Atitudes de enfermeiros de hospital geral frente às características pessoais do
paciente alcoolista
INTRODUÇÃO
Até o início deste século, o Brasil não dispunha de uma política que
contemplasse o planejamento de ações voltadas para atenção às pessoas que
consomem álcool e outras drogas. Em março de 2003, diante do reconhecimento da
ausência do estado no enfrentamento dessa problemática e da constatação de que
tal uso tomou proporção de grave problema de saúde pública no País, com
ressonância nos diversos segmentos da sociedade, pela relação comprovada entre
consumo e agravos sociais que dele decorrem ou que o reforçam foi implantada a
política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e
outras drogas(1).
De acordo com essa política, a assistência a usuários de álcool deve ser
oferecida em todos os níveis de atenção, privilegiando os cuidados em
dispositivos extra-hospitalares, como os Centro de Atenção Psicossocial para
Álcool e Drogas (CAPSad), devendo também estar inserida na atuação do Programa
de Saúde da Família, o programa de Agentes Comunitários de Saúde e da Rede
Básica de Saúde. Ainda, segundo a política(1), os casos de maior gravidade,
como os quadros de intoxicação ou abstinência graves e outros transtornos
clínicos e psiquiátricos agudos devem ser acolhidos em dispositivos de saúde de
maior complexidade, tais como: as emergências médicas e psiquiátricas e os
hospitais gerais.
No que se refere ao atendimento dessa população no âmbito dos hospitais gerais,
em 2005, o governo por meio da Portaria (PT GM 1.612/05)(2) normatizou
mecanismos de financiamento de leitos de hospital geral para usuários de álcool
e outras drogas. Dessa forma, se antes da proposição da política nacional para
a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas já se percebia o
aumento do número de pacientes com problemas relacionados ao álcool e ao
alcoolismo em unidades de internação e de emergência de hospitais gerais(3-4).
Com a implantação dessa política, esses serviços passaram a se constituir
formalmente em locais estratégicos na rede de atenção psicossocial, para essa
população, de forma que cada vez mais os enfermeiros de hospital geral têm
prestado assistência a essa clientela.
Quando um alcoólico é admitido em unidades de hospitais gerais um dos primeiros
membros da equipe da unidade que entra em contato com ele é o enfermeiro que,
além de responsabilizar-se pela maioria dos contatos iniciais com esse paciente
na instituição, é responsável pelo planejamento de sua assistência do mesmo
durante a internação, o que por si só justificaria a realização de estudos
sobre as atitudes desse profissional diante de tais pacientes. Segundo os
autores(5), as atitudes apresentadas por esse profissional nos primeiros
contatos com o paciente podem afetar significativa-mente o curso subsequente do
tratamento.
A revisão da literatura vem evidenciando que os enfermeiros de serviços de
saúde, consideram cuidar de pessoas com problemas relacionados ao álcool e
outras drogas, como algo difícil e desagradável, com um predomínio de atitudes
negativas frente à questão(4,6-10). Pesquisa(6) com o objetivo de verificar as
atitudes de enfermeiros de hospital geral com relação à satisfação em trabalhar
com pacientes alcoolistas, encontrou que, embora sejam unânimes em considerar o
hospital como um local adequado para o atendimento dessa clientela, sentiam-se
desconfortáveis para trabalhar com os mesmos e evitavam abordar o problema
temendo reações agressivas do paciente.
Estudo(7) realizado para verificar as concepções de enfermeiros de hospital
geral frente ao paciente alcoolista, constatou que este é concebido como
desobediente, que não gosta de ser como é, com dúvidas quanto à sua capacidade
para enfrentar os problemas. Outro estudo(8) envolvendo atitudes, concepções e
crenças de enfermeiros com relação ao alcoolista constatou que os enfermeiros
concebiam o alcoolista, como um indivíduo dependente, repetitivo e com baixa
probabilidade de recuperação. Enquanto outra pesquisa(9) evidenciou que os
enfermeiros consideravam o alcoolista como uma pessoa sensível, com complexo de
inferioridade e constatou que os sujeitos do estudo apresentavam a tendência de
ver o alcoolista como pessoa que tem sua saúde mental prejudicada.
