Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672004000300011

BrBRCVHe0034-71672004000300011

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2004
Issue0003
Article number00011

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

A participação do enfermeiro na implantação do Programa de Saúde da Família em Belo Horizonte PESQUISA

A participação do enfermeiro na implantação do Programa de Saúde da Família em Belo Horizonte

The nurse's participation in implementing the Family Health Program (PSF) in Belo Horizonte

La participación del enfermero en la implantación del Programa de Salud de la Familia (PSF) en Belo Horizonte

Cláudia Maria de Oliveira PereiraI; Marilia AlvesII IEnfermeira. Mestre em Enfermagem IIEnfermeira. Doutora em enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da UFMG. Líder do Núcleo de Pesquisa em Administração em Enfermagem E-maildo autor: arturelisa@aol.com

1 Introdução Como resposta às discussões levantadas no Brasil desde o Movimento da Reforma Sanitária (MRS) que culminaram com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), novas estratégias em busca da efetiva implantação dos princípios doutrinários e operacionais da atual política de saúde têm sido propostas pelo governo e adotadas pelos serviços estatais, tais como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991, e o Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994.

Reconhecidas como importantes para o aprimoramento e consolidação do SUS, a partir da reorientação da assistência ambulatorial e domiciliar(1), reorganizando a Atenção Básica na lógica da Vigilância à Saúde (VS), foram implantadas em todo o país, inicialmente nos pequenos municípios, e, atualmente, nas grandes cidades e capitais dos Estados.

Nesse sentido, dando continuidade ao PACS, o Ministério da Saúde (MS), ao lançar o PSF, valoriza a territorialização, estabelece vínculo com a população, reforça a garantia de integralidade na Atenção Básica, ênfase à promoção da saúde com o fortalecimento das ações intersetoriais, promove a participação da comunidade e o trabalho de equipe sustentado pela atuação multidisciplinar(2).

O enfermeiro, como membro da Equipe de Saúde da Família (ESF) desempenha importante papel na implantação e condução tanto do PACS quanto do PSF em todo o território nacional. Em Belo Horizonte, uma das primeiras capitais a iniciar aimplantação do PSF, percebe-se uma intensa participação do enfermeiro em todas essas frentes de trabalho apesar das dificuldades políticas e operacionais encontradas. No entanto, ainda não se empreenderam estudos sobre a forma como ocorre esta participação no processo de implantação do PSF, principalmente por se tratar de implantação em uma metrópole.

A vivência profissional das autoras permite verificar que o enfermeiro tem ampliado o seu campo de atuação, absorvendo novas ações de cuidado, de natureza individual e coletiva, responsabilizando-se pela coordenação, supervisão e educação permanente dos elementos da equipe de enfermagem e sendo reconhecido pela sua experiência de administração, tanto da assistência como do serviço.

Esse reconhecimento, em parte, parece decorrer da facilidade em lidar e de se relacionar com clientes antigos, que são a família e a comunidade, engajando-se nessa proposta.

No entanto, apesar do enfermeiro ter assumido a coordenação do PACS, supervisionando as ações e a capacitação dos ACS e dos Auxiliares de Enfermagem (AE), com vistas ao desempenho de suas funções(3), o mesmo enfrenta problemas relacionados à valorização do seu trabalho no PACS, à diferenciação salarial e de tratamento diferenciado entre médicos e enfermeiros e, ainda, sobrecarga de trabalho, por ser obrigado a assumir, ao mesmo tempo, atividades das Unidades Básicas de Saúde (UBS), do PACS e PSF.

Assim, torna-se relevante o estudo da participação do enfermeiro na implantação do PSF em um grande centro urbano a partir da visão daqueles que estavam inseridos no PACS e envolvidos no processo do PSF como participantes ativos e fundamentais na reorganização dos serviços de saúde.

