Reflexões sobre o desafio da administração da educação em enfermagem
REFLEXÃO
Reflexões sobre o desafio da administração da educação em enfermagem
Insights about the challenge of nursing education administration
Reflexiones sobre el desafió de la administración de la educación de enfermería
Denise Costa DiasI; Neide Tiemi MurofuseII; Jacó Fernando SchneiderIII; Nelsi
Salete ToniniIV; Beatriz Rosana Gonçalves de OliveiraV
IEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela EERP-USP. Docente e coordenadora do
colegiado do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela EERP-USP. Docente do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
IIIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem pela EERP-USP. Docente do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
IVEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem pela EERP-USP. Docente do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e docente e coordenadora
do curso de enfermagem da UNIPAR
VEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela EERP-USP. Docente do Curso de Enfermagem
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Correspondência
1 Introdução
A administração da educação em enfermagem abarca uma amplitude enorme de
responsabilidades e constitui-se em um desafio para os que assumem posições de
liderança neste âmbito.
Os autores desse artigo exercem ou exerceram funções de liderança na educação
de enfermagem em uma universidade pública estadual no oeste do Paraná, e
objetivam, partindo de suas experiências, suscitar idéias sobre a administração
da educação esperando com estas reflexões apontar elementos para subsidiar a
formação de líderes para atuarem nessa área.
No exterior algumas universidades, como por exemplo o College of Nursingda
Universidade de Illinois em Chicago, contemplam em seus currículos de pós-
graduação disciplinas sobre a administração da educação de enfermagem;
Disciplinas estas que focalizam o cuidado à saúde no contexto da sociedade e
especialmente questões relacionadas ao planejamento estratégico, recursos,
influências políticas, conflitos, mudanças e liderança. Com objetivos(1) como:
-analisar as mudanças sociais que afetam a educação superior de enfermagem; -
analisar influencias políticas e legais que afetam tanto a educação quanto a
administração desta educação; - discutir o papel do planejamento estratégico e
a forma como este afeta mudanças no contexto das unidades de ensino; - examinar
o papel dos líderes atuais e futuros da educação em enfermagem; - discutir
estratégias de resolução de conflitos dentro e fora da enfermagem; - discutir o
desenvolvimento de futuros líderes para a educação de enfermagem.
No Brasil, as disciplinas de administração em enfermagem, parecem priorizar o
gerenciamento da assistência, não aprofundando o âmbito administrativo da
educação em enfermagem. Ao realizarmos uma busca avançada no LILACS com as
palavras-chave: administração, educação, enfermagem, ensino, gerenciamento; não
encontramos artigos que tratassem especificamente da administração da educação
de enfermagem. Verificamos, portanto, que a temática é pouco abordada na
literatura consultada.
A formação dos profissionais da enfermagem implica na articulação de diferentes
saberes para a construção de conhecimento capaz de instrumentalizar a atuação
destes profissionais em áreas diversificadas da assistência e gerência, como a
área hospitalar e extra-hospitalar.
A introdução de novos equipamentos e tecnologias organizacionais configura a
nova era da gestão conhecida como a da "flexibilidade modernizadora" que traz
em seu bojo a precariedade no trabalho, evidenciadas pelos contratos
temporários, através de empresas terceirizadas e cooperativas de profissionais
da enfermagem(2).
Nesse contexto, é preciso considerar que "no processo pedagógico de formação
profissional, a ponte entre a formação teórico-científica realizada intra muros
e a realidade do meio, do mercado, é fundamental"(3). Nessa perspectiva o
desafio é tentar aproximar o conhecimento produzido na universidade articulado
às mudanças que se processam na sociedade, especialmente no mundo do trabalho,
para que na formação do enfermeiro sejam contemplados tanto os elementos
particulares inerentes à profissão quanto os aspectos mais gerais do
funcionamento da nossa sociedade.
Ao assumir o papel administrativo da educação em enfermagem é preciso
compreender a dimensão do processo educativo como algo que vai além da mera
transferência de conhecimentos, mas que envolve a criação de possibilidades
para a sua produção ou sua construção. Além disso, a socialização da produção é
necessária para a transformação social por meio da democratização efetiva.