De modo geral, a análise da literatura sobre a temática evidencia o predomínio
de atitudes negativas dos enfermeiros frente ao alcoolismo e ao alcoolista,
pois, embora considerem o alcoolismo uma doença que precisa de tratamento, o
alcoolista um doente e o hospital geral como um local adequado para o
tratamento desses indivíduos, ainda é possível encontrar significativo
contingente de profissionais que atribuem ao alcoolismo a vontade do próprio
paciente(8,10), predominando a insatisfação desses profissionais quando
precisam trabalhar com essa clientela(6), apesar de se sentirem capazes de
cuidar dela(10).
Assim, considerando que a atual política do Ministério da Saúde para a atenção
integral a usuários de álcool e outras drogas(1) estabelece o hospital geral,
como um dos locais estratégicos para atendimento dessa população; considerando
que o enfermeiro desses serviços tende, cada vez mais se deparar com situações
que envolvem o uso do álcool e o alcoolismo e tendo em vista que as atitudes
apresentadas por esse profissional, podem influenciar no andamento do
tratamento do alcoolista. Este estudo objetivou identificar as atitudes de
enfermeiros de um hospital geral, frente algumas características pessoais do
paciente alcoolista.
Mesmo amplamente estudado, o termo atitude ainda não possui uma definição
precisa, o que talvez explique o fato de, nas últimas décadas, numerosas
definições terem sido propostas por vários autores. No entanto, parece ser
consenso na literatura que uma atitude seria uma predisposição adquirida e
duradoura para agir sempre do mesmo modo, diante de uma determinada classe de
objetos ou um persistente estado mental e/ou neural de prontidão para reagir
diante de certa classe de objetos, não como eles são mas, sim, como são
concebidos(11). Além disso, existem duas correntes de explicação para a
constituição de uma atitude, a que atribui mais de um componente em sua
constituição - definição multidimensional - e a que defende serem as atitudes
constituídas por um único componente - definição unidimensional. Nas concepções
multidimensionais, as definições de atitudes integram três componentes: o
cognitivo, o afetivo e o comportamental(12).
O componente afetivo é o único característico das atitudes sociais(13), sendo
considerado o mais nitidamente característico das atitudes e é justamente o que
difere as atitudes das crenças e opiniões que embora, muitas vezes, se integrem
em uma atitude e suscitem um afeto positivo ou negativo em relação a um objeto,
predispondo à ação, não são necessariamente impregnados de conotação afetiva
(13). Para haver uma atitude em relação a um objeto, é necessária alguma
representação cognitiva desse objeto. Assim, para que haja uma carga afetiva
pró ou contra um objeto social definido, faz-se mister uma representação
cognitiva desse mesmo objeto. As crenças e demais comportamentos cognitivos
relativos ao objeto de uma atitude constituem o componente cognitivo da
atitude. Pessoas que exibem atitudes preconceituosas, por exemplo, têm uma
série de cognições a respeito do grupo, que é objeto de sua discriminação(14).
Por último o componente comportamental ou comportamento conativo, refere-se à
ação, à prontidão para reagir frente ao estímulo atitudinal; revela uma
tendência do indivíduo em um movimento ou ação na direção do objeto de atitude.
Esse comportamento pode ser verbal e não-verbal(15). De acordo com os
estudiosos do assunto(12), é preciso entender que as atitudes envolvem o que as
pessoas pensam, sentem e como gostariam de se comportar em relação ao objeto
atitudinal, essa concepção define uma atitude, como sendo multidimensional,
pois envolve três componentes: afetivo, cognitivo e comportamental.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório descritivo de abordagem psicométrica sobre
as atitudes de um grupo de enfermeiros de hospital geral frente às
características pessoais do paciente alcoolista. A psicometria é o termo
utilizado ao estudo das medidas das ciências do comportamento, segue os
princípios da teoria da medida em geral, que buscam desenvolver uma discussão
epistemológica para descrever fenômenos naturais, utilizando o símbolo
matemático, o número(16).