Outra premissa importante é que o PSF é uma oportunidade para o enfermeiro desenvolver ações que lhe são próprias, entre, elas a clínica,"campo principal onde se operam as tecnologias leves"(4:107), em que existe uma marca da competência desse profissional na assistência aos indivíduos e famílias, em uma perspectiva centrada no usuário e que se potencializa com o trabalho da ESF.

Investigar tais questões permite entender a participação do enfermeiro no programa, bem como favorece reflexões a respeito do fenômeno, como subsídio para ampliar as perspectivas dos que lidam com o PSF e a formação de novos profissionais.

Em Belo Horizonte, o processo de reordenação da assistência iniciou-se com o PACS/Programa BH VIDA, através de uma equipe composta por ACS e enfermeiro. A partir de 2001, iniciaram-se as discussões sobre as ESF, "enquanto alternativa de ampliação de serviços e reorganização da rede básica"(5:11). Segundo o sistema de informação ARTE-BH, Belo Horizonte contava em 2002 com 302 ESF básicas, constituídas por um enfermeiro, um médico, dois auxiliares e quatro a cinco ACS, e 13 equipes de apoio formadas por profissionais de outras especialidades, em regime de vinte horas semanais, e, de acordo com o risco, cada ESF atendia de 600 a 900 famílias cada.

Assim, este estudo foi realizado com o objetivo de analisar a participação do enfermeiro no processo de implantação do PSF em Belo Horizonte a partir da perspectiva dos mesmos, visando a compreender sua inserção e suas expectativas como agente que contribui para a organização dos serviços de saúde e para a superação dos problemas encontrados na implantação do PSF em uma cidade de grande porte.

2 Origem e evolução do Programa de Saúde da Família Vários programas e estratégias foram implantados no Brasil com o intuito de dar encaminhamento aos princípios do MRS. Inspirado em iniciativas anteriores que visavam a mudanças no modelo assistencial e consolidação do SUS, o Governo, em 1991, através do Ministério da Saúde (MS), lançou o PACS com o propósito de conter os elevados indicadores de morbimortalidade infantil e materna no Nordeste do Brasil(2).

Em 1994, o MS lança o PSF como estratégia que prioriza as ações de promoção, proteção e recuperação da família e do indivíduo, tanto adultos como a crianças, sadios e doentes, de forma integral e contínua(4).

O Programa ressalta a importância das conexões entre saúde e cuidado de saúde para superar a hegemonia dos enfoques biomédicos e criar e manter os enfoques primários como forma de melhorar as condições de saúde dos indivíduos em um ambiente saudável. Porém, o ideário e as concepções intrínsecos à nova estratégia não garantiriam, por si , que haveria ruptura com o modelo médico- centrado. Na realidade, ainda não existem dispositivos com energia para tal, pois: O programa aposta em uma mudança centrada na estrutura, ou seja, o desenho sob o qual opera o serviço, mas não opera de modo amplo nos microprocessos de trabalho em saúde, nos fazeres do cotidiano de cada profissional, que em última instância é o que define o perfil da assistência(6:3).

Nessa perspectiva, a principal concepção do PSF se estabelece nos princípios de promoção da saúde e da atenção à família, como unidade programática de atenção à saúde. Está apoiado na epidemiologia e na vigilância à saúde, ambos relacionados à medicina comunitária e aos cuidados primários de saúde inscritos como "cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e técnicas práticas [...] colocados ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade"(4: 16).

Alguns elementos favoráveis ao desenvolvimento e à consolidação do PSF passam: a) pelo espaço político e institucional, ocupado por uma estratégia estruturante da Atenção Básica, capaz de contribuir para a reorganização dos sistemas locais; b) pelo incremento de recursos orçamentários, inclusive externos, com a inclusão de novos parceiros gestores e instituições de ensino e por último, c) pela incorporação da NOAS 01, que mais resolutividade à Atenção Básica, organizando os serviços de forma hierarquizada e regionalizada, e possibilitando uma assistência integral(7).

