O ensino de administração em enfermagem no brasil: o processo de construção de
competências gerenciais
AUTORES CONVIDADOS
O ensino de administração em enfermagem no brasil: o processo de construção de
competências gerenciais
The teaching of management in Brazil: the process of construction of managerial
competences
La enseñanza de administración en enfermería en lo Brasil: el proceso de
construcción de competencias gerenciales
Maria Helena Trench CiamponeI; Paulina KurcgantII
IEnfermeira. Professora Livre-Docente do Departamento de Orientação
Profissional da Escola de Enfermagem da USP
IIEnfermeira. Professora Titular junto do Departamento de Orientação
Profissional da Escola de Enfermagem da USP
Correspondência
1 Introdução
A década que finalizou o milênio anterior foi extremamente profícua para a
enfermagem, quer no campo da produção científico-acadêmica, quer no campo da
prática assistencial e gerencial. Particularmente, na área do gerenciamento em
enfermagem, tanto na dimensão teórica quanto na prática, a produção mostrou-se
bastante fecunda, porém ainda insuficiente no que diz respeito aos saberes e
fazeres específicos, o que indica necessidade de se pensar formas alternativas
de gerenciamento em saúde. Para responder às demandas da problemática advinda
do processo assistencial e, paralelamente, às demandas do processo gerencial,
há que se rever e recompor os modelos de gestão, bem como, as competências
inerentes à formação dos profissionais/gestores.
Assim, acreditamos que a participação da academia e dos serviços, num esforço
conjunto para repensar as práticas e as intervenções necessárias, possibilita
visualizar as contradições existentes entre propósitos e projetos de formação
da força de trabalho em saúde e propósitos e projetos dos serviços. Possibilita
também, visualizar as práticas e teorias relacionadas ao gerenciamento da
assistência propiciando, portanto, a introdução da dimensão política no saber o
no fazer crítico do gestor em saúde.
Acreditamos, ainda, que a gênese da reconstrução das competências para aprender
e ensinar a fazer e a gerenciar saúde advém das mudanças paradigmáticas que
ocorrem no campo da saúde, o que implica na adoção de uma nova visão de mundo
que rompe os limites da visão idealista e avança para a realista. Na visão
realista há necessidade de se rever a fragmentação das ações de saúde para
recompô-las na sua totalidade enquanto significado coletivo dos processos de
trabalho.
Ao longo das diferentes décadas do século passado, as políticas norteadoras do
setor saúde no Brasil sofreram influência direta das políticas públicas
contencionistas, resultando em políticas retroativas na formação de recursos
humanos em saúde, em detrimento de políticas prospectivas.
Fica evidente, também, a instauração do modelo assistencial orientado para a
lógica do mercado, de acumulação de capital, traduzido pela tecnificação dos
atos médicos, enfatizando a assistência hospitalar, a divisão técnica e social
do trabalho, com tendência à especialização, fragmentação do processo
assistencial e expansão de indústrias de medicamentos, instrumentais e
equipamentos.
Nesse processo dá-se a mercantilização e expansão da medicina privada, dos
convênios celebrados pela Previdência Social entre hospitais, clínicas e
laboratórios, direcionando a forma de pagamento por unidade de serviço. Nesse
contexto, o gerenciamento em enfermagem exerceu o papel preponderante de
controlar os recursos para a assistência, tanto no que tange aos recursos
humanos, quanto aos materiais, físicos e financeiros. Esse enfoque foi
referendado pelas teorias de Administração que, mesmo introduzindo a dimensão
das relações como elemento importante no contexto do trabalho, o fez de modo
utilitarista.
Com o movimento da reforma sanitária que culmina na perspectiva de
implementação do SUS, vem a tona os paradoxos entre os modelos assistenciais
clínico e epidemiológico e entre os modelos gerenciais tradicionais, voltados
para a lógica de mercado e os voltados para a lógica epidemiológica. A
explicitação desses paradoxos foi importante para a compreensão dos diferentes
projetos de intervenção em saúde e para a conseqüente capacitação exigida dos
agentes partícepes em consonância com os paradigmas de um ou de outro projeto.
Embora fosse necessário que a capacitação da força de trabalho para atuar nos
processos assistenciais e gerenciais em saúde ocorresse de modo prospectivo ou
concomitante às transformações nessa área, constata-se que na enfermagem as
transformações na formação dos profissionais vêm ocorrendo em ritmo mais lento
do que o da transformação das práticas, muitas vezes, como resposta às
exigências impostas pelo mercado de trabalho. Além do descompasso relacionado
ao eixo da capacitação dos profissionais, o quantitativo de enfermeiros também
é insuficiente.