A amostra do estudo constituiu-se de 171 enfermeiros alocados em 18 unidades de
internação de um hospital geral de caráter universitário de Ribeirão Preto, SP.
Os critérios de inclusão na amostra foram aceitar participar do estudo e estar
desempenhando a função de enfermeiro no momento da coleta.
O instrumento de coleta de dados foi a subescala IV da Escala The Seaman
Mannello Nurse's attitudes toward alcohol and alcoholism Scale(17), que mensura
as atitudes relacionadas à percepção das características pessoais do
alcoolista" Neste estudo, a Subescala IV utilizada é composta de seis itens
(Figura_1), que podem ser respondidos em uma escala do tipo likert de 1 a 5
pontos; e 1 representa completo desacordo com o item, e 5, representa completo
acordo. Com a escala de atitudes, aplicou-se um questionário com informações
sociodemográficas dos participantes (idade, sexo, cargo), além de uma questão a
respeito da experiência profissional com alcoolistas.
Os instrumentos de coleta de dados foram entregues aos participantes em suas
unidades de trabalho em envelopes lacrados e solicitou-se que os questionários
não fossem identificados, a fim de garantir sua privacidade. O questionário
levou, quase, 30 minutos para ser respondido e foram inclusas as instruções
para o preenchimento, bem como o Termo de Consentimento Esclarecido.
Para análise dos dados, construiu-se um banco de dados no EPINFO, programa da
Organização Mundial da Saúde (OMS), de domínio público, que possibilitou
realizar uma análise estatística descritiva das informações sociodemográficas
da população estudada, bem como das respostas dadas aos itens da subescala IV,
percepção das características pessoais do alcoolista. Nessa última, atribuiu-se
um e dois pontos para categorias de respostas desfavoráveis (desacordo e total
desacordo) ao item; três para categorias intermediárias (indiferente) e quatro
e cinco pontos para categorias favoráveis (acordo e total acordo).
O primeiro passo para a análise dos resultados consistiu na determinação do
ponto médio dos escores que poderiam ser obtidos em cada um dos itens que
compunham o instrumento, bem como na subescala em sua totalidade. Para obtenção
desses valores, realizou-se a soma dos escores mínimo e máximo que poderiam ser
obtidos, em cada um dos itens (1 e 5 pontos), bem como na subescala total (6 e
30 pontos). O produto da soma dos valores dos escores mínimos e máximos que
poderiam ser obtidos, divididos por 2, resultou no ponto médio dos escores da
subescala igual a 18 e de cada um dos itens igual a 3. Esses valores foram
considerados como ponto de corte para interpretação das atitudes dos sujeitos,
frente às características pessoais do paciente alcoolista.
Após, os pontos de corte serem determinados, procedeu-se a verificação das
médias de escore obtidas pela amostra do estudo em cada item separadamente. O
mesmo processo foi realizado para obtenção da média de escore dos sujeitos na
Subescala em sua totalidade. Identificadas as médias obtidas dos escores pelos
sujeitos em cada um dos seis itens e na Subescala total, o passo seguinte
consistiu na interpretação dos resultados obtidos segundo as definições
operacionais propostas pelas autoras da escala. Dessa forma, escores inferiores
ao ponto médio da Subescala (18) e de cada um dos itens (3), foram considerados
indicativos de atitude negativa, enquanto os escores superiores a esse valor
foram interpretados, como indicativos de atitude positiva.
Os aspectos éticos observados na realização desta pesquisa foram a aprovação
do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo sob número
576100, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos
sujeitos que participaram do estudo.
