Vivência do parto normal em adolescentes
PESQUISA
Vivência do parto normal em adolescentes
Normal births experiennced by adolescents
Vivencia de el parto normal en adolescentes
Marques de Oliveira e SilvaI;Regina Lúcia Mendonça LopesII;Normélia Maria
Freire DinizIII
IEnfermeira. Docente do Deptº de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas
- UFAL. Mestre em Enfermagem.
IIEnfermeira. Professora Titular do Depto de Enfermagem Comunitária - DECOM/
EEUFBA. Doutora em Enfermagem - UERJ. Pesquisadora do grupo de estudos sobre
Saúde da mulher ( GEM - EEUFBA).
IIIEnfermeira. Professora Adjunta do DECOM/EEUFBA. Doutora em Enfermagem -
Escola Paulista de Medicina. Coordenadora do grupo GEM. E-mail do autor:
normelia@lognet.com.br
1 Introdução
Como enfermeira, atuando na assistência às parturientes, em várias
oportunidades, pude perceber que os profissionais cumpriam as rotinas da
instituição, apegando-se a técnicas padronizadas, tornando-se indiferentes aos
sentimentos e vivências das paturientes, não valorizando seus relatos de medo,
dor, ansiedade e insegurança quanto ao parto normal, especialmente as
adolescentes.
A cotidianidade do lidar profissional com a parturiente adolescente conduziu-me
à preocupação acerca de suas vivências no momento do parto normal. Durante a
assistência à parturiente, tive a oportunidade de perceber, no discurso de
algumas delas, que o distanciamento com o qual eram assistidas somente
reforçava os sentimentos de ansiedade e medo para enfrentar o parto normal.
Particularmente, mesmo diante da rotina do serviço, buscava oportunidades de me
aproximar da adolescente, conversando e tentando traquilizá-la, visto que o
inter-relacionamento é fundamental à mulher no momento do parto.
Diante da situação que envolve a parturiente adolescente e da importância para
a implementação de uma assistência, que esteja voltada à compreensão de cada
pessoa como singular, este estudo tem por objeto a vivência do parto normal
pela adolescente, com o objetivo de compreender essa vivência.
Assim, torna-se necessário tecer algumas considerações relativas a
adolescência, a gravidez e o parto normal nessa faixa etária, para a melhor
compreensão desse estudo.
2 Considerações sobre a adolescência
O Ministério da Saúde(1), em seu documento Programa de Saúde do Adolescente
(PROSAD), conceitua adolescência como um período de vida, caracterizado por
crescimento e desenvolvimento, manisfestando-se por transformações
anatômicas,fisiológicas e psicossociais, e limita uma faixa etária, para a
adolescência, entre 10 e 19 anos.
A adolescência é uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Não pode ser
considerada meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta,
pois é nessa fase que culmina todo o processo de maturação biopsicossocial do
indivíduo. Os aspectos biológicos, psicológicos, sociais ou culturais são
indissociáveis no estudo da adolescência, visto que formam as características
que integram o fenômeno.
A adolescência é um termo utilizado para situar o período de vida na transição
entre a infância e a idade adulta e tem limites imprecisos, pois há discussão
quanto a esse período. A criança, em muitos casos, não vive a adolescência,
pois, ao deixar a infância, já se torna um adulto(2).
"A adolescência é um processo psicossocial que pode apresentar os primeiros
sinais na pubescência e termina depois da parada do crescimento físico"(3:14).
A adolescência é caracterizada como um processo em que os modelos e padrões
infantis são questionados e reelaborados, permitindo que o adolescente se
insira no mundo adulto, o que significa a construção de uma identidade própria,
envolvendo o desenvolvimento afetivo-sexual e o profissional. A principal
tarefa que hoje se impõe aos adolescentes é a busca da identidade, o que
determina a construção de novas relações com o seu corpo, com a família e com o
ambiente em que está inserido(4).
