O conhecimento produzido acerca da assistência à adolescente grávida
PESQUISA
O conhecimento produzido acerca da assistência à adolescente grávida
Knowledge produced about assistance to pregnant adolescents
El conocimiento producido con referencia a la asistencia de la adolescente
embarazada
Maria José ClapisI;Patrícia Wottrich ParentiII
IEnfermeira. Professora Doutora do Departamento Materno-Infantil e Saúde
Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - EERP/USP
IIEnfermeira. Especialista em Saúde Pública. Mestranda em Enfermagem da Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto - EERP/USP
E-maildo autor: maclapis@eerp.usp.br
1 Introdução
A gravidez na adolescência começou a despertar interesse entre os profissionais
da saúde há apenas 20 anos, devido ao fato desta fase passar a ser considerada
como "categoria social" e, vem sendo alvo de estudo e preocupação por parte dos
trabalhadores da área de saúde com o intuito de diminuir sua incidência. Sendo
considerada como um problema de saúde pública, necessita do apoio dos meios
científicos, sociais e econômicos(1).
O número de mães adolescentes, de 10 a 19 anos, vem crescendo, embora as taxas
de fecundidade da mulher adulta tenham diminuído de maneira significativa a
partir da década de 70. A Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar no Brasil -
BEMFAM(2), utilizando os dados obtidos através da Pesquisa Nacional Sobre
Democracia e Saúde em 1996, relatou a existência de 11,5% de adolescentes com
15 anos e 42,5% aos 18 anos, com atividade sexual iniciada. Por outro lado,
menciona que na década de 70 a taxa, respectivamente para 15 e 18 anos de
idade, era de 6,2% e 225,5%.
As estimativas relacionadas à fecundidade da adolescente indicam cerca de
1.000.000 garotas brasileiras entre 10 e 20 anos de idade, dão à luz em cada
ano(3). O Ministério da Saúde relata a ocorrência anual, no Sistema Único de
Saúde, de 700.000 partos nesta faixa etária, representando o primeiro motivo de
internação(4).
Emerge, portanto, frente a situação, a necessidade de reflexão e intervenção,
por parte das enfermeiras, na saúde reprodutiva das adolescentes, devendo
considerar os sentimentos e contexto sociocultural que permeiam esta fase.
A saúde da adolescente envolve um conjunto de conhecimentos, atividades
interdisciplinares e a atuação multiprofissional. Entendemos que para trabalhar
com a adolescente, as enfermeiras precisam ser aperfeiçoadas em seus
conhecimentos, apresentando uma postura de ética, de modo que as adolescentes
possam sentir-se à vontade para expor seus sentimentos, suas dúvidas, angústias
e incertezas, destituídas de julgamento de valor moral por parte das
profissionais.
Assim, acreditamos que analisar a produção científica acerca da assistência à
adolescente grávida, pode trazer contribuições à busca de caminhos para uma
assistência mais humanizada e eficaz; tendo por objetivo: identificar as
características da produção cientifica sobre gravidez na adolescência realizada
por enfermeiras, sob a forma de artigos indexados nacionais e internacionais,
no período de 1996 a 2000.
2 Metodologia
O nosso objeto de análise constituiu-se da produção científica sobre gravidez
na adolescência em periódicos indexados nacionais e internacionais dos últimos
cinco anos (1996 a 2000).
Os dados foram coletados através de levantamento bibliográfico, em três bases
de dados: LILACS, MEDLINE e ADOLEC, utilizando as palavras-chave: gravidez,
adolescência, enfermagem. Encontramos 292 artigos indexados, sendo 85
ocorrências no Adolec, 184 ocorrências no Medline e 23 artigos no Lilacs.
Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão dos artigos selecionados
para amostra: tipo de publicação: periódicos indexados; procedência e idiomas:
periódicos nacionais e internacionais publicados em português, espanhol e
inglês; ano de publicação: de 1996 a 2000; elementos-chave: artigos que abordam
a assistência à adolescente grávida, considerando no todo ou somente na parte
que trata do assunto; artigos encontrados nas bibliotecas da Universidade de
São Paulo - USP.