Mediante reflexões sobre o contexto das práticas de saúde e na tentativa de
reconhecer como vinha ocorrendo o ensino de Administração em Enfermagem, na
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, algumas docentes dessa área
passaram a desenvolver estudos que subsidiassem propostas para a transformação
desse ensino. Constataram que a grande parte da bibliografia adotada no ensino
de administração advinha de livros traduzidos, de outras realidades, ou
escritos por profissionais de outras áreas. Um passo importante na direção do
redirecionamento do ensino da disciplina foi a produção e divulgação, em 1991,
do livro Administração em Enfermagem, escrito pelas docentes, que abordava o
conteúdo programático da disciplina, do curso de graduação conforme era
desenvolvido na época. A elaboração desse livro oportunizou uma reflexão sobre
a prática da enfermagem à luz de diferentes enfoques administrativos.
Em continuidade ao processo de avaliação do ensino, nos anos 90, as docentes
iniciaram uma série de estudos e de pesquisas para melhor compreensão da sua
prática. Entre esses , um deles, evidenciou como estava sendo desenvolvido o
ensino da disciplina em questão; outros objetivaram conhecer a percepção dos
alunos sobre a disciplina; outro buscou desvelar a representação dos alunos
sobre essa disciplina; outro, ainda, buscou identificar os critérios que os
alunos consideravam, para a escolha da profissão e as suas expectativas quanto
à formação profissional. Nessa mesma direção, outro estudo revelou que as
egressas do curso de graduação em enfermagem da EEUSP, percebiam a influência
positiva da disciplina, na sua prática profissional(1-6).
Dentre esses estudos dois deles(2,3) mostraram que os alunos, no início da
disciplina, percebiam a administração segundo os paradigmas das teorias
Clássica e Científica da Administração; que os estudantes no início do curso
consideravam a Administração em Enfermagem como exercício da burocracia, idéia
esta, associada à ineficiência administrativa. Esse fato os desmotivava, mas,
ao término do período de estágio na disciplina, constatou-se que os estudantes
reconheciam que modificavam essa percepção considerando ser o processo de
trabalho gerencial, inerente ao papel do enfermeiro e passavam a visualizar,
este profissional, como elemento responsável pelo desenvolvimento do pessoal e
pela melhoria da qualidade de assistência enfermagem.
Em um desses estudos(4) verificou-se que os alunos, ainda, apresentavam dúvidas
em relação ao significado do papel gerencial dos enfermeiros ao passo que, em
outro (6) ficou evidente que os enfermeiros egressos, dessa escola,
consideravam que o ensino da referida disciplina tinha sido importante na sua
formação, pela possibilidade de desenvolvimento de visão de conjunto,
consciência crítica, e pela oportunidade de reflexão das diferentes situações
vividas na prática profissional. Consideraram, ainda, que isso constituía um
diferencial na sua formação.
No entanto, todos os estudos apontaram para a necessidade de mudanças
curriculares no curso de graduação, tendo sido considerado que o ensino da
administração em enfermagem seria um dos eixos horizontais na grade curricular.
Em 1996, como conseqüência, ocorreu a mudança curricular com a introdução
gradativa de conteúdos de gerenciamento em enfermagem, a partir do primeiro
semestre do curso. Assim sendo, o programa passou a contar com as disciplinas
Introdução à Enfermagem, no primeiro semestre; Administração em Enfermagem I,
no quinto semestre; Administração em Enfermagem II, no sexto semestre;
Administração em Enfermagem III, no sétimo e Estágio Curricular de
Administração em Enfermagem, no oitavo semestre do curso, para os alunos que
optassem por essa área. Apesar de reconhecer os avanços da proposta, as
avaliações curriculares têm evidenciado as dificuldades dos docentes e
discentes na articulação dos conteúdos e práticas do gerenciamento com os
conteúdos e práticas das disciplinas que focam a assistência e que são
oferecidas em paralelo.
Dessa forma, passados oito anos, nos encontramos, provavelmente como outros
docentes de Escolas de Enfermagem, no momento de repensar o Projeto Político
Pedagógico do curso de graduação em Enfermagem, à luz das novas Políticas de
Saúde e de Educação, das Diretrizes Curriculares para o Ensino Superior, que
lançam novos desafios na formação profissional pautada no desenvolvimento de
competências.
Essa construção clama pela necessidade de esclarecimentos e discussões sobre o
que é competência, quais as competências do profissional a ser formado, quais
as bases estruturantes dessa formação e quais as especificidades regionais na
formação dos enfermeiros.
Considerando que os planos de ensino das disciplinas são a expressão dos
valores, significados e percepções dos docentes que os elaboram, a respeito do
processo de trabalho gerencial, e que esses constituem eixos determinantes no
perfil do futuro enfermeiro, em função de sua ação pedagógica, o presente
estudo teve como objetivos:
- Identificar as bases conceituais, metodológicas e pedagógicas adotadas no
ensino da Administração em Enfermagem em Escolas de Enfermagem no Brasil.
