Assistência de enfermagem a crianças menores de um ano de idade em unidade
básica de saúde
PESQUISA
Assistência de enfermagem a crianças menores de um ano de idade em unidade
básica de saúde
La asistencia de enfermería a los niños con menos de un año de edad en unidad
básica de salud
Nursing care given to children aged less than one year at a basic district
health unit
Vanessa Martins de LimaI; Débora Falleiros de MelloII
IAluna do quarto ano de graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto -
USP. E-mail do autor: vamlima@yahoo.com.br
IIEnfermeira. Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
1 Introdução
A atenção primária à saúde da criança, desde a década de 80, no Brasil, vem se
fundamentando nas ações básicas de imunização, de acompanhamento do crescimento
e desenvolvimento infantil, estímulo ao aleitamento materno, controle das
diarréias e infecções respiratórias. Asim, traz contribuições para o
atendimento à saúde da criança e para a redução da mortalidade infantil(1).
A principal diretriz tem sido o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento
infantil, que proporciona uma organização da assistência à criança, utilizando
uma rede de serviços públicos de saúde, contempla ações de saúde que visam
avaliar e assistir a criança, através de um calendário de observações
periódicas. Nos últimos anos, as ações básicas têm se consolidado como
estratégias que integram o Programa de Saúde da Criança, alcançando um impacto
no perfil epidemiológico do país, embora não estejam sendo operacionalizadas de
forma integrada(2). Atualmente, as diretrizes do Programa de Saúde da Família e
da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância têm representado um
avanço no modo como abordam os problemas de saúde, ressaltando a integralidade
e ações de educação em saúde. Este estudo objetiva caracterizar o
acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças menores de um ano
de idade realizado pela enfermagem nos setores de vacinação, pré e pós-consulta
em uma Unidade Básica e Distrital de Saúde do município de Ribeirão Preto - SP.
2 Metodologia
Estudo descritivo exploratório, baseado em observação livre de atendimentos de
enfermagem nos setores de vacinação, pré e pós-consulta para crianças menores
de um ano de idade em uma unidade básica e distrital de saúde do município de
Ribeirão Preto- SP. A finalidade dessa observação foi caracterizar e
compreender em que se constitui atualmente o atendimento de enfermagem no
acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil na atenção básica à
saúde de crianças menores de um ano de idade. O projeto de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
As observações dos atendimentos de crianças menores de um ano de idade foram
realizadas mediante esclarecimento sobre os objetivos da pesquisa, solicitação
de participação e consentimento das mães ou acompanhante, garantindo o sigilo
dos dados coletados, além de serem informados a respeito de sua liberdade em se
recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa.
Os que aceitaram participar assinaram o termo de consentimento.
No trabalho de campo, a observação esteve voltada para o atendimento de
crianças menores de um ano de idade, tendo como pontos básicos o motivo da
procura à unidade, o estabelecimento de vínculo com a mãe ou acompanhante da
criança, o seguimento da criança e a promoção do desenvolvimento infantil.
Foram observadas 32 crianças, sendo 19 do sexo masculino e 13 do sexo feminino;
destas 16 eram menores de seis meses e 16 entre seis e doze meses de idade.
Contamos com a participação de cinco mães com idade inferior a 20 anos,
dezesseis mães com idade entre 20 e 30 anos e onze mães com idade superior a 30
anos. A coleta de dados empíricos se deu nos meses de novembro e dezembro de
2001 e teve a duração de quatro dias em cada setor, totalizando cinqüenta e
seis horas de observação.
Na análise iniciamos com a ordenação dos dados a partir do material empírico
registrado em diário de campo. Passamos à leitura e releitura com o propósito
de encontrar episódios dos atendimentos que se repetiam ou que tivessem
destaque, procurando, assim, a regularidade(3). O material foi selecionado e
agrupado de acordo com a semelhança entre as observações, a partir de recortes,
destacando os aspectos relevantes.
3 Resultados e Discussão
A análise do conjunto de informações sobre as observações possibilitou a
apreensão de aspectos da saúde da criança, destacando a orientação de
enfermagem em vacinação, o atendimento de enfermagem em pré e pós consulta e o
seguimento da criança.
O setor da vacinação foi observado por quatro dias. As vacinas indicadas para
crianças menores de cinco anos de idade aplicadas de rotina nas unidades
básicas de saúde são aquelas do Calendário de Vacinação vigente no Estado de
São Paulo de 1998, a BCG- Id, Contra Hepatite B, Tríplice Bacteriana (DPT),
Contra Poliomielite, Contra Haemophilus influenza B, Contra Sarampo, Tríplice
Viral e Contra Febre Amarela.
