Casa de parto: simbologia e princípios assistenciais
PESQUISA
Casa de parto: simbologia e princípios assistenciais
Casa de parto: simbología y principios de asistencia
Birth center: symbols and assistance -related principles
Luiza Akiko Komura Hoga
Enfermeira. Livre-docente em enfermagem. Professora Associada da Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo. E-mail do autor:kikatuca@usp.br
1 Introdução
A primeira Casa de Parto vinculada ao projeto Qualidade Integral em Saúde
(Qualis) do Programa Saúde da Família foi implantada em 1998 pela Fundação
Zerbini do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Tendo como um de seus objetivos o oferecimento de assistência humanizada
às mulheres com gestação fisiológica(1).
Trata-se de uma instituição que possui uma especificidade e assim sendo os
símbolos que a permeiam como as características da assistência oferecida
merecem ser compreendidos e divulgados, em razão de sua historicidade e caráter
pioneiro, além do importante significado que a Casa possui no contexto
sociopolítico da atual assistência obstétrica brasileira. Esta Casa, objeto
deste estudo, é considerada uma referência às futuras casas de parto ou centros
de parto normal que se encontram em projeção no território nacional(2).
O Ministério da Saúde confirmou sua importância e instituiu o Projeto Casas de
Parto e Maternidades-Modelo(2), resultante das experiências positivas de
funcionamento daquela Casa de Parto. Na seqüência, baixou a Portaria de Criação
do Centro de Parto Normal, que é entendida como unidade de saúde destinada a
prestar assistência humanizada e de qualidade ao parto fisiológico(3).
A crença de que as enfermeiras obstétricas, que atuam em uma Instituição de
tamanha importância social, devem possuir princípios próprios relativos à
assistência obstétrica, bem como crenças e valores culturais associados ao
contexto institucional impulsionaram o desenvolvimento desta pesquisa.
Assim, estabelece-se como objetivos identificar os símbolos que permeiam as
idéias, crenças e valores das enfermeiras obstétricas que atuam em uma Casa de
Parto e descrever os princípios que orientam a assistência prestada em uma Casa
de Parto.
2 Metodologia
O método de pesquisa foi a etnografia e seu âmago traduz-se pela busca do
conhecimento dos símbolos que permeiam as idéias, crenças, valores e práticas
cotidianas dos membros de uma cultura(4). Acredita-se que essas profissionais
compõem um grupo cultural específico, em razão da importância histórica da
Instituição no contexto da assistência ao parto na atualidade.
O Processo de Observação Participante(5) foi desenvolvido para coletar os
dados. A primeira fase referiu-se à observação primária e escuta ativa, quando
não houve nenhuma participação do pesquisador nas atividades da Casa. Após,
sucedeu-se a observação com maior ênfase participativa e a finalização do
processo por meio da participação, fase na qual o foco estava voltado à
participação do pesquisador nas atividades próprias da Casa. O termo casa será
utilizado nesta ocasião, para referir-se à Casa de Parto.
O desenvolvimento da pesquisa deu-se pelo processo contínuo, que se iniciou com
a inauguração da Casa, em 1998, e teve prosseguimento com as atividades de
ensino teórico-práticas de estudantes de enfermagem. O conjunto caracterizou-se
pela boa receptividade e atitude amigável demonstrada pelos profissionais,
aspectos estes que perduraram durante as demais fases do estudo.
Em seu ínterim, foram realizadas entrevistas etnográficas com todas as
enfermeiras obstétricas por tratar-se de um tipo de instrumento apropriado para
obter dados abrangentes e, ao mesmo tempo, profundos sobre o cotidiano da
cultura(5).
O recurso da história oral temática(6) foi empregado para conduzir as
entrevistas, ele torna possível obter uma variedade de dados da vida das
pessoas e constitui um caminho viável, para resgatar os símbolos que permeiam
as idéias, crenças, valores e práticas dos indivíduos que compõem um dado grupo
cultural. A história oral permite também a chance de expressão àqueles que,
normalmente, não possuem tal possibilidade, além de constituir meio para
identificar os princípios filosóficos que orientam as práticas cotidianas
daquela Instituição(6,7).
