Vivenciando o período puerperal: uma abordagem compreensiva da Fenomenologia
Social
PESQUISA
1. INTRODUÇÃO
A experiência de gestar, parir e de cuidar de um filho pode dar à mulher uma
nova dimensão de vida e contribuir para o seu crescimento emocional e pessoal.
Por outro lado, pode causar desorganização interna, ruptura de vínculos e de
papéis, podendo, até, resultar em quadros de depressão puerperal.
Vários autores referem-se ao puerpério mencionando que este é o período no qual
a autoconfiança da mulher encontra-se em crise. Tornar-se mãe é um ritual de
transição e envolve uma reorganização de todos os papéis que integram o
autoconceito da mulher. Comentam que diversos sentimentos estarão se mesclando
no decorrer dos dias; entre eles pode-se colocar a euforia, o medo, o alívio, a
ansiedade, entre outros(1-3).
Estudo realizado com mulheres que se encontravam no período puerperal
objetivando compreender as alterações percebidas pela mulher na vivência do
pós-parto, demonstrou que as mulheres seguiram uma trajetória experienciando
sensação de vazio, estranheza e vulnerabilidade, tendo muitas delas chegado ao
limite de suas capacidades. Na assistência prestada à mulher no período pós-
parto deve-se considerar a singularidade da vivência neste período, tendo em
vista situações particulares de vida da pessoa; lembrar que as mulheres
esforçam-se para buscar o ajustamento neste novo papel, e que toda
vulnerabilidade torna-as mais acessíveis para receberem ajuda. Neste sentido, a
assistência deve englobar os aspectos físicos, emocionais e relacionais(4).
Durante o período gravídico puerperal, há mudanças biológicas, psicológicas e
sociais. A puérpera, ao reintegrar-se às funções de casa, encontra-se
vulnerável tanto física como psicologicamente. Assim sendo, necessita de ajuda
dos familiares e dos profissionais da área da saúde, pois o cuidado deve ter
continuidade e não terminar com o parto(5).
Pode-se constatar, por meio da revisão da literatura, a importância do
puerpério enquanto um acontecimento de grande transcendência no ciclo vital da
mulher. No entanto, o que se observa na prática diária, o que se adota como
conduta, na grande maioria das maternidades, é conceder alta hospitalar à
mulher e ao seu filho após 24, 48, ou 72 horas do parto. Não há contra
referência no sistema de saúde público que assegure à mulher e a seu filho
retornarem ao serviço de saúde no qual foram atendidos(4). Desta forma, a
instituição de saúde perde o contato com o binômio mãe-filho após a alta
hospitalar de ambos.
Apesar de a literatura clássica mostrar que os autores estão preocupados com as
conseqüências do puerpério, observou-se que a maioria deles ainda vê este
período numa perspectiva externa e não na perspectiva de quem vivencia esta
fase da vida.
É necessário conhecer com mais profundidade como se dá a experiência da mulher
durante o período puerperal, os fatores que interferem para sua adaptação e
integração dos papéis que ela passa a assumir quando se torna mãe, para que as
intervenções por parte dos profissionais de saúde possam contribuir para
melhorar a sua qualidade de vida.
Para desenvolver a presente pesquisa, julgou-se importante investigar mulheres
com convênio saúde, atendidas em instituições privadas. Partiu-se do
pressuposto que essas poderiam ter acesso facilitado no que se refere à
assistência a saúde, principalmente no que diz respeito ao retorno no período
pós-parto, e maiores possibilidades de ter vínculo com a instituição de saúde
após a alta hospitalar.
Por acreditar que o conhecimento do outro em sua totalidade dar-se-á ao se
procurar compreendê-lo enquanto indivíduos pertencentes a um grupo social com
características peculiares, que são coletivamente construídas e aceitas e que
influenciam na sua forma de perceber seus problemas de saúde e sua terapêutica,
procurou-se, com este estudo, retratar as vivências do puerpério de forma
compreensiva, sobretudo no que tange aos significados atribuídos às vivências e
ao reconhecimento das necessidades destas mulheres.
Assim, esta investigação buscou explorar a vivência do puerpério das mulheres
que possuíam convênio saúde, sob a perspectiva da própria mulher que o
vivencia, com a intenção de preencher o vazio existente na literatura visto
que, a maioria dos estudos realizados, como já mencionado anteriormente, não
incluiu mulheres cujo atendimento é realizado por meio de um convênio saúde e
que são atendidas em instituições privadas.
