Violência no trabalho em enfermagem: um novo risco ocupacional
REVISÃO/REVIEW/REVISIÓN
Violência no trabalho em enfermagem: um novo risco ocupacional
Violence in the nursing workplace: a new occupational risk
Violencia en el trabajo de enfermería: un nuevo riesgo ocupacional
Luciana Contrera-MorenoI; Maria Inês Contrera-MorenoII
IEnfermeira. Mestre em enfermagem pelo Departamento de Enfermagem - FCM -
UNICAMP
IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da FCM -
Unicamp. Docente do Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Saúde - Departamento de Enfermagem da
FCM - Unicamp
E-mail do autor: inesmon@fcm.unicamp.br
1 Introdução
A violência no local de trabalho vem sendo definida como "incidentes no qual os
trabalhadores são insultados, ameaçados, agredidos ou sujeitos a outros
comportamentos ofensivos nas circunstâncias relativas ao seu trabalho"(1:1).
De acordo com a CAL/OSHA(2) a violência no ambiente de trabalho se caracteriza
de três formas:
- A violência externa que é provocada por alguém que não pertence a
organização, ou seja, este tipo de violência é reflexo da violência
que se tem nas ruas e é provocado por alguém desconhecido. Neste
caso, os trabalhadores de saúde têm um risco maior de serem afetados,
dependendo da localização geográfica da instituição de trabalho, como
periferias e locais com elevado consumo de drogas;
- A violência provocada pelo cliente, no qual os trabalhadores de
saúde são uns dos mais afetados por lidar com uma clientela muito
diversificada composta muitas vezes por pacientes psiquiátricos,
dementes, delinqüentes, drogados, embriagados e até mesmo de ter que
lidar com os familiares destes pacientes que se tornam agressivos com
estes trabalhadores, principalmente em caso de morte;
- A violência interna que é aquela que ocorre entre trabalhadores de
uma mesma instituição, podendo vir tanto da hierarquia como de outros
colegas de trabalho, sendo um exemplo deste tipo de violência o
assédio moral(3).
Estudo de base populacional realizado na Finlândia(4) revelou que os
enfermeiros de saúde mental e os médicos são umas das profissões mais
violentadas no trabalho, perdendo apenas para guarda de prisão e policial. Para
o autor isto é causa de preocupação, uma vez que os trabalhadores de saúde não
estão preparados para lidar com a violência, que muitas vezes, vêm dos
pacientes.
Em pesquisa realizada em um hospital regional, na Suécia, os autores referem
que os trabalhadores de hospitais têm um grande risco de sofrer violência no
ambiente de trabalho, no curso de suas carreiras, sendo que o risco é maior
para os trabalhadores de enfermagem que trabalham na assistência(5).
Considerando a gravidade e o risco de sofrer violência no trabalho, justifica-
se a necessidade de se investigar o tema, tendo este trabalho como objetivo
apresentar uma revisão da literatura sobre o tema violência no trabalho em
enfermagem.
2 Metodologia
A informação bibliográfica foi encontrada consultando-se as bases de dados
Medline, Lilacs, Dedalus, ProBe (Scielo e Elsevier Science) e Periódicos Capes,
no período de 1990 a 2002.
Com base na leitura e análise dos artigos encontrados, este trabalho foi
estruturado abordando os seguintes tópicos: tipos de violência mais comuns no
trabalho em enfermagem, prevalência da violência no ambiente de trabalho,
fatores associados ao risco de sofrer violência no ambiente de trabalho,
conseqüências da mesma para a saúde do trabalhador e prevenção destes eventos.
3 Principais tipos de violência contra trabalhadores de enfermagem
De acordo com o National Institute for Occupational Safety and Health- NIOSH(6)
os trabalhadores de serviços de saúde têm um risco muito baixo de sofrer
homicídio no trabalho, entretanto possuem um risco consideravelmente alto de
sofrer agressões não fatais.
Estas agressões não fatais são as agressões verbais, as ameaças, as agressões
físicas, o assédio moral e o sexual.
As agressões físicas mais relatadas na literatura contra trabalhadores de
enfermagem são: arranhar, beliscar, dar pontapés, esmurrar, dar tapas,
empurrar, apertar contra a parede, morder, agredir com o uso de objetos ou arma
(7).
As agressões verbais são aquela que resultam muitas vezes em humilhação e
indicam falta de respeito com a dignidade do indivíduo. Geralmente ocorre em
forma de insultos, ofensas, usar um tom de voz alto e agressivo.
Ameaça é definida como promoção do uso da força física ou de poder resultando
em medo de violência física, sexual, psicológica ou outras conseqüências
negativas(8). Podem ser tanto verbais como com uso de objetos ou armas.
