A opção pela enfermagem: estudo retrospectivo em Sergipe
A opção pela enfermagem: estudo retrospectivo em Sergipe
La opción por la Enfermería: un estudio retrospectivo en Sergipe
The option for nursing: a retrospective study in Sergipe
Normaclei Cisneiros dos Santos CardosoI; Mércia Fernandes Santana MatosII;Maria
Jésia VieiraIII
IEnfermeira do Hospital Governador João Alves Filho, professora substituta do
departamento de Enfermagem e Nutrição da Universidade Federal de Sergipe
IIEnfermeira do Programa de Saúde da Família na Prefeitura de Lagarto - Sergipe
IIIEnfermeira, Professora assistente doutora do Departamento de Enfermagem e
Nutrição da Universidade Federal de Sergipe. E-mail do autor:
mjvieira@infonet.com.br
1 Introdução
Sabe-se que a aprendizagem é parte integrante do desenvolvimento humano com
seus fatores cognitivos, que englobam o pensar e o raciocínio, fatores afetivos
que englobam o sentir e o estar afetado, e ainda fatores psicomotores que
impelem à ação. Esta, provoca mudanças de comportamento ou de conduta na
dependência da relação ambiente versus organismo(1-2).
Este desenvolvimento que se inicia com o nascimento indo até a morte é
entremeado por um período altamente produtivo onde se quer deixar marcas que
registrem a passagem por esta existência através de contribuições sociais e
realizações pessoais. É neste âmbito que entra a profissionalização como um
meio de se conseguir estas marcas.
Este processo é transpassado por situações desafiantes que muitas vezes geram
desequilíbrios internos que transcendem o agir externo. Na Teoria Cognitiva de
Piaget, a sucessão ontogenética consiste em conseguir uma coordenação
equilibrada dos vários estados de desequilíbrio à procura de reequilíbrio nas
relações entre o sujeito e o ambiente(1-3).
Neste processo, trazendo para o tema específico deste estudo, ao se atingir
certa maturação sente-se a aptidão para desempenhar uma dada profissão e para
tal o indivíduo se propõe ao enfrentamento do vestibular vislumbrando uma gama
de possibilidades, com predominância para os cursos de maior status social. As
perspectivas econômicas de um país de desigualdades e de preconceitos, podem
levar à procura de uma ascendência social não condizente com os anseios de vida
profissional.
As diferenças de capacidades, interesses e personalidades, podem ser,
entretanto, responsáveis pelo aumento crescente na procura por cursos diversos,
e entre eles o de Enfermagem, apesar da prevalência de outros cursos ditos de
maior status e de melhor remuneração.
Assim sendo, este trabalho pretendeu realizar um estudo retrospectivo sobre as
opções pela Enfermagem com seus anseios, perspectivas e motivações, e as
possíveis mudanças na valoração da profissão. Pretendeu, ainda, conhecer o
perfil desta população, identificando as facilidades e/ou dificuldades
encontradas no transcorrer da escolha à identificação com a mesma entre ex-
alunos graduados e graduandos que ingressaram no curso no período que vai de
1992/1 a 1997/1 na UFS.
2 Revisão de literatura
Para se perceber as razões que levam à opção pela Enfermagem como profissão,
precisamos conhecê-la na sua essência, entendê-la, senti-la e acima de tudo
saber quais as ações por ela desenvolvidas. Pode-se conceituá-la como uma
"profissão de caráter essencialmente social que significa servir à humanidade,
atendendo às necessidades do indivíduo e da sociedade"(4:88). "A pessoa humana
é o foco de atenção da enfermagem"(5:30), cuja assistência prestada"é uma forma
de ajudar o cliente a vencer dificuldades ligadas às necessidades fundamentais"
(5:30).
Não se pode falar em enfermagem sem citar Florence Nightingale e da influência
exercida por esta sobre a opinião pública para que ocorresse a elevação do
statussocial, pelo fato de ser ela membro da alta burguesia e ser tratada como
heroína nacional. A organização e a administração por ela desenvolvidas,
juntamente com a disciplina e rigor moral, enfatizavam, assim, as aptidões
físicas e intelectuais, em busca de uma Enfermagem sem o estigma da
imoralidade, do baixo padrão técnico, de um trabalho manual doméstico sem
nenhum conhecimento científico. A enfermagem deveria ser encarada como
profissão e vocação(6).