Referente à construção da identidade do adolescente, encontramos um conceito
para adolescência, assim expresso: "a adolescência é uma fase evolutiva com
profundas transformações, sinalizadas pelo desenvolvimento biológico,
sociocultural e psicológico"(5:13). As transformações biológicas são,
comumente, consideradas ponto de partida no processo de adolescer. A seqüência
do desenvolvimento físico da maturação sexual regula-se por mecanismos
neuroendócrinos, em que ocorrem a menarca, na menina, e a primeira ejaculação,
no menino.
Relacionada à estimulação psicossocial, esta exerce efeito no metabolismo e,
portanto, influenciará o comportamento, com as emoções fluindo no
condicionamento cultural, na vivência do adolescente.
Todo adolescente passa por esse processo, mesmo que cada um o experimente em
ocasiões diferentes, pois existe um condicionamento biológico para o
desenvolvimento físico. No entanto, não atua de forma desvinculada, sendo os
fatores socioculturais fundamentais à caracterização da adolescência, estando
essa interação ligada a fatores importantes, uma vez que sinaliza para o
adolescente como uma etapa decisiva de um processo de transição, buscando
encontrar seu lugar no espaço social e sendo representada por situações, que
são normalmente aceitas ou reprimidas pela sociedade, dentre elas, a
maternidade.
Em meio às transformações referentes ao crescimento fisiológico e ao
desenvolvimento, estão aquelas que dão acesso às estruturas mentais, as quais
possibilitam o desenvolvimento cognitivo. Assim, o sistema cognitivo descrito
por Piaget segue uma seqüência de estágios, sendo cada um precedente e
preparatório para o próximo(5).
Para dar seqüência a esse pensamento, fazemos referência a uma descrição do
desenvolvimento cognitivo na adolescência, apoadas em Piaget. Observamos que o
desenvolvimento cognitivo pode ser descrito de acordo com as etapas da
adolescência, assim consideradas: adolescência menor, na qual o adolescente
poderá tirar conclusões de juízos e, então, alcançar o mundo do possível;
adolescência média, período em que o adolescente toma consciência de seus
sentimentos, pensamentos e realidade particular; e, por fim, adolescência
maior, momento no qual definem-se as diferenças individuais de acordo com as
próprias experiências. A principal alteração cognitiva da adolescência é a
conquista do pensamento, quando o adolescente desenvolve a capacidade de pensar
sobre conceitos subjetivos e formular diferentes hipóteses contrárias às
situações vivenciadas(6).
No processo de transição, o adolescente vivencia perdas. Porém essas perdas
também envolvem os pais, quee experimentam o conflito diante do sentimento de
ambivalência: desejam e, ao mesmo tempo, temem o crescimento e a maturação
sexual dos filhos, que estão em uma nova fase de vida(7). A adolescência também
é um processo de maturação sexual e envolve perdas. A criança perde seu mundo
infantil. Esse processo de perdas do corpo infantil e do mundo infantil implica
na compreensão dos ritos de passagem, os quais ocorrem na puberdade e marcam o
momento em que a criança passa a ser o homem adolescente ou a mulher
adolescente(7).
Os ritos de passagem nas sociedades tradicionais são representados,
simbolicamente, pela morte da personalidade infantil e substituição pela
personalidade de homem ou de mulher. Nas sociedades contemporâneas, torna-se
difícil delinear, com precisão, esses rutos de passagem, visto que, diante de
transformações
Vivenciadas nessa fase, já não encontra apoio social organizado, o adolescente
fica entregue a seus próprios conflitos. No mundo contemporâneo, praticamente
não exixtem mais os rituais, mas a passagem permanece(7:229).
A passagem da adolescente para mulher se diferencia de acordo com a classe
social e vivência de cada segmento de classe. Apesar de os papéis sexuais serem
socializados desde a infância, é na adolescência que essa definição se
fortalece. Os rapazes têm permissões e incentivos, as garotas, proibições,
culpas e cobranças. A mulher adolescente vivencia um conflito entre o querer e
o poder iniciar sua atividade sexual. É reprimida pela família quando começa a
namorar e criticada pelos amigos por ainda manter a virgindade.
Esse processo de perda do corpo infantil na adolescente é representado pelo
aparecimento de pêlos, desenvolvimento das mamas e a chegada da menarca.