Geralmente ameaças são de agredir fisicamente, ameaças de prejudicar o emprego
e ameaças de morte.
Já o assédio moral ou violência psicológica é definido de várias maneiras por
diferentes autores, sendo chamado também de mobbingebullying.
[...] qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento,
atitude...) que atende por sua repetição ou sistematização contra a
dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando
seu emprego ou degradando o clima de trabalho(9:17).
Dentre as ações que caracterizam o assédio moral tem-se: isolar o trabalhador,
desqualificar, desacreditar, induzir ao erro, dar tarefas vexatórias, recusar a
comunicação direta, o abuso de poder por parte dos superiores hierárquicos e as
manobras perversas conduzidas por uma ou mais pessoas do grupo de trabalho.
Alguns estudos não consideram o assédio sexual como um tipo de violência
ocupacional, porém, neste trabalho o tema será abordado, uma vez que o assédio
sexual está diretamente ligado ao assédio moral.
De acordo com o Projeto de Lei no 61 de 1999, artigo 216-A é considerado crime
de assédio sexual:
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes a exercício de emprego, cargo ou função [...] incorre na mesma pena
quem cometer o crime:
I - Prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação e hospitalidade; II -
Com o abuso ou violação de dever inerentes à ofício ou ministério(10).
Alguns autores apontam que os trabalhadores de enfermagem vêm sendo alvo deste
tipo de assédio, o que afeta seriamente o trabalho em enfermagem(11).
4 Prevalência da violência no ambiente de trabalho
Mensurar a extensão da violência no ambiente de trabalho é algo muito complexo,
uma vez que há uma série de impedimentos. A falta de uma definição consistente
de violência seria um destes impedimentos, já que a literatura traz inúmeros
conceitos de violência, abrangendo desde agressão física até agressão verbal.
Além disso, a definição de violência por parte das vítimas também varia, o que
dificulta ainda mais um diagnóstico da realidade. Outros impedimentos, citados
pelo autor, são os métodos empregados para mensurar a prevalência da violência
no ambiente de trabalho, uma vez que estes não abrangem a totalidade dos casos
de violência(7).
Estudos de diversos países desenvolvidos como os Estados Unidos, Canadá,
Finlândia, Suécia, Inglaterra têm sendo publicados em relação à violência no
trabalho em saúde e especificamente em enfermagem. Não foram encontrados, nas
bases de dados pesquisadas, no período de 1990 a 2002, estudos sobre a
prevalência da violência no trabalho em enfermagem, no Brasil.
Através da análise da Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT é possível
avaliar se os trabalhadores de enfermagem brasileiros também são vítimas de
agressões.
Em um estudo realizado em São Carlos - SP, através da análise das CATs dos
serviços que desenvolvem ações de saúde no município, no ano de 2000,
registrados junto a previdência social, foi encontrado que 3,9% dos acidentes
de trabalho ocorridos nestes serviços eram agressões físicas provocadas por
pacientes(12). Outro estudo com análise similar, realizado em Marília - SP,
também encontrou registros de acidentes de trabalho de agressões físicas
provocadas por pacientes e desconhecidos(13).
A violência no trabalho em um hospital de ensino no Canadá foi pesquisada
utilizando registros do departamento de medicina ocupacional do hospital,
durante o período de dois anos. Foram encontrados 242 registros de agressões
físicas e 646 registros de agressões verbais. Os trabalhadores de enfermagem
foram os que mais registraram agressões (80,2%), seguidos do pessoal de
segurança, com 12,8% e apenas 1,0%, por médicos. Com relação ao tipo de
agressão física notificada, 126 foram machucados e hematomas; 47, cortes e
lacerações e 23, mordidas humanas e exposição a fluidos do corpo. Estas
agressões evidenciam ainda um outro risco: o risco de contaminação por doenças
infecto-contagiosas como a Aids, a Hepatite B e C(14).
Em um estudo realizado na Suécia com 2690 trabalhadores de enfermagem de
diversas instituições de saúde foi encontrado que 29,0% dos entrevistados
sofreram violência no ambiente de trabalho; 35,0% foram ameaçados; 30,0% foram
testemunhas de violência contra colegas de trabalho e 27,0% consideravam a
violência um risco ocupacional(15).
Na Suécia e Inglaterra, em pesquisa que comparou as experiências de violências
dos trabalhadores de enfermagem de saúde mental, foi encontrado que 71,0% dos
profissionais ingleses e 59,0% dos suecos sofreram violência no ambiente de
trabalho, sendo o tipo de agressão mais freqüente a verbal e ameaças(16). Em
algumas unidades psiquiátricas, o índice de violência contra trabalhadores é
mais de 100 casos por 100 trabalhadores por ano(17).
