Autocuidado do nefropata diabético
INTRODUÇÃO
O Diabetes mellitus (DM) é uma síndrome clínica heterogênea caracterizada por
anormalidades no metabolismo dos glicídios, lipídeos e proteínas, sendo a
elevação no nível glicêmico no sangue a de maior repercussão para o ser humano.
Essas anormalidades têm como elementos fundamentais uma deficiência absoluta ou
relativa da função secretora de insulina pelo pâncreas e/ou ação deficiente de
insulina nos tecidos-alvo, podendo levar a complica-ções micro e
macrovasculares(1).
No Brasil, o DM é considerado uma patologia de caráter progressivo, a
prevalência retrata um problema de saúde pública e fornece subsídios para o
planejamento das ações de saúde. Na população urbana dos países
subdesenvolvidos, estima-se em 7,6% a magnitude de casos existentes,
assemelhando-se aos países desenvolvidos(2).
O DM apresenta evolução insidiosa, com diagnósticos tardios, em alguns casos,
abrangendo resultados bastante significativos de manifestações crônicas(3).
Dentre estas, destaca-se a insuficiência renal.
Os rins são órgãos que funcionam como o principal órgão excretor do corpo,
eliminando os produtos de degradação metabólica do organismo como, por exemplo,
creatinina, fosfatos, sulfatos, ácido úrico e a ureia, esta, produzida e
excretada de 25 a 30 g por dia, caso contrário, poderá se acumular nos tecidos
corporais. Além desse processo de eliminação, por meio da urina, eles também
costumam manter outras substâncias que não devem ser eliminadas, como as
proteínas(4).
Uma vez acometida a complicação crônica diabética, nefropatia diabética, surge
o processo inadequado de filtração das substâncias orgânicas, iniciando de
forma irregular o processo de excreção em pequenas quantidades de moléculas de
proteínas de baixo peso molecular (globulinas e albuminas) pela urina. A
proteinúria transitória, em quantidades inferiores a 150mg/dl, é considerada
normal e não exige avaliação adicional; já a persistente, geralmente significa
lesão dos glomérulos(1).
Essa relação entre doença renal e diabetes já tinha sido observada no século
XVIII, em 1936 por Bright, que estabeleceu pela primeira vez uma relação
objetiva entre albuminúria e doença renal grave específica do diabetes. Cem
anos mais tarde, Kimmestiel e Wilson(5) descreveram uma lesão intercapilar
glomerular nodular em pacientes do tipo 2, que apresentavam síndrome clínica
caracterizada por proteinúria maciça, insuficiência renal e hipertensão
arterial. Tais achados foram por algum tempo considerados patognomônicos do DM.
As pessoas com DM possuem possibilidade de 20% a 40% de desenvolver doença
renal. Dos pacientes com diabetes do tipo 1, cerca de 30% a 40% desenvolverão
nefropatias, mostrando com frequência os sinais iniciais da doença renal depois
de dez a 30 anos do inicio da doença. Enquanto isso, dos pacientes com diabetes
do tipo 2 até 40% apresentam a doença renal depois de 20 anos a partir do
diagnóstico(1-2).
Tendo em vista o tratamento da nefropatia diabética, a consulta de enfermagem
comporta dois momentos fundamentais para o planejamento do cuidado deste
paciente. O primeiro é a entrevista clínica, a qual possibilita o entendimento
do relacionamento terapêutico, que irá permear toda a assistência a ele
prestada. Na entrevista, o cliente expõe suas queixas, problemas e sentimento.
Portanto, é o momento em que são coletados os dados subjetivos. Já o segundo
momento é o exame físico, que enseja o levantamento sistemático dos dados
objetivos (sinais) e a comprovação de dados subjetivos coletados na entrevista
(6).
Esse trabalho objetiva descrever o autocuidado do nefropata diabético atendido
em uma Unidade de Referência Secundária em DM em Fortaleza Ceará.
Espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para que os clientes
sejam coparticipantes do tratamento e que sintam necessidade de compreender
melhor os benefícios do autocuidado para sua saúde de maneira consciente,
melhorando dessa forma, a redução do impacto dessa complicação crônica na
qualidade de vida, proporcionando um modo de vida mais saudável e participativo
na sociedade, pois a doença crônica caracteriza-se por um longo período de
tratamento e impõe limitações e mudanças no estilo de vida, envolvendo não
somente o portador, mas também o núcleo familiar, que por seu turno, interfere
positivamente nos comportamentos de adesão a regimes terapêuticos(7).
MÉTODO
Estudo do tipo descritivo, na qual os fatos são observados, registrados,
analisados, classificados e interpretados sem que o pesquisador interfira neles
(8).
A escolha do local de pesquisa foi intencional, unidade de referência
secundária em Diabetes mellitus e hipertensão arterial, localizada na Região
Metropolitana de Fortaleza-Ceará, credenciado pelo Ministério da Saúde, SUS.