Com o intuito de desvelar o fenômeno da vivência da mulher que se encontra no
período pós-parto e que possui convênio saúde, este estudo teve os seguintes
objetivos:
- Identificar se os sentimentos e as necessidades de cuidado das mulheres que
vivenciam o período gravídico-puerperal, que possuem convênio saúde e são
atendidas em instituições privadas, diferem das usuárias do Sistema Único de
Saúde;
- compreender o significado que a mulher com convênio saúde, atendida em
instituição, privada atribui ao período pós-parto;
- conhecer quais são as necessidades de cuidado dessa mulher nessa fase do
ciclo vital.
Acreditamos que esses conhecimentos poderão contribuir significativamente no
sentido de subsidiar o cuidado a essa clientela e incrementar o ensino na área
da saúde da mulher.
2. ABORDANDO O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A base teórico-metodológica da presente pesquisa foi fundamentada nos
princípios da pesquisa qualitativa que favorece o aprofundamento relativo aos
significados, crenças e valores das pessoas que atribuem significados
específicos às suas ações e relações humanas.
Apropriamo-nos do referencial da Fenomenologia Social que se fundamenta na
concepção de Alfred Schutz. Segundo este referencial não importa investigar o
comportamento individual, particular de cada sujeito. O foco de interesse é o
que pode constituir-se como uma característica típica de um grupo social que
está vivendo uma determinada situação.
Schutz define ação social como sendo uma conduta dirigida para a realização de
um determinado fim, e esta ação - motivo para - só pode ser interpretada pela
subjetividade do ator, pois somente a própria pessoa pode definir seu projeto
de ação, seu desempenho social. Neste sentido, a compreensão do social volta-se
para o comportamento social em relação aos motivos, para as intenções que
orientam a ação e para as significações para o ator da ação(6).
Por motivo, entende-se: "um estado de coisas, o objetivo que se pretende
alcançar com a ação". Assim, motivo para é a orientação para a ação futura e o
motivo porque está relacionado às vivências passadas, com conhecimentos
disponíveis(7).
O motivo para é, portanto, um contexto de significado que é construído ou se
constrói sobre o contexto de experiências disponíveis no momento da projeção.
Essa categoria é essencialmente subjetiva(6).
O "motivo porque" refere-se a um projeto em função de vivências passadas e é
uma categoria objetiva, acessível ao pesquisador. O contexto de significado do
verdadeiro motivo porque é sempre uma explicação posterior ao acontecimento(6).
Schutz desenvolveu seus estudos a partir da sua inquietação de compreender o
significado subjetivo da ação, o que irá possibilitar construir o tipo vivido.
O tipo vivido é a expressão de uma estrutura vivida na dimensão social, uma
característica de um grupo social, um conceito expresso pela inteligência, cuja
natureza vivida é essencial, é invariante, não corresponde a nenhuma pessoa em
particular, trata-se de uma idealização, emerge da descrição vivida do
comportamento social, das convergências dos motivos para e motivos porque(7).
O intuito dessa pesquisa foi conhecer a realidade do grupo de puérperas,
situando-as na atitude natural, portanto, no seu mundo-vida, para compreender
as diversas práticas interpretativas por meio das quais a realidade é
construída na perspectiva pessoal e social.
Reitera-se a necessidade deste estudo em uma outra realidade social, pois há
interesse em conhecer as necessidades de demandas de cuidados das mulheres que
são atendidas, no período pós-parto, em hospitais privados.
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Participaram desta pesquisa mulheres que se encontravam com idade acima de 18
anos, que estavam sendo atendidas em hospitais privados, possuíam convênio
saúde e que concordaram em participar do estudo. Escolhemos mulheres que
estavam entre a 4ª e 6ª semanas do pós-parto porque consideramos que, neste
período, seus sentimentos estão mais próximos da realidade vivida e, deste
modo, poderão expressar seus significados em discursos mais ricos.
Faz-se necessário esclarecer que, enquanto critérios para participar da
pesquisa não foram considerados profissão, situação socioeconômica e nível de
escolaridade por se acreditar que estes aspectos interfeririam no experienciar
do puerpério, uma vez que o interesse do estudo é a experiência vivida pelos
sujeitos
A abordagem destas mulheres, ou seja, o contato com as puérperas, dependeu do
conhecimento das pesquisadoras e de informações de terceiros sobre a existência
destes sujeitos.