A perda do mundo infantil para a adolescente tem relação com o rompimento da
dependência, com os pais e familiares. Nesse processo, busca novos padrões de
comportamento para conquistar sua independência subjetiva diante dos pais. A
adolescente vai-se descobrindo enquanto mulher através dos olhares dos outros,
pela admiração e interesse. Em si, afloram alguns aspectos intimistas, como
pintar-se, arrumar os cabelos e, às vezes, usar vestimentas que demonstrem sua
sensualidade. Enfim, procura sua identidade de ser mulher.
Cada adolescente tem um modo de vivenciar o mundo. Apesar de estarem passando
por transformações fisiológicas comuns ao período da adolescência, há
significantes aspectos sociais que diferenciam seu modo de ser. Há aqueles que
se posicionam a partir da resignação, da submissão, e outros jovens que reagem
através da transgressão (como resistência ao poder da hegemonia doméstica), o
que, para as adolescentes, pode significar a busca do espaço no mundo adulto,
que é significativo na vida social.
Esse momento de crise vivenciado na adolescência caracteriza-se por um processo
no qual os padrões infantis são questionados e reelaborados, o que significa a
construção de uma identidade própria. Esse processo é caracterizado por uma
série de transformações corporais, fisiológicas, relacionais e emocionais,
tanto no grupo de iguais quanto no familiar(3, 4, 6).
Com relação ao processo de busca de identidade do adolescente:
a adolescência é um período de síntese, onde se combinam todas as tendências
anteriores, resultando num determinado tipo de conduta não só com relação à
sexualidade, mas também em outras áreas, como nas relações interpessoais e no
trabalho, ou seja, naquilo que o caracteriza como um ser social. Portanto, um
dos maiores equívocos em compreender e lidar com a sexualidade na adolescência
é encará-la isoladamente, fora de um contexto global do indivíduo. O
adolescente busca efetivamente uma identidade sexual junto com uma identidade
psicológica e um posicionamento social(3:26).
Como foi referido anteriormente, a busca da identidade sexual na adolescência
envolve o desempenho de um momento importante de sua sexualidade, em que,
normalmente, se estabelece um conflito entre a imagem corporal idealizada e a
realidade de sua figura física, no decorrer de tais transformações.
Um dos aspectos que envolvem as identidades feminina e masculina na
adolescência é a associação à reprodução e ao prazer, concretizando-se,
especificamente, na gravidez. Essa realidade expressa-se, confirmando a
potencialidade do homem e da mulher.
A maternidade na adolescência é um fator que envolve o processo de
culpabilização da adolescente, principalmente se esta for solteira, tendo em
vista representar irregularidade e conflito na convivência com a família ou
grupos de amigos. As próprias adolescentes criticam a possibilidade da amiga
ter engravidado, considerando-se a existência de métodos contraceptivos
disponíveis. No entanto, apesar destes serem disponibilizados, há, por parte de
algumas adolescentes, dúvidas quanto a sua utilização, enquanto, para outras,
não há o acesso à educação sexual, nem mesmo ao serviço de planejamento
familiar.
No Brasil, a possibilidade de as adolescentes, entre 15 e 19 anos, terem filhos
concentra-se em valores superiores a 100 por 1000 nascidos vivos, sobretudo em
alguns estados das regiões Norte e Nordeste. A mesma autora afirma que a
proporção de mães menores de 15 anos vem apresentando um aumento entre os anos
de 1975-1980 e um notável crescimento em relação às mulheres de outras idades,
depois de l982(8).
O Ministério da Saúde(9), como parte dos dispositivos constitucionais,
relativos à infância e à adolescência, determina no Art. 227 da Constituição de
1988:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão(9).
A Organização Mundial de Saúde (1989, p. 6), apresenta em documento, uma
panorâmica sobre a saúde reprodutiva de adolescentes, enfocando os problemas
que estão relacionados à gravidez na adolescência e registra:
A importância da saúde em adolescentes foi formalmente reconhecida por várias
organizações internacionais numa série de recomendações [...] a Conferência
Internacional sobre População instou que os governos tomassem providências para
impedir gestações precoces e instituiu que a educação sexual e orientações
sobre planejamento familiar estivessem amplamente disponíveis a adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 3º, dispõe de forma mais
geral, considerando que:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral de que trata esta lei
assegurando-lhes por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade(10:13).
