Endomarketing: ensaio sobre possibilidades de inovação na gestão em enfermagem
ENSAIO/ESSAY/ENSAYO
Endomarketing: ensaio sobre possibilidades de inovação na gestão em enfermagem
Endomarketing: Essay on possibilities of innovation in Nursing management
Endomarketing: ensayo sobre posibilidades de innovación en la gestión en
enfermería
Claci Fátima WeirichI; Denize Bouttelet MunariII; Ana Lúcia Queiroz BezerraIII
IEnfermeira. Doutoranda no Programa de Pós-graduação Ciências da Saúde/UnB.
Professora Assistente da Faculdade de Enfermagem/UFG
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Faculdade de
Enfermagem/UFG. Pesquisadora do CNPq
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de
Enfermagem/UFG. Membro da Sociedade Brasileira de Educação Continuada em
Enfermagem
E-maildo autor: claci@cultura.com.br
1 Introdução
Este ensaio tem como objetivo apresentar o endomarketing como ferramenta para o
enfermeiro no processo de gestão, tendo em vista o contexto atual de mudanças
no setor saúde, que exige também o desenvolvimento de habilidades que estão
diretamente relacionadas à introdução de novas tecnologias e formas de
organização do trabalho.
Nossa intenção é contribuir com o avanço desse conhecimento para a enfermagem,
considerando a importância de nos atualizarmos frente a mudanças e novidades do
mundo moderno, em particular, no processo de gestão de pessoas.
O interesse pela temática surgiu de nossa experiência na docência em
enfermagem, especialmente, com alunos do último ano do curso de enfermagem, em
estágio supervisionado e durante seu aprendizado como coordenadores de grupos e
equipes.
A articulação das áreas da administração e saúde mental tem nos possibilitado
experimentar a vivência da integração de conteúdos dessas áreas, na busca de
modelos e estratégias mais eficientes na gestão de pessoas, resolução de
conflitos e soluções de problemas que envolvem as relações humanas no contexto
do trabalho em saúde.
A partir dessa experiência percebemos o papel desafiador e a responsabilidade
que as instituições de ensino têm em formar e lançar no mercado de trabalho,
profissionais preparados para desempenhar ações gerenciais nas equipes de
enfermagem e de saúde, que sejam comprometidos com o desenvolvimento das
pessoas como forma de fortalecer as metas das organizações, sua produtividade e
resolutividade.
Nesse sentido, nos propusemos com o presente ensaio, trazer através de uma
leitura crítica do conceito do endomarketing, a discussão sobre suas
possibilidades e limites na aplicação na gestão em enfermagem, tendo em vista
que esse é o enfoque que temos dado na formação de nossos alunos enfermeiros.
2 Tendências na gestão contemporânea
As inovações tecnológicas têm provocado importantes mudanças no mundo
empresarial, com conseqüências no mercado de trabalho, em especial, na área de
saúde, reduzindo os cargos, aumentando as diferenças salariais, criando novas
profissões e descredenciando outras, constituindo-se em um desafio para o homem
moderno que necessita promover sua adaptação, seu desenvolvimento pessoal e
profissional para conviver nessa nova realidade.
As profissões da área da saúde, em particular, a enfermagem passam por uma
redefinição de funções, de papéis, buscando consolidar o seu compromisso com a
sociedade com vistas a melhor qualidade na prestação dos serviços de saúde(1).
O desenvolvimento da competência do enfermeiro para a ação gerencial constitui-
se em uma tarefa complexa, considerando a tendência da formação desses
profissionais, na maioria das escolas, cujo foco está voltado para a excelência
do desenvolvimento técnico(2).
Portanto, é cada vez maior a necessidade de ampliação desse modelo para um que
privilegie também o desenvolvimento de habilidades no campo das relações
humanas, aspecto tão presente nessa nova era, especialmente se considerarmos a
dimensão do trabalho gerencial do enfermeiro(2,3).
Como o desenvolvimento dessas habilidades está diretamente relacionado à
introdução de novas tecnologias e formas de organização do trabalho, a questão
da gerencia na área da enfermagem precisa considerar o desempenho das práticas
profissionais no contexto atual de saúde, que têm como referências doutrinárias
a Reforma Sanitária e as estratégias de reordenação setorial e institucional o
Sistema Único de Saúde (SUS)(4, 5).