Como docentes sentimos as exigências quantitativas das instituições com relação
à produção científica e avaliações de desempenho que valorizam mais a
produtividade acadêmica do que as atividades em sala de aula. Enquanto estas
exigências multiplicam-se as condições de ensino e a remuneração pioram. É
preciso descobrir como transformar situações tão adversas em momentos de
aprendizagem e de construção de saídas a partir da fundação de novos laços
sociais(4). Ao assumirmos encargos de liderança na educação de enfermagem
acumulamos responsabilidades administrativas enfocando a qualidade sem
desconsiderar o quantitativo, na dimensão política defendemos sempre o ensino
superior de enfermagem acessível e de qualidade.
Neste contexto, observa-se(5)que "a capacitação técnica não deve vir separada
da qualificação social. Os valores do mundo da economia, tais como eficiência,
produtividade e competência gerencial, devem se integrar aos valores essenciais
da humanidade[...]".
2 As dimensões da educação em enfermagem
A educação universitária em enfermagem deve preocupar-se não apenas com o
ensino em sala de aula, laboratórios e estágios, mas também em proporcionar a
inserção do aluno em projetos de extensão que despertem-no para o compromisso
social, e para a realidade do exercício profissional. E da mesma forma, deve
propiciar a iniciação científica dos alunos, com o objetivo de preparar futuros
enfermeiros com competência para desenvolverem pesquisas em seus locais de
trabalho. Ou seja, o ensino, a pesquisa e a extensão constituem a finalidade da
educação, contudo, esta não será alcançada sem a existência de meios adequados
que concorram para sua promoção constante. Porém, segundo Demo(6), "a trilogia
repetida 'ensino/pesquisa/extensão' precisa ser revista, não só porque nossa
experiência é pouco convincente, mas sobretudo porque os termos apresentam
expectativas heterogêneas".
No entanto, a coordenação deve incentivar o desenvolvimento das três dimensões
e a articulação de meios adequados para sua promoção. Sendo assim, os recursos
necessários para o desenvolvimento dessas atividades ultrapassam o âmbito do
colegiado e alcançam uma dimensão estrutural e política. Dessa forma, faz-se
necessária à atuação política do colegiado do curso para garantir o espaço para
a enfermagem intra e extra muros.
Ainda que a educação esteja imbricada na sociedade em diferentes formas e
níveis de complexidade, ela se expressa pela tomada de consciência, ou seja, é
um processo socializador e de crescimento da pessoa humana. A legislação que
sustenta a enfermagem considera o desenvolvimento do processo educativo como
função básica da profissão. Desta maneira, os processos educativos e
formativos, constituem e são constituídos nas relações sociais no campo das
concepções e das políticas(7).
Legalmente, cabe como atribuição aos enfermeiros de nosso país, além do
exercício da enfermagem a participação no ensino em escolas de enfermagem e de
auxiliares de enfermagem e a direção de escolas de enfermagem e de auxiliares
de enfermagem, conforme prevê a Lei n. 2604 de 18 de setembro de 1955.
Entretanto, a educação e o processo educativo na área da enfermagem não se
restringe aos aspectos acima, mas abrange diferentes âmbitos que abarcam da
formação profissional à educação para a saúde junto à sociedade(7).
A preocupação com o ensino da graduação em enfermagem tem resultado em
publicações científicas sendo que no período de 1990 a 2001, foi a temática
mais evidenciada entre os 168 artigos dos 43 números da REBEn examinados, o que
pode estar relacionado com o fato de grande número de professores estarem
inseridos no terceiro grau, ou à proposta da década de 1990 pela implantação do
novo currículo em atendimento à nova LDB e a nova ordem social e educacional em
nosso país(8).
3 Projeto político pedagógico
Para que o ensino possa ser viabilizado com a qualidade que queremos no ensino
superior no Brasil, é necessário considerar que alguns aspectos são
imprescindíveis a fim de que o mesmo possa ocorrer, tais como o financiamento
pleno das atividades necessárias para a formação, ai incluindo o ensino, a
pesquisa e a extensão, conforme já apontamos, recursos humanos em quantidade e
qualidade suficiente, e um projeto político pedagógico que norteie o conjunto
das ações de formação profissional, embasado em diretrizes para o conjunto da
profissão.
Cabe ao conjunto dos docentes e discentes que compõem um curso, que em nossa
realidade denominamos colegiado de curso viabilizar o projeto político
pedagógico (PPP) do curso e enfrentar os limites para sua implementação, quais
sejam, a própria realidade, as condições concretas de trabalho, a carência de
material, as diferenças e divergências de compreensão, os encaminhamentos e
compromissos de cada um. É preciso ter clareza de que a concretização de um PPP
não ocorre mecanicamente, sendo um projeto em permanente construção, não se
resumindo a uma grade curricular(9).