A delimitação do número de sujeitos ficou definida a partir do momento em que
foi percebido que os depoimentos desvelaram o fenômeno investigado, ou seja, as
indagações das autoras encontraram-se suficientemente respondidas. O
encerramento da inclusão de novas mulheres foi decidido com base no conjunto
dos dados coletados que evidenciaram tanto a riqueza, como as abrangências dos
significados contidos nos depoimentos. Assim sendo, doze depoimentos foram
trabalhados e considerados suficientes para trazer à luz o fenômeno.
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas gravadas, mediante autorização
das participantes, no período de novembro de 2004 a março de 2005 e baseou-se
nas seguintes questões: Fale-me do seu dia-a-dia depois do nascimento do bebê.
Agora, depois do nascimento do bebê, como você se sente? Fale-me da assistência
que você recebeu. Foi como você esperava?
As mulheres foram esclarecidas sobre o objetivo da pesquisa, bem como sobre a
manutenção do sigilo, do anonimato da sua pessoa e do seu direito de participar
ou não da mesma. Após os esclarecimentos as entrevistadas assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para participar de pesquisa científica.
Respeitou-se, ainda, a preferência de data, horário e local. Assim sendo,
algumas entrevistas foram realizadas nas residências dessas mulheres e outras
nas dependências de seu trabalho.
Com o intuito de preservar o anonimato, as puérperas foram identificadas com
nomes fictícios.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para análise das falas das informantes, cada depoimento foi lido cuidadosamente
e foram selecionados e sublinhados trechos com os aspectos relativos ao
objetivo do estudo. Os trechos sublinhados foram re-escritos, agrupados
conforme os aspectos que se relacionaram a um mesmo assunto, de forma a
possibilitar a separação e categorização dos mesmos. Cada grupamento recebeu o
nome de uma categoria para representar a idéia central dos trechos ali
contidos.
Os sentimentos e as experiências das puérperas foram compreendidos por meio da
análise dos cinco diferentes temas, identificados após a organização dos
depoimentos, sendo eles: Assumindo responsabilidade pelo bebê; Sentindo-se
sobrecarregada, limitada e insegura; Percebendo-se vulnerável; Vivenciando
sentimento único e mágico e Referindo satisfação em relação ao atendimento pós-
parto.
A experiência adquirida ao longo da vida, chamada por Schutz como bagagem de
conhecimento disponível faz com que a mulher, ainda enquanto gestante, projete
o resultado da ação no momento do puerpério.
A bagagem de conhecimentos disponíveis é como uma estrutura sedimentada das
experiências subjetivas prévias do indivíduo, adquiridas ao longo de sua vida,
por meio de experiências vivenciadas ou que a ele foram comunicadas por outras
pessoas (7).
O conhecimento do mundo é uma construção social. O autor afirma que somente uma
parte, muito pequena do meu conhecimento do mundo se origina da minha
experiência pessoal. A maior parte é derivada do social, dada pelos meus
amigos, pais, professores e os professores dos meus professores(7).
Tendo como princípio o pensamento deste filósofo, compreende-se que as
puérperas estão ligadas às significações típicas das relações de seus
predecessores face às questões que permeiam a vivência neste período do ciclo
vital. Assim, os motivos para desta experiência têm fundamentos nos seus
valores e crenças, as quais são adquiridas socialmente.
Desta forma, os dados obtidos possibilitaram conhecer e compreender o típico da
vivência das mulheres que vivenciaram o período pós-parto e possuíam convênio
saúde. Ao vivenciarem a situação de estar no puerpério as mulheres trouxeram
sua dimensão pessoal em relação à vivência deste período e à assistência
recebida.
Embora cada mulher apresentasse suas individualidades, a experiência do pós-
parto foi vivenciada por todas. Assim sendo, o exercício de analisar o
individual apontou vivências comuns que nos possibilitaram construir as
experiências e os significados coletivos.
O puerpério é influenciado por vários fatores e desencadeia modificações, tanto
interna quanto externa e, por isso, torna-se um momento carregado de
sentimentos e sensações. Constitui-se uma das experiências do período gravídico
puerperal bastante significativa e enriquecedora.
Ao dar conta do nascimento do bebê, a mulher passa a apropriar-se da nova
situação e conscientiza-se de que o bebê é totalmente dependente dela. Assim
sendo abre mão de tudo conforme pode-se perceber em algumas falas que compõe a
categoria assumindo responsabilidade pelo bebê:
Se eu precisar acordar dez vezes à noite, eu acordo. A gente supera o
cansaço, pois é uma coisa muito forte. Tudo fica em segundo plano.
