O movimento de reconsideração do ensino e da pesquisa em História da Enfermagem
O movimento de reconsideração do ensino e da pesquisa em História da
Enfermagem1
The movement for reassessing education and research in nursing history
El movimiento de reconsideración de la enseñanza y la investigación en Historia
de la enfermería
Ieda de Alencar BarreiraI;Suely de Souza BaptistaI
IEnfermeiras, Professoras Titulares da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ,
Membros do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras)-
EEAN/UFRJ, Pesquisadoras do CNPq. E-mail das autoras:
suelybaptista@openlink.com.br;iedabarreira@openlink.com.br
1 Introdução
O recorte temático deste trabalho é o movimento de reconsideração do ensino e
da pesquisa em História da Enfermagem e sua contribuição para a profissão. Tem
como propósito além de oferecer um panorama geral acerca da temática,
incentivar o debate sobre os rumos desta área de conhecimento da enfermagem no
Brasil. A História da Enfermagem é aqui entendida como área interdisciplinar
situada na interseção das duas áreas de conhecimento (enfermagem e história) e
que exige daqueles que nela militam (enfermeiros e historiadores) capacidades
cognitivas e afetivas especiais. Se a pesquisa em enfermagem em geral ainda
busca por visibilidade e reconhecimento na comunidade científica nacional e
internacional, maiores são as dificuldades para o enfermeiro que pesquisa no
campo da história, o qual deve ter competência para produzir conhecimento na
fronteira ou nas franjas dos domínios da enfermagem e da história, e que
necessita ter sua produção legitimada pelos detentores do discurso autorizado e
legitimado pela comunidade científica.
O movimento de reconsideração do ensino e da pesquisa da História da Enfermagem
Brasileira (HEB) é tomado como uma manifestação tardia do processo de
aprimoramento do saber da enfermagem, mediada pelo desenvolvimento dos cursos
de pós-graduação stricto sensu. Pois, foi só ao final do século 20, quando se
observou um despertar da enfermagem para a necessidade de buscar um equilíbrio
"entre a competência técnico-científica e a capacidade de crítica social e
autocrítica profissional"(1:488) que a pesquisa em História da Enfermagem
começou a ganhar impulso.
O estudo da história da enfermagem propõe sempre questões delicadas ao
pesquisador, frente à ordem vigente em um dado momento, à qual pode não
interessar o confronto crítico do passado (principalmente do passado recente),
que coloca em evidência contradições e inconsistências de certos projetos e
propostas.
Mas talvez a maior dificuldade de um profissional de enfermagem, ao tentar se
apropriar de sua própria história seja a necessidade de alcançar uma sensação
de estranhamento com aquilo que até então lhe parecia familiar, ou seja,
elaborar em si a capacidade de desfamiliarização do habitual, do imediato ou do
cotidiano, pois o lugar da interpretação é o estrangeiro. Isto nos leva a
sentimentos inquietantes, como a perplexidade, mas também nos desperta a
curiosidade, que impulsiona a investigação. E isto é tanto mais forte, quanto
mais se inserir no tempo presente. Porque o abalo causado por um acontecimento:
provoca nos seus ex-protagonistas e testemunhas um sentimento
nostálgico de uma perda, que constrói uma posição de fixação num
passado perdido, que impede um distanciamento em relação a este
passado, para que ele se torne objeto de uma compreensão possível(2:
210).
Outro movimento de recalque do tempo histórico é a simplificação do passado,
que não se apresenta inscrito na memória histórica como questão e sim como
informação descontextualizada. Mediante apropriações ideológicas, dele se
retira apenas aquilo que convém a determinados interesses ou objetivos. A
negação do passado ocorre quando o acontecimento é recoberto pelo silêncio, o
qual é rompido apenas pelas comemorações ou pelo seu retorno midiático, que lhe
dão visibilidade momentânea. A produção do conhecimento pela mídia, implicando
uma profunda transformação da sua percepção temporal e espacial, faz
dele um dado que se projeta antes da possibilidade da sua elaboração,
antes de qualquer trabalho do tempo. É o imediatamente vivido, que
invade a esfera privada, produzindo o simulacro da participação(2:
242).