- Identificar e caracterizar as competências gerenciais que vem sendo
desenvolvidas nas práticas educativas, no âmbito das disciplinas de
Administração em Enfermagem em Escolas de Enfermagem no Brasil.
- Subsidiar transformações nos processos do ensino e da prática do
gerenciamento em enfermagem.
2 Procedimentos metodológicos
Trata-se de um estudo do tipo exploratório-descritivo, desenvolvido a partir da
abordagem quanti-qualitativa. Para responder ao primeiro objetivo procedeu-se à
primeira etapa da pesquisa, que constou de um levantamento dos planos de ensino
das disciplinas de Administração em Enfermagem, no âmbito da Graduação e da
Pós-Graduação, ocorrendo o reconhecimento dos seguintes elementos constitutivos
dos mesmos: objetivos, carga horária, duração, momento de inserção no curso,
conteúdo programático, estratégias pedagógicas e forma de avaliação.
As instituições de ensino, que fizeram parte desse cenário, foram selecionadas
a partir do critério de oferecer ensino de Administração em Enfermagem no
âmbito da Graduação e Pós-Graduação. Isso porque, acredita-se que nessas
instituições, há um investimento na produção de conhecimentos e na capacitação
docente o que, teoricamente, propicia condições favoráveis às transformações
didático-pedagógicas do ensino ministrado. Nessa primeira etapa, as Escolas, em
número de dez, foram selecionadas a partir do catálogo de cursos de Mestrado e
Doutorado da CAPES e denominadas A, B, C, D, E, F, G, H.. Por atenderem ao
critério de ter ensino consolidado na graduação e pós-graduação, todas as
escolas estudadas foram escolas públicas. Entretanto, os dados restringiram-se
a oito escolas, uma vez que duas delas não responderam a reiteradas
solicitações de envio do material.
Conforme mencionado, o recorte desses planos foi feito através de seus
elementos constitutivos, o que permitiu agrupá-los, classifica-los e compara-
los entre si, considerando a totalidade dos mesmos.
Para responder ao segundo objetivo selecionou-se cinco Escolas de Enfermagem,
que atendessem aos mesmos critérios de ensino no âmbito de Graduação e Pós-
Graduação, bem como constituíssem amostragem dos cinco cenários geopolíticos do
país, ou seja da Região Norte (N), Nordeste (NE), Centro Oeste (CO), Sudeste
(SE) e Sul (S). Da mesma forma, que na primeira etapa, o material empírico
submetido à análise, constituiu-se dos planos de ensino dessas disciplinas.
Nessa etapa, o referencial adotado foi o da pedagogia das competências(7-8), no
sentido de subsidiar a compreensão de como as competências estavam sendo
consideradas, no ensino do gerenciamento em enfermagem.
A apresentação e análise dos dados referentes às duas etapas do estudo, embora
agrupadas nesse artigo, constituíram duas pesquisas subseqüentes e
complementares dando continuidade às investigações que visam aprofundar as
bases conceituais e metodológicas do gerenciamento em saúde e em enfermagem.
3 Apresentação e análise dos dados
Foi possível constatar, na primeira etapa do estudo, que em relação à carga
horária das disciplinas, existia uma diversidade que variava em relação aos
diferentes âmbitos de ensino: Graduação, Especialização e Pós-Graduação, como
pode ser melhor visualizado no gráfico_1.
Em relação à carga horária das disciplinas na Graduação, que abarcam conteúdos
de Administração, pode-se apreender uma variação entre 150 horas na escola C,
que tinha a menor carga horária até 1020 horas na escola F, que tinha a maior
carga horária. Segue-se em ordem decrescente a escola G, com 918 horas; a
escola H com 622 horas; a escola A com 510 horas; a escola E com 360 horas e a
escola B com 180 horas. Na escola D não constava disciplina de Administração em
Enfermagem, no âmbito do curso de graduação.
Conforme mostra o gráfico_2, somente as escolas D e G, ministravam disciplinas
de Administração no âmbito de especialização. Nestas escolas a carga horária
correspondia, respectivamente a 270 e 320 horas.
Quanto à Pós-graduação, o gráfico_3 mostra que as escolas A, C, F e H,
ministravam disciplinas de Administração em Enfermagem. A carga horária dessas
disciplinas correspondia respectivamente a 435 horas,45 horas, 480 horas e 108
horas. As escolas B, D, E e G não ministravam disciplinas de Administração na
Pós-graduação.