Meu mestrado vai ficar para a hora que der. Agora, ele é minha
prioridade. Então, tudo na vida fica em segundo plano ... (Luiza)
... você é a vida daquela pessoinha, você que vai dar alimento, você
que vai cuidar. Se você não cuidar bem, ela não vai existir...
(Daniela)
...Não acho que minha vida mudou muito. Pelo menos até agora, pois
estou de licença (...). O que muda é a questão da responsabilidade...
(Luiza)
Responsabilizando-se pelo bebê, a mulher sente-se sobrecarregada, cansada,
perde a liberdade e fica insegura:
A minha vida mudou muito, em todos os sentidos... Perdi totalmente a
minha liberdade, não posso mais fazer nada que não seja dependendo ou
contando com os outros, mãe, marido... fora que o tempo passa e você
não percebe nem a hora passar; é só trocar fralda, dar de mamar,
ficar com ele o tempo todo. Nada mais do que eu faço é feito inteiro,
preciso parar para ver o motivo do seu choro, tenho achado tudo muito
injusto... sobra tudo para a mulher, que estresse! (Ana)
Mas a sua rotina é outra primeiro, que você já não vê mais você,
muito do que você vê é do bebê, quase tudo é o bebê primeiro. Você
acaba esquecendo um pouco de você. Mas você fala como é o dia-a-dia:
se não sabe como vai ser sua noite, já sabe que não vai dormir...
( Daniela)
... o cansaço é imenso... ele depende de mim e eu fico por conta
dele. É tipo uma escravidão... eu não faço outra coisa... (Luiza)
Na maternidade a mulher adquire um novo status, o de ser mãe, transição que
requer dela uma redefinição de papéis e a necessidade de adaptações e mudanças
pessoais. Um cenário de mudanças psicossociais ocorre na vida da mulher que
vivencia o puerpério, mudanças essas que refletem a necessidade de adaptações
em seu cotidiano domiciliar e profissional e que ficam mais evidentes com o
nascimento do filho, ocasião em que as novas mães iniciam o processo de
conhecimento desta criança, aprendem a cuidar dela, como também precisam
organizar o cotidiano familiar com a presença do novo membro(9).
Frente a estas mudanças a mulher percebe-se vulnerável. O choro aparece como
uma lamentação pelas várias perdas que a maternidade aparentemente traz. Perda
da liberdade de ir e vir como antes, perda de espaço e tempo para si, para seu
parceiro e para os amigos; perda do controle sobre a própria vida; perda da
individualidade, pondo em questão o sentimento de plenitude e de "ganho" vivido
durante a gravidez (4).
...Às vezes eu acho que nunca mais vou ser a mesma e acho que é bem
isso, não serei mesmo. É difícil demais cair a ficha, não que ser mãe
seja algo ruim... mas queria ser feliz, estar animada, menos
estressada, menos nervosa, menos preocupada... (Ana)
...Eu sentia um vazio, e eu não sabia o que fazia, porque minhas
irmãs todas trabalham, não tinha ninguém para ficar comigo, aí eu
fiquei sozinha, você fica se sentindo meio sozinha... (Júlia)
... tem hora que dá vontade fugir, tem hora que dá vontade de largar
tudo, dá vontade de ir para um canto chorar compulsivamente...
(Juliana)
Durante o puerpério ocorre uma mistura de sentimentos vivenciados pela mulher,
pois, além de contente, está preocupada, apreensiva, insegura, deprimida ou até
mesmo, nada contente. Muitas vezes a mulher não encontra espaço para extravasar
seus sentimentos; a ambivalência é vivida secretamente(10).
... tenho vivido duas metades, uma excelente de realização com meu
filho e outra de me sentir um lixo, não fazer o que quero... está
muito duro, por mais que me achem esquisita, estou feliz, meu bebê é
lindo, perfeito, estamos com saúde, ninguém consegue entender porque
eu estou assim... me chamam de insatisfeita...(Ana)
...Se for ver o lado bom, porque eu só estou falando o lado ruim ( dá
uma risada), é um sentimento de continuidade e amor. Acho que aumenta
a união do casal... (Luiza)
...Eu me sinto cansada, ocupada, um pouco anulada e agora feliz...