Buscou-se resgatar as experiências pessoais, pois são as individualidades que
compõem um dado contexto sociocultural(8). As depoentes foram denominadas como
colaboradoras e identificadas por números. O termo é considerado adequado,
quando se trata de pesquisa com emprego do recurso da oralidade(6).
As entrevistas foram agendadas em comum acordo entre as partes e realizadas em
local de escolha das colaboradoras.
O cerne das questões colocadas às profissionais orientou-se na compreensão das
idéias, valores, crenças e práticas relativas ao trabalho que desenvolviam na
Casa. Todas demonstraram facilidade para expor suas narrativas.
As entrevistas foram feitas no período entre fevereiro e junho de 2001 e a
duração oscilou entre 20 minutos e 1h30.
O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovado por uma comissão de
ética em pesquisa credenciada no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. Quanto
à concessão dos depoimentos, o Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido(9).
Os princípios de rigor desta pesquisa basearam-se nos critérios estabelecidos
por consagrados estudiosos do método qualitativo(10-12). O crédito que se
atribui à pesquisa ou à capacidade de apreensão da realidade tal qual ela se
apresenta, está diretamente relacionado ao preparo do pesquisador que deve
estar atento para não induzir respostas. A credibilidade do trabalho alicerçou-
se no fato do conteúdo das narrativas ter sido conferido e validado por todas
as colaboradoras.
Os depoimentos foram editados em três etapas(6) e a íntegra do conteúdo oral
contido nas fitas magnéticas foi transformada para a forma escrita. A seguir,
foi feita sua textualização e para isso foi necessário suprimir perguntas.
Nesta etapa, foram estabelecidas as idéias centrais de cada depoimento. O
encerramento do trabalho resultou no texto transcriado, cuja característica é a
existência de uma seqüência lógica nas idéias.
O conjunto de narrativas foi submetido a um processo indutivo contínuo de
interpretação, com a finalidade do desenvolvimento de categorias e redução dos
dados. Foi um trabalho realizado para compor um modelo manejável(13).
3 Resultados
Em seu conjunto, as características gerais das colaboradoras são as expostas a
seguir. Em média possuem 46 anos de idade e 22 de vida profissional, todas
apresentam experiências anteriores em hospital filantrópico, cinco em hospital
público, duas na rede privada e duas na docência em enfermagem. Quatro
enfermeiras trabalham na Casa desde a inauguração e duas foram admitidas no ano
seguinte.
Estas profissionais são escaladas de forma a cobrir todos os horários, durante
os sete dias da semana e, assim, sempre há, pelo menos, uma dessas
profissionais de plantão. Elas desenvolvem as seguintes atividades: assistência
pré-natal e ao parto, puerpério e cuidados com o recém-nascido e consulta de
enfermagem de retorno do binômio mãe-filho.
As categorias descritivas dos símbolos que permeiam as crenças, valores e
práticas das enfermeiras obstétricas da Casa, assim como dos princípios
filosóficos que as norteiam, são expostas na seqüência a seguir.
3.1 O valor simbólico da Casa
Atribui-se um grande valor a Casa como espaço para inovação das práticas
obstétricas, esta é a representação simbólica de um conjunto de idéias guiadas
por um paradigma próprio e diferente do vigente no sistema de saúde atual. Ela
é o símbolo da necessária transformação da cultura predominante nas
instituições que prestam assistência ao parto.
Nesta casa, a gente está vivendo uma nova cultura, um novo pensar (D4).
O conhecimento da importância desse valor motiva o investimento de todo o grupo
de profissionais, que está apostando no sucesso da Casa. Há plena consciência
por parte delas de que os significados simbólicos atribuídos à Casa podem
consolidar-se ou desmoronar, e um resultado ou outro está na dependência direta
do que for conseguido na assistência. Esta responsabilidade e o conhecimento
sobre a importância para o futuro (ou não) das Casas de parto no Brasil fazem
com que as enfermeiras desenvolvam seu trabalho, dedicando-se de corpo e alma a
ele em busca de sucesso do projeto.
