Percepções dos enfermeiros acerca das ações administrativas em seu processo de
trabalho
PESQUISA
Percepções dos enfermeiros acerca das ações administrativas em seu processo de
trabalho
The nurse's perceptions on administrative actions in their work process
Percepciones de los enfermeros acerca de las acciones administrativas en su
proceso de trabajo
Helena VaghettiI; Daniela ReisII; Nalú da Costa KerberIII; Eliana AzambujaIV;
Geani FernandesV
IEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade
Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Integrante do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG
IIAcadêmica do Curso de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio
Grande
IIIEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade
Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela
UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e
Práxis/UFSC. Bolsista da CAPES
IVEnfermeira do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. Mestre em
Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos
e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e Grupo Práxis/UFSC. Bolsista da CAPES
VEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade
Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela
UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e
EDEN/UFSC. Bolsista da CAPES
E-maildo autor: nalu@vetorialnet.com.br
1 Introdução
As organizações em geral, nas últimas cinco décadas, tornaram-se altamente
complexas do ponto de vista administrativo, pela influência do conhecimento, da
tecnologia, das Teorias Administrativas e de todo o quadro socioeconômico e
político que vem se apresentando, sendo que as organizações de saúde e a
enfermagem, aí contextualizada, não fugiram desse processo.
Temos observado, na prática em unidades hospitalares, que existem muitas
conotações, divergências e convergências sobre o que vem a ser administração em
enfermagem e sua relação com o trabalho do enfermeiro, através, por exemplo, da
execução de ações administrativas. Estas vêm permeando toda a história da
profissão, formatando uma cultura de (des)entendimento sobre o assunto, que vem
sendo cultivada no decorrer dos tempos e projetada na maioria das organizações
de saúde.
O fato do enfermeiro incorporar funções administrativasno seu
trabalho, em grau considerado acentuado por alguns autores, tem sido
a causa de muita polêmica na profissão. Esta polêmica avulta na
medida em que se torna evidente a dicotomia entre o que se espera da
enfermeira na visão dos teóricos de enfermagem e o que se verifica
ser a sua atuação cotidiana nas instituições de saúde(1:65).
Ao verificarmos o perfil esperado do enfermeiro egresso/profissional das
universidades, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Enfermagem Art 4º, constatamos que "a formação do enfermeiro tem por objetivo
dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício" de
"competências e habilidades gerais", explicitando, em seus parágrafos, a tomada
de decisões, a comunicação e a administração e gerenciamento, além da educação
permanente. O parágrafo V refere, que em relação à habilidade e competência em
Administração e Gerenciamento:
Os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o
gerenciamento e a administração tanto da força de trabalho quanto dos
recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que
devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou
lideranças na equipe de saúde(2).
Constatamos que o exercício de ações administrativas permeia de forma decisiva
o trabalho do enfermeiro, pois é uma diretriz do próprio Conselho Nacional de
Educação. Como percebemos que ainda há uma controvérsia por parte dos
enfermeiros em relação a este tipo de função buscamos identificar a percepção
dos enfermeiros de um hospital universitário acerca das ações administrativas
exercidas por eles em seu trabalho.
A sustentação teórica do estudo em questão, contemplou uma revisão
bibliográfica acerca das Organizações e a Administração, e as Ações
Administrativas no Processo de Trabalho em Enfermagem, além do enfoque em
conceitos como ser humano, ambiente, saúde, enfermagem, autonomia, cuidado,
gerenciamento e processo de trabalho do enfermeiro.
Temos o entendimento de que esta pesquisa pode trazer contribuições tanto para
a academia, que pode vir a refletir sobre o ensino e a prática administrativa
que é repassada aos estudantes, visível ou de forma velada, quanto para o
Serviço de Enfermagem do hospital onde foi desenvolvida, por propiciar uma
possibilidade de reavaliação da organização do trabalho dos enfermeiros da
instituição. Acreditamos que, também para os enfermeiros envolvidos, este
estudo pode ser relevante por propiciar-lhes um momento analítico sobre sua
prática diária.