"A enfermagem no Brasil iniciou tendo o corpo do indivíduo como objeto, porém
visando atingir o espírito"(5:31). A atividade era de cunho religioso
caritativo e a assistência que era destinada aos doentes e à comunidade
incluindo pobres, abandonados, desprotegidos e todos que assim precisassem de
assistência, tendo religiosos, monges, escravos, pessoas de posse à frente
desta assistência.
Entretanto, no que se refere ao poder da Igreja Católica, tal como em outros
países, enquanto esta assistência lhe servia para atrair adeptos, e manter os
interesses políticos na era colonial, ela a assumiu como sua obra. No entanto,
quando essa assistência não lhe servia mais como elo de submissão e obediência
dos seus assistidos, a tática da Igreja Católica foi a de não mais privilegiar
esta assistência, deixando-a entregue em outras mãos, resultando, na vinculação
da figura da mulher às ações de enfermagem(5).
Assim, verifica-se mais uma vez que os papéis são culturalmente definidos e
aprendidos, e que a aprendizagem depende do contexto sócio-econômico da época
em questão(5).
Refletindo-se sobre os contextos culturais de diversas épocas, a ascensão
social que a profissão adquiriu, levou-a a ser procurada por indivíduos de
classe média em virtude de uma estrutura social modificada, onde as classes
cada vez mais se distanciam, acentuando suas diferenças. Neste sentido, o
surgimento do setor terciário a partir do incremento da industrialização,
ocasionou a vinculação da Enfermagem a este setor. Assim, "a participação
crescente da mulher na força de trabalho parece constituir uma característica
das sociedades mais urbanizadas e mais industrializadas"(6:83).
Como conseqüência da divisão de classes, surge a divisão do trabalho como
também a especialização da profissão(4). Este processo atinge em cheio a
Enfermagem já que seu objeto de trabalho se divide entre o trabalho manual, que
se destina ao cuidado efetivo do indivíduo, e o trabalho intelectual destinado
ao planejamento e fiscalização dos serviços. "Esta separação entre quem dirige
e quem executa faz com que o trabalhador se distancie do produto de seu
trabalho, e transforma as relações dos indivíduos, hierarquizando-as"(4:33).
Poder-se-ia, ainda, encontrar como um efeito desta divisão do trabalho a má
impressão que a sociedade tem a respeito desta profissão, já que de um lado
encontra-se auxiliares e técnicos de enfermagem realizando suas atividades de
forma automática e com menor grau de conhecimento científico, e do outro lado
enfermeiros que se denominam por "enfermeiros-chefe" distanciados da
assistência direta. Estes conseguem a proeza de continuar separando a prática
da teoria, contrapondo-se desta forma, aos princípios preconizados no ensino da
Enfermagem, que procuram integrar os dois aspectos, de forma que um (prática)
não exista sem o outro (teoria)(5,7).
Não obstante esta divisão, e até vinculada a ela, no decorrer da própria
história da enfermagem há uma ampliação das suas atividades, no sentido de que
a assistência se torne mais eficiente e eficaz, através de ações dependentes,
interdependentes e independentes(5, 7).
É interessante lembrar, também, a separação que houve, no século XIX no Brasil,
entre o cuidar e a cura, pois o cuidar, antes revestido de simplicidade, foi
transformado a partir da tecnologia sanitária emergente, dividindo-se em curar
masculino e o cuidar feminino (9).
À enfermagem cabia o cuidar, "... que requer devotamento, espírito de renúncia,
abnegação, aceitação e respeito aos outros, principalmente, aos superiores
hierárquicos" (5:35), ficando clara a herança de preconceitos e discriminações
que cercam a profissão. À medicina cabia a cura, o tratamento do indivíduo como
um todo, e neste, a enfermagem atuava apenas como coadjuvante.
Neste contexto, numa tentativa de equiparar-se aos traços masculinos,
"objetividade e(...)neutralidade" o perfil da enfermagem no início da sua
profissionalização era o da "estabilidade emocional, distinção moral,
apresentação respeitosa", "distanciamento, dinamismo, direcionando o ensino e a
prática da época" . A profissional teria que ser "destituída da mulher", teria
que romper com algumas características intrínsecas dos seres humanos como os
sentimentos de amizade, de troca e de interação. Ser competente e respeitável
era sinônimo de autoritarismo e dureza(5:38-40). Entretanto, diferente do
público em geral, na construção da imagem que os enfermeiros se atribuem há a
motivação como fator preponderante na escolha e no desempenho da profissão.