(Margarida)
Apesar de todas alterações presentes na vida da mulher no período puerperal,
algumas mulheres entrevistadas verbalizaram que experienciar a maternidade é
vivenciar um sentimento único, mágico:
...eu me sinto mais completa... você acaba se sentindo mais
importante, porque você é muito importante na vida da sua família, do
seu marido, namorado, mas você é a vida daquela pessoinha, você que
vai dar alimento, vai cuidar, se você não cuidar bem, ela não vai
existir, pode passar mal, adquirir alguma doença, então você se sente
mais valorizada como pessoa... (Daniela)
...só sei que o nascimento de bebê foi uma benção em minha vida. Eu
não esperava... me sinto ótima, tenho o maior ciúme dele. Não gosto
que ninguém fique pegando e balançando ele. Ah, não sei muito direito
como estou me sentindo, pois ainda a ficha não caiu. Mas eu sei que
estou muito feliz e realizada... (Maria)
... ser mãe é uma coisa que nem dá para explicar é mágico... uma
experiência nova e maravilhosa, você passa a viver em função de uma
outra criaturinha... (Daniela)
A ambivalência materna é vista como essencial para a visualização da
"separação" dos espaços mãe-filho. É ressaltado que este sentimento traz culpa,
pois vive-se numa sociedade, numa cultura em que se celebra o ideal materno com
uma imagem de unidade mãe-filho. No entanto a ambivalência é parte do processo
de separação individuação. Tanto a mãe quanto a criança necessitam de afirmação
materna das próprias necessidades, desejos, opiniões, fúrias, amor e ódio, para
que se estabeleça a separação e, em conseqüência, o relacionamento(11).
...tenho vivido duas metades, uma excelente de realização com meu
filho e outra de me sentir um lixo, não fazer o que quero... está
muito duro, por mais que me achem esquisita, estou feliz, meu bebê é
lindo, perfeito, estamos com saúde, ninguém consegue entender porque
eu estou assim... me chamam de insatisfeita... (Ana)
... eu me sinto cansada, ocupada, um pouco anulada e agora feliz...
(Margarida)
Essas falas reforçam a necessidade de se compreender o exercício da maternidade
como um processo social e culturalmente construído e que, por isso, necessita
ser aprendido no dia-a-dia, por meio de ensinamentos, de vivências e de ajuda.
No seu aspecto mais amplo, a maternidade deve ser reconhecida como um processo
construído ao longo da vida da mulher, que já se inicia na infância com as
brincadeiras de boneca e que se intensifica durante a gestação, ganhando
aspectos reais com o nascimento do filho(9,11).
Constatou-se, por meio da literatura, que as categorias apresentadas ou seja, o
típico da vivência das puérperas que possuem convênio saúde mostrou-se da mesma
forma para as mulheres que não possuem convênio saúde(1, 4, 9, 11). No entanto,
na categoria Referindo satisfação quanto ao atendimento pós-parto o relato
típico da vivência das mulheres que possuem convênio saúde mostrou-se diferente
das mulheres que não possuem convênio saúde.
As mulheres, sujeitos desta pesquisa, em seus depoimentos verbalizaram que
receberam atendimento pós-parto de rotina. Percebe-se por meio dos relatos que
este atendimento resumiu-se a uma consulta ao obstetra e a uma consulta ao
pediatra, no entanto, consideraram que a assistência foi satisfatória.
O fato da mulher já possuir um vínculo com o profissional da área da saúde,
certamente contribui para vivenciar este período de forma mais tranqüila pois,
caso necessite, tem facilidade de acesso à assistência e sabe que pode contar
com a mesma. As puérperas verbalizaram que a assistência recebida no período
pós-parto, apesar de ser de rotina, foi satisfatória. Muitas delas disseram que
esta superou suas expectativas. Talvez, por este motivo, referiram satisfação
em relação ao atendimento pós-parto:
...foi melhor do que eu esperava ... eu já fui no pediatra e no
obstetra, foram consultas de rotina, e eu achei que foram muito boas,
dentro do que eu esperava... (Roberta)
...revendo agora tudo o que aconteceu, vejo que tive muitos
privilégios por estar sendo atendida em um hospital particular e de
ter uma cobertura de um convênio médico. Seria difícil pagar um
serviço desses e foi tão bom ser atendida na hora, e pelo meu médico
que me acompanhou durante toda a gravidez... o fato de ter um
convênio me trouxe muita segurança... tive toda a assistência e
continuo tendo, tudo pelo meu convênio e sem problemas... (Simone)
... eu tenho uma segurança total, se eu não tivesse o convênio eu não
sei como seria, eu não tenho do que reclamar... (Júlia)
As verbalizações acima mencionadas mostram a importância do vínculo
profissionalcliente, pois este proporciona liberdade à mulher e permite um
importante canal de expressão. Estar bem informada contribui substancialmente
para a resolução de dúvidas, e pode minimizar o sentimento de insegurança,
angústia e anseios, vivenciados nesta fase da vida da mulher.