Se, por um lado, elementos favoráveis, por outro, a prática tem revelado a incapacidade de se oferecerem respostas aos problemas de capacitação das ESF que demonstram despreparo técnico e clínico, além de insegurança, devidos à mudança para uma atenção orientada para a vigilância à saúde. As condições de trabalho são precárias, também, no que diz respeito aos recursos materiais e físicos, pois se utilizam os recursos existentes e não na rede suporte para assegurar os princípios de integralidade e eqüidade(8).

No estudo Perfil dos Médicos e Enfermeiros do PSF no Brasil(9), os profissionais relatam como geradores de desgaste, em primeiro lugar, o vínculo precário e, na seqüência, o excesso de trabalho, a falta de recursos humanos, materiais e medicamentos, a dificuldade de acesso, a baixa remuneração e as falhas no sistema de referência e contra-referência.

Sob esse enfoque, o PSF procura construir uma prática baseada no trabalho de equipe, prática esta ancorada nos princípios da integração entre as famílias, a comunidade e o sistema de saúde para identificar os fatores de risco e manter a vigilância epidemiológica. Assim como alcançar melhor qualidade de vida, valorizando as crenças e valores dos atores envolvidos. Essa prática deve, ainda, ser realizada em território definido, com famílias previamente determinadas, com a entrada das equipes no domicílio das famílias. A proposta implica troca intensa e próxima que merece cuidado, pois o propósito é formar vínculos entre os envolvidos.

As novas práticas na comunidade e nas UBS devem ser desenvolvidas por uma equipe multiprofissional, que é considerada o elemento chave para o desenvolvimento do trabalho na Saúde da Família. O MS pressupõe em relação às ações entre profissionais de áreas diferentes, que, Além das ligações tradicionais, a possibilidade de a prática de um profissional se reconstruir na prática do outro, transformando ambas na intervenção do contexto em que estão inseridas. Assim para lidar com a dinâmica da vida social das famílias assistidas e da própria comunidade [...](3:74).

O trabalho em saúde tem uma complexa configuração tecnológica que produz e reproduz as intervenções para atuar nos problemas e satisfazer as necessidades de saúde. Assim, uma relação entre os três tipos de tecnologia que podem produzir qualidade no sistema, alcançar a maior defesa pela vida do usuário e controle dos seus riscos de adoecer e morrer e agravar o seu problema, bem como desenvolver ações que permitam a produção de um maior grau de autonomia(4:106-107).

Portanto, o PSF ao propor alteração no modelo assistencial aposta na mudança de comportamento dos profissionais de saúde, até então marcado pelo distanciamento em relação aos interesses do usuário, pela ausência de um trabalho em equipe que realce a interdisciplinaridade e pelo predomínio das modalidades de intervenção centradas nas tecnologias duras(6). Desta forma, é importante incentivá-los a priorizar e operar tecnologias leves, que podem resolver problemas de saúde a baixo custo, reaquecendo as relações de equipe e com o usuário, no ambiente da família e das UBS.

A proposta do PSF aposta nas ESF responsáveis por determinado número de famílias. Porém a formação das mesmas é ameaçada em sua operacionalização pela cultura do usuário e dos profissionais que mostram preferência pelo modelo tradicional e o atendimento por especialistas.

No entanto, a implantação do PSF está abrindo um novo e promissor mercado de trabalho para os profissionais de saúde, ampliando a capacidade de absorção para todos os municípios com incentivos do governo federal. Mas, exige-se adequação do perfil para atuação em saúde comunitária e carga horária de oito horas diárias, em troca de salários mais compatíveis. Essas proposições significam dedicação integral ao PSF e possibilidades de reestruturação dos serviços evitando, assim, o conflito de interesses existente hoje entre o público e o privado, em virtude dos múltiplos vínculos empregatícios. Para tal, a adesão dos profissionais torna-se fundamental e tem significado mudanças importantes no perfil de empregos em saúde no país e na cultura das corporações profissionais.