Nos últimos anos a mídia tem contribuído marcadamente para a difusão e
divulgação de certos acontecimentos e personagens, bem como de produções
culturais de caráter histórico: livros, exposições, filmes, comemorações. No
entanto, a descontextualização histórica operada pela mídia transforma a
história em informação sem questionamento, caracterizada pela brevidade, pela
síntese e por uma necessidade de inteligibilidade imediata(2).
Além de considerar as possibilidades e limitações do ensino e da pesquisa em
História da Enfermagem, bem como sua contribuição para o avanço da profissão,
pretendemos levantar algumas estratégias de desenvolvimento da área e discutir
as implicações do entendimento da História da Enfermagem como campo
interdisciplinar.
2 Possibilidades e limitações do ensino e da pesquisa em História da Enfermagem
Uma das maiores contribuições da História da Enfermagem é por nós considerada
como a formação crítico-reflexiva de profissionais, capazes de pensar a
enfermagem inserida em um campo de forças dinâmicas e contraditórias, que é
passado, é presente e é também futuro.
A presença continuada de educadoras-líderes como regentes da disciplina
História da Enfermagem e como autoras de livros, artigos e teses desta área de
conhecimento (como Waleska Paixão, Maria Rosa de Souza Pinheiro, Haydée Guanais
Dourado, Izaura Barbosa Lima, Ermengarda de Farias Alvim, Glete de Alcântara,
Anayde Corrêa de Carvalho e outras) evidenciam seu reconhecimento da
importância da História da Enfermagem para a profissão.
No entanto, a História da Enfermagem não acompanhou o desenvolvimento da
pesquisa em enfermagem no Brasil, ocorrida a partir dos cursos de mestrado, nos
anos 70, nem a renovação da pesquisa histórica em geral, ensejada pela
redemocratização do país, na década seguinte.
Podemos supor que a grande maioria dos cerca de trezentos cursos de enfermagem
atualmente em funcionamento no Brasil restrinja seu interesse pela História da
Enfermagem ao cumprimento do currículo mínimo e à comemoração de datas que são
marcos na trajetória da instituição como: criação, ingresso na universidade,
aniversário de cursos de pós-graduação, semana da enfermagem etc. No entanto, o
sentido do ato de comemorar não pode ser apenas o de trazer para o presente
determinado acontecimento que ocorreu no passado, pois ao separarmos tais
acontecimentos das circunstâncias em que ocorreram, podemos facilmente esquecer
o sentido histórico de tais eventos(3).
Ao contrário, existe em curso um movimento no sentido da reconsideração da
História da Enfermagem Brasileira (HEB), como objeto de pesquisa e de ensino.
Na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), o movimento de renovação da pesquisa
em História da Enfermagem ocorreu no âmbito do curso de doutorado, motivando a
formalização do Centro de Documentação (Cedoc/ EEAN) e a criação do Núcleo de
Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras). Estes dois órgãos,
ambos criados há dez anos (8/12/93) empreenderam a renovação do ensino da
História da Enfermagem, tanto no nível de graduação como no de pós-graduação.
Nas primeiras turmas do doutorado cerca de vinte teses estavam relacionadas à
história da enfermagem. Pela circunstância de que vários de seus autores
pertenciam a outras instituições ocorreu a irradiação deste interesse pela
História da Enfermagem para outras escolas e para outros estados da Federação.
Apenas para exemplificar, podemos mencionar o painel publicado pela Revista
Enfermagem Atual, em agosto de 2003, constituído por representantes de cinco
estados da federação; todas têm antigas experiências de ensino e/ou pesquisa em
História da Enfermagem em diferentes escolas; em algum momento dos últimos dez
anos, todas realizaram estudos de doutoramento ou pós-doutoramento na EEAN;
todas são atualmente docentes-pesquisadoras de HEB nos seus respectivos
estados. O editorial deste número, além de outras considerações, ressalta o
alto significado das reflexões suscitadas pelo paine(4).