O atendimento de quase todas as necessidades humanas básicas da cliente
depende, em várias circunstâncias, do processo de comunicação que ocorre entre
ela e o profissional de saúde (13).
As categorias apresentadas permitiram descrever o tipo vivido isto é, o vivido
do comportamento social que se mostrou como algo que tipifica, de forma
convergente, nas intenções das próprias mulheres como uma estrutura vivenciada
única,que pode ser transmitida pela comunicação e pela linguagem significativa
presente na relação interpessoal.
Assim, o tipo vivido "mulher que vivência o puerpério, que possui convênio
saúde e é atendida em instituição privada" ficou constituído como sendo aquela
que: assume responsabilidade pelo bebê, sente-se sobrecarregada, limitada e
vulnerável, refere-se à maternidade como algo único, mágico e percebe a
assistência recebida neste período, apesar de ser de rotina, satisfatória pelo
fato de confiar e poder contar com ajuda profissional.
5. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Acredita-se que este estudo buscou respostas fundamentadas em uma metodologia
que permitiu refletir sobre o cuidado da puérpera que não tem possibilidade de
possuir convênio saúde, desenvolvendo uma atitude crítica a respeito da
assistência prestada no atendimento às necessidades dessa clientela, com
viabilidade de reverter em ação os conhecimentos apreendidos.
Certamente a mulher sentir-se-á mais fortalecida se a assistência no período
pós-parto não se resumir apenas em uma consulta de rotina. Frente a tantas
vulnerabilidades vividas, a mulher necessita de ajuda dos profissionais da área
da saúde, pois o cuidado necessita ter continuidade após o parto. A assistência
deve, também, englobar os aspectos biológicos, físicos e emocionais, pois estes
profissionais certamente poderão ajudá-las a escolher mecanismos adaptativos e
defensivos para superar essa crise.
As mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) não têm possibilidade de
continuidade de assistência no período gravídico puerperal. Na maioria das
vezes não é o mesmo profissional que a atende no pré-natal, no parto e no
puerpério. Este fato gera ansiedade, expectativas e insegurança.
Vale lembrar que todas as mulheres, independente do plano de saúde, têm o
direito a uma assistência digna e respeitosa. Devem receber informações sobre o
cuidado sugerido, seus riscos e benefícios alternativos e devem ter o direito
de tomar decisões e formular seus desejos.
Da mesma forma, o profissional de saúde tem o dever de apoiar e também assistir
este momento que é, sem dúvida, de grande importância na vida da mulher e de
seus familiares.
A assistência de qualidade é um direito de todo cliente e, por outro lado é um
dever dos profissionais da área da saúde. Não se pode negligenciar, nem os
direitos das usuárias dos serviços e nem o dever de uma assistência digna, que
possa viabilizar o atendimento humanizado e eficiente nas ações de saúde, de
acordo com as necessidades da clientela assistida. Não se pode perder de vista
que o objeto da atuação do profissional é uma pessoa, com sentimentos e emoções
que independem da possibilidade de possuir ou não convênio saúde.
Para finalizar estas considerações deve-se acrescentar que o puerpério é um
momento de extrema importância na vida da mulher, é um ritual de passagem que
deve ser vivido de forma positiva. Acredita-se também que o enfermeiro obstetra
está em uma posição privilegiada, no que se refere ao atendimento à mulher que
vivencia o período puerperal, pois pode incorporar toda a ciência de que for
capaz e implementar assistência humanizada, considerando os direitos das
mulheres a uma maternidade segura e prazerosa.
É necessário introduzir no ensino de graduação conceitos relacionados a outros
aspectos que vão além do biológico, como a questão da subjetividade, da
cultura, família, dentre outros, pois estes conceitos possibilitarão novas
formas de vivenciar experiências concretas para a conscientização da própria
bagagem cultural e a constatação de similaridade e diferenças existentes entre
os diversos grupos culturais, valendo salientar, ainda, a necessidade do
fortalecimento das diretrizes do SUS que contempla, entre outros, o acesso
universal e eqüitativo a serviços de saúde de qualidade.