Inclusão da competência interpessoal na formação do enfermeiro como gestor
REFLEXÃO
Inclusão da competência interpessoal na formação do enfermeiro como gestor
Inclusion of interpersonal competence in the formation of the nurse manager
Inclusión de la competencia interpersonal en la formación del enfermero geston
Denize Bouttelet MunariI; Ana Lucia Queiroz BezerraII
IEnfermeira. Professor Doutor/ Titular da Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Goiás. Pesquisador CNPq 2B
IIEnfermeira. Professor Doutor/ Adjunto II da Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Goiás
Correspondência
1 Considerações Iniciais
A reflexão sobre competências necessárias nas práticas profissionais tem
importância estratégica, devido ao processo acelerado de mudanças nos diversos
segmentos, decorrentes de grandes avanços científicos e tecnológicos integrados
no movimento de globalização. Tais circunstâncias nos impõem a repensar as
relações do homem no mundo e nos levam a uma constante necessidade de revisão
de conceitos conduzindo-nos a novos paradigmas da própria vida e da profissão
(1,2).
Com isso os profissionais da área da saúde, necessariamente, precisam revisar o
modo de assistir ao ser humano, de lidar com a saúde e a doença e com os
processos de gestão. Assim como, dimensionar suas ações a partir de outro
paradigma que não aquele amplamente difundido e fundamentado no modelo
biológico(3,4).
Nesse processo, é explícita a busca não só por uma mudança no paradigma
assistencial, mas, especialmente, na gestão de pessoas. No contexto do trabalho
em saúde, isso poderá contribuir na construção de um modelo de assistência
fundamentada nos princípios da saúde integral(4,7).
As organizações responsáveis pelo desenvolvimento do nível de saúde no Brasil e
no mundo são unânimes em defender que é mister, nesse novo cenário, uma
profunda mudança no processo de gestão desse setor, pois, aquele que ainda
permanece nesse modelo, não consegue atingir padrões de qualidade e eficiência
(5).
Para a enfermagem, em particular, o alcance dessa qualidade parece um caminho
irreversível, observado pela constante preocupação dos profissionais em buscar
o aperfeiçoamento, o conhecimento disponibilizado pelas tecnologias e orientar
a atuação profissional maximizando todos os recursos disponíveis(8).
Assim, as atitudes e comportamentos frente às demandas atuais estão diretamente
relacionados, não somente, à formação técnica do enfermeiro, mas a dinamização
dos aspectos relacionais, que podem ser desenvolvidos a partir da ampliação da
consciência de si mesmo, do controle da impulsividade, da persistência,
motivação, empatia, zelo, habilidades sociais e resistência psicológica(2,9).
Tais aspectos são indispensáveis para o enfermeiro enfrentar os obstáculos, as
tensões, a falta de continuidade nos projetos de assistência, os desafios do
trabalho em equipe e do papel de gestor.
Na constante busca em assumir a responsabilidade pela gestão na assistência de
enfermagem e da gestão de pessoas, o enfermeiro enfrenta situações de
conflitos. E, muitas vezes, fica dividido entre atender as necessidades e
expectativas do grupo, da organização ou mesmo às suas próprias. Isso pode
resultar em sentimentos de frustração, insegurança e insatisfação profissional
(9) .
Tais dificuldades podem ser superadas se o profissional estiver aberto a buscar
novas competências e, em particular, se concentrar no seu desenvolvimento
relacional; o que facilitaria a compreensão da complexidade das relações
humanas.
Com base nesses apontamentos, nos propusemos neste artigo a uma reflexão sobre
a importância da inclusão da competência interpessoal no processo de formação
do enfermeiro; considerando a relevância desse conhecimento para melhor
desempenho das interações das equipes de trabalho em saúde, frente às
exigências e complexidade das organizações.
O processo de gestão
A gestão pode ser definida como a "arte de pensar, de decidir e de agir, é a
arte de fazer e obter resultados"(10:34). Isso significa dizer que para o
desempenho do papel de gestor é preciso transcender o domínio da técnica e
incorporar habilidades relacionadas à criação, intuição e interação.
O gestor deve estar voltado ao desenvolvimento da sociedade, da organização,
dos indivíduos, sendo, além de empreendedor, um facilitador dos processos nas
organizações, estando apto para a construção de instituições que busquem a
humanização do trabalho, por intermédio de uma gestão flexível e de programas
de desenvolvimento das pessoas considerando os resultados como um trabalho
coletivo(2,10).