Mais do que propormos um PPP é necessário criar condições não de analisar
apenas, mas, de realizar uma análise realmente crítica, especialmente por parte
dos discentes, para subsidiar eventuais medidas de intervenção no novo
currículo. "Assim, conforme o PPP, o conhecimento transmitido em nível teórico,
deve emanar dos problemas práticos sociais vivenciados pelos alunos e que são
parte dos problemas de saúde da população"(10).
Para os autores, a reflexão referente à teoria deve ter como ponto de partida a
realidade, numa busca de unidade de relação entre teoria e prática.
Assim, cabe refletirmos sobre onde, no PPP, buscamos contemplar o preparo dos
futuros profissionais para a administração do ensino de enfermagem. As
disciplinas de licenciatura, sem dúvida preparam para as questões pedagógicas,
porém, não contemplam a dimensão administrativa. Como mencionamos
anteriormente, a área de administração em enfermagem focaliza prioritariamente
a administração da assistência. Embora elementos como liderança, planejamento,
resolução de conflitos, entre outros, sejam abordados em várias disciplinas,
isso não garante que ao assumirem cargos administrativos esses sejam exercidos
efetivamente.
Além da questão pedagógica e administrativa, o gerenciamento da educação abarca
a dimensão política. Ao ser concebido, o PPP deve ter a intenção de abranger
esta dimensão, no entanto, sabemos que os atores envolvidos, de maneira geral,
têm dificuldade de compreendê-la e de se comprometerem com esta
responsabilidade social.
4 Avaliação interna e externa
Com relação à avaliação externa, é preciso lembrar que há mecanismos legais de
avaliação das instituições de ensino, como o Exame Nacional de Curso (provão)
recentemente extinto e substituído pelo Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES) que tem como proposta a melhoria da qualidade da
educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente
da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social, e especialmente
a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das
instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão
pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à
diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional(11).
Com relação à avaliação interna esforços têm sido e continuam sendo realizados,
pois ela não é um fim em si mesmo, sua importância decorre exatamente do fato
de se constituir num meio privilegiado de auto-consciência e de compromisso com
o planejamento para a melhoria da qualidade, a democratização e a transparência
nas universidades(12).
O coordenador de um curso deve ter como desafio a realização permanente do
processo avaliativo interno e externo, como um meio a serviço do planejamento e
de seu desenvolvimento para favorecer a permanente qualificação. Na avaliação
interna deverão ser seguidos os tramites postulados pelas instâncias
administrativas da instituição.
5 Gerenciamento da informação
As mudanças ocorridas no mundo, decorrentes das transformações pelas quais
passa a sociedade, nos seus diversos segmentos, aliadas ao desenvolvimento de
novas tecnologias, apontam para necessidade de se organizar e gerenciar as
informações, que passam a ser um recurso chave neste novo cenário.
A informação científica e técnica disponível podem apoiar os processos de
tomada de decisão, mas o caminho entre sua produção e uso não é linear. Assim,
ao colegiado de curso cabe promover integração e articulação entre pesquisa
científica e decisão política. Além disso, deve fomentar o desenvolvimento
científico e estimular a organização de eventos científicos e culturais.
6 Considerações finais
É crescente o aumento da oferta de cursos de formação profissional em nível
médio, pós-médio, de graduação e pós-graduação. Visualizamos esse aumento de
cursos como uma demanda do mercado de trabalho que absorve profissionais que
deveriam estar habilitados para a educação em todos os níveis e aspectos por
ela abrangidos.
Observamos que enfermeiros recém-formados assumem posições no âmbito do ensino,
bem como, de liderança, em escolas de enfermagem em diversos níveis. Fica a
preocupação com o suporte que este profissional tem para desempenhar com
consciência crítica esta função tão importante por ser referência tanto na
sociedade como na própria profissão.
Apontamos a necessidade de rever a formação dos profissionais enfermeiros,
durante o processo de avaliação dessa formação, configurado nas avaliações
continuadas dos projetos políticos pedagógicos dos cursos, abarcando no
conjunto de conhecimentos que perpassam seu preparo profissional o enfoque
administrativo-gerencial também do ensino, a fim de que possa responder com
propriedade técnico-cientifico-política aos encargos que tem assumido no mundo
do trabalho.