Conforme as autoras do instrumento(17), enfermeiros com escore elevado na
subescala IV "percepção das características pessoais do alcoolista", tendem a
perceber o paciente alcoolista como uma pessoa infeliz, solitária, sensível que
duvida do seu próprio valor, com graves dificuldades emocionais. Enquanto
enfermeiros com escores baixos tendem a conceber o alcoolista, simplesmente,
como um bebedor excessivo, sem nenhum tipo de problema psicológico.
RESULTADOS
Caracterização dos sujeitos
Os sujeitos do estudo, conforme ilustram os dados da Tabela_1, caracterizaram-
se como indivíduos do sexo feminino, com idade média de 32 anos, solteiros,
formados entre 1 e 5 anos, em escolas públicas e sem formação em nível de pós-
graduação. Quanto ao cargo exercido no serviço de enfermagem no momento da
coleta, a maioria, denominou-se enfermeiro de turno. Do total da amostra, 52,4%
revelaram já ter tido experiência profissional com alcoolistas em suas unidades
de trabalho.

Atitudes dos enfermeiros com relação à percepção das características pessoais
do alcoolista.
Considerando-se a escala de 1 a 5, sendo 1=limite desfavorável e 5=limite
favorável, os resultados demonstraram que a atitude global dos enfermeiros do
estudo foi favorável, visto que o índice médio dos escores obtidos em cada um
dos itens que compõe a subescala IV manteve-se, com exceção do item 4, "os
alcoolistas sentem que são pessoas más devido seu alcoolismo", acima do ponto
médio 3, conforme demonstram os dados da Tabela_2.
[/img/revistas/reben/v63n6/24t02.jpg]
A análise em conjunto dos escores obtidos pela amostra do estudo na Subescala
IV resultou na média geral de 20,15. Este resultado é consistente com os
verificados na análise individual dos itens e confirma a tendência de atitudes
positivas dos enfermeiros frente às características pessoais do alcoolista,
pois é superior àquela estabelecida como ponto de corte para avaliação das
atitudes (18).
Considerando as médias obtidas em cada um dos itens e a média geral obtida na
Subescala IV, que se apresentam acima dos pontos de corte, pode-se dizer,
segundo a definição operacional estabelecida pelas autoras do instrumento que
esses sujeitos percebem o paciente alcoolista, como uma pessoa infeliz,
solitária, sensível, que duvida de seu próprio valor e com graves dificuldades
emocionais.
O resultado foi consistente com os valores encontrados quando se avalia a
porcentagem de indivíduos que se posicionou a favor ou contra os itens, pois,
46,5 % dos enfermeiros concordam com o fato do alcoolista ser uma pessoa
sensível, solitária; 51,5%, com graves dificuldades emocionais (82,2%) e que
foram levados a beber por outros problemas. No entanto, avaliando as
porcentagens de respostas ao item referente ao alcoolista sofrer com complexo
de inferioridade, verifica-se que esses enfermeiros parecem não estar bem
certos sobre o fato, tendo em vista que mais da metade da amostra colocou-se em
categorias intermediárias, sem acordo ou desacordo com o item. Situação
semelhante foi encontrada quando precisaram se manifestar frente ao item que
avalia se os enfermeiros acreditam que o alcoolista sente-se uma pessoa má, em
razão de seu problema. Nesse item, o percentual de enfermeiros sem opinião
formada atingiu 37,5%, seguido de um percentual bem próximo a esse 36,9% que
discordava do fato do alcoolista sentir-se uma má pessoa.
DISCUSSÃO
A análise dos resultados confirmou o pressuposto inicial deste estudo que
apontava que o enfermeiro de hospital geral tem tido cada vez maior contato com
pacientes alcoolistas, pois, mais da metade dos sujeitos do estudo revelou ter
experiência profissional com esse paciente em seus locais de trabalho. No
entanto, chamou atenção o fato do elevado percentual (47,6%) dos sujeitos que
negaram tal experiência. Talvez isso se explique, pela dificuldade dos
profissionais de saúde para identificar e encaminhar pacientes com problemas
relacionados ao álcool e outras drogas para tratamento especializado quando se
deparam com esses nos serviços de saúde.