A estratégia do PSF para colocar em prática as mudanças do modelo assistencial que completem o ciclo de transição do SUS deve considerar alguns determinantes da dinâmica do mercado em saúde, tais como a formação e a capacitação, a educação continuada, a oferta de postos de trabalho e novas formas de remuneração capazes de gerar estímulo para novos padrões de prestígio profissional(10).

3 Percurso metodológico Utilizou-se, neste estudo, uma abordagem qualitativa, tendo como base o Materialismo Histórico Dialético e estudos sobre o modelo de assistência com foco na Atenção Básica.

O cenário da pesquisa foi a UBS do Distrito Sanitário Noroeste - DSN, uma das nove regionais do município de Belo Horizonte, por uma questão de opção metodológica, cujos critérios foram baseados no fato do DSN apresentar o maior número de ESF implantadas e pela facilidade de inserção da pesquisadora.

A coleta de dados foi realizada no período de setembro de 2001 a março de 2002 e teve como sujeitos dez enfermeiras de dez Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Distrito Sanitário Noroeste e uma enfermeira da Secretaria Municipal de Belo Horizonte, coordenadora do PSF em Belo Horizonte. Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas, a partir de um roteiro básico de questões abertas, que foram gravadas e transcritas, após anuência dos sujeitos, sendo finalizada quando se observou a saturação dos dados, ou seja, nenhuma informação nova estava sendo acrescentada. Dos depoentes se obteve o consentimento livre e informado.

Os dados foram submetidos á análise de discurso a saber, com a ordenação dos dados a partir de leitura horizontal dos relatos, classificação e agrupamento desses por temas, e, finalmente, cotejamento dos dados com a literatura e as questões da pesquisa(11).

4 O Programa de Saúde da Família em Belo Horizonte na ótica do enfermeiro Em relação às concepções que os enfermeiros têm do PSF a análise dos dados permitiu apreender que tais concepções são expressas ao definirem as características do programa, seus objetivos, princípios e práticas, como nos enunciados a seguir: Mudança no processo de trabalho e deixar de ser curativista, modelo médico centrado(E.7);Objetivo maior de ser mais preventivo e criar vínculo (E.7); que o PSF realmente assistência às famílias (E.8).

As falas das entrevistadas expressam a percepção da necessidade de mudança no modelo assistencial, no processo de trabalho e na forma de assistir, para o atendimento daqueles que procuram os serviços de saúde, como se verifica na fala a seguir apresentada: A integração no todo, porque o PSF não é a saúde.

[...] um projeto que visa à saúde, à saúde bucal, à saúde mental, ao aspecto social (E.1). Busca da humanização, de organização de serviços, utilizando todos os dados [...] (E.9).

Percebe-se que os enfermeiros reconhecem suas inseguranças e ansiedades, como elementos normais no contexto de mudanças, pois, rejeição e aceitação da novidade dependem, em grande parte, do papel desempenhado pelo indivíduo, manifestando-se de formas diversas de acordo com as características pessoais e as possibilidades do contexto(12:196).

Nesse sentido, se por um lado a inovação é inevitável, nem tudo pode ou deve ser alterado todo o tempo, pois é necessária alguma estabilidade, até como referência da própria mudança.

Em relação à operacionalização das açõesas enfermeiras relatam a importância e as dificuldades de esclarecer, para a população, as formas de implantação do PSF: [...] eu acho que isso no início é que vai ser complicado, para estarmos explicando para a população esse trabalho nosso, [...].

Agora, quanto à visita, é somente para aquelas pessoas que não podem ir ao Centro de Saúde, queremos que a pessoa ao Centro de Saúde.

vamos quando a pessoa não pode vir(E2).

Nesse sentido, é importante ressaltar que o processo de construção e adaptação das formas de assistir no PSF em Belo Horizonte passou por algumas versões, o que torna legítima a dificuldade dos profissionais e da clientela para entender o que é o PSF, também chamado BH-SAÚDE, BH-VIDA e, ainda, nas formas de se efetivar a sua implantação.