Em estudo realizado com 5876 enfermeiros no Kuwait foi pesquisada a extensão da
violência contra estes trabalhadores, sendo que 48,0% referiram ter sofrido
agressões verbais; 7,0% agressões físicas e 36,0% testemunharam as agressões
contra colegas de trabalho nos últimos seis meses. De acordo com os autores
51,0% das agressões físicas foram provocadas por pacientes; 44,0% das agressões
verbais por familiares e amigos de pacientes e de 4,0 a 7,0 % das agressões
físicas e verbais foram provocadas por colegas de trabalho e supervisores(18).
Com relação ao assédio moral, em pesquisa realizada na França com 163 pessoas
que relataram ser vítimas do assédio, foi encontrado que o assédio moral
predominou no setor terciário, como, na área de saúde e de ensino com 9,0%
cada; a idade média das pessoas assediadas era de 48 anos, indicando uma
prevalência nas pessoas com mais idade e que em 58,0% dos casos o assédio foi
praticado pela hierarquia, 29% de diversas pessoas (chefia e colegas), 12,0% de
colegas e somente em 1% dos casos de um subordinado(9).
O assédio sexual também tem sido alvo de estudo. Em pesquisa realizada nos
Estados Unidos exclusivamente com enfermeiras foi encontrado que 71,8% das
entrevistadas sofreram assédio sexual no trabalho. Os pacientes foram
responsáveis por 53,4% das agressões e os médicos por 25,0%. Os comportamentos
mais comuns de assédio foram propostas e intimidações, insinuações e toques,
como, por exemplo, segurar com força, agredir com tapas, entre outros(11).
5 Fatores associados ao risco
A literatura tem demonstrado que vários são os fatores associados ao risco de
sofrer violência no trabalho em enfermagem.
O contato face a face entre profissional de saúde e cliente já é um fator de
risco para o trabalhador sofrer violência(6).
Fatores pessoais como, por exemplo, a atitude do profissional de saúde, que nem
sempre é adequada, podem favorecer a ocorrência de atos de violência contra
estes. A localização geográfica dos serviços de saúde, em regiões com elevados
índices de violência externa, como periferias e locais em que há tráfico de
drogas, propicia também para que haja a violência no ambiente de trabalho(19).
Um outro fator é o tipo de cliente atendido, como pacientes psiquiátricos, com
demência, drogados e pessoas envolvidas em gangues, pois geralmente possuem
armas(19). Pacientes idosos também são fontes de violência e muitas vezes estes
clientes atacam tanto verbal como fisicamente, sem que o trabalhador tenha
provocado a agressão(20).
Em estudo realizado em unidade de atendimento primário a saúde verificou-se que
os maiores índices de violência vinham de clientes que faziam uso de álcool e
drogas. Outros fatores mencionados como geradores de violência foram a
frustração com o serviçodevido a espera pelo atendimento médico e o estresse
dos pacientes que estão com muita dor ou com distúrbios psiquiátricos ou
emocionais(21).
As situações mais comuns em que ocorre violência contra o profissional de saúde
são, em geral, quando o paciente está agitado ou é reprimido, quando recebe más
noticias, ou ainda, quando lhe é solicitado fazer algo que não deseja.
Familiares e amigos ansiosos e angustiados também são fonte de violência contra
trabalhadores de saúde principalmente em unidades de emergência aglomeradas
(22).
O número reduzido de trabalhadores em hospitais também contribui para a
violência no local de trabalho, pois dificulta o atendimento individualizado a
cada paciente(23).
Com relação ao assédio moral há vários fatores que podem levar uma pessoa a
sofrer ou ser o precursor desta forma de violência, em parte, relacionado à
globalização, sendo que muitos contextos ligados à ela favorecem a ocorrência
de atos de violência no trabalho. O medo do desemprego e o aumento das pressões
psicológicas relacionadas aos novos modelos de gestão podem ser fatores
desencadeantes de assédio moral no local de trabalho(9).
6 Conseqüências da violência
Tanto as agressões físicas como as verbais trazem efeitos negativos a saúde dos
trabalhadores como tristeza, raiva, desapontamento, medo e perda da satisfação
com o trabalho(24).
Em geral os trabalhadores que sofreram violência relatam conseqüências físicas,
emocionais, pessoais e profissionais, podendo variar desde fraturas e tensão
muscular(19), à sentimento de baixa auto-estima(16), depressão, ansiedade,
falta de motivação, fadiga, irritabilidade, distúrbios de sono e alimentação
(25).