De igual forma, os pressupostos da gestão contemporânea sugerem que as
organizações estejam mais abertas as inovações, as demandas sociais e aos
processos políticos. Em razão das mudanças sociais, políticas e econômicas,
surgem novas abordagens e um perfil de gerenciamento diferente. Gerenciar nesse
contexto exige muito mais do que habilidades técnicas e analíticas, mas a
capacidade de enfrentar exigências, riscos e incertezas mais desafiantes que no
passado, significa comprometimento com resultados, ter autonomia e
responsabilidade, automotivação e criatividade, negociar interesses e fatores
adversos(6).
Nessa nova perspectiva, o foco da gerência deve estar centrado nas pessoas, nas
relações interpessoais, nas equipes e nos grupos de trabalho com seus
conflitos, próprio das relações humanas. A empatia, a comunicação e o
envolvimento das pessoas com os processos de trabalho passam a ser
determinantes para o equilíbrio das relações entre gerentes e os clientes
internos ou colaboradores, principalmente, através da criação de ambientes
saudáveis, capazes de contribuir de forma efetiva para a realização das pessoas
(3,7-12). Assim, esse novo modelo de gerenciamento organizacional passa a ser
concebido e integrado ao projeto pessoal de vida destes colaboradores.
A relação interpessoal no interior dos grupos e das organizações, contudo, nem
sempre navega em águas claras e calmas. Muitas vezes, há conflitos e embates
que podem ocorrer por diferenças de valores, de percepções, de objetivos, bem
como se instalar em diferentes instâncias, ou seja, entre pessoas, entre
grupos, instituições, assumindo diversas proporções e conseqüências para os
envolvidos(13).
Para administrar conflitos e planejar a gestão de pessoas se faz necessário
buscar novas ferramentas e estratégias, pois as pessoas podem viver mais ricas
e felizes quando se dedicam à aprendizagem de novas competências, aumentando
seu repertório de respostas possíveis e flexibilizando seus posicionamentos e
reações (7). Com isto podem descobrir novas formas de enfrentar desafios e de
resolver os dilemas do cotidiano tornando-se mais tolerantes com as diferenças
e valorizando diferentes pontos de vista, pois enriquecem e ampliam suas
percepções(7, 12, 14).
Na gestão de pessoas, sob a ótica dessa nova perspectiva, os funcionários são
sujeitos ativos da organização, sendo entendidos não como recursos
organizacionais mais como pessoas, parceiros e colaboradores nos processos de
trabalho(15).
Dentre as várias estratégias de gestão para lidar com essa complexidade
destacamos um movimento comum nas organizações modernas, que têm cada vez mais,
aumentado sua preocupação em trabalhar com o cliente interno, de maneira a
ouvir suas sugestões, fazer com que participem das tomadas de decisões e
desenvolvam um nível de satisfação crescente na organização(16).
Uma das estratégias utilizadas para atender aos anseios do cliente interno é o
emprego do endomarketing, sendo que endo provém do grego e quer dizer ação
interior ou movimento para dentro(16) . Neste caso os funcionários são tratados
como clientes e a utilização do endomarketing justifica-se pelo efeito direto
na satisfação dos clientes externos, além do aumento da produtividade do
funcionário em função do seu bem-estar (16).
O endomarketingpode ser considerado uma etapa do marketing social da enfermagem
visto que se preocupa com a mudança de comportamento das pessoas em assuntos
relacionados a promoção, prevenção e reabilitação da saúde(17). Isto inclui as
estratégias educativas, utilizadas pelos gerentes junto aos clientes internos
para atender o ser humano nas situações em que a vida requer cuidados.
O enfermeiro gerente inserido neste processo deve participar e conhecer estas
mudanças, para discutir e analisar com toda a equipe novas propostas e
possibilidades, como a utilização do endomarketing, ferramenta de gestão que
privilegia a satisfação dos clientes internos e, conseqüentemente, pode
alcançar uma melhoria do atendimento dos clientes externos.
Importante ainda nesse processo de educação das pessoas no ambiente de
trabalho, com ênfase para o desenvolvimento continuado, é o envolvimento dos
mesmos nas decisões e formulações estratégicas pertinentes aos cargos, funções
e níveis de competências exercidos(18).
3 Endomarketing: conceitos, características e perspectiva para a Enfermagem
Endomarketingconsiste em realizar ações de marketing voltadas para o público
interno da empresa, com o objetivo de atrair e reter esses funcionários. Uma
vez satisfeitos com a empresa, eles acabam produzindo mais e melhor e, como
conseqüência, a empresa consegue obter resultados muito mais eficientes, entre
os quais maior fidelização de seus clientes externos(19).