3.2 Os princípios que norteiam a assistência
Existem os princípios mais voltados à Casa, como espaço de representação
simbólica e, outros, mais direcionados à esfera da assistência, que formam um
conjunto intimamente relacionado.
No âmbito assistencial, o trabalho desenvolvido na Casa está voltado
basicamente ao alcance do objetivo de melhorar a qualidade da assistência à
gestante e sua família. Ele é guiado por uma linha representada pela
humanização do cuidar.
Muitos preceitos norteiam a assistência oferecida na Casa, dentre eles,
ressalta-se a noção da gestante como centro do processo, que está muito
presente e exerce grande influência sobre as demais prerrogativas.
Busca-se prestar assistência de qualidade com atendimento, de acordo com as
características individuais das gestantes e com ênfase na humanização da
assistência ao parto e nascimento. Para o alcance desta meta, as enfermeiras
mantêm constante preocupação em dar o melhor de si, pois seu trabalho produz
como retroalimentação a satisfação da clientela. O fato acaba motivando mais as
próprias profissionais, que passam a nutrir o gosto pelo trabalho.
A Casa é o local mais apropriado para a enfermeira dar o melhor de si e a
mulher ter o melhor dela(D1).
É preciso que nós continuemos com esse sucesso, essa vontade de trabalhar, de
melhorar e dar essa assistência às mulheres brasileiras. As mulheres que vêm
aqui, ficam contentes e satisfeitas [...](D2).
A qualidade da assistência tal como é concebida pelas enfermeiras abrange
necessariamente a capacidade delas compreenderem as gestantes como um ser
social com necessidades específicas. Esta individualização da assistência é
vista como essencial no trabalho de parto e parto e é um conceito que se
encontra presente na consciência das colaboradoras.
O essencial na assistência é a visão de que cada ser humano é diferente e
único. Tem que ver a individualidade e conhecer como é cada parturiente, para
depois entender o trabalho de parto. Ver o nascimento como um evento individual
(D3).
A valorização do vínculo participativo da mãe é enfatizada, destinando-lhe o
papel de personagem principal do processo de parto e nascimento. Este movimento
propicia o encorajamento dos pontos fortes da mulher e reforça-lhe a idéia de
quem está dando à luz é ela, e chama-a para adoção de uma postura ativa diante
do parto.
O que importa é a relação que a gente desenvolve com a mulher [...] Acho que a
parteira fortalece os pontos fortes da mulher [...] quem dá à luz é a própria
mulher. Aqui a mulher coloca-se como pessoa que está no comando do parto (D1).
Muita importância é dada ao respeito à fisiologia do parto, considerando-a como
um processo sobre a qual a mulher tem domínio, por fazer parte da natureza
feminina. Respeitam-se a liberdade e autonomia da mulher, deixando livres a
alimentação, a deambulação e as posições que lhe forem mais confortáveis.
Respeitamos todas as etapas do trabalho de parto, sem muita intervenção (D4).
O alerta para evitar práticas intervencionistas é agregado a estes princípios,
com a realização de freqüentes reuniões para analisar os procedimentos que
estão sendo realizados, verificando se, realmente, são precisos.
A gente recebeu toda uma orientação para não intervir (D4).
As enfermeiras preconizam a necessidade de ter consciência das próprias
limitações, com adoção de atitudes prudentes e responsáveis em relação às
condutas tomadas na realização dos procedimentos. Embora todo o cuidado e
prudência sejam necessários para o desenvolvimento do trabalho, este é
caracterizado por ser feito com autonomia, fato que contribui para a satisfação
das profissionais.
Tenho muito presente minhas limitações, prudência e uma responsabilidade enorme
porque um erro vai pesar demais [...]. Mas há a satisfação de estar realizando
uma assistência de qualidade [...] A satisfação vem do significado para a
família, da autonomia, da atuação da enfermagem obstétrica(D5).
Há a preocupação voltada à promoção do ambiente familiar para a gestante e sua
família a fim de que possam usufruir de um local caracterizado pelo carinho no
trato e na hospitalidade. Assim, são propiciadas condições favoráveis para
tornar o parto um acontecimento da família.