Nesse Artigo, não há evidências de restrições no que concerne ao cuidado que
deve ser dirigido à criança e ao adolescente. Apresenta, com clarividência, o
direcionamento que possibilitará a convivência do adolescente com os pais e o
grupo de iguais, considerando sua vulnerabilidade.
A vulnerabilidade da população adolescente é inerente ao seu comportamento,
como o é a necessidade de buscar sua identidade psicológica e sexual para
posicionar-se no meio social, enfim a necessidade de auto-afirmação.
3 A gravidez e a parto na adolescência
Usualmente, na gravidez ocorrem mudanças emocionais decorrentes da existência
de conflitos, normalmente presentes nesse período. Esses conflitos são
transitórios, podendo iniciar-se no primeiro trimestre, mantendo-se pelo
restante do ciclo gravídico-puerperal. No entanto, se não controlados, podem
resultar em saída da crise, com sérias repercussões para sua saúde(11).
Durante a gestação, a mulher vivencia as alterações das manifestações corporais
ao lado das emocionais, que são apresentadas como estados de tensão, medo e
insegurança. Essas interpretações têm seu suporte psicológico em mecanismos de
defesa e de regressão. Naturalmente, esta é uma defesa mental transitória,
possibilitando à mulher adaptar-se a essa nova etapa de seu ciclo biológico(4).
Esse mecanismo de regressão, segundo os autores acima, ocorre em três estágios:
regressão psicoafetiva, mecanismo que pode ser observado na gestante, expresso
por atitude de dependência e manifestações afetivas caracteristicamente
infantis; regressão temporal, em que se pode notar uma tendência voltada ao
devaneio, à sonolência, à intensa atenção ao próprio corpo e, no afetivo, às
reações semelhantes às de uma criança, expressas em forma de sexualidade mais
caracteristicamente oral, buscando o prazer através dos alimentos; regressão
formal, que, na gestante, pode-se manifestar por meio de náuseas e vômitos
excessivos, como tentativa de eliminação do desprazer diante da gestação.
"Qualquer que seja o tipo de regressão, é importante ressaltar que elas, de um
modo geral e, em especial na gestação, estruturam-se principalmente como
defesas psíquicas contra a ansiedade"(4:74).
Considerando que a gravidez ocasiona várias modificações fisiológicas e
emocionais inerentes ao ciclo gravídico-pureperal, justifica-se o estado de
certo grau de ansiedade. O ciclo gravídico-puerperal é um processo
dinâmico,mutável, individualizador e socializador, implicando em novas
exigências para a mulher que o vivencia.
Para abordar a complexidade das vivências no ciclo gravídico-puerperal, faz-se
necessário considerar o conjunto de fatores relacionados entre si, tais como: a
história pessoal da gestante, as características de evolução da gravidez, o
contexto socioeconômico, o contexto assistencial e o contexto existencial.
Relacionadas a este último fator, evidenciam-se as manifestações dessas
vivências, de forma particular, na mulher e na adolescente. Especificamente na
adolescente, essas vivências ocorrerão paralelamente à crise de identidade,
própria da adolescência.
Cada adolescente vivenciará seu ciclo gravídico-puerperal de modo particular.
Assim, a gravidez na adolescência é a interação entre a crise da adolescência e
a crise da gravidez e ocorrerá diante dos conflitos da adolescência,
simultaneamente aos da gravidez.
Quanto à transformação do esquema corporal, conseqüentemente as inúmeras
mudanças ocorrem aos poucos, enquanto, no parto, esse processo é rápido,
havendo brusca transformação do esquema corporal. Na gravidez, a tarefa
psicológica mais importante da gestante é a de considerar o filho como um
indivíduo singular, de modo que, no momento do parto, dê um passo decisivo no
contínuo simbiose-separação física e emocional em relação ao filho(11). Essa
tarefa psicológica para a adolescente é dupla, pois o processo de simbiose-
separação na gravidez e parto ocorre, simultaneamente, à simbiose-separação
inerente à adolescência.