Em relação aos objetivos, estudiosos do processo educacional, consideram que a
definição de objetivos em um dado curso ou disciplina é fundamental, pois os
objetivos traduzem os resultados esperados, num dado período de tempo.
Os objetivos são metas estabelecidas ou resultados previamente determinados.
Indicam aquilo que o estudante deverá se capaz de fazer como conseqüência de
seu desempenho em atividades de uma determinada escola, série, disciplina ou
mesmo de uma aula sem levar em conta a filosofia de educação ou a teoria de
aprendizagem a serem seguidas (9).
Observa-se que na maioria das disciplinas, nas escolas estudadas, os objetivos
são descritos de forma ampla e genérica, com propósitos abrangentes que não dão
conta de orientar os demais elementos do programa.
Também é possível distinguir, nos dados apresentados, que alguns programas
contam com objetivos gerais e outros com específicos.
Além disso, apreende-se também, que se mesclam nos programas, objetivos
relativos a conhecimentos, habilidades e atitudes a serem trabalhados nas
situações de aprendizagem. No caso das disciplinas de graduação, a aprendizagem
compreende uma fase de ensino teórico e outra de ensino de campo ou estágios
supervisionados pelos docentes. Nas disciplinas da Pós-graduação, senso estrito
ou senso lato, a disciplina prevê seminários e discussões embasados na prática
profissional dos alunos em diferentes contextos.
Nesse sentido, é possível afirmar que a maioria das escolas, ainda conserva o
esquema do plano tradicional: os objetivos são descritos de forma fragmentada,
não mantendo correspondência com os demais elementos do programa.
Observa-se que muitos objetivos, na forma como estão descritos não correspondem
às unidades desenvolvidas no conteúdo programático, nem tampouco indicam,
claramente, o desempenho do aluno ou o comportamento dele, esperado, como
indicativo da aprendizagem.
Uma outra observação importante referente aos dados coletados implica na
constatação que os objetivos enfocam mais os processos cognitivos da
aprendizagem, do que os de domínio psicomotor, afetivo e ético-político. Focam
mais a área intra-hospitalar do que a extra-hospitalar, e alguns dos objetivos
encontram-se desvinculados das atuais Políticas de Ensino e Educação.
Assim sendo, os dados relativos aos objetivos, permitem evidenciar que: as
escolas A, E, F e H, tanto no ensino de graduação como no de Pós-graduação,
mostram tendências que avançam na direção da operacionalização das Políticas de
Saúde e de Educação. As escolas B, C, D e G, tanto no ensino de graduação como
no de Pós-graduação, apresentam objetivos compatíveis com os valores
reiterativos que dão sustentação às Políticas Neoliberais e Tradicionais. Tal
constatação é referendada pela análise dos conteúdos programáticos.
Para especialistas em educação os conteúdos programáticos representam um
conjunto amplo e variado de conhecimentos que possibilita, ao aluno,
desenvolver capacidades cognitivas, ao mesmo tempo em que subsidia o
desenvolvimento de relações com os outros e com o meio (10).
Em relação aos conteúdos programáticos, no que se refere à inserção de unidades
referentes às políticas de saúde e sua correlação com o gerenciamento dos
serviços de enfermagem, aprende-se que das oito escolas do estudo, sete delas
abordam, em seus programas de graduação e de pós-graduação (lato senso e
estrito senso), em diferentes disciplinas, assuntos referentes a essa temática.
Assim, as escolas E, G e H, abordam as temáticas em disciplinas de graduação;
as escolas D e C em disciplinas de pós-graduação e as escolas A e F abordam as
temáticas referentes às políticas de saúde, tanto em programas de pós-graduação
quanto na graduação.
Nesse sentido, as abordagens relativas aos conteúdos programáticos,
possibilitam reflexões acerca do processo de gerência dos serviços de
enfermagem, diante das transformações no sistema de saúde brasileiro.
Assim, compreendendo a gerência dos serviços como instrumento de efetivação das
políticas de saúde, o conteúdo tratado mostra que é indispensável que se
articule o trabalho em saúde à dinâmica social e a outros trabalhos com os
quais a enfermagem mantém relações de dependência e de determinações
recíprocas.
Nessa perspectiva, denota-se um avanço nas abordagens das disciplinas de
administração em enfermagem, uma vez que, admitem que a prática gerencial não é
neutra, que esta corresponde a um dado modelo de organização do trabalho
assistencial e gerencial adotados nos diferentes serviços.
Constata-se que num contexto de profunda crise econômica e política agravada
nos anos 90, as disciplinas referendam a configuração de dois projetos
alternativos em permanente tensão: um portador de nítida hegemonia, o projeto
neoliberal e, outro, contra-hegemônico, o da reforma sanitária.
