A formação do enfermeiro para o cuidado na atenção básica à saúde
RELATO DE EXPERIÊNCIA
A formação do enfermeiro para o cuidado na atenção básica à saúde
Educating a nurse for basic health care
La formación del enfermero para el cuidado en la atención básica a la salud
Elisabete TakedaI; Márcia Padovan OtaniII; Kátia Alves RezendeIII; Mara Quaglio
ChirelliIV; Sílvia Franco da Rocha TonhomV; Cássia Regina Rodrigues NunesVI
IEnfermeira. Doutora em Enfermagem Fundamental. Docente da disciplina
Enfermagem Clínica do Curso de Enfermagem da FAMEMA
IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental. Docente da
disciplina Enfermagem Psiquiátrica/Saúde Mental do Curso de Enfermagem da
FAMEMA
IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem em Saúde Coletiva. Docente da disciplina
Enfermagem em Saúde Coletiva do Curso de Enfermagem da FAMEMA
IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da disciplina Enfermagem em Saúde
Coletiva do Curso de Enfermagem da FAMEMA
VEnfermeira. Doutoranda em Educação pela UNICAMP. Docente da disciplina
Enfermagem em Saúde Coletiva do Curso de Enfermagem da FAMEMA. VIEnfermeira.
Mestre em Enfermagem Fundamental. Docente da disciplina de Ética e Bioética do
Curso de Enfermagem da FAMEMA
E-mail do autor:etakeda@terra.com.br
1 Inrodução
A formação da força de trabalho em saúde tem sido tema de discussão e propostas
em vários fóruns. O Projeto UNI (Uma Nova Iniciativa na educação dos
profissionais da saúde: união com a comunidade), financiado pela Fundação
Kellogg, constitui-se em uma das iniciativas de mudança da atenção à saúde e da
capacitação dos profissionais desta área através de um processo pautado na
parceria entre a universidade, os serviços de saúde e a comunidade(1).
A Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) fez parte deste projeto, envolvendo
os cursos de enfermagem e medicina, tendo iniciado suas atividades no ano de
1992. No Curso de Enfermagem foram desenvolvidas diversas atividades que
proporcionaram a reflexão e mudanças gradativas na grade curricular e na
metodologia de ensino-aprendizagem em algumas disciplinas.
As experiências introduzidas contribuíram para a elaboração do novo Projeto
Político-Pedagógico (PPP), o qual pretende formar um profissional generalista,
crítico e reflexivo, capaz de trabalhar em equipe, tomar decisões e intervir no
processo saúde-doença, considerando o perfil epidemiológico local e promovendo
cuidados de enfermagem de forma humanizada tendo como responsabilidade a
atualização constante de suas competências.
Dessa forma, o PPP visa a integração entre teoria e prática, ou seja, articular
a formação dos profissionais ao mundo do trabalho e à comunidade, através do
currículo integrado e da Metodologia da Problematização, tendo iniciado a sua
implementação em 1998(2).
Ao tomarmos como desafio a formação crítico-reflexiva, optamos pela Metodologia
da Problematização na qual o aluno é o construtor do seu conhecimento de forma
ativa, refletindo sobre as práticas desenvolvidas na realidade em que está
inserido, buscando construir uma visão crítica de forma consciente e reflexiva.
Assim,
o homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se em um determinado
momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser
mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um
ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da
educação(3:27).
Outro eixo do PPP é a articulação da formação ao mundo do trabalho,
considerando a construção da visão crítica do profissional, por isso optamos
pelo modelo curricular integrado. Entendemos por currículo integrado a
organização dos conteúdos de forma interdisciplinar e que a metodologia de
ensino proposta seja baseada na investigação cooperativa, conectando o
currículo escolar à realidade, devendo ficar explícita para os alunos a relação
entre os conteúdos que as instituições escolares trabalham e sua validade para
a compreensão e intervenção na sociedade(4).
A promessa inerente ao modelo curricular integrado é a busca de conectar o
aluno à vida cotidiana, no caso os serviços de saúde e a comunidade, e a partir
das experiências vividas num determinado cenário de ensino-aprendizagem
procurar entender e ampliar, através de sucessivas aproximações, a compreensão
sobre o que está ocorrendo, articulando as diversas áreas do conhecimento na
perspectiva da interdisciplinaridade e, o que ele pode fazer com os problemas e
as necessidades de saúde identificadas, como pode intervir numa dada realidade
enquanto profissional da enfermagem(5).