Consideram o vínculo e a responsabilização como a tônica da mudança na lógica dos atendimentos capazes de garantir a continuidade da assistência e o acompanhamento da família no processo saúde-doença, como expresso no relato a seguir: Eu ouvi isto de profissional: o cliente não é meu, é do Centro de Saúde [...] temos que estar mudando esta lógica. Vai mudar e tem tudo a ver comigo (E9).

Percebe-se pelos relatos que existe um processo em construção e que na transição todo o sistema deverá ser reestruturado segundo a lógica do PSF, na perspectiva de uma integração entre os níveis de atenção e desses com o nível central, pois O PSF realmente começa a esbarrar nisso. Então se tiver uma estrutura por trás disso [...] a atenção secundária, a consulta especializada, enquanto não houver esse apoio, acho que não vai funcionar muito.

(E6).

Ainda perdura no modelo brasileiro uma proporção maior de recursos destinados à assistência hospitalar e aos procedimentos de alta complexidade em relação àqueles oferecidos nas UBS(13). Se o PSF busca maior resolutividade e acesso para os usuários, deverá existir integração entre os serviços e disponibilização de recursos técnicos e operacionais.

Em relação ao processo de implantação do PSFem Belo Horizonte, foram adotadas algumas medidas iniciais de reordenação do Sistema de Saúde voltadas para a Atenção Básica e que influenciaram na organização do trabalho do enfermeiro, como a se pode verificar: Um fator superpositivo foi a decisão de Belo Horizonte estar implantando o PSF, principalmente por ter o PACS, pesou também [...]. O agente passou por esse processo, eles passaram por vários treinamentos(E2).

As enfermeiras entrevistadas reconhecem a importância da implantação prévia do PACS como elemento facilitador para a implantação do PSF, pois permitiu treinar os ACS, estreitar laços com as famílias sob sua responsabilidade e vivenciar experiências de trabalho em equipe.

Relatos das expectativas dos enfermeiros em relação à transição do PACS para o PSF deixam clara a insegurança dos profissionais diante da complexidade da implantação do programa em um grande centro urbano e da organização precária da administração central para implantar programas de grande porte com redirecionamento das ações e do modelo de atenção, como aponta um dos sujeitos, Por enquanto está tudo assim, uma incógnita. Ninguém sabe. Todo mundo que você pergunta fala: eu não sei! Os gerentes não sabem [...] acho que até a própria coordenação ainda está muito insegura [...](E6).

Na maioria das cidades brasileiras, a implantação do PSF iniciou-se nas áreas de maior risco ou mais carentes de Atenção Básica, localizadas na periferia das cidades. Essas regiões se caracterizam por acesso escasso aos serviços de saúde, população pouco informada sobre cuidados básicos de saúde e falta ou carência de saneamento básico(3). Em Belo Horizonte o processo de implantação das ESF foi gradativo, levando-se em conta os critérios de risco, a adesão dos profissionais e a infra-estrutura. As ESF começaram a ser constituídas em janeiro de 2002, perfazendo no mês de junho daquele ano um total de 272 ESF, com a meta de se constituírem 450 ESF para atender as áreas de risco muito elevado, de elevado risco e de médio risco com cobertura de 70% da população (14).

Em relação à incorporação do enfermeiro na implantação do PSF, emerge dos depoimentos a percepção do trabalho nas Unidades Básicas de Saúde como relevante para a sociedade e que esse foi assumido, principalmente, considerando-se a visão generalista do enfermeiro: Acho que a nossa formação também é mais generalista e se está envolvido em todos os programas, [...] neste processo de mudança [...] (E9).

A implantação do SUS e o processo de municipalização da saúde resultaram na reorganização da saúde no município e o enfermeiro esteve presente de forma significativa nas ações administrativas, assistenciais e educativas, dentro e fora dos consultórios, marcando importante presença na evolução do SUS. Parece- nos que foi um processo construído ao longo da década e que, no momento, traz merecidas oportunidades para os enfermeiros, o que ocorreu com outros profissionais, que se abstiveram de participar das experiências que hoje são exigências da nova proposta de assistir.