Os motivos sociais que intervém nesta construção, têm suas origens no
"desenvolvimento social da criança"(10:146), entendidos estes como instintos
sociais básicos de sociabilidade, simpatia, amor, ciúme e imitação.
Mais tarde, as canalizações são ampliadas, de modo que a criança escolar passa
a ser também influenciada pelos valores dos colegas, o estudante universitário
pelas expectativas de seus confrades acadêmicos, e o adulto por sua filiação
numa determinada classe social, grupo étnico, partido político, organização
religiosa, associação profissional ou comunidade social(10:146).
Estes motivos sociais que contribuem para a valoração acerca de si mesmo, e
ainda, o papel a ser desenvolvido no grupo, fazem parte de um processo de
socialização, onde "o indivíduo busca na sua escolha profissional uma forma de
se sentir útil às outras pessoas bem como de saber o que esperar delas"(7:
29)entendendo-se a opção profissional "como a necessidade de exercer uma
função, de ser útil, de encontrar seu espaço, levando em conta as
características do seu tempo"(7:10).
A respeito da formação da imagem cultural da profissão, da percepção desta
imagem e das motivações para a escolha profissional, entende-se que a imagem da
profissão compõe-se de traços culturais permanentes e transitórios, materiais e
não materiais, explicitados ou simbolizados, valorados como positivos ou
negativos, propiciando um movimento de aproximação ou afastamento. Esta imagem
é percebida pelo sujeito, que poderá escolher a profissão pela sua
identificação com esta imagem, pela valoração dos traços positivos ou pelo
desejo de superação de traços negativos(7).
Assim, buscou-se conhecer este processo de escolha e identificação no grupo
estudado, com suas facilidades e dificuldades.
3 O caminho metodológico
O estudo identifica-se como uma pesquisa quanti - qualitativa(11), partindo-se
inicialmente da análise documental de listas oficiais da UFS (tabelas 1 e 2)
optando-se pela abordagem representacional para os dados qualitativos, pelo
fato de esta dar apoio ao propósito descritivo, com condições de coleta de
informações as mais diversas possíveis sobre determinado grupo de pessoas,
instituição ou fenômeno social. As representações sociais buscam traduzir como
as pessoas representam fatos, objetos e situações, fazendo um elo entre a
realidade dos fatos sociais, com suas mudanças culturais e contextuais, e a
realidade individual com suas diferentes formas de interpretação desta
realidade, que nortearam a conduta comportamental e expressiva destes na
sociedade em que vivem. Assim, cada indivíduo quando emite sua representação,
reflete também a representação da cultura e da sociedade da qual faz parte (7).
A Universidade Federal de Sergipe foi tomada como campo de pesquisa com sua
população de egressos e estudantes do Curso de Enfermagem, bem como estudantes
de enfermagem que abandonaram o curso os quais foram sujeitos de uma outra
pesquisa. O critério de seleção da amostra foi não-probabilística, intencional
e estratificada, incluindo graduados e graduandos de todos os períodos letivos
do tempo em estudo (63 sujeitos). A seleção foi feita pelas listas dos que
ingressaram na UFS entre 1992/1 a 1997/1.
O período escolhido pretendeu cobrir, em dois subprojetos, as mudanças
culturais ocorridas ao longo de 10 anos, a partir dos alunos que iniciaram seu
curso em 1992/1, a 1997/1, que já concluíram o curso, ou teoricamente teriam
tempo suficiente para isto, e os formandos do período de realização da
pesquisa, acrescidos, no segundo subprojeto dos alunos em curso, até 2002/1.
Das listas de graduados foram escolhidos os primeiros componentes da amostra
pelo critério de facilidade de acesso. Estes, por sua vez, fizeram a indicação
de outros possíveis entrevistados, e a partir destes formou-se uma rede de
informantes até perfazer, no mínimo, 20% da população, chegando a 40% no caso
dos graduandos. Através destas listas foi estabelecido o percentual de
graduados em relação ao número de ingressos.
Foi usado ainda um questionário à amostra, abrangendo as questões relativas à
opção, identificação, facilidades e dificuldades, após os mesmos terem assinado
o termo de consentimento livre e esclarecido, mediante explicações quanto aos
objetivos, procedimentos, seus direitos de serem esclarecidos quando
necessário, privacidade e liberdade para retirada do consentimento. O projeto
do estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em pesquisa do Hospital
Universitário da UFS em 06/12/2001.
