Doenças respiratórias e seguimento de crianças menores de cinco anos de idade:
revisão da literatura
Doenças respiratórias e seguimento de crianças menores de cinco anos de idade:
revisão da literatura
Follow-up of children less than five years of age suffering from respiratory
diseases: literature review
Enfermedades respiratorias en el segmento de niños menores de cinco años:
revisión de literatura
Denise Helena FornazariI; Debora Falleiros de MelloII; Raquel Dully AndradeIII
IAluna de graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo e Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-USP/CNPq
IIEnfermeira, Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e
Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP
IIIEnfermeira, Mestranda em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto-USP. E-mail do autor:defmello@eerp.usp.br
1 Introdução
A atenção à saúde das crianças menores de cinco anos, no Brasil, tem tido como
eixo norteador o seguimento do crescimento e desenvolvimento infantil(1,2).No
nosso país, a saúde infantil tem um perfil que está extremamente ligado ao
oferecimento, ao conjunto da população, de condições básicas de vida, tais como
oferta e qualidade de saúde, alimentação, moradia, educação, renda familiar,
saneamento básico, condições ambientais, lazer, transporte, entre outras(3).
Os padrões de morbidade e mortalidade por grupos de doenças, no Brasil, têm
sofrido modificações, principalmente, a partir da segunda metade do século XX.
Atualmente, o quadro sanitário brasileiro é complexo e há coexistência de
doenças ligadas às condições de vida precária (infecto contagiosas, crônico-
degenerativas e de causas externas)(3).
Na saúde da criança, a questão da redução da mortalidade infantil é uma das
metas mais importantes. De 1990 a 1999, o índice de mortalidade infantil, no
nosso país, passou de 49,4 mortes por 1000 nascidos vivos em 1990, para 35,6 em
1999. No Brasil, dentro dos indicadores básicos de morbidade e fator de risco,
as doenças respiratórias representam 47,26% das internações de crianças de 1 a
4 anos, ocupando o primeiro lugar. Quanto à mortalidade por grupos de causas,
em crianças de 1 a 4 anos ocupam o segundo lugar com 23,15% de óbitos e, em
menores de 1 ano de idade ocupam o quarto lugar, com 9,04% de óbitos.
Muitas das questões relacionadas às doenças respiratórias na infância vêm sendo
discutidas e analisadas na atualidade, possibilitando a consolidação de sua
base de conhecimento, a identificação de abordagens metodológicas e as lacunas
no conhecimento. Para ampliar as discussões sobre as doenças respiratórias e o
processo de seguimento do crescimento e desenvolvimento infantil é relevante,
entre outros aspectos, a revisão da literatura, com vistas a contribuir para
reflexões na atenção à saúde da criança. O presente estudo tem por objetivos
identificar, em periódicos nacionais e internacionais e em alguns livros textos
do período de 1990 a 2002, as publicações relativas às doenças respiratórias em
crianças menores de cinco anos e identificar as que retratam as doenças
respiratórias na perspectiva do seguimento do crescimento e desenvolvimento
infantil.
2 Metodologia
Esta investigação configura um estudo descritivo, realizado a partir de
referências bibliográficas da área da saúde sobre doenças respiratórias na
infância. Foram realizados levantamentos bibliográficos junto às seguintes
bases de dados: Medline, Lilacs e Dedalus, assim como busca junto ao sites:
Google, Alta Vista, Dreamaker/psf, Opas.org, Datasus.gov, Periodicoscapes.gov,
fsp.usp, e junto ao banco de dados do Grupo de Estudos em Saúde da Criança e do
Adolescente (GESCA-EERP/USP). Para esse levantamento foram utilizadas as
palavras-chave: criança x doença respiratória, child x respiratory disease e
respiratory disease x infant development. A consulta foi feita em alguns
livros-textos e em periódicos nacionais e internacionais, particularmente em
português, inglês e espanhol, no período de 1990 a 2002.