Quanto às temáticas referentes ao gerenciamento dos serviços de enfermagem
diante das diferentes concepções de processo saúde doença, contemplados nas
políticas de saúde, verificamos que qualquer proposta de organização e
gerenciamento dos serviços e da assistência, deve ser decodificada à luz desses
dois modelos, que partem de concepções distintas sobre a casualidade da doença
e ainda sobre o próprio entendimento do processo saúde-doença.
Apreende-se, ainda, pela análise dos conteúdos das disciplinas que estas
albergam conteúdos de administração geral e de enfermagem, que dão ênfase à
unidade hospitalar, ao modelo clínico individual; às teorias da administração;
às propostas gerenciais prescritivas e normativas; à gestão da qualidade dos
serviços; às características gerais das organizações, conforme as teorias
científica, clássica e burocrática. Assim, temas como: hierarquização das
atividades, estruturas hospitalares e organogramas; estruturas dos serviços de
enfermagem; normas e diretrizes técnicas e procedimentos; funções
administrativas (planejamento, supervisão, controle, liderança e outras),
marcam uma forma tradicional de abordagem dos conteúdos da administração, com
pouca ou nenhuma correlação com o macro contexto e as políticas de saúde.
Dessa forma, as escolas, ainda mantém inseridos nos conteúdos programáticos, um
misto de paradigmas ora focalizando o gerenciamento num modelo tradicional
unidimensional e linear, ora contextualizando esses conteúdos com abordagens e
visões de mundo mais abrangentes e significativas no sentido da transformação
de um paradigma positivista para outro dialético, compatível com as atuais
políticas de saúde.
As disciplinas que enfocam o gerenciamento dos serviços frente aos princípios e
diretrizes do SUS, constituem tentativas de construção de novas práticas de
saúde nos Distritos Sanitários, conforme prerrogativas do SUS, colocando os
profissionais diante de inúmeros desafios inerentes à construção de um novo
modelo assistencial e gerencial coerentes com os novos paradigmas.
Assim, no campo da formação, dois aspectos devem ser considerados como
prioritários: a concepção dos modelos assistencial e gerencial e a concepção
pedagógica adotada como hegemônica nos programas de capacitação do enfermeiro.
O modelo assistencial e gerencial devem ser os eixos que direcionam as práticas
do coletivo dos trabalhadores da saúde nas diferentes profissões. Nesse campo o
enfoque interdisciplinar deve ser tomado como princípio que orienta e sustenta
as diferentes práticas e garante especificidade a cada um dos profissionais,
permitindo, porém, uma certa unidade de conhecimento.
A adoção desse enfoque impede a dicotomia entre saúde / doença, curativo /
preventivo, individual e coletivo e, fundamentalmente, contribui para superar a
fragmentação do conhecimento, característica do pensar nas ciências
positivistas.
Chamamos de estratégias os meios que o professor adota para facilitação da
aprendizagem, ou seja, para que os objetivos da aula, do conjunto de aulas ou
de um curso sejam alcançados pelos participantes.
Na perspectiva de um ensino que tem como eixo o SUS, a adoção de concepções
pedagógicas crítico-reflexivas, constitui uma opção para as transformações
requeridas no setor saúde. Para tanto, há necessidade de um profissional que
saiba aprender em um mundo em transformação. Um indivíduo crítico que constrói
sua história no aprender-fazendo e busca e transformação do conhecimento.
Nesse sentido, as metodologias de ensino adquirem papel prioritário na relação
ensino-aprendizagem. No caso do setor saúde o mundo do trabalho deve ser o
cenário para que os atores em relação horizontal e democrática, joguem com os
conhecimentos, aplicando-os na transformação da prática e assim construindo um
novo conhecimento
Conforme se apreende nos dados, os meios utilizados incluem como técnicas de
ensino, a dinâmica de grupo e outros diferentes recursos (audiovisuais,
físicos, humanos, da informática, etc.). Por vezes, esses recursos são chamados
de métodos didáticos, técnicas pedagógicas ou metodologias de sala de aula.
Na abordagem teórica, da graduação, predominam as estratégias de preleção ou
exposição dialogada. O desenvolvimento de habilidades e de atitudes
profissionais é, predominantemente, trabalhado em estágios por meio de
discussões em grupo e seminários. Ressalta-se que a escola A é a única que
refere adotar a problematização como tecnologia instrucional.
No âmbito da Pós-graduação, lato e estrito senso, são adotadas como
tecnologias, além das citadas na graduação, a simulação de situações que
permitem retratar o funcionamento de um grupo; grupos operativos, trabalhos
individuais e reuniões orientador/ orientando.
Identificamos ainda, que nenhuma escola adota a Internet, hipertexto, CD-rom ou
vídeo conferência como recursos.