A análise foi quantitativa com tratamento estatístico para as questões
fechadas, enquanto que para as questões abertas foi feita uma análise de
conteúdo (8). Nesta, foi feita uma pré-análise de cada entrevista,
identificando as categorias que emergem das falas, e em seguida o agrupamento
destas em categorias maiores, em correspondência com as questões da pesquisa.
4 Resultados e discussão
Pelo levantamento das listas de graduados que ingressaram entre 1992/1 e 1997/
1 teoricamente dever-se-ia ter, a cada quatro anos e meio, vinte alunos
formados por período, totalizando, portanto, duzentos, incluindo-se os
formandos do semestre em curso. Os dados mostram uma realidade diferente desta,
onde, no total das dez turmas, apenas sessenta e três enfermeiros se graduaram
(31,5% em relação aos que ingressaram).
Analisando o tempo de duração do curso entre a população estudada, visualizou-
se a situação mostrada na Tabela_1, surgindo um novo questionamento, no que
refere a saber se todos os aprovados foram matriculados no curso. Buscou-se,
então as listas de matriculados por período, cujo confronto com a lista dos
aprovados no vestibular, deu origem à Tabela_2.
A tabela_1 chama a atenção para o fato de que somente 11,11% da população
conclui o curso dentro do tempo previsto, chegando a ter 1,59% da amostra
concluindo o curso no dobro do tempo.
Percebeu-se a partir dos dados da tabela_2 que 31% dos aprovados no curso de
Enfermagem no período estudado não deram continuidade ao curso escolhido no
vestibular. Entretanto, pode-se verificar um aumento da taxa de permanência nos
dois últimos anos, com respectivamente 80 e 82,5%.
Ao se questionar a quantidade de vezes que os mesmos prestaram vestibular,
53,75% o fez duas vezes, enquanto 34,62% o fez por três ou mais vezes, e apenas
11,63 o fez por uma vez. Quanto aos motivos que os levaram à escolha pelo
curso, em 42,31% dos casos, deveu-se a uma forma de entrar na Universidade;
3,85%, a experiências de doença; 7,69% à boa oferta de emprego na profissão;
11,54% a experiências de trabalho em hospital ou após curso de auxiliar de
Enfermagem; 15,38% ao contato com profissionais da área, dando oportunidade de
tomar conhecimento da profissão; 6,69% à pressão de familiares e à curiosidade,
e apenas 11,54% se reportam à afinidade e/ou vocação.
Ao se questionar quando teria ocorrido o processo de identificação com a
profissão, foram encontrados os resultados a seguir:
O início das as disciplinas profissionalizantes aparecem como o espaço
privilegiado de identificação. Estes dados reforçam o pressuposto de que uma
das dificuldades de escolha e identificação com a profissão diz respeito à
falta de conhecimento sobre ela.
Quando se questionou sobre as facilidades e/ou dificuldades encontradas no
processo de identificação com a profissão, 26,92% referiu como facilidades o
conhecimento prévio e/ou experiências de trabalho na área. Os outros 73,08%
fizeram referência apenas às dificuldades e, entre elas, o desconhecimento da
profissão, a demora para iniciar as aulas práticas, o preconceito da sociedade
em relação à profissão.
A impressão, antes da entrada no curso, também foi questionada e pode-se
selecionar algumas conotações positivas nas falas dos respondentes, tais como:
boa impressão sobre o curso, grandes oportunidades de trabalho. Conotações
negativas também aparecem, tais como: desvalorização do curso pela sociedade,
confundindo as atribuições das diversas categorias da Enfermagem, profissão
dependente das atividades do médico/sem autonomia.
Essas impressões sofreram mudanças positivas e/ou negativas no decorrer do
curso. Como positivas destacaram-se: valorização aumentada por amigos e
familiares, conhecimento sobre as amplas funções e sobre a autonomia do
enfermeiro, grande possibilidade de realização profissional, tratamento do
doente e não da doença com variedades de atuação. Como negativas foram citadas:
potencial pouco explorado pela educação continuada, afastamento das práticas
diárias do cuidado direto, falta de posicionamento político, e liderança.
Com relação às perspectivas de realização profissional, os respondentes
manifestaram sua perspectiva de: "fazer a diferença na vida do cliente"; poder
conciliar a atividade hospitalar por afinidade, com a atividade em Saúde
Pública por proporcionar melhores salários; fazer especialização para uma
melhor colocação profissional; tentar mudar a imagem da Enfermagem e contribuir
para sua valorização.