Inicialmente, foram encontradas 81 referências. Primeiramente, procedemos à
leitura dos resumos desses trabalhos. A seguir, recorremos ao acervo da
Biblioteca Central da Universidade de São Paulo-Campus de Ribeirão Preto, com a
finalidade de leitura dos trabalhos em periódicos, livros - textos e
publicações de órgãos oficiais. Nessa busca, nem todos os trabalhos foram
encontrados e nem todos estavam ligados à temática central desse estudo.
Obtivemos acesso a 27 trabalhos, os quais foram analisados. Inicialmente,
apresentamos algumas características quanto ao número de autores, língua de
publicação e aspectos metodológicos dos trabalhos. A partir da leitura e
fichamento, os principais aspectos foram organizados nas seguintes temáticas: a
doença respiratória em crianças: determinantes e fatores de risco; utilização
de serviços de saúde entre crianças com problemas respiratórios; o seguimento e
a doença respiratória na infância.
3 Características dos trabalhos
Com relação ao número dos autores dos 27 trabalhos analisados, 06 eram de um
autor, 03 de dois autores, 04 de três autores e 14 trabalhos de quatro autores
ou mais. No tocante à língua em que os trabalhos foram publicados, 18 foram em
português, 04 em espanhol e 05 em inglês.
Quanto à metodologia, apreendemos que 10 trabalhos utilizaram inquéritos
domiciliares ou entrevistas com mães / familiares; 01 trabalho utilizou-se da
observação de atendimento médico; 03 observação ou acompanhamento de crianças;
02 utilizaram levantamento de informações em prontuários; 06 estudos são
reflexivos e com base em revisão de literatura e 05 com base em programas e
estratégias de saúde infantil.
4 A doença respiratória em crianças: determinantes e fatores de risco
As doenças respiratórias recebem uma classificação que é considerada complexa e
abrange um amplo espectro de eventos mórbidos, tendo diferentes etiologias e
distinta gravidade, comprometendo uma ou mais partes do trato respiratório da
criança. Possuem como determinantes imediatos uma gama de vírus e bactérias,
alergenos, agentes químicos e físicos; como determinantes proximais o grau de
exposição da criança a agentes e a susceptibilidade do organismo infantil; como
determinantes intermediários, a salubridade do meio ambiente e a nutrição
infantil; e como determinantes distais a renda familiar e a capacidade da
família em alocar, de forma racional, os recursos de que dispõe, condicionados
pela forma de inserção das famílias no processo social de produção(4).
No tocante à classificação, a doença quando é restrita ao trato respiratório
superior (acima da epiglote) é denominada alta e quando alcança brônquios e/ou
alvéolos pulmonares é denominada doença respiratória baixa, e essa tende a se
estender por períodos maiores de tempo e, se não tratada convenientemente, pode
colocar em risco a vida da criança(4). Entre os fatores de risco de grande
importância, associados a maior freqüência e gravidade dos episódios de
infecções respiratórias agudas, em crianças menores de 5 anos, estão: a alta
incidência de baixo peso ao nascer, a desnutrição, a falta ou curta duração do
aleitamento materno, a falta de imunização, especialmente contra o sarampo e a
coqueluche, a contaminação do ar doméstico devido ao uso de combustíveis de
biomassa para calefação e cozimento de alimentos (5). Também é mencionada a
baixa renda familiar, que está, freqüentemente, associada a uma densidade maior
de pessoas por domicilio e ao uso de roupas inadequadas ao clima, fatores
relacionados à maior incidência das infecções respiratórias agudas (6). Alguns
fatores e peculiaridades ligados à criança com infecção de vias aéreas
superiores recorrentes são: ambientais (hábito de fumar em casa, pouca
ventilação, umidade, mofo, contato excessivo com alergenos comuns - pó e
ácaros), patologias associadas(7). Episódios de doença respiratória sibilante
são características de crianças que sofrem de asma, mas também podem ocorrer em
crianças não asmáticas afetadas por infecções respiratórias agudas(4). A asma é
considerada doença inflamatória crônica, manifestando-se clinicamente por
episódios recorrentes de sibilância, dispnéia, aperto no peito e tosse,
particularmente à noite e pela manhã ao despertar(8).