Não cabe a discussão da qualidade em si, das estratégias pedagógicas de modo
isolado, mas repensá-las segundo o significado atribuído ao processo
educacional, os princípios que regem tal processo, os objetivos pretendidos e o
perfil do profissional almejado.
Quanto à utilização das estratégias pedagógicas concordamos que essas dependem,
sobretudo, da maneira como o professor concebe a aprendizagem e a transmissão
do conhecimento. Assim, toda situação didática por mais simples que possa
parecer, é complexa e o método de ensino, torna-se concreto quando se converte
em método de aprendizagem (11,12).
Assim, o uso de tecnologias instrucionais deve ser parte integrante do processo
educacional na sua multidimensionalidade e toda e qualquer estratégia tem
importância fundamental no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que é o
vínculo do que se pretende com o processo educacional.
O referencial bibliográfico de um plano de ensino de uma disciplina tem a
finalidade de subsidiar a compreensão e aprofundamento dos conteúdos
programáticos tratados em uma dada unidade. Esse referencial adotado deve
albergar todos os temas tratados na disciplina, bem como, possibilitar que o
conhecimento possa ser verticalizado.
Consideramos que o referencial bibliográfico é o elemento do plano que melhor
possibilita a explicitação dos pressupostos do eixo norteador, revelando a
inserção do tema tratado, conforme a visão de mundo do contexto.
É ainda o referencial bibliográfico que explicita qual é olhar do docente sobre
a temática tratada. Assim, a administração em enfermagem segundo os
referenciais norteadores das disciplinas, pode estar imbuída de uma visão de
mundo conservadora, tradicional, revelada pela indicação de bibliografias que
se adensam nessa direção. Por outro lado, podem evidenciar a percepção da
administração em enfermagem segundo paradigmas compatíveis com a complexidade
do mundo contemporâneo. Esse último referencial enfatiza o potencial e o
desempenho humano para a mudança, bem como os conflitos e o interjogo do poder
que permeia as relações nas instituições de saúde, tendo como pano de fundo as
determinações do macro-contexto.
Outro aspecto a ser considerado é que o referencial teórico apontado na
bibliografia permite ao educando um debruçar-se, reflexivamente, ou não, sobre
a realidade vivenciada de modo a reiterar seus determinantes ou então apontar
para a possibilidade de análise critica da mesma.
Os dados analisados nos planos de ensino indicam diferentes direções do ensino
nos diferentes âmbitos. Assim, na graduação evidencia-se um maior contingente
de referencial bibliográfico em Administração aplicada à enfermagem (140
referências de um total de 248 títulos). Este fato reflete a necessidade de
utilização,, por parte do estudante de graduação, de um referencial
suficientemente próximo da realidade, uma vez que o mesmo está sendo
introduzido ainda, na vivência da enfermagem, como realidade precípua da sua
formação. Vale ressaltar, que nos planos das diferentes escolas estudadas há
uma forte coincidência nos títulos indicados, sendo que alguns deles referem-se
à produção dos docentes que militam na área de administração em enfermagem que
são citados, várias vezes, em diferentes disciplinas na mesma escola ou nas
diferentes disciplinas das diferentes escolas.
Dentre os 140 títulos de enfermagem, 50 títulos encontrados estão relacionados
ao desenvolvimento de procedimentos, ou seja, enfatizam tarefas típicas da
prática profissional do enfermeiro, no processo de trabalho do cuidar, embora
sejam referidos em disciplinas que abarcam conteúdos de administração.
Outra temática a que se referem os títulos dos planos de ensino, diz respeito
às políticas de saúde nos diferentes âmbitos, federal, estadual e municipal,
bem como às políticas institucionais com ênfase na política de gerenciamento em
recursos humanos. Esses títulos, em número de 52, tratam das políticas
norteadoras dos princípios e diretrizes do SUS, bem como da legislação
pertinente que estabelece as diretrizes para a conformação, organização e
funcionamento dos serviços de saúde.
Não encontramos, no âmbito da Graduação, bibliografias referentes às políticas
educacionais, embora os programas tratem de temas relativos ao desenvolvimento
de recursos humanos em saúde.
Quanto às referências específicas de Administração foram encontrados 52
títulos, sendo 44 referentes à administração tradicional e 08 à administração
contemporânea.
Entendemos por administração tradicional, todo o referencial pautado nas
teorias clássica e científica da administração, na visão burocrática e
sistêmica, que guardam respectivamente, na sua constituição, ênfase nas
tarefas, nas normas e nos aspectos prescritivos e normativos do desempenho
humano nas organizações, bem como, nas estruturas formais e na hierarquização
do poder. Neste referencial, embora apareça a abordagem sobre conflitos, a
ênfase recai sobre a relativização dos mesmos, ou até a sua negação.