Cabe aqui ressaltar que vários artigos se repetem entre si nestes bancos de
dados. Com isso, perfazemos um total de 27 artigos selecionados para a nossa
amostra.
Dos 27 artigos selecionados, 02 eram de língua portuguesa e, 25 eram de língua
inglesa. As publicações encontradas foram traduzidas na íntegra para a língua
portuguesa.
3 Resultados e Discussões
Após a coleta de dados, os resultados foram organizados em tabelas.
A tabela_1 refere-se à distribuição dos periódicos nacionais e internacionais,
segundo o ano de publicação (1996-2000). Encontramos 15 periódicos contendo
artigos indexados referentes à assistência à adolescente grávida. Observa-se
que no Journal of obstetric, gynecologic and neonatal nursing encontra-se o
maior número das publicações (17,24%). Observamos que 1999 foi o ano em que
houve o maior número de publicações (31%), ressaltando uma crescente
preocupação dos pesquisadores com a temática em estudo.
No que se refere ao tipo de estudo mais utilizado para abordar a assistência à
adolescente grávida, o estudo bibliográfico foi à metodologia mais empregada,
perfazendo um total de 7 artigos (25,96%), seguidos do estudo quantitativo
(22,22%), qualitativo e epidemiológico (11,11%), proposta de programa (7,40%).
Convém mencionar, em relação à formação dos autores dos artigos, que não foi
possível a caracterização destas, pois não constava em todos os periódicos.
Na tabela_2, a qual refere-se à distribuição das temáticas sobre assistência à
adolescente grávida nos artigos analisados, verifica-se que a temática mais
abordada foi Programas de intervenção à adolescente grávida e/ou seus bebês.
Dentre estes, encontramos um programa de visitação domiciliar de pré-natal e da
primeira infância realizado por enfermeiras, sobre comportamento anti-social de
crianças. Nas visitas domiciliares promoviam três aspectos referentes à
maternidade: comportamentos positivos relacionados à saúde, durante a gravidez
e primeiros anos de vida da criança; cuidado de suas crianças e desenvolvimento
pessoal materno (planejamento familiar, realização educacional, participação na
mão-de-obra).
Outro programa é mencionado, baseado na comunidade, onde a intervenção é para
mães jovens envolvidas com o abuso de substâncias. O programa Mom Empowerment,
too!foi desenvolvido em 1993 por enfermeiras de saúde pública, em um
departamento de saúde de um município do oeste dos Estados Unidos. Mães
solteiras e/ou adolescentes que abusavam de substâncias e suas crianças, que
estavam em risco devido ao abuso de substância materna, foram a população alvo
deste programa. Várias modalidades de intervenção, incluindo visitas
domiciliares, foram usadas. Através da administração de casos, as enfermeiras
de saúde pública proporcionaram apoio, indicações de recursos, e informações
sobre necessidades básicas, tais como, alimento, abrigo, cuidado médico,
fatores de saúde. Educação e apoio também foram oferecidos para suprir
necessidades físicas, emocionais, intelectuais e espirituais. Sessões em grupo,
conduzidas por uma enfermeira de saúde pública, incluíam discussão, atividades
experimentais, demonstrações, música, comemoração de realizações pessoais,
trabalhos manuais, aulas de arte culinária, e interpretação de papel. Tópicos
da discussão incluíam os efeitos do uso de substância, informação sobre
gravidez, nutrição, primeiros socorros, síndrome da abstinência do bebê,
administração da raiva e maternidade responsável. O programa também apoiou
experiências de vida, como tomada de decisão, resolução de problemas,
solucionando enganos, redução de estresse, e normas de comportamento do
trabalho.