Em relação aos fatores associados à internação hospitalar de crianças menores
de 5 anos têm sido apontados: baixa renda familiar, sexo masculino, ordem de
nascimento, numero de crianças menores de 5 anos morando no domicílio, local da
residência (rural, urbano), exposição ao fumo, frio e unidade, desnutrição,
desmame precoce, idade da mãe, menor grau de instrução materna e maior
densidade domiciliar(5,9). Outra característica associada à morbidade e à
hospitalização de crianças refere-se a quem assume a responsabilidade pelos
cuidados na ausência da mãe, assim, a freqüência à creche aparece como fator de
risco associado à internação hospitalar por infecção respiratória aguda(10,11).
Outro aspecto importante é o comprometimento na infecção pelo HIV, em que o
envolvimento pulmonar é a manifestação mais freqüente da síndrome, sendo
responsável por dois terços dos sintomas apresentados pelas crianças menores de
um ano de idade e as pneumonias bacterianas, geralmente, são recorrentes e
constituem a principal causa de internação.
5 Utilização de serviços de saúde entre crianças com problemas respiratórios
A disponibilidade de serviços de saúde, a facilidade de acesso e o padrão de
morbidade são apontados como os principais determinantes da utilização de
serviços de saúde. As doenças respiratórias infantis, particularmente as
infecções respiratórias agudas (IRA), constituem importante gerador de demanda
de serviços de saúde em todos os países(11,12). As IRA são responsáveis por 30
a 60% das consultas ambulatoriais e importante causa de hospitalização na
infância(13,14).
Os serviços de saúde, quando o acesso é fácil, podem gerar atendimentos sem uma
real necessidade, expondo o indivíduo a riscos desnecessários ou, por outro
lado, quando a capacidade instalada é insuficiente e/ou o padrão de morbidade é
elevado, o atendimento pode faltar ou ocorrer de forma inadequada. Portanto, é
preciso entender esses processos para uma melhor utilização dos serviços de
saúde e atender a população que necessita de cuidados de saúde(12).
Em estudos de estimativas de prevalência da doença respiratória obtidas por
inquéritos domiciliares, houve aumento da doença respiratória alta, de 22,2%
para 38,8%, e da doença respiratória baixa sem e com chiado, de 6,0% para 10,0
% e de 0,8% para 2,8%, respectivamente, nas décadas de 80 e 90 na cidade de São
Paulo, representando grande proporção da morbidade na infância e exercendo
enorme pressão sobre os serviços de saúde. Essa prevalência se concentra nos
meses de outono e inverno, particularmente na faixa etária de 6 a 24 meses de
idade(4). No sul do Brasil, foi demonstrado que cinqüenta por cento das
crianças foram levadas à consulta médica por motivo de doença, sendo os
principais motivos:(13%) infecção respiratória (65%), diarréia (14%), doenças
de pele (8%) e outros motivos como perda de apetite, dificuldade em ganhar
peso, avaliação/encaminhamento para cirurgia, ferimentos e intoxicação
medicamentosa(14). No município de São Paulo, quanto ao tipo de atendimento, em
45,7% dos episódios, as crianças foram tratadas pelas próprias mães, 6,9%
recorreram a farmacêuticos, 46,7% foram atendidas em diferentes tipos de
ambulatórios e somente 0,7% necessitaram tratamento hospitalar(11). Em relação
à asma, doença que vem apresentando aumento em todo o mundo, o Brasil ocupa o
8º lugar com prevalência média de 20% e a terceira causa de hospitalização pelo
SUS, entre crianças e adultos jovens(8)
A diminuição da morbimortalidade por infecções respiratórias agudas baixas
implica em intensificar a qualidade da atenção hospitalar e fortalecer os
programas de promoção de saúde e de controle das enfermidades prevalentes na
atenção primária à saúde(15).
6 O seguimento e a doença respiratória na infância
O seguimento do crescimento e do desenvolvimento infantil é considerado um
cuidado preventivo, dentro da chamada assistência de puericultura, como
essencial para a promoção de ótimas condições de saúde na infância. Assim como
a detecção precoce de enfermidades infantis, a orientação adequada da
alimentação nos primeiros anos de vida e a vacinação contra as enfermidades
imunopreveníveis (16,3,1,2).