Considerando o exposto acima, o novo currículo do Curso de Enfermagem está
organizado em séries e em unidades educacionais, distribuídas em 4 anos, com
carga horária total de 4240 horas. No primeiro e segundo anos abordamos a
assistência de enfermagem sistematizada ao indivíduo, família e comunidade com
enfoque na vigilância à saúde, no nível de atenção básica à saúde; na 3ª série
abordamos o cuidado de enfermagem sistematizado ao indivíduo hospitalizado em
situações clínico-cirúrgicas e obstétricas, considerando a inserção na família
e na sociedade, as políticas públicas e a organização hospitalar e na 4ª série
a realização da assistência de enfermagem nos diversos níveis de atenção,
atuando em equipe multiprofissional com enfoque interdisciplinar, com ações
voltadas ao indivíduo e coletividade, como também a gerência da assistência à
saúde em unidade básica de saúde e unidade de internação hospitalar, através da
modalidade de estágio supervisionado. Nesta série ocorre a orientação para o
trabalho de investigação científica (trabalho de conclusão de curso - TCC).
Neste currículo a 1ª série tem como propósito da unidade educacional (UE) que o
estudante compreenda e analise a organização e funcionamento da sociedade, dos
serviços de saúde, do trabalho em saúde e enfermagem, a fim de assistir o
indivíduo, a família e a comunidade, com vistas à promoção da saúde e prevenção
de doenças.
No período de 1998 à 2001, a 1ª série desenvolveu-se através de seis unidades
educacionais, a saber: UE1-Saúde e Sociedade, UE2-Trabalho em Saúde, UE3-
Realidade e Saúde, UE4-Produção Social da Saúde, UE5-Urgência e Emergência Pré-
hospitalar e UE6- Interação Comunitária 1.
Durante os quatro anos de implementação deste novo currículo, as capacitações,
as assessorias, as reflexões, as avaliações dos docentes e discentes nos
mostraram a necessidade de realizar algumas alterações referentes à estrutura e
organização das unidades educacionais em todas as séries do curso. Neste
trabalho nos limitamos a descrever as mudanças ocorridas na 1ª série em 2002.
As unidades foram implementadas por diferentes grupos de professores, com
dificuldades para que ocorresse a troca de experiências entre os mesmos e
promovesse a continuidade do processo de ensino-aprendizagem.
Em 2002 houve uma fusão das quatro primeiras unidades e a UE5 foi transferida
para a 2ª série. Para viabilizar essa mudança foi definido um grupo de seis
docentes para implementar a 1ª série, que é realizada de março a dezembro,
perfazendo 967 horas, no período diurno.
Ao trabalharmos no currículo integrado as UE foram divididas, inicialmente,
pelos conceitos-chave da rede explicativa que norteia o currículo do curso e
pelos desempenhos. Esta rede explicativa foi construída a partir do perfil do
profissional a ser formado e dos referenciais sócio-cultural, pedagógico e
filosófico do PPP.
Os conceitos-chave foram trabalhados em cinco seqüências de atividades (SA),
descritos a seguir:
S.A.1- Homem e Sociedade, Saúde e Doença, Modo de Produção, Políticas
de Saúde, Trabalho em Saúde e em Enfermagem.
S.A.2 - Processo de Trabalho em Saúde e em Enfermagem, Trabalho em
Grupo.
S.A.3 - Modelos Assistenciais, Vigilância à Saúde, Método
Epidemiológico e Saúde Ambiental.
S.A.4 - Planejamento em Saúde, Método Científico.
S.A.5 - Estrutura e dinâmica interna da Família, Método Clínico -
Anamnese e Inspeção Geral.
Esses conceitos-chave são necessários para o desenvolvimento dos desempenhos
estabelecidos para cada UE, ou seja, as ações que os alunos precisam construir
para serem enfermeiros. Para trabalharmos com esses conceitos-chave delimitados
acima, contamos com a participação das seguintes áreas do conhecimento:
Administração Aplicada à Enfermagem, Anatomia Humana, Bioestatística,
Bioquímica, Enfermagem Clínica/Saúde Mental/Psiquiátrica/Saúde Coletiva,
Epidemiologia, Ética e Bioética, Fisiologia e Biofísica, Histologia Humana,
Imunologia, Informática em saúde, Microbiologia, Nutrição, Semiologia e
Semiotécnica, Sociologia e Antropologia e Psicologia.
As seqüências de atividades delimitadas tiveram a intenção de desenvolver o
desempenho " Presta Assistência de Enfermagem às famílias selecionadas e à
comunidade empregando os métodos clínico e epidemiológico". Para isto seria
necessário os demais desempenhos como:
- Analisa o trabalho em enfermagem ao longo da história;
-Compreende as formas de produzir riquezas ao longo da história;
-Identifica a corrente filosófica do pensamento e a concepção saúde e
doença que sustenta os diferentes projetos de organização dos
serviços de saúde de acordo com as políticas de saúde;
-Compreende o processo de produção em saúde;
-Desenvolve a investigação empregando o método científico;
-Correlaciona as estruturas familiares com a organização social no
decorrer da história;
-Trabalha em grupo e
-Utiliza recursos de ensino-aprendizagem no desenvolvimento das
atividades.