A análise da fala dessas seis pesquisadoras, tomadas como exemplos concretos,
indica que a situação da História da Enfermagem no Brasil apresenta-se
atravessada por contradições. Por um lado, nota-se a existência de um discurso
autorizado sobre a HEB, construído por enfermeiras, com base em fontes
documentais.
Como declara Suely Baptista:
Atualmente já temos uma considerável produção científica, tanto
quantitativa como qualitativamente, acerca da história da nossa
profissão no Brasil. Vale destacar que em sua grande maioria, o
conhecimento gerado na área tem sido elaborado pelas próprias
enfermeiras, ou seja, a quem de fato compete escrever essa história,
se bem que reconheçamos o valor das parcerias com estudiosos de
outras áreas, principalmente com os historiadores(4:3).
Como afirma Regina Santos:
Acredito que os estudos publicados até o momento já são
suficientemente expressivos para colocar a linha de pesquisa em
História da Enfermagem como fato posto. Porém, isso precisa ser
fortalecido pela continuidade dos estudos e pelo aparecimento de
novos núcleos de estudos históricos, inclusive em estados distantes
do eixo Rio-São Paulo(5:12).
É animador o interesse crescente de parte dos profissionais de enfermagem
(docentes e assistenciais) pela preservação da memória da enfermagem, pela
institucionalização de núcleos de pesquisa e pela renovação do ensino da
História da Enfermagem, que se evidencia no aumento da produção de teses, na
publicação de livros e artigos, na procura por conferências e textos, na
promoção de eventos específicos e na demanda de pós-graduandos pela linha de
pesquisa.
Maria Itayra acrescenta: "temos percebido uma ampliação dos estudos relativos à
História da Enfermagem nos eventos de impacto nacional e internacional e em
artigos publicados em periódicos de ampla circulação" (6:13).
Foi também deveras auspicioso o fato de que a História da Enfermagem tenha sido
reconhecida como linha de pesquisa no Fórum Nacional de Coordenadores de Cursos
de Pós-Graduação em Enfermagem, promovido, em 2000 pela CAPES. O que é
legítimo, desde que hoje, a produção do conhecimento sobre HEB ocorre em todas
as regiões do país e abrange uma ampla área temática.
As temáticas abordadas na produção científica de História da Enfermagem podem
ser agrupadas em três vertentes, a saber: profissional, assistencial e
organizacional. A seguir apresentamos exemplos de temáticas relacionadas a cada
uma dessas vertentes:
a) - profissional: raízes da identidade profissional; o processo de
cientifização do saber da enfermagem; a formação da comunidade de enfermagem;
as entidades de classe no processo de institucionalização da enfermagem;
historicidade das questões éticas; o ensino e a pesquisa em História da
Enfermagem;
b) - assistencial: configurações da prática da enfermagem no tempo e no espaço;
impacto das tecnologias na assistência de enfermagem; o ensino da assistência,
conteúdos e estratégias; abordagem histórica nos modos de comunicação entre
enfermeiros e clientes; história das doenças e prática profissional;
c) - organizacional: trajetória das escolas de enfermagem; a enfermagem nos
hospitais modelares; atuação da enfermagem nos programas nacionais de saúde; a
organização do trabalho de enfermagem nos serviços de saúde; a enfermeira na
administração da assistência, do ensino e da pesquisa interdisciplinar2.
Não obstante, tais avanços foram alcançados apesar de fortes empecilhos, como
analisa Maria Cristina Sanna:
A pesquisa em História da Enfermagem não tem aplicabilidade imediata
e seu impacto não pode ser medido por meio de indicadores objetivos.
Assim, de tempos em tempos, volta-se a questionar a validade da
pesquisa nesta área, comparando-a com outras linhas, que
aparentemente produzem resultados mensuráveis e modificações
imediatamente reconhecíveis na prática da enfermagem. Isto faz com
que se despenda grande esforço para justificar sua manutenção e
ampliação, junto aos órgãos formadores de pesquisadores e reguladores
da atividade de pesquisa de enfermagem, em nosso país. A linha segue
forte, a despeito de não ser considerada prioritária pelos órgãos de
fomento à pesquisa e por segmentos de instituições de enfermagem que
são instadas a se pronunciar sobre isso (7:12-3).