O que as parturientes valorizam é o ambiente familiar. [...] O parto aqui é um
evento, há todo um envolvimento da família, do pessoal, não só das enfermeiras
(D5).
Não só a gente está vivendo uma nova fase, mas as famílias também. Em uma
ocasião, mãe e filha aproximaram-se muito. Acho que o dia-a-dia dessa família
já deve ter mudado (D4).
Os princípios da assistência prestada na Casa são constantemente fortalecidos
nas reuniões periódicas que são realizadas, pois eles são sustentados por uma
grande liderança existente e pelo fortalecimento e manutenção do espírito de
equipe que reforçam as convicções das enfermeiras, de que devem unir-se em
busca do alcance de um objetivo comum.
Não é porque chegou a minha hora que eu vou [...]. Se tem um parto difícil, a
gente fica. Isso está levando esta Casa para a frente. Há um espírito de equipe
e de união, porque essa casa tem que dar certo [...] (D6).
O conjunto de princípios orientadores do trabalho desenvolvido na Casa busca
tornar possível o alcance da prerrogativa de fazer valer o direito das
mulheres, em relação a todos seus anseios e necessidades relativas à
assistência à saúde. Eu não tinha nenhum valor se eu não pudesse ser capaz de
fazer valer o direito das mulheres (D1).
À frente delas, surgem os desafios a serem superados, auto-impostos, cujo
alcance é constantemente pretendido pelas profissionais. Há o desejo de ver o
florescimento de uma Casa que representa o enfrentamento do modelo vigente,
este desafio faz com que a equipe de trabalho mantenha a união, pois é preciso
um grande espírito de equipe para ser possível levar adiante este novo modelo
em desenvolvimento. A história desta casa se fez pela ousadia, pela
radicalização do que seria a assistência ao parto desenvolvida por não-médicos
(D1). Aqui há um espírito de equipe e união, porque esta Casa tem de dar certo,
e isto é um desafio para todas nós(D6).
A demonstração da capacidade de desenvolver o trabalho sem o respaldo médico
constitui-se em um grande desafio, visto que até as enfermeiras estavam
acostumadas ao trabalho em equipe com o médico. É um desafio porque sempre
trabalhei em equipe com médico, dentro do hospital, onde qualquer problema
pode-se recorrer ao médico, e tem o hospital como retaguarda (D6).
A obtenção de bons resultados obstétricos e neonatais é preconizada, o que
significa estar sempre vigiando os processos de trabalho, para não correr o
risco de provocar alguma intercorrência. Assim sendo, a prudência e a
responsabilidade nos cuidados são uma constante. Há plena consciência de que
qualquer problema que ocorra na assistência, será alvo de críticas e razão para
encerramento do projeto. As enfermeiras são cientes de que muitos profissionais
posicionam-se contrários a existência de Casas de parto.
Tenho muito presente as minhas limitações, prudência e uma responsabilidade
enorme. São modelos de assistência nova e tem toda uma torcida contra isso
[...] Você sabe o quão tem sido difícil isso(D5).
A criação e sustentação de um símbolo de transformação da assistência
obstétrica que possui concepções próprias e inovadoras, é tomada como um grande
desafio. Percebemos firmeza, determinação e forte união em todas as
profissionais que não medem esforços para superação desse desafio, cujo alcance
é visto como vital para a Casa e para consolidação de todo o significado que
ela encerra. Isso é assumido como um compromisso próprio a ser cumprido, e em
prol do qual os esforços devem ser direcionados.
Essa Casa tem de dar certo e isso é um desafio para todas nós. É a união que
faz com que a casa permaneça em pé. E todas nós, sem exceção, temos o mesmo
pensamento. Aqui uma se agarra na outra para poder levar a Casa para a frente
(D6).
As enfermeiras buscam ficar ao lado das parturientes, respeitar a fisiologia do
parto e do nascimento e a natureza da própria mulher, o que significa uma
freqüência reduzida de intervenções. Previamente a estas, há uma criteriosa
análise quanto a sua real necessidade que é realizada apenas, quando é julgada
indispensável. Cuidado idêntico é tomado em relação ao cuidado neonatal. O
nosso serviço é ficar mesmo do lado, é isso que elas querem e precisam (D5).A
gente respeita cada etapa do parto como se fosse uma coisa bem natural, e as
próprias pacientes vão aprendendo o que a gente vai orientando(D4).
