documental, uma vez que se pretende demonstrar a ocorrência de acidentes do trabalho com a equipe de enfermagem exposta às substâncias químicas do ambiente hospitalar.

A instituição campo de estudo foi o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo HU-USP.

Os dados foram coletados no mês de junho de 2002, utilizando-se o instrumento denominado Ficha de Registro de Dados das CATs, para levantar o número de acidentes notificados com substâncias químicas. O período foi de 1992 a 2001 com autorização do SESMT.

O formulário para o levantamento dos acidentes constou dos itens: da ficha, idade, sexo, função, área de serviço, data do acidente com substância química, situação que envolveu o acidente, tipo de substância, procedimento tomado pelo SESMT e pelo trabalhador.

Para fazer o levantamento dos acidentes notificados com as substâncias químicas e o trabalhador de enfermagem, foi feito contato com o SESMT que disponibilizou seu banco de dados e os arquivos sobre estes acidentes.

Mediante essa autorização, foi realizado o levantamento dos acidentes com substâncias químicas no período, a princípio de um ano estabelecido para o estudo e, posteriormente, de 10 anos .

O estudo obedeceu aos princípios éticos para pesquisa, com seres humanos dispostos na Resolução 196/96 do CONEP. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo HU-USP autorizando a sua realização.

4 Apresentação e análise da ocorrência de acidentes com substâncias químicas no HU-USP No presente estudo, procurou-se inicialmente realizar o levantamento dos acidentes com substâncias químicas no período de janeiro de 2000 a janeiro de 2001. Feito esse levantamento, constatou-se a inexistência de acidentes notificados, com substâncias químicas para o referido período. Procurou-se, então, ampliar a verificação dos acidentes com substâncias químicas no HU-USP no período de 1992 a 2001, sendo encontrado o registro de três acidentes com substâncias químicas, como os mesmos descritos nos quadros_1,2 e 3:

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No período investigado, as notificações de acidentes com substâncias químicas foram numericamente, insignificantes. No entanto, permitiram importantes considerações.

A primeira refere-se à escassez de acidentes notificados com substâncias químicas, que os acidentes acima descritos demonstram que os riscos estão presentes no trabalho.

Chama atenção o fato de que os trabalhadores de enfermagem interagem com substâncias químicas em seu dia-a-dia de trabalho, sofrem o impacto dessas substâncias, e por outro lado, não notificam os acidentes às chefias.

Essa freqüência permite considerar que o trabalhador, em sua dinâmica de trabalho, em ritmo acelerado não se conta da necessidade de notificar o acidente ou não dispõe de tempo hábil para fazê-lo, uma vez que ao se afastar da unidade ao retornar deverá dar continuidade, pois dificilmente outro trabalhador poderá substituí-lo.

A percepção dos efeitos das substâncias dá-se, geralmente, a longo prazo.

Assim, os acidentes que foram notificados, talvez tenham sido os mais graves e que impediram o trabalhador de realizar suas atividades.

Outra possibilidade para a não notificação é a negação do próprio trabalhador, pois muitas das substâncias têm efeitos muito graves como a carcinogenicidade, mutagenicidade e teratogenicidade.

Ainda, o grande desconhecimento a respeito de que essa interação seja considerada legalmente como acidente do trabalho e a respeito da gravidade dos efeitos que, na maioria das vezes, consideram ser leves como a irritação das vias aéreas superiores.

Essas reflexões, ainda, estão relacionadas às medidas tomadas após a notificação. As orientações caracterizam o ato inadequado do trabalhador e, portanto, culpabilizam-o. Indicam o uso de EPI como medida corretiva, sem considerar a adequação. Ou remetem à responsabilidade imediata da ocorrência à chefia do trabalhador.

Embora as notificações sejam escassas em número, são ricas em conteúdo para análise.

Autores concluem que os trabalhadores de saúde conhecem os riscos à sua saúde de forma genérica, que o conhecimento demonstrado é fruto da prática cotidiana e não em razão de um serviço de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.

Apontam para a necessidade de uma atuação que modifique tal situação(16).

A ausência da rotulagem adequada dos produtos químicos com informações precisas sobre as substâncias químicas, às quais os trabalhadores estão expostos, também contribui para que doenças ocupacionais e acidentes do trabalho com substâncias químicas fiquem, muitas vezes, ausentes das estatísticas(17).

No Brasil, é enorme a subnotificação de acidentes por produtos químicos, lembrando que na Itália, por exemplo, para cada acidente típico são registrados dez diagnósticos de doenças ocupacionais, enquanto no Brasil essa relação é cerca de 1 por 1(17).

Ainda a titulo de ilustração um operário que entra em contato com um solvente orgânico, a tinta, por exemplo, sem as devidas medidas de prevenção, pode sentir tontura e cair de um andaime. O acidente acaba sendo registrado como queda, quando sua causa principal foi intoxicação(17).

O presente estudo demonstra que os acidentes notificados no HU são apresentados de forma a não se questionar a exposição ocupacional às substâncias químicas. A posição da pesquisadora(17)sobre os motivos das subnotificações com substâncias químicas cabe perfeitamente no ambiente de trabalho hospitalar, visto que este ambiente abriga centenas de substâncias químicas passíveis de serem causadoras de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.

Para minimizar a exposição dos trabalhadores a essas substâncias, é necessário que seja implantado um sistema de informações sobre os produtos químicos usados pelos trabalhadores em específico, os de enfermagem, norteados pelo diagnóstico da realidade que considere como sistema de investigação de acidentes as doenças ocupacionais ocasionadas por substâncias químicas. Nesse sistema, a introdução das rotulagens adequadas nas embalagens e as Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos - FISPQ ao alcance do trabalhador são consideradas de grande importância. Com essas intervenções sobre esses instrumentos de trabalho, é possível minimizar a exposição dos trabalhadores de enfermagem às substâncias químicas de uso indispensável no ambiente hospitalar.

5 Conclusão No estudo dos acidentes do trabalho de enfermagem com substâncias químicas, almejou-se captar esses acidentes e o impacto dos mesmos, assim como as oportunidades de prevenção em relação à exposição.

Estabeleceu-se como objetivo: analisar os acidentes do trabalho notificados com substâncias químicas.

A análise dos dados permitiu algumas conclusões.

Assim, considerou-se que os três acidentes do trabalho com substâncias químicas, notificados no período de 1992 a 2002 no HU-USP, foram numericamente insignificantes. No entanto, foram ricos em conteúdo, pois expressam problemas com os quais nos deparamos diariamente, ou seja, o desconhecimento que as substâncias químicas de uso hospitalar podem constituir-se em cargas tóxicas, perigosas, sendo muitas delas carcinogênicas.

Em síntese, este estudo demonstrou as falhas nas notificações de acidentes químicos e alerta para a importância de se ampliar o conhecimento sobre os riscos das substâncias químicas no ambiente hospitalar.

Destacou-se, ainda, o fato das várias ferramentas oferecidas no estudo para concretização de melhorias, no que se referem a eliminar ou minizar os riscos de acidentes do trabalho com substâncias químicas existentes tanto no HU-USP, como em outros serviços de saúde onde haja a exposição dos trabalhadores de enfermagem às substâncias químicas.


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