O setor de vacinação nos serviços públicos de saúde, sempre foi tomado pela
enfermeira como mais de sua responsabilidade do que de outras categorias
profissionais, pelo fato de estar sempre envolvida em atividades de controle de
estoque e validade das vacinas, cobertura vacinal, técnica de manipulação e
aplicação, treinamento e supervisão de auxiliares de enfermagem(4). Na unidade
de saúde observada, essa atividade é desenvolvida por dois auxiliares e um
técnico de enfermagem, com a supervisão de enfermeiros e do setor de vigilância
epidemiológica distrital. As orientações sobre vacinação foram observadas, como
expressam os recortes dos exemplos a seguir:
Funcionário (F): Hoje a Jasmim vai tomar duas vacinas: uma no bracinho e uma na
perninha. A do bracinho é a BCG que é contra a tuberculose e a da perninha é
contra a Hepatite B. Primeiro nós vamos fazer a da perninha, que é feita em
três doses: uma hoje, uma daqui um mês e uma daqui seis meses. Pode dar alguma
reação e daí você pode procurar o posto. Depois vou fazer a do bracinho. Essa
do bracinho, depois de uns 20 dias forma uma feridinha, depois fica como um
ponto duro, inflama duas vezes como se fosse uma espinha, depois vaza, forma
uma casquinha e cicatriza. Não pode espremer e não precisa passar nada. É
contra a tuberculose, uma doença muito grave.
Mãe: Quanto tempo mesmo vai demorar para fazer ferida no bracinho?
F: A Jasmim vai retornar agora daqui a um mês para tomar a segunda dose da
vacina contra a Hepatite B, tá? Qualquer dúvida pode procurar a gente, estamos
aqui 24 horas.
F: Ela vai tomar a de Sarampo, protege contra o Sarampo, vai ser no bracinho
esquerdo. Depois ela vai voltar para fazer a febre amarela, com um ano e um
mês.
Mãe: Vai dar febre?
F: Se der febre pode dar antitérmico que você tem em casa.
F: Está com 2 meses e hoje vai tomar a DPT que é contra a difteria, tétano e
coqueluche; a Pólio contra a paralisia infantil e a Haemophilus Influenza B que
é contra a meningite. Uma é no bumbum, outra de gotinha e outra é na perninha.
O retorno é com 4 meses dessas mesmas vacinas. Pode ser que tenha febre, é bom
você verificar a temperatura se ele tiver.
Mãe não fez nenhuma pergunta.
Depreendemos que há preocupação por parte do trabalhador de enfermagem em
relação a nomear as vacinas que estão sendo aplicadas na criança, os locais de
aplicação, contra quais doenças elas protegem e sobre o próximo retorno. Em
alguns exemplos há menção sobre reações esperadas e condutas a serem tomadas
pelas mães no domicílio.
A imunização constitui uma das ações básicas em saúde da criança de grande
relevância, pois apresenta um impacto direto nos coeficientes de
morbimortalidade infantil em todo o mundo(5), assim como é de extrema
importância assegurar que a família esteja esclarecida sobre os benefícios das
vacinas(6). A prática educativa como ação em saúde implica em informar e
conhecer, falar e ouvir, mutuamente expor-se, criando novos espaços de escuta e
fala na relação com os usuários(7).
O setor de pré e pós-consulta médica foi observado durante quatro dias,
totalizando 32 horas. Os atendimentos de enfermagem nesse setor estão voltados
para crianças em seguimento na unidade e no pronto atendimento (PA). No PA
podem ser crianças de outras regiões da cidade ou eventuais para as que fazem o
seguimento, mas necessitam ser atendidas fora do horário.
No atendimento de crianças com agendamento, observamos a pré e pós-consulta,
como a seguir:
Pré-consulta: F chama a criança pelo nome:
F: Traz ele para pesar. Qual a idade dele? É retorno?
Mãe: Oito meses, é para retorno.
F: Pode tirar a roupa para pesar.
Mãe coloca o bebê na balança e fica por perto. Depois coloca o bebê para medir
e ajuda a funcionária a segurá-lo.
F: Pode por a roupa no nenê e esperar.
Pós-consulta:
F preenche alguns papéis e diz:
F: O retorno dele é para daqui um mês. Verifica a carteira de vacinação e
complementa: qualquer coisa pode voltar antes da data marcada. Você tem alguma
dúvida?
Mãe: Não.
Pré-consulta: F chama criança pelo nome e por ordem de chegada.
F: Vamos pesar
Mãe: Ai, eu acabei de trocar a fralda.
F: É melhor tirar a roupa para pesar com precisão.
Mãe tira toda a roupa da criança e a coloca na balança.
F: Ela está com seis meses, né?
Mãe: Está.
F: Vamos medir?
A mãe ajuda a segurar o bebê para medir.
F: Pode colocar a roupa e é só aguardar lá fora.
Pós-consulta: Médico diz para a funcionária orientar sobre as mudanças na
alimentação da criança e entrega orientações por escrito sobre papa com
leguminosas.
F lê as orientações para si mesma e comenta com a mãe:
F:Que delícia quando tem nenê pequeno dá vontade de comer junto. Marca o
retorno.
F: Deixa eu ver a carteira de vacinas. Anota as vacinas no prontuário.
F: Está em dia.