Na atualidade, as discussões e tendências na área da saúde caminham em busca de
melhoria nos modelos de gestão orientada para os clientes, para o
aperfeiçoamento do desempenho das instituições prestadoras desses serviços,
quer seja na esfera pública ou privada.
"De nada adianta triplicarmos os recursos do Ministério da Saúde, se não houver
uma profunda mudança na gestão"(7:34). Entendemos que tais mudanças devem
ocorrer, principalmente, no nível de formação básica desses profissionais, nas
universidades onde acontece o processo de sensibilização para o trabalho nessa
área. Nesse sentido é fundamental a revisão sobre quais competências
pretendemos para esses profissionais, quais conhecimentos, habilidades e
atitudes são necessárias(4,11).
Assim, muito além de capacitar profissionais de saúde com competência técnica
especializada, é urgente o desenvolvimento de pessoas comprometidas com o
processo de gestão, que exige qualidades como a criatividade, a inovação, a
intuição, a emoção, a capacidade de se relacionar e, principalmente, a
capacidade de manter-se atualizado(8,12). É fundamental ainda, a estes
profissionais, incorporar no conceito de qualidade do gestor a inteligência
emocional, a competitividade, a parceria a qualidade de vida no trabalho, e em
particular, o desenvolvimento da competência interpessoal(7,8,11,14).
No preparo de enfermeiros para o exercício da gestão é fundamental superar a
dualidade entre a formação técnica e a necessidade social do profissional para
atender o mercado de trabalho, o que requer muito mais do que, simplesmente,
elencar as competências que devem fazer parte do seu perfil. Exige o
desenvolvimento de habilidades específicas que permitam aos profissionais tomar
decisões individuais e em equipe, liderar com segurança, organizar o trabalho
colocando-o a serviço dos usuários, planejar ações profissionais em saúde,
utilizar ferramentas e tecnologias gerenciais e, sobretudo, tornar o processo
de gestão uma situação de aprendizado permanente para todos os profissionais
que integram as equipes de trabalho(3,15).
Para que o enfermeiro consiga exercer a gestão de modo eficaz, a compreensão do
desenvolvimento e aplicação dessas habilidades na sua prática profissional é
uma necessidade (16). Deste modo, o desempenho da função do gestor em saúde
precisa focar o desenvolvimento e avanço da definição da função do enfermeiro
nas instituições de saúde, priorizando a atuação nas quatro áreas básicas de
assistência, administração, ensino e pesquisa(8).
No entanto, o desenvolvimento de habilidades no campo das relações humanas,
aspecto tão presente, na atualidade e pouco explorado no cotidiano do gestor em
saúde, deve ser meta daqueles que pretendem ter uma atuação mais competente e
assertiva como gestor.
A Competência Interpessoal
A competência interpessoal é necessária ao profissional na atualidade, visto
que o habilita a lidar de forma eficaz no âmbito das relações interpessoais,
diante das mais diversas situações. Essa habilidade tem se transformado em
busca constante em algumas instituições formadoras, por considerar um
diferencial na formação do enfermeiro que lida, no seu cotidiano, com pessoas
em situação de saúde e doença, vida e morte(13,17).
Os primeiros estudos sobre a competência interpessoal datam do início da década
de sessenta, quando se observava que este conhecimento, melhorava o desempenho
grupal na execução de tarefas; assim como, na capacidade de produção, de
articulação e na satisfação dos sujeitos no desenvolvimento do trabalho
coletivo(18).
Ainda nos anos setenta, a importância dessa competência para o exercício da
liderança de um grupo de trabalho define que,
a competência interpessoal é constituída de um conjunto de aptidões e
atitudes adquiridas, organicamente ligadas entre si. Essencialmente
ela consiste em tornar o líder capaz de estabelecer com o outro
relações interpessoais autênticas, sendo capaz de autenticidade com o
outro e também consigo, de modo a criar um clima de grupo no interior
dos quais as relações de trabalho possam evoluir de formais
estereotipadas e artificiais para funcionais, espontâneas e criativas
(19:145-146).
Assim, o profissional que desenvolve sua competência interpessoal, possui maior
capacidade em lidar com as situações de conflito, em potencializar talentos e
gerir trabalho em um clima de confiança e satisfação. Assim, ele deixa de olhar
apenas para si, podendo tornar-se capaz de compreender a complexidade das
relações entre seres humanos.
