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BrBRCVHe0034-71672004000300022

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2004
Issue0003
Article number00022

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A questão da morte e do morrer REFLEXÃO

A questão da morte e do morrer

The issue of death and dying

Una reflexión sobre la muerte y el morir

Paula Vanêssa Rodrigues de AraújoI;Maria Jésia VieiraII IEnfermeira. Mestre em Saúde da Criança. Mestranda em Ciências da Saúde.

Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe E-maildo autor:mvjesia@infonet.com.br

1 A questão da morte e do morrer Este estudo objetiva contribuir com a discussão sobre a "morte e o morrer", o que não seria possível sem que houvesse a compreensão do que se pensa sobre estes fenômenos.

São várias as formas de definir morte e morrer. Semanticamente, morte significa "destruição, ruína, fim. Ato de morrer. O fim da vida animal ou vegetal"(1: 947). No sentido figurado esse mesmo autor define morte como "uma grande dor.

Pesar profundo. Uma entidade imaginária da crendice popular representada em geral por um esqueleto humano armado de foice com a qual ceifa as vidas", e define morrer como "perder a vida, falecer, findar-se, expirar, perecer".

Do ponto de vista filosófico, determinados autores(2-4) discutem a morte como uma condição inerente ao ser vivo, sendo esta a única certeza que se tem do desdobramento da existência humana. Assim, "morrer não é tornar-se outro, mas vir a ser nada ou transformar-se em absolutamente outro"(2:17-18).

Outros autores(5-7) a definem como um referencial para o estudo da compreensão da vida, não significando apenas a destruição, mas, mostrando que o ciclo da criação e da destruição é eterno. É um acontecimento que completa a existência humana o que significa que cada pensamento, cada emoção, cada gesto e cada passo na vida aproxima o homem da morte.

Verifica-se que uma diferenciação semântica entre esses fenômenos, em geral falados como se fossem um único, sendo entendida a morte como um fenômeno individual e único, um momento em que se encerra a vida biológica. Ela pode ser acompanhada por outra pessoa, mas é vivida apenas por quem está morrendo(8). o morrer é um processo que ocorre ao longo da vida e que precisa ser compreendido existencialmente(9). Assim, ele pode ser experimentado, mas a morte nunca. Seguindo esta linha de pensamento, "o morrer está pontuado por sucessivas mortes que antecedem a morte final"(10:367), ocorrendo, desse modo, a cada momento da vida. Sendo assim, essas duas questões devem ser compreendidas e respeitadas da mesma forma que se tenta compreender a vida e suas fases.

Entretanto, no dia-a-dia tem-se dificuldades para entendê-las e enfrentá-las, como um acontecimento integrante de nossa existência que, tal como o nascer, será vivido por todos: uns mais cedo outros mais tarde(11). O ser humano não está preparado para aceitar a imposição de que seu destino é morrer e prefere acreditar que a morte é o começo de uma nova vida infinita(12).

A vida é sempre vista separada da morte, a qual é concebida e vivenciada como um fracasso. Com essa visão, o esquecimento de que a partir do momento em que se nasce, tem-se idade suficiente para morrer pois que a vida e a morte chegam juntas ao mundo(8).

Esta idéia não é fácil de ser assimilada pela lógica natural, biológica do ser vivo que nasce, cresce, torna-se adulto, reproduz-se, envelhece e morre. É esta lógica que torna particularmente difícil por um lado, entender e aceitar o "ver" a criança presa ao leito, cheia de tubos e demais aparatos da tecnologia moderna, ao invés de estar a pular e a saltitar pelos parques e jardins.

Aceitar o morrer da criança torna-se difícil e mais difícil ainda é o ajudá-la a enfrentar a morte, como se a ocultação e a interdição pudessem poupá-la do sofrimento(13).