A partir do momento em que a mulher percebe que está grávida, instala-se a
vivência da gravidez, que se manifesta sob formas variadas. Essa situação,
usualmente característica do primeiro trimestre, estende-se durante o
desenvolver dos três trimestres(11).
No segundo trimestre, a mulher sente o impacto da percepção dos primeiros
movimentos fetais e passa a personificar o feto. Ainda, as interpretações dos
movimentos fetais podem ser incluídas em um contínuo de despersonificação-
personificação(11). No terceiro trimestre, o nível de ansiedade tende a
aumentar, tendo em vista a proximidade do parto e à mudança brusca da rotina na
vida da mulher. Especialmente na adolescente, esse nível de ansiedade é
diferenciado. Porque vive no mundo dos sonhos, na gravidez, ela se permite,
também, envolver por fantasias, medos e dúvidas, representados pelo medo de
morrer no parto, de que a criança nasça defeituosa, de sentir uma dor
insuportável (o horror do parto) e de não saber reconhecer os sinais do parto
(7).
Vivencia, simultaneamente, uma situação de crise, como referido anteriormente
e, após o parto, essa adolescente cuja rotina era dançar, ir a festas, realizar
programas de lazer com os amigos, livre de responsabilidades, agora se depara
com um novo papel, o de mãe. Contudo, enfrentará, ainda, as dificuldades para
continuar com os estudos e para a profissionalização(7,11).
A adolescente, então, passa do papel de filha para o de mãe, vivendo uma
situação conflitiva, representada pela transição de mulher em formação, para a
de mulher-mãe(4,7).
No que se refere às vivências, lembramos que versou sobre o significado pessoal
e social do parto, especificando a vivência da dor relacionada a experiências
anteriores, com expectativas e com a socialização da mulher(4). Enfim, a
gestante geralmente resgata, para a experiência e vivência do parto, as
particularidades fisiológicas, psicológicas e sociais.
A partir dessa compreensão, pode-se evidenciar a adolescente em meio ao seu
momento de busca da identidade e de vivência do parto.
Tratando-se do parto como fenômeno psicossomático, bem como atribuindo-lhe um
significado psicológico, esse pode ser considerado como um processo
psicossomático, cujas características são determinadas por múltiplas facetas do
contexto cultural e pela individualidade da parturiente(11). A maneira pela
qual o parto é simbolizado também influi na evolução do mesmo. No que tange à
simbolização do parto, uma mulher que aceita bem a gravidez, provavelmente,
pode ter um parto com dificuldades, pois resiste à separação do filho, enquanto
que uma que rejeita a gravidez pode ter um parto rápido, pois deseja expulsar o
filho de dentro de si. Quanto ao contexto cultural, é importante compreender
que este influi na maneira como a parturiente vivencia as sensações físicas do
trabalho de parto e, conseqüentemente, a experiência do parto(11).
O parto, [...] pode ser considerado como um verdadeiro processo psicossomático,
cujas características são multideterminadas por inúmeras facetas do contexto
sociocultural, da individualidade físico-psicológica da parturiente e do
contexto assistencial(11:78).
Sendo a situação do parto apresentada de formadiferenciada, a partir da
experiência vivencial de cada parturiente, "não se pode negligenciar a
repercussão do contexto assistencial sobre a vivência do parto"(11:70). Muitas
vezes, ocorrem descontrole, pânico e alterações da contratilidade uterina que,
possivelmente, decorrem de uma assistência em que não se atende a parturiente
em suas necessidades. A mulher tende a relaxar quando confia plenamente na
pessoa que a está assistindo e o parto, então, acontece com mais facilidade.
Percebe-se, assim, que há necessidade urgente de valorizar a vivência
experienciada singularmente por cada parturiente.
4 Metodologia
Estudo descritivo, em abordagem qualitativa, seguindo a trajetória
fenomenológica com o objetivo de compreender a vivência do parto normal em
adolescentes. A abordagem fenomenológica possibilita a compreensão do fenômeno
à medida em que o mesmo se apresenta em sua essência.