Atualmente encontramos uma derivação do conceito de competência interpessoal
denominada de competência relacional que significa articular-se de modo
singular no "adequado manejo e interação entre três componentes indissociáveis
na prática grupal e da vida institucional: autoridade, liderança e exercício do
poder"(20:68).
Nessa perspectiva, é mister a qualquer profissional da atualidade, que
desenvolva a sua competência para melhor lidar com as relações, já que muitos
atuam como gestores de serviços e equipes, dentro de um sistema extremamente
complexo, que envolve diversos profissionais atuando em um mesmo ambiente.
A potencialização da competência interpessoal dos profissionais, gestores ou
não, pode gerar resultados satisfatórios de melhor desempenho das equipes. Em
geral, esses resultados são percebidos também, no desempenho global das
organizações, gerando mais lucros e\ou serviços de melhor qualidade(5,14).
O enfermeiro, por sua vez, precisa estar atendo as tendências das políticas
públicas de saúde e também de mercado, pois modelos de gestão até agora
empregados, parecem não atender a realidade da sociedade contemporânea, o que
sugere a necessidade de mudanças(4,8,14).
Nesse novo cenário, é fundamental mudanças de perspectivas de atuação, a partir
de formas do exercício de poder, valores básicos do sistema de produção e novos
ideologias que se refletem, necessariamente, na personalidade e comportamento
das pessoas.
Desafios são encontrados pelo enfermeiro gestor no seu fazer diário, como a
falta de confiança que o ser humano tem em seu semelhante, dificuldade em dar e
receber feedback, insegurança falta de empatia, o que torna as relações
superficiais, com resultados pouco positivos na convivência diária.
Nesse sentido, o desenvolvimento da competência interpessoal pode ajudar a
compreender e lidar com essas questões, já que nos permite ampliar nossa
percepção sobre as pessoas. Esse processo precisa ser treinado articuladamente
com o crescimento pessoal e requer auto-percepção, auto-conscientização e auto-
aceitação.
O desenvolvimento da competência interpessoal, propriamente dita, inclui
habilidades como a flexibilidade, o espírito inovador e a criatividade, dar e
receber feedback e exercitar o relacionamento em si, entendido na dimensão
emocional - afetiva predominantemente(13).
A criatividade nesse processo é fundamental, pois permite ao gestor a
proposição de projetos que sejam inovadores na busca de novos resultados e
novas formas de comportamentos individual e organizacional. Com atitude
inovadora, o gestor possibilita o desenvolvimento de atividades que se
constituem desafios para a criatividade individual e coletiva. A aceitação de
novas idéias leva a ruptura de práticas pré-estabelecidas, levando as pessoas a
reavaliar seus valores, atitudes e comportamentos e, certamente, levará a um
processo de realinhamento coletivo muito mais produtivo e prazeroso (2,3).
A inclusão da competência interpessoal pode ser um veículo transformador na
prática gerencial do enfermeiro, uma vez que esta permite a formação de um
líder que consiga avaliar e dimensionar os problemas de forma mais efetiva e
integrada(13). O desenvolvimento dessa competência pode auxiliar o enfermeiro
no gerenciamento de uma equipe, que no seu cotidiano convive com diferenças,
conflitos de idéias, conflitos de sentimentos entre outras situações emergentes
que chegam sem aviso prévio. O fazer gerencial está em constante mudança e,
esta requer atenção constante e atitude de disponibilidade para lidar com
pessoas.
Considerações finais
O aprimoramento da competência interpessoal dos enfermeiros gestores e
supervisores pode facilitar as relações do dia a dia no contexto institucional,
tornando suas atitudes mais profissionais e as dificuldades mais viáveis de
serem resolvidas. Dessa maneira é possível falar em maior interação, cooperação
e produtividade nas equipes de trabalho, onde todos respeitam a atuação do
outro sem perder o foco, que neste caso é a satisfação do cliente e, a
conseqüente melhoria do atendimento.
Assim, consideramos que o desenvolvimento da competência interpessoal pode ser
uma ferramenta poderosa para transformar a prática gerencial do enfermeiro; uma
vez que esta permite a formação de um líder que consiga avaliar e dimensionar
os problemas de modo global, construindo relações significativas que permitam
exercer o seu papel com segurança e transparência.