Uma grande preocupação presente é a comunicação que estabelecem com a gestante
e seu acompanhante, de forma a exaltar o sentimento de desconfiança da
parturiente em relação a seus potenciais, durante o trabalho de parto e parto.
Nestas ocasiões, reforça-se a importância da participação do acompanhante. Esta
prática visa a estabelecer o vínculo necessário entre o casal e deste com a
enfermeira que consegue a sintonia necessária para captar, de forma muito
sutil, as necessidades das gestantes. A intimidade criada nesta relação
favorece a participação das enfermeiras nas emoções vivenciadas pela mãe e sua
família. Estas também passam a ter um vínculo com a Casa, e esse processo acaba
tornando-se um parâmetro de avaliação para as próprias enfermeiras. Aqui você
está muito atenta, vinculada, sincronizada com a mulher(D1).Aqui, você chama
pelo nome, participa da alegria, vê o casal chorando, emocionado e a gente
acaba chorando junto(D6).É bom estar com a família. É muito interessante,
porque eles trazem o nenê para a gente ver. Este trabalho é uma vitória para
nós(D3).
A concepção de respeito à liberdade da mulher é bastante preservada nos
aspectos da alimentação e da movimentação, pois elas oferecem as possibilidades
de alívio do desconforto provocado pelas contrações e as opções de
posicionamento corporal na hora do parto. Aqui existe a idéia daquilo que é
mais confortável para a parturiente (D5)
Procuram também fortalecer os pontos fortes da mulher e valorizar
potencialidades, cuidado este que favorece a adoção de uma atitude mais
participativa da mulher diante de seu trabalho de parto e parto, tornando-a uma
personagem ativa de seu próprio parto. O processo faz com que a mulher
responsabilize-se pelos seus atos, pois percebe-se como o sujeito principal do
processo de parto e nascimento. A parteira trabalha com o que a mulher tem de
melhor [...] a mulher como uma pessoa que está sendo atropelada por um parto,
mas que o está controlando, no comando(D1).
3.3 As repercussões para a enfermagem obstétrica
Decorridos alguns anos de existência da Casa, certos resultados positivos
conquistados pelas profissionais já foram divulgados em eventos científicos e
encontram-se registrados nos relatórios anuais. Este produto e todo seu
processo são razões para que as profissionais sintam-se compensadas pelo
investimento realizado e vencedoras dos grandes desafios que estão sendo
transpostos. Tudo isso tem um significado especial às profissionais da Casa.
Ser enfermeira da Casa abrange significados que vão muito além do simples fato
de estar em um emprego. Representa ser um personagem importante da história da
assistência obstétrica brasileira, pelo desenvolvimento de um modelo de
assistência inovador. As profissionais mostram-se orgulhosas por estarem
ocupando esse lugar, que é considerado um privilégio. A Casa e todo o trabalho
nela desenvolvido são vistos por suas enfermeiras como o coroamento da
profissão. A nossa prática é indescritível [...] Acho que a Casa do parto é o
coroamento da sua profissão (D1).
Como um símbolo da assistência de qualidade, as enfermeiras observam que o
trabalho desenvolvido na Casa provoca repercussões em outras áreas de
abrangência, vista como importante para a categoria profissional em seu
conjunto, pelo caminho pioneiro, que está sendo percorrido, pois está deixando
indicações importantes a serem consideradas pelas futuras Casas. A Casa é uma
oportunidade importantíssima para a evolução da enfermagem, no sentido de
proporcionar assistência humanizada e com maior autonomia (D5).
As enfermeiras deixam claro que o foco da atenção está voltado à qualidade da
assistência de enfermagem obstétrica, que leva à exaltação natural da
profissão.
Um processo que a gente tem que ter sempre é o trabalho [...]. Não cabe no
perfil da Casa do parto, uma pessoa vaidosa, com o ego muito inflado (D1).