A amostra foi constituída por 30 pacientes em acompanhamento ambulatorial, no
período de julho e agosto de 2004, no Ambulatório de Enfermagem, nos dias de
atendimento previsto desses pacientes, nas quartas e quintas-feiras, no horário
de 07 às 11 horas. Foram requisitos de inclusão: ser nefropata diabético; estar
cadastrado e em acompanhamento ambulatorial; estar em condições físicas e
mentais adequadas para participar da pesquisa; aceitar a sua participação no
estudo de modo espontâneo e assinar um termo de consentimento, tendo
assegurados o anonimato e a liberdade de abandonar a pesquisa a qualquer
instante sem que este fato represente para o paciente qualquer tipo de
prejuízo.
A coleta e organização dos dados foi realizada antes e/ou após consulta no
ambulatório de enfermagem em três momentos. O primeiro foi através dos
prontuários, a fim de obter maiores informações sobre os dados sócioeconômicos,
obtendo com isso, o perfil da clientela. No segundo, foi realizada uma
entrevista semiestruturada, com recurso adicional de um gravador para registrar
as respostas dos entrevistados. E por fim, a observação não-participante,
mediante de um diário de campo, por meio da qual o pesquisador entra em contato
com a realidade estudada, sem integrar-se a ela, permanecendo de fora(9).
A divulgação dos resultados da investigação aconteceu, no primeiro momento, com
a publicação de artigo no periódico nacional, abrangendo os dados
quantitativos. Neste artigo, divulgam-se os resultados qualitativos.
O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de
Fortaleza UNIFOR, cumprindo as recomendações da Resolução 196/96, referente a
pesquisas desenvolvidas com seres humanos, sendo respeitados os aspectos éticos
legais, incorporando os três principais princípios bioéticos: beneficência;
respeito à dignidade humana (autonomia) e justiça e equidade(10). Os dados só
foram coletados após o parecer favorável do Comitê, que tomou o nº 268/2004.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A vista dos dados sóciodemográficos, no perfil da clientela estudada,
predominou o sexo feminino, pelo fato da maior procura dos serviços de saúde
(11); casados e católicos, neste momento o apoio familiar e espiritual
proporciona recursos físicos, emocionais e espirituais na manutenção da saúde
(1,12).
Quanto às demais características, predominou uma renda familiar de um salário
mínimo; ensino fundamental incompleto e faixa etária entre 50 e mais de 60
anos. Percebe-se, diante dos dados apresentados, que esse tipo de clientela
pode levar à dificuldade de assimilação das orientações fornecidas pelos
profissionais, uma vez que o DM requer a observância constante do autocuidado,
pois, caso contrário, pode agravar e comprometer-lhe a vida(13-14).
Atualmente muitos profissionais de saúde que lidam com esse tipo de clientela
estão deixando de lado o modelo biomédico que direciona a atenção para a doença
em vez do doente. Hoje, o direcio-namento das orientações nos atendimentos de
enfermagem foca a pessoa doente de maneira holística. Os assuntos se interligam
à patologia principal, favorecendo a busca de qualidade de vida mesmo dentro de
suas limitações especiais. O desafio é justamente libertar o profissional da
preocupação mórbida em relação aos processos do corpo e da visão técnica
reducionista e desumanizada do tratamento(15).
A literatura atual refere que a nefropatia diabética tem maior prevalência em
pacientes com DM do tipo 1(1,2), não correspondendo aos resultados encontrados
em nossa pesquisa, pois 60% dos portadores de DM são do tipo 2. Destes, quando
indagados sobre o controle glicêmico, percebe-se que o tratamento não
farmacológico ainda é uma forma de auxiliar na manutenção da sua saúde.
O acometimento de complicações diabéticas que podem desencadear a evolução da
nefropatia relaciona-se a diversos fatores de risco, dentre os quais percebe-se
que o tempo de tratamento do DM está diretamente ligado à manutenção e
progresso para o desenvolvimento da nefropatia diabética, pois constata-se que,
de todos os entrevistados, metade está há dez anos conseguindo manter-se em
tratamento conservador.
Dessa forma, destaca-se a importância das consultas de enfermagem para a
prevenção de complicações secundárias à patologia principal, pois uma de suas
principais preocupações é orientar cuidadosamente o autocuidado e garantir sua
execução. Os profissionais acolhem inúmeras angústias e apreensões, que na
prática trás um bem-estar e alívio de tensões cotidianas do paciente(16).
Ao responderem sobre o conhecimento da doença, constata-se que 11 responderam
que nada sabem e nem entendem de sua patologia; sete relatam ser um problema
nos rins decorrentes do aumento da pressão; cinco já dizem que é decorrente do
diabetes está sempre alto; cinco que os rins param de funcionar e ficam sem
filtração adequada e, por fim, dois dizem ser um problema hereditário.