Observamos que o atendimento de enfermagem em pré e pós-consulta é rápido,
fragmentado, com ausência de aspectos sobre o seguimento da criança e sobre
educação em saúde. A pré-consulta vem tendo a finalidade de obtenção de dados
antropométricos, sinais vitais e preparo da criança para a consulta médica e a
pós-consulta restringe-se a agendamento de retorno, encaminhamento à farmácia
para aquisição de medicamento e há poucas orientações(8). O modelo clínico de
assistência favorece o diagnóstico, a terapêutica, a coleta e o registro de
dados necessários ao desenvolvimento da consulta médica(3). A prática de
enfermagem na assistência à criança, além de estar voltada para os cuidados
diretos à criança, poderia avançar como elo de ligação entre a criança, a
família e profissionais de saúde, buscando promover e estimular os pais a
oferecer condições mais satisfatórias para que a criança possa crescer e se
desenvolver adequadamente.
No atendimento de crianças no PA observamos a pré-consulta e nem sempre ocorreu
a pós-consulta, como a seguir:
Pré-consulta, F chama a criança pelo nome. O que ele tem?
Mãe: Está com febre, já dei dipirona e não passou.
F coloca o termômetro na criança
F: Onde faz acompanhamento?
Mãe: na Maria Casagrande
F:Está com que idade?
Mãe: Cinco meses
F sai da sala. Mãe aguarda. Quando volta a sala, funcionária tira o termômetro
do bebê.
F: Deu 37,8ºC.
Mãe oferece mamadeira para o bebê e diz: ele não comeu nada ainda hoje.
F: Por quê?
Mãe: Ele está com muita tosse, eu acho que é pneumonia, da última vez ficou
internado 8 dias, fez aerosol.
F: Por que você veio?
Mãe: Não dá para esperar a consulta só para janeiro.
Funcionário preenche papéis.
F: Você aguarda que vai ser atendida.
Médico orienta F a dar medicação.
Mãe: Nossa, 37ºC já é febre?
F: Como você costuma dar dipirona?
Mãe: Sem nada. Qual é o normal de temperatura?
F: Até 37,5ºC, 37,6ºC, depois fica febrilzinha.
Na pós-consulta o médico orienta a fazer aerosol três vezes com intervalos de
20 minutos e reavaliar.
Pré-consulta: F chama a mãe: o que o nenê tem?
Mãe:Está com tosse, não quer mamar e parece que teve febre.
F: Quanto foi?
Mãe:Ah, não sei, mas estava bem quente.
F coloca o termômetro no nenê.
F: Onde faz acompanhamento?
Mãe:Eu fazia no convênio, mas perdi por causa da carência. Olha o olho dele
também tava grudando e cheio de remela, aí eu passei leite de peito que eu ouvi
falar que é bom.
F:Neste caso é bom passar soro fisiológico com algodão. A temperatura deu
37,2ºC. vamos por ele na balança.
Foi pesado e entrou para a consulta.
Na pós consulta a médica orienta F a instilar soro fisiológico nas narinas e
fazer um aerosol. Após o aerosol será reavaliada.
As queixas que têm levado as mães a procurarem o PA, em geral, são febre,
vômito, tosse e peito cheio. As condutas observadas no atendimento de
enfermagem incluem verificação de temperatura, realização de banho, medicação
oral e nebulização, sob orientação médica. Observamos que, às vezes, as mães
apresentam dúvidas e/ou outras queixas que nem sempre são sanadas; a pós-
consulta quase não existe e há preocupação com a procedência da criança/
família, aspecto esse relacionado aos limites de regionalização das unidades de
saúde no município.
O atendimento ambulatorial às intercorrências clínicas de todas as faixas
etárias é de extrema importância. Compreendemos que a estratégia de Atenção
Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI) pode constituir-se em
elemento de transformação das práticas de saúde da criança. De acordo com
proposição da OPAS/OMS e Unicef, essa estratégia tem como objetivos a redução
da mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade; diminuição da incidência
e/ou gravidade dos casos de doenças prevalentes, especialmente a pneumonia,
diarréia, parasitoses intestinais, meningites, tuberculose, sarampo, malária e
distúrbios nutricionais; garantia de adequada qualidade da atenção à saúde da
criança, tanto nos serviços como no domicílio e na comunidade; e o
fortalecimento da promoção à saúde e de ações preventivas na infância(9).
4 Considerações Gerais
No presente estudo, a observação esteve centrada nas atividades de enfermagem
com crianças menores de um ano de idade atendidas nos setores de vacinação, pré
e pós-consulta e pronto-atendimento em unidade básica e distrital de saúde.
Depreendemos que a enfermagem necessita de aprimorar as ações para a educação
em saúde, o seguimento do crescimento e desenvolvimento infantil e a
organização da assistência.
A atenção básica às crianças menores de um ano de idade implica na promoção da
prática da amamentação, controle e diminuição dos índices de morbimortalidade,
aumento da cobertura vacinal, estímulo ao apego mãe-filho-família, participação
da família no cuidado bem como organização dos serviços, capacitação dos
recursos humanos, entre outros aspectos, para avançar na assistência integral à
saúde da criança e da família.