Os depoimentos revelam, ainda, a avaliação do trabalho do enfermeiro,pelos usuários, e como essa avaliação se revela importante e gratificante, por exemplo, [...] por que ele não está dentro do consultório atendendo consultas [...] é na supervisão, na visita, é no trabalho junto às escolas, creches, então é um profissional mais conhecido e ligado à comunidade [...](E4).

Emerge dos relatos o sentimento de satisfação dos profissionais da enfermagem pelo reconhecimento por terem sido requisitados de forma preferencial dentre os elementos da equipe, devido ao grau de liberdade, facilidade de comunicação e confiança dos usuários, o que parece legitimar a sua prática, colocando-os no lugar daquele que facilita e agiliza o atendimento do cliente, que o escuta e o encaminha.

Um outro aspecto que se pode perceber a partir dos relatos é a necessidade de um perfil adequado para trabalhar em equipe, considerado mesmo como questão essencial para a integração dos profissionais e o desenvolvimento de ações comunitárias: Então, eu acho que o enfermeiro é fundamental na equipe, ele é o elo que conhece [...], que vai ser o responsável técnico pelo agente comunitário, pelo auxiliar [...], vai ser o responsável ali pela equipe pela própria função, pela própria capacitação(E2).

Pelos relatos dos entrevistados o enfermeiro se destaca neste processo por possuir experiências de planejamento, execução e avaliações de ações assistenciais, administrativas e educativas, as quais, no PSF, são requisitos fundamentais.

Abre-se, assim, espaço para repensar um novo perfil de trabalhador, adequado às demandas da saúde da família em seus múltiplos aspectos. No entanto, como a maioria dos profissionais das ESF não tem formação direcionada para o novo perfil desejado, as entrevistadas relatam a importância da capacitação na expectativa de que se forneçam os conhecimentos necessários para atuar no programa. Nesse sentido, a SMSA do município avança ao considerar a capacitação voltada para a saúde da família como condição para a permanência no PSF, como explicita a coordenação do PSF: O curso de especialização não completa essa formação, mas ele o caminho, é o início, é uma semente mesmo para essa formação [...] (E10).

Em Minas Gerais, o Pólo de Capacitação, Formação e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da Família (PCFEP-SF) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi criado em 1998 e com o objetivo de apoiar a implementação do PSF no Estado, atuando na formação de recursos humanos, na produção e incorporação de novas tecnologias na assistência e na educação permanente dos profissionais da ESF.

Nessa mesma linha de trabalho, os cursos de graduação deverão desenvolver competências para os enfermeiros atuarem no PSF, uma vez que a maioria dos enfermeiros incorporados pelo programa tem até quatro anos de formados e somente 35,49% fizeram alguma especialização(9). Porém, a formação generalista do enfermeiro não o desobriga de adquirir formação mais adequada ao cuidado, de forma a atuar eficazmente com o novo ator que se introduz no cotidiano de trabalho: a família.

Com a implantação do PSF no município surgem alguns fatores facilitadores e dificultadores que auxiliam na compreensão do processo de implantação do PSF e da forma como o enfermeiro percebe a sua inserção nesse contexto, E ele é [...] peça importante nisso, nesse quebra-cabeça (E2).

Então, esta falta de condições de trabalho e valorização, mesmo financeira, infelizmente é o que conta(E1).

Percebe-se que as condições de trabalho oferecidas aos enfermeiros não são adequadas às exigências, habilidades e experiências acumuladas, principalmente em relação à remuneração. Tais situações geram desconfiança, sentimento de exclusão e desvalorização, apesar do desejo de mudar dos enfermeiros. Nesse contexto, em um primeiro momento de implantação do programa, profissionais com qualificação, com habilidades e competências desenvolvidas para trabalhar com famílias e comunidades, além da preferência pelo trabalho em saúde pública são essenciais e devem ser escolhidos, pois podem ser o diferencial estratégico para o sucesso do programa em grandes metrópoles.