O endomarketingestá diretamente relacionado e alicerçado na base da cultura
organizacional, cujo comprometimento dos seus funcionários com o
desenvolvimento adequado das suas diversas tecnologias é condição primordial
para o sucesso coletivo(20).
A finalidade do endomarketingé tornar transparente ao funcionário os objetivos
organizacionais de forma a harmonizar o objetivo do funcionário com o objetivo
global da empresa. Fica claro que a empresa precisa conhecer muito bem seu
público interno para comunicar-lhe adequadamente seus objetivos(19).
Isto significa que a função do endomarketingé deixar claro que nos processos
internos da organização também existe, entre outras coisas, a prática dos
valores estabelecidos com base na cultura organizacional, a manutenção de um
clima ideal de valorização e reconhecimento das pessoas, os clientes internos
que tem seus valores, desejos e expectativas(19, 20).
As pessoas nesse contexto são consideradas como capital intelectual, estarão
envolvidas no trabalho da organização e poderão investir na própria organização
na medida em que os retornos de diversas fontes forem compensatórios (15).
Ao estarmos submersos em um contexto de mudanças e transformações, provocadas
por avanços tecnológicos que acontecem com uma velocidade incontrolável e, que
tornam obsoletos os conhecimentos vigentes em gestão, vislumbramos a
necessidade de mudança do perfil do gestor e das ferramentas de abordagem de
gestão em saúde. Assim, estratégias como o endomarketingpodem nos auxiliar a
superar o desafio das transformações e mudanças nos serviços de saúde.
Considerando a importância social do setor de saúde pública no país, mais
especificamente, ao segmento de prestação de serviços de enfermagem,
acreditamos no endomarketingcomo uma possibilidade para realização do trabalho
gerencial na enfermagem, visto que o grau de satisfação ou insatisfação dos
profissionais está diretamente relacionado com questões como a sobrecarga de
trabalho, a falta de melhores salários, a grande demanda de serviços para um
contingente insuficiente de profissionais.
Ao ponderarmos que a enfermagem é uma profissão que busca ascensão social em um
ambiente competitivo, cujos sistemas de comunicação internos são falhos ou
inexistentes, os relacionamentos conflituosos entre colegas, equipe e usuários
dos serviços ainda é uma constante, trabalhar essas questões através do
endomarketingpoderia ser uma saída estratégica interessante.
Nessa perspectiva, zelar pela satisfação e motivação do cliente interno,
certamente irá refletir na qualidade do atendimento ao público externo, pois
este processo está intimamente relacionado. Nas instituições de saúde e
serviços de enfermagem encontramos propostas organizacionais dirigidas ao
pessoal de enfermagem consideradas inovadoras e aliadas com a realidade da
gestão do endomarketingcomo por exemplo, os processos de educação continuada.
Na proposta do endomarketinga ação gerencial deve estar direcionada para
satisfação dos clientes internos visto que, melhora a comunicação, o
relacionamento e estabelece uma base motivacional para o comprometimento entre
as pessoas e das pessoas com o sistema organizacional(15,19,20).
Alguns pressupostos são apontados pelo endomarketingpara estimular o processo
de motivação: valorizar o indivíduo no grupo; incentivar a parceria, a
cooperação e a lealdade; promover integração baseada nos valores e objetivos da
empresa; reforçar continuamente uma atitude baseada em valores compartilhados;
envolver os funcionários no planejamento e na tomada de decisões; remunerar
adequadamente as pessoas.
As organizações e os gerentes que buscam essa competência tem uma vantagem
competitiva, pois se colocam mais pertos de seus clientes internos, assegurando
a continuidade e o equilíbrio do processo de trabalho organizacional(19,21).
Outras estratégias adotadas pelo endomarketing, que consideramos importantes
para o desenvolvimento de ações gerenciais nas equipes de enfermagem, são os
processos permanentes de informação e comunicação integradas, de todos, com um
modelo de "mão dupla"; o estabelecimento de uma base de relacionamento
interpessoal que desenvolve positivamente a auto-estima das pessoas; a
facilitação da prática da empatia e da afetividade, o que permite aos
funcionários revelarem suas expectativas(20).
O processo de educação continuada, através de capacitação das pessoas são
exemplos práticos, realizados constantemente, quer no aspecto técnico, quer no
reforço de valores e atitudes, respeitando expectativas e necessidades dos
funcionários, com base em critérios claros e nos objetivos da empresa, que
proporciona um ambiente de confiança mútua e alta eficiência(15).