Por sua vez, esta dificuldade pode ser atribuída, conforme relatado na
literatura(4,18-20), ao fato de que pouco ou nenhum preparo tem sido assegurado
aos profissionais de saúde, dentre eles, os enfermeiros durante a formação para
o reconhecimento, abordagem e tratamento de pacientes que apresentam problemas
relacionados ao álcool e outras drogas. A esse respeito, pesquisa(21) realizada
com médicos e enfermeiros nos Estados Unidos da América constatou que dois
terços dos entrevistados sentiam-se despreparados para reconhecer e abordar o
problema do uso do álcool e do alcoolismo com seus pacientes. Consistente com
os resultados de outros estudos(7,9), esta pesquisa revelou que os enfermeiros
tendem a conceber o alcoolista como pessoas infelizes, solitárias, sensíveis,
que duvidam de seu próprio valor e com sérias dificuldades emocionais. O
resultado indicou uma tendência de atitudes positivas, pois contrapôs-se à
concepção de que o alcoolista é simplesmente um bebedor excessivo sem nenhum
problema psicológico.
Ao conceberem o alcoolista como um indivíduo com problemas psicológicos, pode-
se inferir que esses enfermeiros tendem a rejeitar a explicação moral para o
alcoolismo que reduz o problema à vontade do próprio paciente, que, também, é
considerado responsável por interromper o uso do álcool, culpando-o em última
análise por seus problemas de saúde. A constatação de que o alcoolista é
concebido por esses enfermeiros, como uma pessoa com problemas psicológicos,
indicando a existência de atitudes positivas é reforçada pela concepção de que
se trata de pessoa com graves dificuldades emocionais. Este resultado é
corroborado por outros estudos(22), em que os enfermeiros concebiam o
alcoolista como uma pessoa psicologicamente abalada. Ver o alcoolista, como uma
pessoa psicologicamente abalada, modifica, ao menos parcialmente, a concepção
de que ele não está doente porque quer, o que certamente repercute no cuidado a
lhe ser dispensado, tendo em vista que, segundo a literatura(23), quando existe
a associação entre a doença e a responsabilidade pela situação clínica do
paciente pelo enfermeiro que a mesma pode influenciar negativa-mente no
relacionamento enfermeiro-paciente e, consequentemente, no cuidado de
enfermagem.
Perceber o alcoolista como uma pessoa sensível, com problemas emocionais,
certamente, facilita o estabelecimento de um relacionamento interpessoal,
levando o profissional a reconhecer no alcoolista uma pessoa que precisa de
ajuda, o que é considerado um fator importante, quando se trata de cuidar desse
tipo de paciente, pois se o profissional não sentir no alcoolista alguém que
mesmo, muitas vezes, recusando, precisa de sua ajuda, dificilmente cuidará com
eficiência(18).
Além de conceber o alcoolista como alguém que está precisando de ajuda, é
importante também que o enfermeiro reconheça que a hospitalização pode
constituir-se em um momento de crise para o paciente, já que, nesse período,
ele poderá estar passando por uma fase de estresse físico e psicológico,
causado pela abstinência, além de poder ter sua doença evidenciada pela
primeira vez. Dessa forma, ao estabelecer contato com o alcoolista durante a
internação, o enfermeiro precisa vislumbrar que o paciente poderá estar em
extremo sofrimento psíquico, o que exigirá que lance mão de suas habilidades de
relacionamento interpessoal para atuação com ele (18,22), reconhecendo a
internação como um momento de crise, buscando, assim, formas adequadas de
abordagem com esse paciente, o que certamente será mais fácil, caso o
profissional mostre-se sensível à situação do mesmo.
