Caracterização da cobertura do pré-natal no Estado do Maranhão, Brasil
INTRODUÇÃO
O Programa de Saúde da Família (PSF) desde sua implantação em 1994 obteve um
aumento expressivo no seu crescimento. Nos primeiros quatro anos de
implantação, o PSF assistia a 3,51% da população brasileira, em abril de 2008,
esta cobertura representou 56,8%, ou seja, cerca de 107 milhões de brasileiros
(1).
Essa assistência realizada pelo PSF melhorou em todo o país. No Maranhão em
1998, ano de sua implantação, existiam 10 Equipes de Saúde da Família, com uma
cobertura de 0,7%, já ao final de 2007, cobria 75,5% da população, com 1.619
equipes(2).
Esses dados expressam a melhoria da oferta de serviços prestada pelo PSF, o que
colaborou diretamente no aumento da utilização destes serviços pela população,
e conseqüentemente uma melhor cobertura na assistência pré-natal.
Cabe ressaltar que o pré-natal deve ser organizado para atender às reais
necessidades da população de gestantes por meio da utilização de conhecimentos
técnico-científicos e recursos adequados e disponíveis para cada caso. Reforça-
se, ainda, que as ações de saúde precisam estar voltadas para cobertura de toda
a população alvo da área de abrangência da unidade de saúde, assegurando a
continuidade no atendimento, o acompanhamento e a avaliação dessas ações sobre
a saúde materna-perinatal(3).
A gravidez é reconhecidamente um dos determinantes do estado de saúde da
mulher, sendo em algumas situações o único momento de contato que a mulher em
idade reprodutiva terá com os serviços de saúde, tratando-se de uma grande
oportunidade para uma assistência direcionada à promoção da saúde da mulher,
orientação e rastreamento de enfermidades.
Neste sentido, visando garantir, entre outras, a identificação precoce de todas
as gestantes da comunidade e o pronto início do acompanhamento no primeiro
trimestre da gravidez, bem como a operacionalização do sistema de referência e
contra-referência, foram estabelecidas condições para uma assistência pré-natal
efetiva objetivando garantir a continuidade da assistência em todos os níveis
de complexidade do sistema de saúde(3).
Não obstante a essas estratégias e conceitos, o início da assistência pré-natal
em várias regiões do Brasil ainda é tardio(4-5), e o número de consultas é
deficiente, verificando-se grande desigualdade entre as regiões do país,
considerando-se o número mínimo de sete consultas, observa-se a seguinte
distribuição: Norte 30,18%, Nordeste 39,33%, Sudeste 68,69%, Sul 70,79%, Centro
Oeste 60,38 %, e a média no Brasil de 55,38%(6).
O pré-natal com qualidade destaca-se como sendo o primeiro alvo a ser atingido
quando se busca reduzir as taxas de morbimortalidade materna e perinatal e,
para tanto, a viabilização dos programas exige atuação profissional competente
e atualizada de modo contínuo.
O estudo objetiva identificar a cobertura da assistência pré-natal no Estado do
Maranhão com vistas a acrescentar informações que possam direcionar à adoção de
estratégias diferenciadas, na cobertura e qualidade da assistência.
MÉTODO
Realizou-se estudo de base populacional, descritivo, com abordagem quantitativa
em 30 municípios do Estado do Maranhão no período de julho de 2008 a janeiro de
2009. Foram entrevistadas 3.076 mulheres e selecionadas 2.075 (67,45%) com os
seguintes critérios de inclusão: idade reprodutiva entre 10 e 49 anos e relato
de gravidez prévia. As informações coletadas sobre assistência pré-natal
relacionavam-se com a última gravidez ocorrida.
O percentual de perdas e recusas não ultrapassou 5%, estando abaixo do
referencial de 10% a mais, computado para o tamanho amostral.
Utilizou-se um processo de amostragem aleatória sistemática de conglomerados,
em estágios múltiplos, com três etapas. Na primeira etapa foram sorteados os
municípios do Estado do Maranhão, sendo elaborada uma listagem acumulada de
municípios e suas respectivas populações, estimadas para o ano de 2006, de
acordo com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), disponibilizado pela instituição.
No segundo estágio foram sorteados os setores censitários dentro de cada
município, a partir de uma listagem dos setores fornecida pelo IBGE. Em cada
conglomerado foram sorteados sete setores para visitação e mais dois setores
reservas, a serem utilizados em casos excepcionais, quando da impossibilidade
de acesso ao setor sorteado (limitação climática ou geográfica).
No terceiro estágio foi sorteado o ponto inicial dentro de cada setor, a partir
do qual certo número de domicílios foi visitado. De acordo com o mapa do setor,
os quarteirões neles existentes foram numerados e realizados o sorteio do
quarteirão inicial para visita. As quatro esquinas do quarteirão sorteado foram
identificadas com letras A, B, C e D, efetuando-se o sorteio da letra e a
esquina sorteada foi o ponto inicial. A partir da casa da esquina o quarteirão
foi percorrido em sentido horário e as casas foram visitadas até encontrar 16
mulheres entre 10 a 49 anos com relato de gravidez prévia, em cada
conglomerado. Em caso de conglomerados com traçado irregular, de 3 a 5 letras
foram colocadas no mapa, a partir de pontos de referência identificados após
uma visita ao local, sendo realizado sorteio do ponto inicial.