A mesma pesquisadora (7:11) considera ainda duas ordens de dificuldades, no que
se refere às fontes documentais. Por um lado: "a ideologia do descartável e do
virtual, que resultam na destruição de fontes preciosas para a História da
Enfermagem, em favor do aproveitamento de espaços, materiais e outros recursos,
entendidos como desperdiçados, quando voltados para a conservação de
documentos". E, por outro lado: "falta de apoio financeiro para a criação,
organização e manutenção de centros de documentação, uma vez que não há
incentivos específicos dirigidos para essa atividade por parte dos órgãos
apoiadores de pesquisa".
Como ressalta Tânia Cristina:
Vale enfatizar a importância dos acervos históricos, pois esses
espaços guardam o patrimônio histórico e cultural da enfermagem. São
estreitos os vínculos entre os núcleos de pesquisa e os centros de
documentação, verdadeiros laboratórios de pesquisas históricas.
Estratégias dirigidas para o resgate, preservação,conservação e
restauração dessas fontes, dependem da postura das instituições de
ensino, de assistência e de entidades de classe diante desse
patrimônio(8:13).
Assim é que, este reconhecimento da comunidade acadêmica de enfermagem, não se
fez acompanhar por uma correspondente ampliação dos incentivos acadêmicos e das
agências de fomento, aos pesquisadores de História da Enfermagem. E ainda que
haja políticas nacionais e regionais de recuperação da memória e para a
organização de arquivos, estas não se dirigem à enfermagem, mas a áreas do
conhecimento mais específicas como a história, a arquivologia e a documentação.
Mas o caso é o de que não podemos perder a oportunidade de preservar o
patrimônio cultural da enfermagem, em cada escola, hospital e serviço.
Entretanto, ao mesmo tempo, parece haver uma hesitação, se não mesmo uma certa
resistência, por parte de alguns pesquisadores e docentes, sobre a aceitação da
História da Enfermagem como linha de pesquisa, com suas diferenças de
propósito, de abordagem e de interpretação. Freqüentemente ocorrem omissões e
esquecimentos sobre a História da Enfermagem, que se não são intencionais,
também não são casuais. Até porque o que somos não é tão somente o que
recordamos, mas também o que olvidamos. Tais silêncios mais parecem revelar uma
certa falta de confiança de que o discurso histórico sobre a enfermagem possa
produzir conseqüências.
Por outro lado, nas instâncias deliberativas das políticas de ciência e
tecnologia e também de centros de ciências da saúde, têm ocorrido tentativas de
desqualificação dos projetos de pesquisa de História da Enfermagem, em
benefício de projetos mais pragmáticos, o que ameaça até mesmo a existência da
História da Enfermagem como área de domínio, pois é no seio da comunidade
científica que se constituem esses espaços.
Apesar de tudo, na hierarquia de poder que se estabelece entre as áreas de
conhecimento e no interior de cada uma delas, há uma reclassificação permanente
da posição de cada qual e que depende, tanto dos respectivos avanços
científicos e tecnológicos, como dos jogos de poder entre os grupos que se
movem no interior do campo e da dinâmica entre os campos e o mundo social(9).
Ao contrário, a HEB como objeto de estudo começa a despertar o interesse de
pesquisadores da área das ciências humanas e sociais. Esses estudos, que nos
apresentam o olhar do outro sobre nós, se às vezes nos causam uma sensação de
estranheza, são sempre muito instigantes e a eles devemos conceder nossa melhor
atenção, no sentido de que voltemos a considerar nossas visões e posições. A
enfermagem tem despertado um interesse crescente dos historiadores da história
das profissões, história das mulheres, história da saúde pública, história dos
hospitais e outras. Até agora vimos mantendo intercâmbio com historiadores de
vários centros de pesquisa, principalmente no sentido de que apreciem nossos
trabalhos acadêmicos, como membros de bancas examinadoras, e de que convalidem
a legitimidade de nossas pesquisas. Também temos recebido convites para
participar como docentes e orientadores em cursos de pós-graduação stricto
sensu de outros estados, bem como em cursos multi-profissionais. Nesse momento,
cabe a nós procurar estreitar esses laços também no que se refere à prática da
pesquisa.