Na análise de cada um dos seis itens separadamente, a menor média (2,86) foi
encontrada no item 4 que avalia as atitudes dos enfermeiros no que se refere ao
alcoolista sentir-se uma pessoa má, em razão de seu problema, indicando que
esses enfermeiros não estão bem certos sobre essa questão. Este resultado pode
denotar uma tendência de atitude negativa, pois ao conceber que o alcoolista
não se sente uma pessoa má e que não se culpa pelo seu problema, podem estar
atribuindo a esse paciente a indiferença diante de sua doença. Esta atitude
parece estar impregnada pela explicação do alcoolismo, como um desvio moral,
com a compreensão de que um adicto só valoriza a sustância que utiliza(9).
Esse dado é consistente com o evidenciado em outros estudos (22), nos quais o
alcoolista era concebido pelos enfermeiros, como uma pessoa que bebe sem se
importar com o que acontecerá depois, revelando concepções que podem ser
compreendidas, como inconsequência e irresponsabilidade. Atitude essa que
parece, no entanto, não encontrar respaldo na literatura sobre o tema(24) que
aponta que existem sentimentos desconfortáveis vivenciados pelo alcoolista,
tais como: culpa, arrependimento e mágoa, refletidos em sintomas de depressão,
necessidade de isolamento e autopunição. De modo geral, os alcoolistas
demonstram insatisfação consigo mesmo e com a vida, sentindo-se frustrados.
Na percepção dos enfermeiros do estudo, o alcoolista é um solitário, resultado
corroborado com outros estudos que avaliaram as atitudes diante das
repercussões do alcoolismo na vida do indivíduo, nos quais os enfermeiros
percebiam o alcoolista, como um indivíduo que acaba só(7-9,22). Esse resultado
pode estar fundamentado na percepção da relação conflituosa entre o alcoolista
e sua família, acarretando na deterioração das relações familiares, já que
qualquer pessoa que interfira entre o alcoolista e o álcool terá de enfrentar a
fúria pela separação entre o bebedor e o objeto de desejo, o álcool,
deterioração essa que extrapola para os desajustes sociais, em um crescente tal
que a maioria dos alcoolistas acaba só, ou porque se isola, ou porque é
abandonada(25).
Os enfermeiros da pesquisa concordaram com o fato de que o alcoolista é levado
a beber por outros problemas. Este resultado é consistente com outros estudos
(22) que evidenciaram que, na concepção desses profissionais, fatores
psicosocioculturais como, desemprego, dificuldades financeiras, insatisfação
com a vida, problemas conjugais, desajustes familiares, busca de soluções para
problemas afetivos e fuga dos problemas foram apontados como causas do
alcoolismo. O autor(22) aponta que isso pode remeter à carência de
conhecimento, tendo em vista que esses fatores podem levar o indivíduo a beber;
no entanto, podem ser vistos como agentes etiológicos para o alcoolismo. Assim,
o comportamento do beber e os problemas aos quais ele está associado, são
determinados por fatores múltiplos interatuantes, relacionados tanto ao
indivíduo como a seu meio ambiente. Este comportamento não pode ser
compreendido totalmente com base nos problemas cotidianos da vida e no meio
ambiente isoladamente mas só como uma interação entre uma variedade de fatores
biopsicossociais(26).
Apesar dos resultados evidenciarem o predomínio de atitudes positivas desses
enfermeiros no que se refere às características pessoais do paciente
alcoolista,segundo o instrumento utilizado, os participantes demonstraram
dúvida quanto ao fato do alcoolista sentir-se uma pessoa má e com complexo de
inferioriade. Os resultados parecem indicar a existência de ambivalência nas
atitudes dos enfermeiros frente às questões que envolvem o álcool e o
alcoolista, pois, se de um lado, acreditam que essas pessoas são sensíveis e
psicologicamente abaladas, de outro, parecem não ver nesses indivíduos alguém
que se interessa por seu problema, pois não se sentem maus ou culpados pelo
mesmo. Esta ambivalência nas atitudes dos enfermeiros, talvez se explique, pelo
fato, do modelo moral de explicação para o alcoolismo, ainda exercer forte
influência nas concepções e atitudes de enfermeiros e profissionais da saúde de
um modo geral(22) o que pode gerar atitudes ambivalentes no enfermeiro(10).