Sobre a aceitação da patologia, 70% (21) dos entrevistados disse aceitar sua
doença, enquanto 30% (9) restantes afirmou não se conformarem com tal condição;
desses, três incomodam-se muito com sua situação de saúde; dois não se
conformam com mais outra doença; um não aceita a doença por causa da
hemodiálise; um porque desencadeou pressão alta, depressão, perda de peso e de
cabelos; um porque atrapalhava muito no trabalho e um porque desencadeou
depressão.
Durante entrevista com o participante, observa-se a importância da consulta de
enfermagem em respeitar a singularidade de cada um, garantindo-lhe o direito de
decidir sobre a própria vida(15). Para tanto, é necessário compreender todas as
respostas frente às diversas situações vivenciadas pelo paciente em sua
trajetória de vida, pois, para que eles consigam aceitar a doença, antes
precisam compreendê-la.
Quando indagados sobre as principais orientações executadas para o autocuidado
da nefropatia diabética, nota-se que 26 referiram a dieta como principal
orientação; 14 os cuidados com a quantidade de doce e de sal; 20 a prática de
atividade física; 12 os cuidados com a medicação; sete a tentativa de manter o
controle dos níveis glicêmicos e da pressão; cinco a ingesta de líquidos e, por
fim, três clientes os cuidados com o pé diabético.
Observa-se o destaque para a dieta e a prática de atividade física, assim como,
o cuidado com o uso de medicações, que são alternativas da manutenção para o
controle, educação e conscientização do cliente como participante ativo no seu
tratamento.
Sobre a forma das orientações repassadas aos pacientes pela equipe de
enfermagem, observa-se uma unanimidade ao respon-derem que todas foram
suficientemente concisas e claras, muito embora alguns admitam não cumpri-las
como orientadas, pois inúmeros obstáculos aparecem durante esse processo, por
exemplo, o fator econômico e o psicológico, que em alguns momentos surgem como
forma negativa, desencadeando a não-adesão total ao tratamento.
Por fim, quando indagados sobre a periodicidade nas consultas, a aceitabilidade
e o convívio com a doença, 70% dos entrevistados se colocou de maneira positiva
e afirmou que 56,7% das orientações recebidas foram realizadas por enfermeiros,
de tal maneira que estimulavam ainda mais a prática do autocuidado por eles.
O uso da comunicação dentro de qualquer relacionamento interpessoal é
imprescindível(17). A equipe multiprofissional de saúde, ao fazer uso correto
da comunicação, estará se capacitando para perceber o paciente como pessoa que
sente, pensa e que está imersa num contexto humano complexo e não apenas como
um objetivo de seu cuidar.
O entendimento do nefropata diabético diante do autocuidado, sobre sua doença e
tratamento e o conhecimento de sua capacidade cognitiva pode, portanto,
proporcionar uma orientação, não apenas para a seleção de explicações, mas
também para a seleção das técnicas mais adequadas para administração de
cuidados de saúde, tornando-o de fato um indivíduo consciente de sua doença,
participante na prevenção de complicações que o diabetes pode proporcionar(14).
Assim, de acordo com o que o paciente sabe de sua doença, seu real significado,
seus riscos e o controle de suas atitudes e estilo de vida se encaminharão para
a prática no seu cotidiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomando por base o total da pesquisa, apesar de nossa amostra parecer pequena,
foi bastante relevante, possibilitando atingir o objetivo do estudo, pois este,
além de propiciar uma reflexão sobre a evolução da complicação diabética,
alertou para a importância do profissional enfermeiro na atuação das
orientações para o autocuidado dos clientes.
As orientações dos profissionais que acompanham a educação do paciente e
familiares são essenciais para o bom controle da doença e auxiliam na tentativa
de evitar suas complicações crônicas. Isso reforça a necessidade de uma equipe
multiprofissional, incluindo especialistas em educação, para orientar esses
pacientes.
É importante lembrar que não foi objetivo deste estudo relatar que os casos de
nefropatia diabética resultam da falta de informação e de acompanhamento do
profissional enfermeiro. É preciso, portanto, deixar um alerta para os
profissionais de saúde, principalmente o enfermeiro, que atua mais diretamente
com essa clientela, sobre a importância de se falar mais sobre o autocuidado;
como também rever todas as possíveis orientações repassadas para os clientes,
pois o que se observa, na maioria das vezes, é que os profissionais ficam tão
atarefados com tantas atividades que deixam passar o mais importante para a
manutenção da saúde do cliente: o autocuidado. Com isso, fazem que as
orientações fiquem em segundo plano, porém, se estas fossem intensificadas de
modo mais direto e objetivo, as complicações do diabetes diminuiriam pela
metade ou seriam evitadas.
A evolução da nefropatia diabética pode ser influenciada por vários fatores que
determinam seu início e progressão, mas a prevenção, juntamente com a educação
do paciente, é o objetivo primordial contra o rápido desenvolvimento dessa
patologia tão séria.
O objetivo mais importante da educação do diabético é fazer o paciente mudar de
atitude internamente, tornando-o ativo no controle da doença. Só então ter-se-á
concretizada a verdadeira educação.