3 A contribuição da História da Enfermagem
A contribuição da História da Enfermagem se dá primeiro na formação de uma
consciência crítica e reflexiva e de uma atitude intelectual do enfermeiro e
depois no que se refere à elaboração de novas formas de percepção e apreciação
da realidade social, que possibilitem uma concepção e uma formulação mais
elaborada de um projeto profissional concertado.
A prática pedagógica em História da Enfermagem, entendida como prática de
ensino ou de orientação favorece o desenvolvimento de capacidades de
reconstrução de visões do senso comum, pela contextualização do problema e pela
análise dos interesses que movem os grupos empenhados no jogo de forças, que
determina os rumos da história.
Nas palavras de Maria Itayra:
O ensino da História da Enfermagem no curso de graduação é de suma
importância para a compreensão da profissão, especialmente para
desconstruir essas representações [carregadas de estereótipos e
preconceitos] e traçar uma nova visão acerca da mesma(6:9).
Diz Cristina Sanna:
Se adotadas estratégias de ensino adequadas, a disciplina permite ao
aluno inserir-se mais rapidamente na sua área do conhecimento e
aprender a buscar informações sobre sua profissão, bem como se
familiarizar com o mundo da pesquisa em enfermagem(7:8).
Como comenta Tânia Cristina:
O ensino da história da enfermagem é uma estratégia bem sucedida no
sentido de formar uma identidade grupal e despertar uma consciência
crítica dos acontecimentos do passado e de suas repercussões no tempo
presente, ensejando melhor compreensão da realidade (8:9).
Na opinião de Regina Santos, o estudo da História da Enfermagem é importante
para que os estudantes "tomem conhecimento da profissão, compreendam suas
tradições, seus ritos e a complexidade de sua construção através do tempo e nas
várias sociedades" (5:8).
O que se entende por enfermagem é uma construção histórica e coletiva, marcada
por rupturas, as quais, no entanto, não significam o apagamento do passado e o
desconhecimento do que então foi construído. O estudo da História da
Enfermagem, ao lançar um novo olhar sobre a trajetória da profissão na
sociedade brasileira, é um instrumento vital para a busca de respostas às
demandas sociais do presente.
Como declara Benevina Nunes:
O conhecimento do passado possibilita a construção da memória
coletiva da profissão, para podermos encaminhar com mais clareza os
conflitos e as lutas do presente e dar mais visibilidade à enfermagem
na sociedade(10:13).
Regina Santos encarece as repercussões afetivas da HEB:
Estes estudos têm a possibilidade concreta de despertar o sentimento
de pertença à classe, envolver a pessoa na trama do seu cotidiano com
paixão e orgulho, podendo ser o alicerce para o estabelecimento de um
compromisso com a profissão; a História tem o poder de envolver e
comprometer as pessoas - e isso é o de que mais precisamos neste
momento (5:8).
O estudo da HEB favorece a aquisição de uma cultura geral profissional que
serve de lastro ao domínio do conhecimento técnico científico, ao
desenvolvimento do raciocínio crítico e criativo e ao entendimento de várias
visões e interpretações dos tempos históricos e suas demandas.
Como analisa Suely Baptista:
Um ponto de destaque são as pesquisas que optam pela micro-história
sem desconsiderar o macro-social para respaldar as análises micro-
analíticas. Esses estudos, que se caracterizam como micro-regionais,
tratam de realidades diversas, mas que têm muito em comum, no que diz
respeito à trajetória da carreira e da profissão de enfermagem na
sociedade brasileira (4:3).
Como comenta Cristina Sanna:
"A multiplicidade de métodos de apropriação, análise e interpretação
desse objeto de investigação tem propiciado a pluralidade de visões e
interpretações, o que só enriquece a reflexão sobre o tema" (7:10).