No entanto, ao conceber que os alcoolistas bebem em decorrência de problemas,
são sensíveis, solitários e com problemas emocionais, não significa que os
mesmos enfermeiros não tenham outras atitudes que reflitam valores morais. Em
estudo anterior(18) utilizando outra subescala do mesmo instrumento,
evidenciou-se que os enfermeiros apresentavam esse tipo de atitude com relação
ao consumo do álcool.
A respeito das características pessoais do alcoolista, autores(28), discorrendo
sobre uma possível personalidade alcoólica apontam que as pesquisas não
confirmam a crença de que exista uma personalidade central comum ou um conjunto
de defesas fortemente estabelecidas que seja característico de pessoas que
sofrem de abuso de álcool. Esses autores(28) chamam atenção, ainda, para os
efeitos negativos de se considerar que existe uma 'personalidade do
alcoolista', já que este pode ser compreendido e rotulado em função destas
características e considerado como diferente do resto da população. Assim,
esses apontamentos devem ser considerados ao se utilizar os dados dessa
pesquisa.
No entanto, observo que o presente estudo possui várias limitações, dentre
elas, foi realizado com uma amostra de um único hospital e apresenta os
resultados obtidos em apenas uma subescala de um instrumento específico,
portanto, não podem ser generalizados, pois, fornecem informações sobre apenas
seis atitudes referentes ao objeto em questão. Apesar dessas limitações, os
resultados aqui apresentados contribuem para o conhecimento a respeito da
temática atitude de enfermeiros frente às questões relacionadas ao álcool e ao
alcoolismo, em especial, sobre as percepções das características pessoais do
alcoolista, sobretudo pela carência de estudos publicados na literatura
nacional sobre a questão.
CONCLUSÃO
As atitudes dos enfermeiros frente às características pessoais dos alcoolistas
tendem a positividade, pois estes são percebidos como uma pessoa sensível,
sozinha e com graves dificuldades emocionais. Esta atitude pode contribuir para
que o enfermeiro reconheça no alcoolista alguém que está doente e precisa de
ajuda e na internação em hospital geral um momento de crise e passível da
intervenção do enfermeiro, o que pode favorecer o estabelecimento do
relacionamento interpessoal enfermeiro versus paciente alcoolista.
Percentual significativo de enfermeiros negou possuir experiência profissional
com alcoolistas no âmbito do hospital geral, esse resultado pode ser um
indicativo de que os enfermeiros não estejam preparados para reconhecer
pacientes com essa problemática, sobretudo quando se analisam os dados
relativos à prevalência de internações dessa população. Isso pode indicar falha
na formação desses profissionais que mesmo em contato com esses indivíduos têm
dificuldade para reconhecê-los, ou mesmo, associar seu problema de saúde com o
uso de álcool e alcoolismo.
Existe a necessidade de um maior investimento no preparo desses profissionais
para o enfrentamento dessa problemática, quer no decorrer da educação formal,
quer por meio de treinamentos em serviço e educação permanente. Segundo estudos
(4) realizados, pacientes com problemas relacionados ao álcool e ao alcoolismo,
quando internados em hospital geral podem ser beneficiados, se forem
identificados e abordados adequadamente. Dessa forma, o enfermeiro de hospital
geral encontra-se em uma posição privilegiada para intervir nesse quadro,
contribuindo significativamente para prevenção, detecção e tratamento dos
problemas relacionados ao álcool e ao alcoolismo, bem como para a reabilitação
do paciente alcoolista.