Discutindo-se estes dados para responder aos questionamentos iniciais pode-se
destacar algumas categorias temáticas da análise de conteúdo:
4.1 Caminhar até o vestibular
Sabe-se que na sociedade, cada vez mais precocemente os pais colocam seus
filhos para estudar, atividade esta que irá desenvolver por grande parte da sua
existência. Ingressar no 3º grau passa a ser um objetivo ansiosamente
perseguido. Porém persegue-se também o status social, e por isso durante toda
preparação pré-universitária ouve-se falar incessantemente em cursos de maior
valorização social como deixa claro o depoimento de um dos respondentes: "os
professores dos cursinhos só falam em medicina, direito, odontologia, em
momento algum eles falam em outra profissão, ou se quer sabem o que estas
fazem".
Como reflexo do tipo de preparação, com ênfase no status social, verificou-se
na população estudada uma multiplicidade de vezes que se prestou vestibular,
prioritariamente para medicina (50%) e 26,92% para outros cursos e, mais tarde,
para enfermagem, denotando a hegemonia cultural dos outros cursos. Dados
encontrados por outros autores refletem, também a mesma realidade (12).
É interessante notar que apenas 23,08% dos questionados tiveram enfermagem
sempre como opção preferencial, seja através de um único vestibular ou de
vários. Isto pode ser conseqüência da falta de informação sobre a profissão e
suas competências, já que estas só são acessíveis após o ingresso ao curso ou
estão restritas aos trabalhadores da área.
Como divulgadora das atribuições profissionais a mídia tem deturpado a imagem e
contribuído negativamente ao traçar o perfil do enfermeiro. A imprensa "associa
a profissão à devoção religiosa, à `doação' e à figura do profissional que
cumpre ordens médicas, ou ainda imagens estereotipadas quedenigrem o
enfermeiro" (13: 28), refletindo o descompasso entre a imagem que a impressa e
o público fazem da enfermagem, e a que realmente esta tem sobre si.
4.2 Motivação para a Enfermagem
Ao se observar os motivos do ingresso no curso de Enfermagem conseguiu-se
evidenciar alguns caracteres importantes da população estudada. Sabendo-se que
42,31% escolheram o curso apenas por ser uma forma de entrar na universidade, e
que 76,92% não tiveram enfermagem como opção preferencial, conclui-se que este
percentual iniciou o curso sem se identificar com ele. Merece destaque o
percentual de 26,92% de escolha devido ao primeiro contato com a profissão,
quer por trabalho em área hospitalar ou curso de auxiliar, quer por contato com
profissionais que atuam na área, reforçando a idéia de que o conhecimento
prévio sobre a profissão que se pretende exercer, proporciona uma maior
segurança na escolha. E ainda, embora com menor freqüência, pode-se perceber,
também como motivos a boa oferta de empregos (7,69%) e afinidade e/ou vocação
(11,54%).
4.3 A graduação em Enfermagem
Os dados apresentados na tabela_2 denotam a falta de adesão ao curso, vez que
se tem de um lado um alto índice de desistência (31%), e de outro um grupo de
indivíduos que levaram o curso até o fim sem muita pressa para terminá-lo. É
claro que das falas dos respondentes pode-se detectar alguns motivos pela
demora, como a existência de uma disciplina que se constituía em entrave,
motivado por tratamento diferenciado de um docente em relação aos alunos do
curso, depreciando-o e dificultando o desempenho dos mesmos. Um outro motivo
relatado diz respeito à necessidade de trabalhar concomitantemente ao
desenrolar do curso, ou até mesmo diversos trancamentos por motivos de doença,
trabalho, filhos. No entanto a característica principal desta demora deveu-se
ao fato de inúmeras tentativas de vestibulares para outros cursos, não aderindo
à seqüência prevista.
4.4 Processo de identificação profissional
Referente à identificação profissional a tabela_3 revela algumas singularidades
como a importância das disciplinas profissionalizantes (46,15%) como o primeiro
contato com o "fazer enfermagem", já que o "ser enfermeiro" começa a se
delinear com a disciplina Fundamentos de Enfermagem; seguido de 19,23%
relativos a um contato prévio com a profissão, quer através de curso auxiliar
e/ou trabalho no ambiente hospitalar quer pelo contato com profissionais que
atuam na área. Novamente fica claro que quando o aluno toma conhecimento pleno
sobre o curso que escolheu, poderá se identificar mais facilmente. Foi
encontrado 23,08% de identificação posterior ao início do curso, e/ou no
exercício da profissão, acrescidos dos que afirmam categoricamente não se terem
identificado.