Como nos lembra Regina Santos: "A História Nova possibilita buscar explicações
para os fatos e o entendimento de seus bastidores, dando voz aos que até então
estavam mudos" (5:7).
O passado é tomado como algo que faz sentido agora. Entrementes, "tanto a
posição de se estar aprisionado num passado, que faz do presente a sua extensão
homogênea, quanto a posição de recusa desse passado no presente, abolem a
temporalidade histórica e por isso a possibilidade de construção de outros
pontos de vista, que é a condição da própria crítica" (2:240). Mas é preciso
entender, que esse processo de "presentificação" do passado, decorre de uma
luta para trazer certos valores desse passado e não outros, de acordo com os
grupos de interesse em jogo. A cultura contemporânea caracteriza-se pela
intensificação do presente e pela debilitação do passado e do futuro, isto é,
um presente sem história. Mas, sem temporalidade, não há configuração do
passado, compreensão do presente, nem projeto.
Nas palavras de Maria Itayra:
O pesquisador, ao produzir conhecimento sobre qualquer tempo, estará
trabalhando a perspectiva do passado no presente (...) o que faço do
passado é uma leitura, em termos de referências recentes, que abrange
o hoje e o agora. E trabalhar por esse ângulo é reconhecer que existe
toda uma diversidade de abordagens (6:10).
Tânia Cristina põe em destaque que:
"os estudos históricos possibilitam ao enfermeiro de agora os
instrumentos simbólicos necessários à compreensão de seu
posicionamento na sociedade, assegurando sua identidade profissional"
(8:11).
Suely Baptista conclui:
Podemos dizer que a pertinência desses estudos, os quais reconstroem
a existência histórico-social de determinados grupos, respaldados por
perspectivas diferentes - no que se refere às proposições teóricas e
metodológicas - e portanto à visão de mundo do pesquisador, nos induz
a dizer que em breve já será possível termos uma coletânea desses
novos saberes e confiantes, elaborarmos uma síntese da História da
Enfermagem no Brasil (4:3).
4 Estratégias de desenvolvimento da área
A experiência continuada de repensar e de fazer análises críticas do passado,
atribui àqueles que a vivem a capacidade de refletir criticamente sobre a
realidade e de ter uma visão menos simplista dos nexos entre passado, presente
e futuro.
No Nuphebras, a estratégia por excelência de desenvolvimento do Núcleo é o
Seminário Permanente, ou seja, um grupo aberto, contínuo, heterogêneo que se
propõe a promover, iniciar e desencadear um processo irreversível de busca do
conhecimento pela descoberta ativa. Essas reuniões semanais promovem a
integração do corpo social do Nuphebras, em torno da apresentação e discussão
de projetos em andamento.
A seqüência dessas reuniões permite o intercâmbio entre grupos de pesquisa e
entre pesquisadores, a articulação entre os programas de graduação e de pós-
graduação, a prática da educação continuada para professores e pesquisadores e
incentiva uma comunicação intergeracional mais produtiva. Além de tudo, opera o
aprendizado, por imersão, de uma atitude crítica e aberta ao diálogo, pela
participação reiterada na construção, desconstrução e reconstrução do saber
elaborado pelos participantes, o que o leva a compreender que uma questão de
pesquisa comporta diversas abordagens significativas.
Esta atividade compartilhada permite que qualquer pessoa interessada no estudo
da História da Enfermagem possa integrar essa comunidade intelectual, mas nos
seus próprios termos e do lugar onde se encontra no momento; e que possa
perceber ainda, que ao perguntar, ao duvidar e ao discordar também contribui em
muito para o debate e para o desenvolvimento da capacidade de autocrítica dos
autores e de elaboração e avaliação de alternativas.