O programa Early Intervention Program (EIP) for Adolescents Mothersfoi
projetado para tratar prioridades de saúde nacionais, particularmente aquelas
relacionadas à gravidez precoce, prematuridade, e morbidez do bebê. O EIP
incluiu uma combinação única de grupos de preparação à maternidade e visitas
domiciliares, por enfermeiras de saúde pública treinadas especialmente. As
atividades foram planejadas para construir a competência social das mães, de
maneira que elas possam administrar suas vidas mais efetivamente, e
proporcionar o cuidado apropriado ao bebê e à criança. O enfoque das visitas
pré-natais domiciliares foi promover o uso adequado de serviços de cuidados de
saúde, procedimentos com os desconfortos da gravidez, autocuidado, sinais e
sintomas de complicações da gravidez (hipertensão específica da gravidez,
trabalho de parto prematuro) e preparação para o parto. Enfermeiras de saúde
pública assistiam as adolescentes e identificavam fatores que poderiam afetar,
positivamente ou negativamente, sua motivação para buscar e manter o cuidado
pré-natal regular, ou o que poderia as causar caso não aderissem às atividades
de autocuidado recomendadas; exemplos destes fatores incluíram experiências
passadas com cuidado de saúde, e acessibilidade e aceitabilidade dos serviços.
Além disso, foi proporcionado aconselhamento relacionado às questões do papel
materno, educação (metas, permanecer na escola), uso de substâncias, e saúde
mental (depressão, manipulação de emoções). As visitas pós-parto forneceram às
mães informação sobre autocuidado, cuidado do bebê (nutrição, banho e
segurança), serviços de saúde para o bem-estar do bebê, e planejamento
familiar. As intervenções de enfermagem foram planejadas para ajudar as mães
desenvolverem experiências de comunicação e aprenderem como tratar as
necessidade dos bebês, responderem à angústia, e interagirem reciprocamente com
seus bebês.
O The Adolescent Parenting Program of the Essex Valley Visitting Nurse
Associotion foi projetado para melhorar as experiências de maternidade e
comportamentos de saúde maternos de alto risco de mães adolescentes. É um
programa de visitação domiciliar utilizando paraprofissionais que são nativos à
comunidade, sendo baseados em um modelo no qual o paraprofissional visitador
domiciliar serve como um mentor, ou modelo de papel, para a mãe de alto risco,
que proporciona apoio social e criação como também educação relativo a
desenvolvimento infantil e maternidade.
O programa The Dollar-A-Day, foi estabelecido em 1990 para prevenir gravidezes
subseqüentes em meninas com menos de 16 anos de idade, e que já haviam dado à
luz a uma criança. Conceitualizado por professores de enfermagem e usando
princípios de teorias de desenvolvimento da adolescente e intercâmbio social, o
programa foi planejado e implementado com a colaboração de enfermeiras.
Reuniões semanais eram realizadas, um programa informal enfocava as
necessidades identificadas pelos membros, fixação de metas a curto prazo, e um
prêmio de um dólar para cada dia que elas permanecessem não-grávidas. Depois de
cinco anos de operação com uma série de concessões pequenas, só 15% das 65
meninas que tinham sido associadas ao programa experimentaram gravidezes
subseqüentes. O sucesso do programa convenceu funcionários do departamento de
saúde a incorporar o programa The Dollar-A-Day em seu orçamento, como um
serviço permanente para a população de adolescentes que eles servem.
O The Rochester Adolescent Materrnity Program (RAMP) foi um programa contínuo
que proporcionou cuidado inclusivo para as adolescentes e foi projetado através
de avaliação contínua, e assim, permitiu empreender múltiplos estudos
experimentais. Incluíam dados pré-natais: demográfico, gravidez, apoio e
estrutura familiar, arranjos de alojamento, freqüência escolar ou programas
especiais; envolvimento do pai, problemas de risco na adolescente; e dados
coletados pós-natais: resultados de nascimento, sistemas de apoio, indicações,
seguro.