No que se refere às facilidades, encontra-se 26,92% desta população referindo o
conhecimento prévio e/ou experiências na área, reforçando ainda mais a
necessidade de maiores informações sobre a Enfermagem e suas atribuições. Os
73,08% referem dificuldades como o desconhecimento da profissão, seja pela
falta de informações ou pela demora no início das práticas, e ainda o
preconceito da sociedade, inclusive de alguns professores, situação esta,
também referida na literatura(14).
4.5 A imagem da profissão
Abordando-se as impressões e/ou possíveis mudanças ocorridas na imagem da
profissão antes ou durante o curso apenas uma minoria se reporta a uma boa
impressão antes, incluindo grandes oportunidades de trabalho, e entre estes
estão os que já possuíam conhecimento prévio sobre a profissão. O restante
refere-se à desvalorização da profissão seja pela não diferenciação entre os
afazeres do técnico, auxiliar e enfermeiro, seja pela atribuição de um caráter
de dispensabilidade dos afazeres do enfermeiro, ou pelo estereótipo de
dependência das prescrições médicas.
Tais estereótipos foram evidenciados também por outros autores (4-6, 9) quando
retomam a historicidade que relaciona o cuidar com o fazer feminino dependente
do curar masculino. Referem, entretanto, a participação feminina na força de
trabalho, já representando um ganho social e trabalhista, sendo este,
desvinculado da religião. Fazem, ainda, alusão ao conhecimento científico como
uma característica incorporada mais recentemente, pois no início das práticas,
estas se identificavam muito mais como técnicas, ligadas às habilidades
manuais, sendo estas, hoje, a base das atribuições do técnico e do auxiliar de
enfermagem.
Tais impressões sofrem mudanças quando se dá prosseguimento ao curso, conforme
as falas dos respondentes. É verdade que nem sempre elas recebem uma conotação
positiva, como o fato do elevado número de atribuições do enfermeiro, levando-
o a uma não participação efetiva no cuidado direto, bem como a falta de posição
política e de liderança.
Estes aspectos negativos vão de encontro às características básicas da
Enfermagem, pois o enfermeiro deve produzir e propagar o conhecimento, cabendo-
lhe administrar, realizar e fiscalizar a assistência, tendo total
responsabilidade sobre a tomada de decisão e execução da mesma, sem deixar de
lado sentimentos de troca, interação e amizade (5,7). A percepção destes
aspectos é mais evidente no grupo amostral que percebe a valorização a partir
do contato com familiares e amigos enfermeiros, quando também passam a conhecer
melhor as atribuições do profissional, com verdadeira autonomia, ao tratar o
doente e não a doença.
Este grupo vê a possibilidade de realização profissional com um grande
potencial a ser explorado, principalmente pela educação continuada, sobre a
qual demonstram interesse quanto à oferta e realização. Esta situação configura
a formação da imagem profissional, formada por traços que quando valorizados
propiciam uma aproximação e identificação do indivíduo com a mesma, passando a
incorporá-la (7).
Entre seus fatores cognitivos, afetivos e psicomotores, destacam-se a visão
prévia da profissão, seja por experiência de vivência, entrando em contato
assim com informações precisas e coerentes a respeito das atividades exercidas;
seja por informações obtidas através da literatura, filme, teatros, histórias,
ou ainda como clientes num tratamento de saúde(7). Sobre isso, um estudo
realizado em Sergipe(15)revelou que na prática um dos motivos da evasão no
curso de Enfermagem na Universidade Federal de Sergipe referente ao período
estudado de 1991/2 a 1996/1, deveu-se a falta de informações pelos alunos ao
afirmarem que, "no momento em que fizeram a opção no vestibular nenhum dos
alunos tinha conhecimento sobre a Enfermagem como profissão, e muito menos
sobre o curso"(15:32).