Mas, para que o ensino da HEB possa realmente permear o processo de formação
profissional, necessária se faz sua integração no conteúdo de várias outras
atividades teóricas e práticas, no que concerne aos diferentes campos de
estágio. Esta prática docente pode ser implementada pelo próprio professor da
área, uma vez que o conhecimento da História da Enfermagem em sua área
específica de atuação, além de fazer parte de seu capital cultural, é
imprescindível para uma melhor compreensão do campo onde atua. Não obstante o
intercâmbio entre as diversas áreas e a História da Enfermagem é interessante
para todos. Para os professores ligados às áreas de concepções teóricas da
enfermagem, cuidados fundamentais, ética, legislação, exercício profissional,
ensino e administração, bem como para aqueles ligados aos diversos cenários e
práticas assistenciais, este intercâmbio alargará seus horizontes sobre a
própria prática da enfermagem. Para o professor/pesquisador de HEB, este
intercâmbio com todas essas áreas abre novas visões e possibilidades de
pesquisa.
Deste modo, todos os alunos de graduação poderão ser atendidos no que se refere
aos aspectos históricos de temáticas como: raízes históricas da enfermagem e
medicina: o hospital moderno, o movimento sanitarista internacional e a
medicina militar; mudanças na organização e no funcionamento das escolas e
serviços de enfermagem; o processo de laicização e de cientifização da
enfermagem; as especialidades e a incorporação de tecnologias à prática da
enfermagem; origens e evolução dos programas de saúde; políticas oficiais e
desenvolvimento da enfermagem em campos específicos;
De outro modo, pode haver também atividades obrigatórias e específicas, entre
as quais: discussões entre pesquisadores e alunos de graduação dos resultados
de projetos concluídos ou em andamento; o manuseio orientado de fontes
documentais para a História da Enfermagem, o que facilita aos alunos de
graduação o desenvolvimento de sua sensibilidade para a conservação dos
documentos históricos, bem como a habilidade para preservar, conservar e
restaurar; debates, dedicados especialmente aos graduandos, sobre temas da HEB.
A qualidade do ensino e da orientação guarda relação com a atividade de
pesquisa desenvolvida pelo docente/orientador, para que ele fale e trate
daquilo que melhor conhece. Ao discutir, com seus orientandos e alunos, sobre
seus objetos de interesse, o professor amadurece seu conhecimento e coloca
novas questões de pesquisa. Ao mesmo tempo, ao reunir professores e alunos de
graduação e de pós-graduação, em torno de problemas de pesquisa, tal grupo se
reproduz e se renova, ampliando os horizontes culturais de cada qual.
A convergência de questões vitais, tanto para a História da Enfermagem como
para o conhecimento da enfermagem, levam à necessidade do desenvolvimento de
uma linha de pesquisa sobre a história da pesquisa em enfermagem. Neste
sentido, a contribuição do enfermeiro-historiador à profissão pode muito bem
ser a de trazer argumentos para legitimar sua posição de autoridade na
comunidade científica e intelectual.
Como questiona Regina (5:9):
"como podemos envidar esforços para ampliar, sedimentar e testar o
conhecimento próprio da enfermagem se não soubermos que conhecimento
foi produzido, como, quando, por quem e em que circunstâncias?"
5 Considerações Finais:
Mas, talvez isso tudo ainda seja pouco. A importância decisiva da construção de
histórias regionais, no panorama geral da HEB, aponta para a urgência da
criação e desenvolvimento de linhas de pesquisa específicas. No estado do Rio
de Janeiro existem quatro escolas federais e quase trinta escolas particulares.
Que seja do nosso conhecimento, estão em funcionamento os seguintes órgãos
dedicados à história da Enfermagem: o Núcleo de Pesquisa de História da
Enfermagem Brasileira - Nuphebras, da EEAN, UFRJ, fundado em 1993; o Centro de
Memória da FE da Uerj, fundado em 1998; o Laboratório de Pesquisa da EE da Uni-
Rio, Laphe, fundado em 2000.
A organização e o funcionamento dessas entidades variam, cada qual buscando
melhor se adequar à instituição onde se insere, de modo a congregar o maior
número de pesquisadores, professores e alunos e divulgar suas atividades por
meio de reuniões presenciais sistemáticas ou via internet, pela promoção de
concursos para trabalhos de pesquisa e de eventos.
Tal situação enseja um rico intercâmbio de acervos, bibliografias, bem como de
experiências da prática de pesquisa histórica.