A Casa é percebida como um impulso importante para a mudança da cultura
existente na assistência obstétrica, o que se configura como uma vitória às
enfermeiras obstétricas. O cuidado humanizado vai sendo difundido para outras
instituições, que na visão delas acabarão também sendo transformadas com o
decorrer do tempo. Ela é vista também como uma marca para o futuro ou um
exemplo a ser seguido por outras Casas e pelas próprias instituições que
recebem os reflexos de uma cultura em mudança.
O exemplo de assistência humanizada desta Casa de parto, eu tento transmitir
para os outros hospitais onde trabalho. É uma tentativa de transformação da
cultura institucionalizada (D2).
4 Considerações finais
Ao realizar uma retrospectiva da caminhada rumo à identificação dos principais
símbolos constantes nas idéias, crenças e valores que norteiam as práticas de
profissionais atuantes na primeira Casa de Parto vinculada ao Programa Saúde da
Família, visualiza-se sua importância histórica no atual contexto da
assistência ao parto.
As profissionais da Casa estão inseridas em uma estrutura organizada que se
torna uma estrutura estruturante, um alicerce essencial à transformação da
questionada assistência obstétrica praticada atualmente(14). Por meio das ações
desenvolvidas praticam uma modalidade de práxis transformadora(14).
O preparo e o grande envolvimento das profissionais da Casa mostraram-se
evidentes ao tentarem prestar um cuidado de qualidade às mulheres. Nesse
aspecto, ressaltou-se a essência do cuidado, ou seja, o cuidado centrado na
pessoa, considerada como um ser humano oriundo de um ambiente físico, social e
simbólico com preocupação voltada ao conhecimento de suas particularidades e
atendimento destas em seu processo de gestar e dar à luz. Uma enfermagem que se
coloca como suporte e prática em uma interação profissional-cliente com mútuo
respeito e grande sentimento de satisfação.
Nessa perspectiva como pesquisadora fica a sensação de grande satisfação em ter
compreendido e descrito, de forma sistematizada, o valor simbólico e as
características do cuidado oferecido na primeira Casa de Parto vinculada ao
Programa Saúde da Família. Sobretudo, em razão da assistência prestada na Casa
estar de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde(15).
O sentimento de contentamento permanece pelo registro histórico dos princípios
que norteiam as práticas de cuidado ali desenvolvidas, sobretudo, pela sua
importância social e empenho pessoal e profissional com que são realizadas. O
trabalho realizado vem ao encontro das inquietações que sugerem maior
envolvimento das enfermeiras no sentido de divulgar as atividades
desempenhadas, valorizando-as e promovendo a visibilidade social e política
dessa profissão(16).
Sob a bandeira da inovação, observa-se que a Casa de Parto carrega muitas
crenças, valores e traços da identidade profissional originais da enfermagem
obstétrica.
As enfermeiras obstétricas brasileiras devem ter consciência do fato desta
categoria profissional encontrar-se atualmente em um momento histórico
importante como classe e, também, no âmbito da assistência obstétrica. Em
termos de assistência ao parto dentro da política de assistência obstétrica no
Brasil, existe uma demanda clara e as expectativas dos proponentes dessa
política pela correspondência adequada à demanda atual e futura, no que se
refere à qualidade e quantidade de profissionais para o cumprimento pleno de
seu papel.
Em âmbito nacional existe a necessidade de uma política de formação de recursos
humanos para o atendimento dessa demanda que se projeta para futuro próximo.
Acreditamos que a descrição da assistência prestada na Casa de Parto possa
servir como uma referência às instituições formadoras e às profissionais das
futuras Casas de Parto que se encontram em projeção. Para que possam prestar um
tipo de cuidado, cuja ênfase está centrada na gestante como centro do processo.
A enfermagem obstétrica brasileira tem diante de si um desafio a ser enfrentado
e merece ser atingido. Julgamos que o objeto do trabalho da enfermagem
obstétrica é algo sobre o qual é possível orgulhar-se. Um trabalho em que se
luta por um ideal - a saúde e o bem-estar da gestante e sua família e,
conseqüentemente, a vida e saúde das futuras gerações.