Com isso, percebe-se que a assistência à adolescente grávida tem sido alvo da
preocupação de enfermeiras de saúde pública, comunidade e governo, sendo
considerado não mais como um problema de saúde publica, mas sim um problema
social. Os programas relacionados a essa população, abordam temáticas como a
auto-estima, aconselhamento profissional, educação familiar, planejamento
familiar, relações interpessoais e institucionais, sendo necessário para tanto
envolvimento publico e compromisso contínuo.
Já no Brasil, dentre as políticas publicas relacionada à saúde da mulher,
encontramos o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM -
Ministério da Saúde. É um programa onde a saúde da mulher é trabalhada de forma
globalizada, abrangendo todas as fases de seu desenvolvimento, desde a
adolescência até o pós-climatério(5).
Relacionado especificamente à adolescente, temos o Programa de Atenção Integral
à Saúde do Adolescente - PROSAD - Ministério da Saúde.
O PROSAD(4) teve como finalidade:
Promover, integrar, apoiar e incentivar as práticas que visem à saúde
dos adolescentes, tanto nos locais onde será realizada sua
implantação, quanto onde estas atividades já são desenvolvidas, nos
estados e municípios, universidades, organizações não-governamentais
e outras instituições, buscando a interação com outros setores,
oferecendo tratamento adequado e reabilitação dos indivíduos dessa
faixa etária, de forma integral, multi-setorial e interdisciplinar(4:
6).
Cabe aqui ressaltar que apenas dois artigos selecionados mencionaram a
assistência à adolescente grávida no Brasil. O primeiro identifica os
diagnósticos de enfermagem em uma adolescente grávida, baseado na teoria do
autocuidado de Oren. O segundo, por sua vez, realiza um levantamento da
produção dos enfermeiros sobre adolescência.
Considerando os artigos indexados analisados, o estudo revelou a quase
inexistência de estudos nacionais acerca da assistência à adolescente grávida.
4 Considerações Finais
Com o estudo pretendemos identificar modelos de atuação que ampliem a visão e
estimulem a participação mais efetiva das enfermeiras na atenção à adolescente
grávida.
As enfermeiras possuem um vasto campo de atuação na saúde do adolescente, mas
ainda não despertaram para o grande potencial de seu trabalho, desde a educação
sexual, até o cuidado à adolescente grávida, à mãe adolescente e seu bebê.
A assistência à saúde da adolescente deve acontecer antes destas se
apresentarem grávidas. Para isto, devemos proporcionar serviços atraentes, que
despertem interesse, onde são viabilizadas oportunidades de reflexão, discussão
entre questões biológicas, sociais e educação para a sexualidade.
As intervenções de enfermagem precisam ser ampliadas para auxiliar as
adolescentes grávidas e às mães adolescentes na realização do papel materno e
na construção de projetos futuros, além do cuidado com o seu bebê.
Ao nos reportarmos aos artigos estudados, nos deparamos com a quase
inexistência de trabalhos de enfermeiras brasileiras relacionadas á temática.
Não podemos afirmar que estas não desenvolvem, porém, se o fazem, não são
divulgadas no meio científico, pois não são encontradas em banco de dados na
forma de artigos indexados. Emerge com isto, o despertar de interesse e
relevância por parte das enfermeiras, para a atenção especial à saúde das
adolescentes.
O que vislumbramos é o encontro de alternativas, recursos, meios, que nos
possibilitem desenvolver uma prática educativa e de cuidados a este grupo tão
peculiar. Para isto, nos deparamos com a nossa formação, com a nossa construção
do conhecimento acerca desta temática. E, não podemos negar a necessidade de
aperfeiçoamento profissional e de diretrizes que conduzirão o nosso
envolvimento e atuação.
Viabilizar programas de formação, orientação às enfermeiras pode ser um recurso
que nos forneça outras alternativas de caminhos a serem trilhados.