Os quarenta estudantes foram divididos em 6 grupos, cada qual vivenciando a
realidade de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), tendo como cenário de ensino-
aprendizagem uma micro-área, sob a coordenação de um dos docentes da série.
Neste mesmo ano foi proposto que os alunos da 2ª série ficassem nas mesmas UBSs
para que pudéssemos construir uma integração e continuidade entre as atividades
das séries, podendo ter complementaridade das ações desenvolvidas na
comunidade.
Utilizamos como estratégia de integração a prática do planejamento em saúde,
através da aplicação da técnica do Método Altadir de Planejamento Participativo
(MAPP). Dessa forma, cada grupo constituído pelos alunos da 1ª e 2ª séries
processou um problema da micro-área em que estava inserido, tentando também
contar com a participação dos profissionais do serviço e da comunidade.
As operações/ações estabelecidas no MAPP foram desenvolvidas nestas micro-
áreas, sendo que os desempenhos estabelecidos foram avaliados ao longo do ano
letivo.
A avaliação nas UEs é considerada como atividade permanente e dinâmica do
processo de ensino-aprendizagem. Permite o acompanhamento deste processo,
visualizando avanços, detectando dificuldades e, por fim realizando as
intervenções necessárias, nos sujeitos deste processo, ou seja, professor,
estudante e conteúdo. Portanto, a avaliação pretende acompanhar e recuperar as
lacunas que este processo, eventualmente, possa conter. A avaliação refletirá o
quanto o estudante avançou nos objetivos e desempenhos propostos na unidade,
quanto o professor contribuiu para este avanço e a adequação da Unidade
Educacional nesse processo(6).
A avaliação consiste em:
- Avaliação de desempenho - realizada pelo estudante e professor ao
término de cada seqüência de atividade, através do formato 1;
- Avaliação do professor - realizada pelo estudante ao final de cada
semestre, através do formato 2 e a
- Avaliação da unidade educacional - realizada pelo estudante e pelo
docente ao final de cada semestre, através do formato 3.
De acordo com o Regimento da FAMEMA, o rendimento escolar é verificado em cada
unidade educacional, com a atribuição de conceitos satisfatório (S) ou
insatisfatório (I).
A progressão para série subseqüente ocorre mediante a obtenção do conceito
satisfatório em todas as unidades educacionais da série anterior e quando o
estudante não ultrapassar 25% de faltas nas unidades educacionais da série.
Se o estudante obtiver um conceito insatisfatório (I) na unidade educacional,
terá direito a um plano de recuperação, que envolve uma nova avaliação. Se
ainda assim mantiver o conceito I, fará uma última avaliação no período de
férias próximo.
No final do ano, no mês de novembro, os alunos e docentes avaliaram a
estratégia de integração e apresentaram sugestões para superação dos problemas
identificados.
Os alunos da 1ª série reconhecem que a integração com a 2ª série contribuiu
para o desenvolvimento do seu desempenho para o planejamento em saúde, no
entanto, perceberam que para os alunos da 2ª série este desempenho não fazia
parte de sua programação, havendo maior enfoque aos cuidados ao indivíduo.
Para os alunos da 2ª série o planejamento não era um desempenho a ser
desenvolvido, dificultando as atividades propostas, porém, houve contribuição
para o desenvolvimento do desempenho da 1ª série, com uma visão crítica sobre a
comunidade.
Por outro lado, os docentes apontam que o planejamento em saúde, através da
técnica do MAPP, também não está incorporado às atividades do serviço, na
medida em que houve pouca participação dos profissionais; houve também
dificuldades por não ser o planejamento um desempenho proposto para a 2ª série,
mesmo assim, ocorreu integração entre alguns grupos das duas séries,
possibilitando uma intervenção mais efetiva.
Dentre as propostas para a superação das dificuldades encontradas na
integração, os alunos e docentes apontam que deverá ter uma melhor definição
dos desempenhos por série; o planejamento deverá ocorrer no início do 1º
semestre, para que haja maior tempo para o desenvolvimento das operações e
maior contato com a comunidade; as duas séries deverão seguir uma distribuição
padrão das suas atividades para facilitar os períodos de integração, bem como
realizar o planejamento de ensino das unidades educacionais em conjunto; rever
a distribuição da carga horária dos docentes durante a realização do mapa de
atividades institucional.