No entanto, cada sujeito é peça chave, assim como um trabalho em equipe, uma maior credibilidade dos gestores, e todas as condições e os recursos adequados para a implantação do PSF, como apontam os informantes, Tem a questão da planta física. Aqui é completamente inadequado (E7).

Temos pilhas de consultas especializadas agendadas, vai emperrar se não tiver este suporte (E9).

Para os entrevistados, as condições de trabalho são inadequadas e não suporte em outros níveis do sistema, uma questão clara de que problemas gerenciais como falta de planejamento, integração e suporte à implantação do PSF, os quais chegam a ser insustentáveis, podendo dificultar, ou mesmo impedir, o sucesso da implantação do PSF em sua totalidade. A credibilidade necessita ser resgatada para que ocorra o envolvimento e a participação conjunta de todos os atores envolvidos no processo.

5 Considerações finais O processo de implantação do PSF foi facilitado pela existência anterior do PACS, o que proporcionou maior conhecimento dos indivíduos e famílias e uma visão geral das condições de saúde da população. A coordenação do programa pelo enfermeiro permitiu avanços para a categoria, que estabeleceu laços com as famílias, acumulou experiências de trabalho em equipe e aumentou a valorização profissional. Porém, o aumento da demanda realçou as deficiências do sistema, esgotando a capacidade de atuação desses trabalhadores, o quê, por sua vez, repercute na implantação do PSF.

Asdeficiênciasde planejamento e as poucas oportunidades de discussão durante o processo de implantação do PSF potencializaram as inseguranças, confrontos, questionamentos, insatisfações e resistências. Percebe-se que existem dificuldades nas relações entres os profissionais envolvidos e que esses ainda não estão preparados para o trabalho compartilhado.

No entanto, o enfermeiro se destaca na operacionalização da estratégia, pois é reconhecido pela comunidade e pelos profissionais como aquele que escuta, em quem o usuário confia, que facilita e agiliza o atendimento e, se necessário, vai até o domicílio. Sua inserção é favorecida por sua disponibilidade, formação generalista, facilidade de comunicação e experiência no planejamento, execução e avaliação das ações de saúde tanto assistenciais e administrativas, como educacionais.

Os dados empíricos revelam que existe resistência e uma concordância passiva em relação às diferenças salariais entre médicos e enfermeiros que são entendidas como desvalorização profissional. Ao mesmo tempo, apesar da indefinição de papéis, da sobrecarga de trabalho e dos salários inferiores, houve uma grande adesão de enfermeiros ao programa. Um novo perfil do enfermeiro configura-se para facilitar a identificação do profissional com o trabalho a partir das novas competências exigidas pelo PSF, que se expressa por meio de ações concretas no trabalho comunitário e de capacitação profissional.

Considerando que os enfermeiros estão sensibilizados quanto à necessidade de mudanças no setor saúde, e conscientes da especificidade de suas ações e de sua importância no contexto de implantação do PSF, acredita-se no potencial desse profissional para o trabalho com a comunidade, em equipes sustentadas por atuação multiprofissional na busca da construção de trabalho interdisciplinar e no PSF como estratégia de reorientação da assistência à saúde.

Processos de mudança são marcados por resistências e conflitos que tendem à adaptação e reestruturação com o decorrer do tempo. Assim, a implantação do PSF em Belo Horizonte, como experiência piloto em uma grande metrópole do país, por contar com o comprometimento dos enfermeiros e investimento em capacitação da equipe de forma contextualizada, pode contribuir para a mudança do modelo assistencial envolvendo acesso, aporte tecnológico apropriado às necessidades, qualidade da assistência, redução de custos e aumento da satisfação de usuários e profissionais.


transferir texto