A pesquisa foi realizada no coletivo de Mulheres do Calafate, situado no bairro
de San Martin, na cidade de Salvador-Ba. Instituição sem fins lucrativos,
fundada em 1922, por um grupo de mulheres dessa comunidade a partir das
necessidades de intervir nos problemas de saúde e de violência conjugal. A
coleta dos depoimentos foi realizada através da entrevista de abordagem
fenomenológica e os sujeitos do estudo foram sete puérperas na faixa etária
entre 14 a 19 anos de idade. Para a compreensão da vivência do parto normal
pela adolescente, elaborou-se a questão norteadora: Como foi o parto para você?
Das depoentes foi obtido o consentimento livre e esclarecido.
As entrevistas foram gravadas em fita magnética, com o prévio consentimento das
adolescentes, cujos nomes, nos depoimentos, são fictícios.
4.1 Martin Heidegger e seu pensamento
Martin Heidegger, representante alemão da fenomenologia existencial e autor da
célebre obra Ser e Tempo, considera fundamental a busca do ser, compreendendo o
homem enquanto ser ex-sistencial ( ser-no-mundo). Propõe-se, para essa busca,
proceder a uma análise da ex-sistência humana, sendo inerente ao indivíduo está
aberto ao ser(13).
Martin Heidegger em Ser e Tempo,apresenta sua preocupação pela questão do ser
quando afirma: "O ser e o homem não apenas se limitam como, por e para fazê-lo,
se visitam"(12:17).
O ser-no-mundo, na visão heideggeriana, encontra-se relacionado ao momento
estrutural do mundo. É relacional, é ser-com em sua dimensão temporal, pois,
estando no mundo, é possibilidade e constitutivo na relação com o mundo.
"Portanto ser-no-mundo e ser-com são modos de ser pertencentes ao ser-aí, que
se expressam pelo ocupar-se das coisas e pelo preocupar-se com os outros"(14:
36).
Na condição de ser mundano, o homem relaciona-se, na cotidianidade, ex-sistindo
nas diversas possibilidades: com o mundo circundante, o mundo público do nós e
o mundo próprio(12).
O "mundo" circundante é o mais próximo à pre-sença. "Caracteriza-se pelo
determinismo e por isso a adaptação é o modo mais apropriado do ser humano
relacionar-se a ele".
Ainda,
O homem não está em seu mundo circundante como um objeto [...] pois, não está,
simplesmente, num ambiente, ele mora ou 'habita' no mundo, que para ele se abre
com muitas possibilidades [...] em virtude da consciência que possui das
situações que já vivenciou, está vivenciando e ainda poderá vivenciar(15:29).
O mundo humano caracteriza-se pela convivência do ser com os seus semelhantes
e, pelo desafio cotidiano de ser presente e presença, diz respeito a
convivência com as demais pre-senças, mundo com os outros ou público do nós.
Diferente das duas primeiras possibilidades de relações com o mundo, o ser
humano, relacionando-se com o mundo próprio, estabelece consigo o alto
conhecimento, caracterizando-se "pela significação que as experiências"
representam para o ser-si-mesmo(12:33).
Desse modo, foi pensando em compreender a vivência do parto normal na
adolescente que buscamos como suporte para análise dos depoimentos,o pensamento
heideggeriano, apresentado em Ser e Tempo.
5 Análise dos depoimentos
A partir das reflexões, compreendemos que, mediante a vivência do parto normal
pela adolescente, sua convivência, revelada através dos sentimentos de temor e
solidão, a aproximou do momento do parir.
Numa compreensão heideggeriana, o abrir-se à convivência revela a necessidade
da vivência, que desvela-se como possibilidade(16). De acordo como essa
reflexão, pode-se perceber nas Unidades de Significação:
5.1 Vivência do parto normal como solidão a partir do sofrimento e abandono na
getação
Na relação com o mundo circundante, o qual numa compreensão heideggeriana,
pontuamos como sendo o que consiste no relacionamento do ser humano com o que
costumamos denominar de ambiente, as adolescentes vivenciaram momentos de
solidão expresso pelo sofrimento e abandono, revelados na convivência com os
outros (representados pelos pais e companheiro), conforme depoimentos a seguir:
[...] Pra começar, na gravidez não foi um gravidez desejada, depois, fazer com
que meu pai e minha mãe aceitasse minha gravidez.