Entre as ações governamentais em favor da infância, no tocante às enfermidades
prevalentes, o controle das infecções respiratórias agudas e o controle das
doenças diarréicas têm tido prioridades no Brasil. Um importante avanço no
programa foi a implantação da sistemática de aquisição e distribuição às
secretarias estaduais e municipais de saúde de medicamentos padronizados, além
da ampliação de material instrucional e educativo, normas e procedimentos para
prevenção e tratamento das IRA(17,18). Na priorização de intervenções na área
de saúde para melhorar a saúde materno-infantil no Brasil, aponta o
aprimoramento do manejo de casos de doenças entre as intervenções para promover
a saúde infantil(19).
A estratégia Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI)
configura um instrumento potencial para a saúde infantil, tendo como enfoque a
resposta às demandas da população. Porque aborda de maneira sistematizada os
principais problemas de saúde das crianças e família; a contribuição para
prevenção, tratamento e seguimento dos problemas de saúde que afetam as
crianças menores de 5 anos, assegurando importante impacto sobre a saúde
infantil, mediante a atenção às principais causas de mortalidade; contempla os
fatores protetores de saúde infantil; contribui para melhorar os conhecimentos,
atitudes e práticas relativas ao cuidado e a manutenção da saúde da criança,
tanto nos serviços de saúde, na comunidade e no domicílio(22-24). Essa
estratégia se vincula, entre outros aspectos, ao conceito de maximizar o
alcance da atenção sanitária, de forma sistemática, combinando atenção às
enfermidades prevalentes, entre elas as doenças respiratórias, com ações de
vigilância à saúde, ou seja, ações curativas, preventivas e de promoção à saúde
para melhoria das condições do crescimento e desenvolvimento infantil(23).
No seguimento infantil é relevante a avaliação de todas as crianças que
demandam o serviço de saúde, ainda que não seja por queixa respiratória, devem
ser avaliadas quanto à presença de tosse ou dificuldade para respirar. Assim
preconiza a estratégia AIDPI, sendo necessário reorganizar o serviço de saúde
contemplando ações de manejo dos casos, prevenção e promoção à saúde(24).
Em estudos sobre asma, o tratamento profilático e o conhecimento que se tem
sobre ele é de extrema importância para o seguimento da criança(25). Estudos de
crianças com asma, apontam que há demanda de tempo e energia para os pais(26),
além dos cuidadores, freqüentemente, necessitam de suporte emocional no cuidado
à criança com asma(27).
Na assistência à criança, na perspectiva de cuidado no seguimento do
crescimento e desenvolvimento infantil, é fundamental ter como uma das
principais preocupações identificar a compreensão da mãe ou cuidador em relação
à situação de saúde da criança. Incluindo o que é o agravo, o porquê dos
sintomas, os fatores que podem tê-lo desencadeado e agravado, bem como suas
idéias relativas ao enfrentamento do problema, reforçando o conhecimento
correto e esclarecendo questões equivocadas e dúvidas, estabelecendo
comunicação efetiva com a família e um conhecimento compartilhado, profissional
e cuidador(23,24).
7 Considerações finais
A temática sobre as doenças respiratórias na infância foi agrupada em:
determinantes e fatores de risco, utilização de serviços de saúde entre
crianças com problemas respiratórios, seguimento e a doença respiratória na
infância, por serem mais frequentes nesta revisão. Então, os conhecimentos
sobre os determinantes e fatores de risco, a utilização e organização dos
serviços, a prevalência e incidência da doença respiratória na infância são
fundamentais para a melhoria da qualidade da assistência. O seguimento da
criança é de extrema importância para a detecção precoce, prevenção de riscos e
danos e promoção da qualidade de vida de crianças e famílias.
Atualmente, no processo de transformação das práticas em saúde, no nosso país,
o empenho com a vigilância à saúde das famílias, visando acompanhamento e
cuidado no processo saúde-doença, vem constituindo um avanço na atenção
primária à saúde.