Em se tratando do assédio moral as conseqüências específicas para a saúde do
trabalhador também são gravíssimas, sendo freqüentes os seguintes sintomas:
estresse, ansiedade, depressão (que, na maioria dos casos é severa e pode levar
a suicídio ou tentativa de suicídio), distúrbios psicossomáticos (aumento de
peso, emagrecimento intenso, distúrbios endocrinógicos, distúrbios digestivos,
crises de hipertensão entre outros)(9).
Em um estudo de coorte, realizado com trabalhadores de hospitais finlandeses,
foi encontrado que sofrer assédio moral no trabalho aumenta o risco de ter
depressão e doença cardiovascular, sendo esta última, em parte, atribuída
também à obesidade(26).
O assédio moral por ser intenso e de forma repetitiva pode levar ao estresse
pós-traumático, no qual a pessoa assediada vive relembrando as cenas de
humilhação e violência tanto em formas de flashbacksdolorosos como em forma de
pesadelos(9). Já os sintomas do estresse pós-traumático podem se desenvolver
não somente de atos diretos de violência, mas também indiretamente como o
simples fato de testemunhar algum ato violento(27).
Outros estudos relatam como conseqüência do assédio sexual a raiva, desgosto,
constrangimento, nervosismo, humilhação, vergonha, demonstrando que o assédio
sexual pode ser prejudicial para estas trabalhadoras(11).
A violência também causa prejuízo para a instituição empregadora, pois sofrer
violência aumenta a indisposição e o absenteísmo no trabalho(25); os
trabalhadores que sofreram agressão evitam o contato com o paciente, o que
prejudica a qualidade da assistência; alguns mudam de emprego (rotatividade),
além da perda de produtividade dos trabalhadores que gera custos financeiros
para a instituição(20).
7 Prevenção da violência nos serviços de saúde
Considerando a gravidade destes episódios de violência que estão atingindo uma
grande parcela de trabalhadores, resta-nos pensar em um meio de se aliviar
estas conseqüências, no sentido de promover a saúde no trabalho destas pessoas
e em uma forma de prevenção destes episódios. Poucos são os artigos que abordam
estratégias de prevenção destes eventos, talvez por ser a violência um fenômeno
muito complexo.
"Não existem estratégias universais para a prevenção da violência. Os fatores
de risco variam de hospital para hospital e de unidade para unidade"(28:9).
Então, para que o plano de prevenção seja realmente eficaz, deve-se em primeiro
lugar, levantar os fatores de risco de cada local de trabalho.
As estratégias de prevenção devem abranger os seguintes planos: controle
ambiental (uso de dispositivos de segurança, como: detectores de metais,
alarmes, monitoramento com câmeras, boa iluminação nos corredores); controle
administrativo (organização do serviço para prevenir que o pessoal trabalhe
sozinho e minimizar o tempo de espera do paciente, restringir o movimento do
público nos hospitais) e modificação comportamental (treinamento aos
trabalhadores para reconhecer e para administrar as agressões, resolver
conflitos e manter a consciência que o risco de violência existe)(28).
Tendo como referência os riscos identificados pelo serviço de segurança, em
1999, em Washington foi criada uma legislação para proteger os trabalhadores de
saúde contra a violência no local de trabalho, que abrange os registros de atos
de violência no trabalho de qualquer natureza, visando a identificação dos
fatores de risco; educação e treinamento para os trabalhadores para lidar com
as situações de violência; pessoal de segurança nos serviços de saúde;
atendimento as vítimas de violência, proporcionando apoio psicológico e
condições físicas adequadas no local de trabalho para proteger os trabalhadores
(29).
Com relação ao assédio moral, no Brasil, já existem projetos de leis e leis
aprovadas no âmbito federal, estadual e municipal(10), contudo é necessário que
todos os trabalhadores tenham consciência das formas de violência e abusos que
estão sendo expostos, para assim reivindicarem melhores condições de trabalho.
8 Conclusão
O objetivo deste trabalho foi de fazer uma revisão bibliográfica sobre o tema
violência no trabalho em enfermagem, apresentando os tipos de violência, a
prevalência, fatores associados ao risco, conseqüências e medidas de prevenção
destes eventos. Os estudos em geral, demonstram que a violência no trabalho em
saúde e, especificamente em enfermagem, vem se tornando um problema de saúde
pública, sendo que a violência ocupacional pode ser prejudicial à saúde e a
carreira dos trabalhadores de enfermagem.
Com o aumento da violência estrutural, todas as outras formas de violência vem
aumentando consideravelmente, necessitando de intervenções. Desta forma,
recomenda-se que outros estudos relativos ao tema sejam desenvolvidos,
principalmente no Brasil, uma vez que os mesmos ainda são escassos em nosso
país.