[...] Quando eu soube que tava grávida poxa, foi um sofrimento e não foi porque
eu morava na casa dele e ele viajou [...] quando precisei [...] estava longe de
mim. (Elizabeth)
5.2 Vivência do parto normal como temor expresso pelas dores que, para algumas,
poderiam levar à morte
Enquanto ser-no-mundo, lançado na situação do parto normal, a adolescent passa
pela experiência do temor e da dor, assim como se depara ante a ameaça de
morte, expresso nos depoimentos de Clécia e Ana.
Pra mim, foi horrível, porque eu achava que não iria sair dali viva [...]) Uma
dor horrível que eu nunca tinha sentido antes [...] Medo de morrer, né, e do
bebê também.(Clécia). [...] Pra mim, foi péssimo [...] pensei que ia acontecer
alguma coisa comigo. (Ana)
Heidegger(12) descreve a situação do temor como modo de disposição, analisando
o que se teme, o temor e pelo que se teme. Enquanto modo de disposição "o temor
vela, ao mesmo tempo, o estar e ser-em na medida em que se deixa ver o perigo a
ponto da pre-sença se recompor depois que lel passa."
5.3 Vivência do parto normal a partir da relação impessoal dos profissionais
determinada por expectativas de comportamentos pré-estabelecidos
A adolescente ao vivenciar o parto, convive com a impessoalidade dos
profissionais que, lhe impõem comportamentos estabelecidos. [...] A moça que
fez meu parto disse que eui tava de parabéns, que gostou muito como eu tive,
minha reação e tudo, não fiz [...] (Elizabeth)
Mediante a aproximação do parto a adolescente é lançada no ambiente estranho
das salas de pré-parto e parto, convivendo com os profissionais numa relação de
impessoalidade.
Ao estabelecer comportamento a adolescente, os profissionais encontram-se
distanciados do ser que recebe a assistência, no sentido de não compreender o
cuidado fundamentado na vivência do parto normal para a adolescente.
A respeito do modo de ser cuidado, o traduzimos á luz do pensamento
heideggeriano, como "um fenômeno que é a base possibilitadora da existência
humana"(17:34).
6 Considerações finais
O enfoque fenomenológico compreende o humano enquanto ser no mundo, na situação
de estar lançado, sendo presente e presença, tal como a adolescente na vivência
do parto normal, quando lançada em um espaço que a conduzirá à possibilidade de
manifestações de sentimentos de temor e de solidão, que se mostraram nos
depoimentos.
É importante ressaltar que o encontro com a Fenomenologia permitiu-me
compreender a vivência do parto normal pela adolescente, atentando para o
fundamento dessa abordagem, buscando o conhecimento do fenômeno (vivência do
parto normal) e não o fenômeno, simplesmente dado.
Nos depoimentos, pude compreender a vivência do parto normal como solidão e
temor, pois, durante a gravidez, a adolescente sofreu o abandono pelos pais e
pelo companheiro. A adolescente conviveu com o momento do parto normal, o qual
revelou-se como modo de ex-sistir, designando significados a sua vivência.
Ao estabelecer comportamentos às adolescentes, o profissional encontra-se
distanciado do cuidar fundamental, no sentido de compreender a vivência da
adolescente, situação em que, muitas vezes, valoriza os aspectos técnicos que
envolvem o parto normal, em detrimento da relação com o sujeito.
Assim sendo no cotidiano da assistência, os profissionais não estão sensíveis à
compreensão da vivência singular do parto nomal em cada partutriente.
Compreendi ser de especial importância a vivência do parto normal em cada
parturiente, tendo em vista a possibilidade de conquistar a humanização da
assistência à mulher no período gravídico-puerperal. De modo especial, para
mim, enquanto pessoa e profissional, que tem o compromisso com a formação
prodissional, busco a valorização desta experiência vivencial.