Considerando a relevância do papel da equipe de enfermagem nos hospitais e
serviços de saúde e as diversas atividades que exigem previsão, planejamento,
organização e administração de recursos para atendimento de cuidados aos
pacientes, é fundamental que em algum momento estes profissionais sejam
adequadamente "cuidados" pelas organizações(16).
Para obter sucesso continuado, as organizações necessitam buscar resultados na
manutenção de um clima organizacional interno motivador, com abertura para
inovação e flexibilidade, transformando efetivamente todo gerente em um gerente
de pessoas(21).
A enfermagem congrega o maior contingente de trabalhadores de uma instituição
de saúde, atuantes continuamente, em período integral, é considerada a
"vitrine" da organização e, por meio dela, podem ser percebidos os seus pontos
fortes e fracos(15). Portanto, utilizar a ferramenta do endomarketingpode levar
as organizações a reavaliar suas estratégias de atuação em relação aos
profissionais que nela trabalham.
Encontrar caminhos para valorizar os profissionais e mantê-los constantemente
informados, é fundamental para a prestação de serviços com qualidade aos
clientes externos e, nesse sentido, o endomarketingé um instrumento que faz
crescer o funcionário como indivíduo e a empresa como organização.
Um aspecto limitador da implantação dessa estratégia no contexto do trabalho em
saúde, por exemplo, é que não é possível implantá-la como estratégia isolada.
Sem uma articulação e aquiescência de toda a organização, o
endomarketingconstitui-se em mais um modismo que não sairá do projeto. Uma vez
que é intrinsecamente dependente da cultura organizacional, não é possível
pensar na utilização dessa ferramenta sem o firme propósito de articulá-la ao
contexto organizacional em toda a sua complexidade.
4 Considerações Finais
Embora essa ferramenta não seja ainda usual na área de enfermagem, destacamos o
êxito de nossa experiência durante a formação de alunos de graduação em
enfermagem e de alguns estudos que sinalizam essa tendência na nossa profissão,
embora não sejam baseadas exatamente nos pressupostos do endomarketing, mas em
princípios muito semelhantes( 22,23, 24,25).
Ao utilizar algumas técnicas do endomarketingna formação do enfermeiro enquanto
gestor acreditamos estar preparando melhor o nosso cliente interno (aluno) para
lidar com as adversidades do aprendiz no papel de gestor e enfermeiro e assim,
capacitando-o para melhor atender o cliente externo (equipe e os clientes)
O processo de implantação do endomarketingrequer mudanças na cultura
organizacional, tornando-a mais flexível e capaz de disseminar conhecimentos,
gerar responsabilidades e delegar poder de decisão aos clientes internos. No
contexto da nossa instituição, esse tem sido um tema debatido com freqüência e,
que tem exigido um posicionamento claro do corpo docente quanto aos princípios
da unidade acadêmica frente ao seu compromisso na formação de enfermeiros mais
competentes para as relações humanas.
Ao atuar como gerente, o enfermeiro além dos aspectos já relacionados, tem que
ter claro que está lidando com um contexto onde seus clientes externos dependem
de seus serviços, estão debilitados não somente em seu estado físico, mas
também na sua integridade psicológica.
No trabalho em saúde, o gerente precisa saber lidar com as diferenças tanto de
seus clientes internos, como de seus clientes externos, porque os usuários
esperam dele uma postura humanizada e um fazer que alivie seus sofrimentos. Os
seus parceiros e colaboradores, que ele tenha equilíbrio, competência e
segurança.
Para o planejamento e implementação de um programa de endomarketingcom sucesso
é preciso garantir o comprometimento, a adesão interna dos colaboradores com os
objetivos organizacionais e com a satisfação das necessidades dos clientes
externos. É preciso disseminar em toda a organização a relevância do cliente
interno, o que implica conscientizar todos os funcionários do papel importante
que desempenham internamente.
Embora a temática que envolva a questão da gerência e gestão dos serviços de
saúde seja ampla, acreditamos que nossa reflexão deixa alguns pontos
importantes a serem analisados por enfermeiros e educadores, na busca de
melhores alternativas para a problemática, tendo em vista a formação de
enfermeiros com maior satisfação profissional, com competência para gerenciar
serviços de saúde, empregadores mais satisfeitos com o desempenho desses
profissionais e, acima de tudo, clientes externos assistidos com mais dignidade
e qualidade a que têm direito.
O grande desafio do endomarketing é, portanto, conciliar os objetivos e
interesses do público interno com as necessidades e expectativas do público
externo da organização.