Para a classificação de cobertura do pré-natal foram utilizadas as categorias
de adequação: casos ignorados, pré-natal ausente, inadequado, intermediário e
adequado, a fim de comparar com trabalho, com metodologia similar, realizada em
década anterior(7) (Quadro_1).
Utilizou-se um questionário com variáveis que contemplavam a assistência à
mulher no tocante ao uso de serviço de assistência pré-natal no âmbito público
e privado e características do pré-natal, considerando-se o número e o mês de
início das consultas em relação aos nove meses gestacionais.
Para digitação e processamento de dados utilizou-se o programa Epi-Info 2.002
do CDC, de Atlanta, EUA. Os dados foram analisados com o programa SPSS for
Windows 10.0. Esses dados foram submetidos a técnicas de estatística descritiva
não inferencial, permitindo, assim, uma análise exploratória através de
gráficos de freqüência e de todas as variáveis investigadas na pesquisa. Em
todos os testes o nível de significância foi de 5% (p < 0,05).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário da Universidade Federal do Maranhão com o parecer nº 307/2006.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se que a maioria das mulheres encontrava-se entre 20 a 29 anos de
idade (38,0%), residia na zona urbana (53,5%), era alfabetizada (81,5%), com um
a quatro anos de escolaridade (31,0%), apresentava união estável (42,2%) ou era
legalmente casada (36,8%), não apresentava atividade laboral extra-residencial
remunerada (52,0%) e tinha como renda familiar menos de um salário mínimo
(47,0%).
O Sistema ùnico de Saúde (SUS)foi responsável por 78,4% (1.353) dos
atendimentos de pré-natal, sendo 76,2% no setor exclusivamente público e 2,2%
no setor conveniado ou filantrópico, já 4,5% (80) e 0,7% (12) das consultas
foram, respectivamente, particulares e utilizando os planos de saúde.
As Unidades Básicas de Saúde (UBS), atendidas pelo Programa de Saúde da Família
(PSF), foram responsáveis pela realização de 45,9% (621) da assistência pré-
natal, dentre o universo de 1.353 daquelas que realizaram pré-natal no SUS
(1.353 mulheres).
Nas regiões brasileiras, observam-se semelhanças no uso dos serviços, sendo a
maioria na rede pública de saúde com a procura de consultas preventivas,
enquanto que os não usuários utilizam pronto-socorro e hospitais ambos
independentes do sexo feminino ou masculino(8). É necessário enfatizar que o
uso resolutivo dos serviços de saúde depende da associação de fatores
individuais e internos destes serviços que são refletidos na qualidade da
assistência(9).
No período de 1992 a 1999 o nº de estabelecimentos públicos cresceu 24,9%,
enquanto que os privados apresentaram uma redução de 2,8%. Ressalte-se que este
aumento ocorreu predominantemente na rede municipal, onde de 69,0% em 1992
passou para 92% em 1999(10-11).
O uso regular de serviços de saúde cresceu, na população brasileira entre 1998
e 2003, de 13% para 14,6 %, e esse aumento foi devido a ofertas de serviços
públicos de saúde pelo SUS e não especificamente ao sistema de saúde
suplementar, que se manteve inalterado neste período(10-11).
O pré-natal apresentou uma cobertura de 85,6% (1.776) em relação ao universo de
2.075 mulheres selecionadas, observou-se que 64,6% (1.147) iniciaram o pré-
natal antes do término do primeiro trimestre gestacional, no entanto, menos da
metade, 43,4% (770), o fizeram de forma adequada, ou seja, iniciaram o pré-
natal no primeiro trimestre com no mínimo seis consultas para uma gestação a
termo.
Quanto ao número de consultas, 46,8% das mulheres realizou seis ou mais
consultas pré-natais, resultado semelhante ao da pesquisa realizada há 10 anos,
com 43,9% de adequação do pré-natal (na ocasião o MS preconizava cinco ou mais
consultas)(3,7).
Apesar de um maior contingente de mulheres esteja realizando o pré-natal, o seu
início precoce ainda continua um desafio no modelo proposto pelo Ministério da
Saúde, onde todas as mulheres iniciam a primeiro consulta até a 12ª semana de
gravidez e que tenha durante o pré-natal pelo menos seis consultas(3).
A expansão de cobertura cada vez maior alcançada pelo PSF, o qualifica como
fundamental para o desenvolvimento da atenção básica em todo o país; seu
impacto nos indicadores de saúde é marcante. Em relação à assistência pré-natal
seu impacto é observado diretamente pela redução da mortalidade materna e
infantil(3,12).