Por administração contemporânea entendemos as abordagens que abarcam as
dimensões ético-políticas e psicossociais do gerenciamento.
No âmbito da especialização, apenas três escolas ministram disciplinas com
conteúdos de administração, onde o referencial bibliográfico é abrangente, uma
vez que há uma maior concentração de títulos na administração tradicional (34),
seguidos da administração contemporânea (31), em enfermagem (26), psicologia
(07), sociologia (03) e (02) em políticas de saúde.
Apreende-se que nas propostas dos cursos de especialização há grande ênfase no
conteúdo programático referente à área de especialidade a que o curso se
dirige, sendo a carga horária destinada à administração, uma pequena parcela da
carga horária total.
Contudo, chama a atenção ainda, que o maior número de títulos referenciados diz
respeito à administração tradicional.
No âmbito da Pós-graduação, estrito senso, as referências evidenciam forte
ênfase nos títulos de enfermagem (115), seguidos das políticas de saúde (59),
administração contemporânea (37); práticas e políticas de ensino (33);
sociologia (27); administração tradicional (24); psicologia (08) e informática
(05). Esse referencial, é compatível com as finalidades da pós-graduação; com a
abordagem das políticas de ensino e da educação, subsidiando a missão de
formação de docentes e pesquisadores nesse âmbito.
Os enfoques complementares de sociologia, psicologia e informática, demonstram
a presença das dimensões psicossociais e tecnológicas nesses programas.
Quanto às referências de administração, apreende-se que as abordagens
contemporâneas, se sobrepõem às tradicionais, o que denota a possibilidade de
um processo reflexivo que contextualiza o gerenciamento compatível com as
tendências atuais das políticas de saúde e de ensino no Brasil.
Pela análise global do referencial bibliográfico, nos três âmbitos de ensino da
administração verifica-se uma crescente verticalização e aumento da
complexidade e da amplitude desse referencial, o que é esperado pela própria
condição em que se encontra o educando na graduação, na especialização e no
mestrado e doutorado.
Por outro lado, como o maior contingente de educandos encontra-se na formação
básica e nem todos ascendem aos outros níveis, sendo ainda esse acesso
privilégio de poucos enfermeiros, há que se pensar na possibilidade de
introduzir no referencial trabalhado na graduação, elementos que possibilitem o
desenvolvimento da dimensão ético política do futuro profissional, tendo em
vista a dinamicidade e urgência de intervenções transformadoras na realidade de
saúde do pais.
Ao término da análise dos dados dessa primeira etapa da pesquisa, concluímos
que: os conteúdos programáticos mostraram que no âmbito da graduação os temas
tratados, em geral, não são problematizados considerando a atual política de
saúde e de ensino no país e que os mesmos guardam forte relação com enfoques
tradicionais da administração, concentrando-se em temáticas abarcadas pelo
modelo tecno-assistencial e de gerenciamento intra-hospitalar.
Nas disciplinas ministradas no âmbito da especialização, resgata-se que os
temas tratados começam a ser contextualizado, à luz da política de saúde
vigente com pouca referência às políticas de ensino.
As políticas de saúde e de ensino são tomadas como referência fundante do
ensino, no âmbito da pós-graduação nos programas de mestrado e doutorado.
Uma outra constatação é que os objetivos enfocam mais os processos cognitivos
de aprendizagem do que os do domínio psico-motor, afetivo e ético político.
Vale ressaltar, que nos planos das disciplinas das diferentes escolas
estudadas, ha uma forte coincidência nos títulos indicados.
Consideramos que o estudo permitiu desvelar dados que sem dúvida fornecerão
subsídios aos docentes da área para a continuidade desse caminhar. O
conhecimento que emerge desse trabalho constitui, por si só, uma possibilidade
de transformação no desempenho docente à medida em que for socializado por meio
de apresentações e divulgação escrita.
Como continuidade, na segunda etapa da pesquisa, partimos do suposto que a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as Diretrizes Curriculares para os
Cursos de Graduação (14), as Políticas de Educação e Saúde atuais, aliadas às
transformações sócio-econômicas do país e do mundo, têm provocado
transformações nos rumos da formação dos profissionais de enfermagem na
realidade brasileira, sobretudo na última década.
Ainda, que a exigência de profissionais capazes de atuar no contexto de saúde
vigente e modificá-lo, tem mobilizado os órgãos de classe e instituições
formadoras a buscar estratégias que possibilitem as mudanças na prática
educativa profissional. Busca-se um profissional com perfil crítico-reflexivo e
que se responsabilize profissionalmente pela parcela das intervenções nos
processos saúde-doença, na gerência e na definição de políticas de saúde. O
enfrentamento desse desafio clama pela consolidação da reorganização do sistema
de saúde, e pelo desenvolvimento de habilidades, competências, atitudes e
valores ético-políticos.