Apesar da morte estar presente na vida de cada ser humano, atualmente representa a "conspiração do silêncio", o medo do sofrimento, da degeneração, da solidão, do abandono. É a imagem do homem privado de sua morte, de sua humanidade(14,15). Fala-se dela o menos possível usando-se de eufemismo ao fazer-lhe alusões, no intuito de mantê-la distante do mundo dos vivos. É um tema interditado, supostamente ignorado, negado por uma sociedade adoradora do mito da juventude e que está orientada para o progresso, tendo no entanto, significados diferentes de pessoa para pessoa(12,16,17). De uma forma geral, faz-se sua representação através de figuras mórbidas, nebulosas, sombrias. O silêncio, a negação, a dissimulação, envolvem-na como se fosse possível eliminá-la da vida.

Ao situar-se dentro da questão, a autora faz uso da definição que coloca a morte além da destruição. Esta é a que mais se aproxima de pensá-la, levando- a a crer que a vida não finda com a morte do corpo, que existe algo além desta passagem pela Terra, apesar desse "algo" não estar bem definido.

O silêncio relativo em torno da morte e do morrer, acrescenta a autora, levou- a a não pensar sobre estas questões, até que viesse a formação profissional.

Esta trouxe para bem próximo o morrer e a morte, até então considerados sinônimos. A proximidade, quase que diária, com eles incumbiu-se de estabelecer a diferença entre ambos. Fez também com que passasse a questionar o porquê da criança vir a morrer, contrariando a lei natural da vida, provavelmente devido à recusa em aceitar essa realidade. Trouxe consigo, o medo. Não o medo da morte em si. Mas, o medo do morrer.

Acredita-se que o vazio da morte seja menos sentido que o morrer. Essa talvez seja mais amena, menos dolorida, especialmente quando se acredita que ela leva ao encontro da paz tão almejada pelo homem durante sua vida. o ato de morrer, este sim, é doloroso, às vezes cruel, pois envolve as perdas diárias da caminhada da vida que, de um modo geral, levam ao sofrimento tanto físico quanto emocional. O que se deseja é que ele venha sem dor, sem a tão temida dor física, e que traga consigo a morte repentinamente. Assim, a tão temida morte súbita, considerada amaldiçoada pelos antepassados se transforma, na contemporaneidade, na morte desejada para si e para os que lhe são afetivamente mais próximos.

A crítica dos estudiosos sobre a maneira de morrer, a desumanidade e a crueldade da morte solitária nos hospitais tem crescido nos dez últimos anos.

Tem sido também causa de preocupação, o novo modelo de morte, a "morte aceitável", na qual a morte se torna uma decisão voluntária dos médicos(as) em cumplicidade com a família, que prevêem a hora da morte e estabelecem a trajetória da agonia. Se o doente se conforma, tudo normal. Caso isso não ocorra e o doente venha a morrer de modo diferente do previsto, surge a "morte embaraçosa" ou seja, aquela que ao quebrar o equilíbrio normal do meio hospitalar, cria um estado de crise para os profissionais e de desequilíbrio para o hospital de um modo geral(25).

Ao se questionar as conseqüências e os valores ditados pela sociedade industrial capitalista, é compreensível esse súbito interesse pela morte. Este, sugere uma ruptura do silêncio imposto por essa mesma sociedade restituindo-se a dignidade da morte que será reconhecida, quando ela for considerada como um acontecimento essencial, que não permite ser escamoteado.

Todas estas críticas procuram reconduzir a morte ao discurso de que fora banida. Apesar deste silêncio, desta interdição, a morte não se deixa vencer com facilidade(5,23). Rejeitada, expulsa da sociedade, negada, a morte volta pela janela, sempre em sua ronda implacável. Volta tão depressa como desapareceu. E assim, possa ser que ela volte a ser algo de que se fala, achando-se o interdito também ameaçado.

O primeiro passo para a quebra do interdito, apesar da repressão, negação e expulsão da morte e do morrer da consciência coletiva, é o fato dessas temáticas voltarem a ser objeto de reflexões, análise e discussões entre os estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento. Neste início de século com o surgimento do "home care" talvez se possa num futuro muito próximo, reconduzir a dignidade da morte, deixando ao doente a opção de morrer em casa ou no hospital. Isso leva à crença de que existe a esperança de que a sociedade atual reaprenda que a morte é parte essencial da vida e que a livre discussão do processo do morrer e da perda, possam contribuir para uma melhoria da qualidade de vida/morte.


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