4.6 Ser Enfermeiro
Ao se questionar a respeito das perspectivas de realização profissional
percebeu-se uma discreta insegurança quanto ao campo de trabalho, porém
suplantado pelo desejo de fazer a diferença nesta categoria, através da
obtenção de maiores conhecimentos, contribuindo desta forma para a valorização
da profissão. No âmbito desta percebeu-se referência ao surgimento do Programa
de Saúde da Família como sendo um passo rumo a um maior reconhecimento sobre as
verdadeiras capacidades e potencialidades da Enfermagem, bem como propiciando
melhores salários.
A literatura refere que "o modo como as pessoas diferem em termos e aptidões,
capacidades, interesses, traços de personalidade, valores, necessidades,
ajustamento e motivações são aspectos que apresentam considerável
importância..."(14:33), quando se desempenha uma profissão. Mas, também se deve
atentar para o fato de que para se exercer bem uma profissão, é preciso mais
que uma identificação. É necessário ter condições de viver bem, de atender ao
menos alguns itens referentes a bem estar.
4.7 Continuar sendo Enfermeiro
Questionados sobre se recomendariam a outrem o curso, obteve-se respostas, 80%
positivas, como a possibilidade de campo de trabalho com remuneração razoável,
alguns aconselhamentos a respeito de uma reflexão sobre os fazeres da
Enfermagem, devendo, estes, serem revestidos de dedicação, solidariedade e
gosto pelo estudo...; assumir sua decisão, não deixando que a família tome a
iniciativa...; relacionar vocação, afinidade e aptidão com retorno
financeiro...; conhecer o verdadeiro papel do profissional atuante..., amar
verdadeiramente o que se faz...; ter certeza da escolha para não se tornar um
profissional frustrado... Encontrou-se também 20% de respostas negativas como o
fato de ter de "trabalhar muito para conseguir sobreviver".Pode-se perceber o
vislumbrar da conjugação da realidade do trabalho com a importância atribuída à
profissão, acrescidas ao fato de que aconselhar, expondo os prós e os contras,
passa a ser um ato de cidadania para evitar que outros incorram em erros.
Pode-se identificar, pelas falas, que a escolha e identificação já não se fazem
mais somente por razões caritativas como afirmam alguns autores ao dizerem que
"a Enfermagem é percebida como uma profissão de amor ao próximo, uma forma de
chegar perto de Deus, mas também como desafio e luta por uma profissão melhor"
(16: 307). A profissão tem sido escolhida com vistas a uma realização
profissional e financeira, expressando-se através dos sistemas adaptativo,
associativo e ideológico coincidindo com seu mundo e incidindo sobre ele;
convivendo, expressando-se, tendo ainda como enfoques a sobrevivência e a
facilitação do viver(7).
5 Conclusões
A partir do exposto, apreende-se que na escolha da profissão, além da
informação prévia a respeito desta, é preciso que exista coerência entre as
necessidades sociais, tendências pessoais, oportunidades concretas oferecidas,
e ainda, o momento pessoal do indivíduo, sua maturidade mental e sua inserção
na sociedade.
O estudo revelou a existência de dificuldades neste sentido, pela falta de
informação, a pressão social da família, das escolas de 2º grau, da imprensa,
que incentivam a escolha por profissões tidas como de maior "status" social,
sem valorizar a vocação, tendências pessoais e identificação do indivíduo, e
tão pouco, a possível auto-realização, implicando, isto na necessidade de
orientação dos jovens que estão escolhendo a profissão.
Constatou-se, em vista disto, baixo percentual de escolha preferencial por
enfermagem, revelando os respondentes que o conhecimento e a identificação só
ocorreram, na maioria das vezes durante o curso. As disciplinas
profissionalizantes exerceram grande contribuição neste sentido, mas há o apelo
dos mesmos para que estas se iniciem mais precocemente. Constatou-se, ainda,
grande número de evasão escolar e/ou de retenção no curso por mais tempo que o
necessário.
Entre os que se identificaram com a profissão, suas motivações se
caracterizaram, principalmente, pela possibilidade de um trabalho onde se possa
exercer uma ação de ajuda, o cuidar, com a perspectiva de realização
profissional, e de provisão de suas necessidades financeiras. Indicam os atuais
programas de Saúde Pública como uma boa perspectiva financeira para a
profissão, embora alguns tentem compatibilizar o trabalho nesta com outro
vínculo funcional como a assistência hospitalar, com a qual se identificam.
Diferentemente da conotação histórico social tradicional, a profissão não é
mais vista pelos informantes como caridade e dependência, mas como uma área de
saber próprio, autônoma, onde se busca crescer pela educação continuada e/ou
cursos de pós graduação.