Na perspectiva de mudanças nos modelos assitenciais e gerenciais e na
identificação de saberes e competências necessárias ao profissional enfermeiro
para atender às prerrogativas do SUS, é que fundamentamos teoricamente e
empiricamente essa segunda etapa do estudo. O referencial utilizado foi o da
pedagogia das competências (7, 8), no sentido de subsidiar a compreensão de
como operacionalizá-las no ensino do gerenciamento em enfermagem. Foram
utilizados como campo de investigação empírica cinco escolas públicas
correspondentes às cinco regiões geográficas brasileiras: norte, nordeste;
centro-oeste; sudeste e sul.
Constatou-se que nas cinco escolas as disciplinas são ministradas em diferentes
momentos do curso, com carga horária bastante variada. Com relação às
competências gerais e específicas estas são descritas, indiretamente, nos
planos de ensino ainda de modo conteudista. Obtivemos que a competência do
aprender a conhecer superou a do saber fazer mostrando que o aprender a
conhecer é prevalente ao saber fazer específico do gerenciamento.
A competência do saber ser encontra-se praticamente ausente ou esquecida nos
cinco cenários estudados. Dentre os conteúdos relativos aos enfoques temáticos,
salientaram-se os especificamente relativos ao processo de trabalho gerencial e
às estruturas organizacionais.
Os sub-projetos desenvolvidos ao longo deste projeto principal detectaram
lacunas no processo de capacitação (dos docentes e discentes) no que diz
respeito à pedagogia das competências, no âmbito de todas as Escolas e cenários
pesquisados.
Em relação aos saberes e competências classificados como: saber ser - foram
incluídos o saber agir e reagir com pertinência, saber combinar recursos e
mobilizá-los no contexto, saber transpor, aprender a aprender e aprender a
envolver-se. Esses conhecimentos, habilidades e atitudes definidos por meio de
postura ético-moral, capacidade de tomada de decisão, autonomia, iniciativa,
sensibilidade, capacidade de relacionar-se consigo mesmo e com os outros,
capacidade de exercer a coordenação de grupos, foram denominados na análise dos
dados como: dimensões esquecidas das competências para o gerenciamento de ações
e de Serviços de Saúde e de Enfermagem. Os conteúdos vinculados à aquisição de
competências para o saber fazer e para o aprender a conhecer mostraram-se
prevalentes nos cinco cenários estudados.
O processo de aquisição de competências indica que este deve considerar a
capacidade do educando em enfrentar situações profissionais concretas,
mobilizando recursos construídos formal e informalmente, implicando o
desenvolvimento autônomo, assunção de responsabilidades, postura crítica e,
sobretudo comportamento ético.
Apreendeu-se que, no âmbito das cinco Universidades estudadas, as competências
não figuram nos Programas de Ensino. A pedagogia das competências diferencia-se
da pedagogia por objetivos, por está estruturada na ação, de modo que a
avaliação de competências baseia-se em resultados observáveis, expressos no
desempenho dos sujeitos. A competência é condição para o desempenho, é o
mecanismo que permite a integração de múltiplos conhecimentos e atos
necessários à realização da ação gerencial. Mesmo visando formar competências,
os docentes das disciplinas não as destacam nos planos de ensino, que continuam
a enfatizar o saber erudito e teórico sobre os temas administrativos.
Os resultados encontrados permitem recomendar que as escolas de Enfermagem
estudadas incorporem os princípios e diretrizes do SUS como norte na formação
do enfermeiro e que se engajem na proposta do Ministério da Saúde, formulada
pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, SEGETES.
Permitem, ainda, recomendar que as escolas se articulem aos serviços,
investindo na educação continuada realizada nos pólos de capacitação, com a
adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem potentes na ação-reflexão-
ação.
Acredita-se que esse movimento possa promover o conhecimento das contradições
no processo formativo, e propiciará condições de superação das questões que
obstaculizam o desenvolvimento das competências almejadas.
A análise global, dos dados nos cenários, nas duas etapas do estudo, aponta
para a necessidade de reformulação dos processos e práticas de formação
profissional na área de Administração em Enfermagem. Aponta, ainda, para a
importância do ensino contextualizado priorizando aprendizagens significativas
e fortalecendo o papel do aluno como sujeito de sua formação e da sua vida.
Aponta, principalmente, para a necessidade de preparação pedagógica dos
docentes para atuarem de maneira efetiva na condução do processo de ensino-
aprendizagem nessa nova concepção pedagógica, adotando instrumentos
diversificados, com o entendimento que o conjunto de saberes e fazeres é que
consolidará a almejada identidade profissional dos enfermeiros.