O número de consultas pré-natais muitas das vezes pode refletir o início do
pré-natal, pois quanto mais cedo for, a qualidade será melhor e a adesão ao
pré-natal se fará refletir em um número maior de consultas(12-13).
Aquelas que não realizaram nenhuma consulta representaram 14% das
entrevistadas, pesquisa realizada há uma década observou 9,3% entre as
parturientes em idade fértil de hospitais de referência no Estado(14). Esses
dados ainda podem ser subregistrados, pois a pesquisa não contemplou aquelas
mulheres que haviam tido o seu parto fora do hospital.
Os resultados sugerem que a implantação do Programa de Humanização do Pré-Natal
(PHPN) de 2000 no Maranhão, juntamente com o PSF e Agentes Comunitários de
Saúde, trouxe como consequência positiva o aumento de mulheres que tiveram
agendamento prévio na sua marcação de consulta de pré-natal(15).
O percentual de mães que iniciaram precocemente o pré-natal elevou-se de 60,1%
em 1991, para 69,8% em 1997(7), porém nesta pesquisa observou-se um decréscimo
para 59,8%, resultado não esperado, já que houve um aumento considerável da
cobertura oferecido pela estratégia saúde da família no Maranhão, que atingiu
85,6%. Entretanto, essa captação deficiente no primeiro trimestre gestacional
ao serviço público de saúde é também uma preocupação em outras cidades.
Na cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais, o SUS captou para início de pré-
natal no primeiro trimestre somente 29,7% das gestantes(16) , já nas cidades de
Caxias do Sul(17) e Pelotas(18) , ambas no Rio Grande Sul, observaram-se 34,7%
e cerca de 46%, respectivamente. Considerando ser este Estado da federação, o
quarto que apresenta o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)(19) seria
plausível que nestas cidades houvesse uma maior freqüência da assistência pré-
natal no primeiro trimestre, no entanto, ao comparar-se com o Maranhão, o
segundo pior Estado em IDH(19), a cobertura foi de 64,6%.
A captação precoce das grávidas no pré-natal é um fator de extrema importância
para a saúde das mulheres e de recém-nascidos, pois possibilita a identificação
antecipada da gestação de risco, bem como as intervenções necessárias, pois o
início tardio e a realização de menor nº de consultas podem comprometer um dos
principais trabalhos desenvolvidos durante o pré-natal que a promoção da saúde
(3,12,21).
Menos de 50% das mulheres utilizaram o serviço de pré-natal adequadamente;
estes resultados expressam que, apesar do que preconiza a Portaria Ministerial,
nº569\GM de 01\06\2000, quanto ao início da assistência pré-natal até o final
do primeiro trimestre gestacional com no mínimo seis consultas por período
gestacional(3,12,21), ainda falta muita sensibilização da população acerca da
importância de um pré-natal adequado, remete também a um questionamento sobre a
atuação dos gestores municipais de saúde, que são os diretamente responsáveis,
após a municipalização do SUS, por esta prestação de serviços(21).
Cumpre destacar que o acompanhamento pré-natal com a realização de seis ou mais
consultas garante uma evolução saudável da gestação aliada à precocidade de
detecção de eventuais fatores de riscos à mãe e ao bebê, possuindo a mesma
importância o envolvimento da gestante a sua família no intuito de oportunizar
a vivência desse momento e prepará-los para o parto e puer-pério(3,12,21), e
com a atuação dos profissionais do PSF vem permitindo que se estabeleça
vínculos com as gestantes que melhoram a adesão das mesmas ao Programa de
Assistência Pré-Natal (PAPN)(22).
No Maranhão, a ausência da realização do pré-natal vem diminuindo, passando de
41,0% em 1991(7), 28,7% em 1997(7) e 14,4% observada nesta pesquisa. Esses
dados associam-se à expansão do acesso às consultas de pré-natal, sugerindo que
houve uma coordenação na captação das gestantes, promovido e acelerado pela
estratégia saúde da família, com equipes de referência em obstetrícia, onde a
enfermagem e os agentes comunitários considerados esteios, alocadas de forma
descentralizada nos pólos e nas unidades de atenção especializada à mulher
determinam o aumento da cobertura de pré-natal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo a cobertura pré-natal um indicador de qualidade da atenção básica em
saúde, esta pesquisa revela que nos últimos 10 anos houve um aumento
significativo. Entretanto, destacam-se desafios necessários ao aperfeiçoamento
da atenção às mulheres gestantes nas suas distintas demandas.
Os resultados desta pesquisa, que abrangeram todo o território maranhense, não
podem evidentemente ser extrapolados para toda a população brasileira, haja
vista as peculiaridades nos aspectos políticos, econômicos, geográficos e
sociais deste Estado. Seus achados conferem a importância que tem o tema, e
apontam claramente para a necessidade de incorporar a responsabilidade nas
Políticas de Saúde, que dêem conta das especificidades da mulher contribuindo
de forma expressiva na assistência ao pré-natal no Estado do Maranhão.