2 Metodologia
Este é um estudo qualitativo de caráter exploratório, o qual proporciona, "uma
visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato"(3:45).
Desenvolvido de março a dezembro de 2002, em um Hospital Universitário situado
no extremo sul do país, que tem o papel primeiro de servir de base e de
instrumento para a formação de recursos humanos e desenvolvimento de pesquisas,
alicerçado na vocação da universidade a qual está vinculado, além de atender as
necessidades de saúde da comunidade em que está inserido.
Os enfermeiros deste hospital, em seu cotidiano de trabalho, caracterizam-se
como a população deste estudo. São profissionais que desenvolvem suas
atividades, entre elas, ações administrativas, em diversas unidades
hospitalares, com uma jornada semanal de trabalho de 40 horas, nos turnos da
manhã, tarde e noite. O grupo de sujeitos que compôs a amostra, foi escolhido
de tal sorte que veio a se tornar representativo dos enfermeiros do Hospital
Universitário. Caracterizou-se por agregar 10 sujeitos, perfazendo 25% do total
dos enfermeiros do hospital. Foram escolhidos enfermeiros atuantes nas unidades
de clínica médica, clínica cirúrgica, clínica pediátrica, serviço de pronto
atendimento (SPA) e unidade de terapia intensiva adulto (UTI geral), sendo um
enfermeiro de cada turno, incluindo um enfermeiro do noturno. Na sua grande
maioria, mulheres com o tempo médio de formação profissional de 16 anos.
Os enfermeiros foram identificados por pseudônimos relacionados a questões
administrativas, escolhidos por eles mesmos, quais sejam: Planejamento,
Supervisão, Avaliação, Controle, Coordenação, Organização, Treinamento, Gestão,
Liderança e Motivação. O sigilo da identidade e das declarações prestadas pelos
envolvidos foi garantido e os mesmos foram informados sobre os objetivos da
pesquisa, bem como foi obtido o consentimento informado.
A entrevista "pode ser definida como um processo de interação social entre duas
pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de
informações por parte de outro, o entrevistado"(4:86), foi escolhida como
técnica de coleta de dados para este estudo. No processo de entrevista, não
foram formuladas perguntas específicas havendo, sim, um roteiro de entrevista,
que enfocou a questão das ações administrativas e sua inserção no processo de
trabalho do enfermeiro.
A análise de dados baseou-se na técnica de análise de conteúdo entendida como
(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas) das mensagens(5:42).
Assim, o levantamento dos dados e a conseqüente análise dos conteúdos, foi
organizada em três partes: pré-análise e exploração do material, tratamento e
resultados, e inferências e interpretações.
Várias categorias emergiram da análise temática com a aplicação da técnica de
Análise de Conteúdo(5), que foram analisadas e interpretadas à luz do
referencial teórico, sendo que neste momento, serão expostas a Categoria I:
Ações Administrativas como Instrumento de Gerenciamento e a Categoria II: Ações
Administrativas como Cuidado Direto/Indireto.
3 Identificando as percepções dos enfermeiros
3.1 Ações administrativas como instrumento de gerenciamento
A gerência é entendida como
a coordenação do trabalho coletivo que surge com o mundo capitalista
de produção. Significa o controle do processo de trabalho que foi
expropriado do trabalhador com a divisão ou pormenorização do
trabalho(6:42).
Ou a gerência existe simplesmente porque têm atividades que um indivíduo não
pode fazer por si só. Necessita de outros para uma ação coletiva na busca de um
objetivo comum(7). Percebemos esse entendimento nas falas abaixo:
[...] tu não podes administrar sozinha, tu tens que administrar um
grupo e essa administração do enfermeiro não envolve somente a
administração do grupo de enfermagem [...](Liderança).
O enfermeiro é o centro de tudo, sempre é referência do serviço de
nutrição ao serviço de portaria [...], tu és o elo de ligação entre
os setores da unidade e ai tu percebe que tu tens que ser competente
administrativamente, pra conseguir resolver todas as situações e
fazer as coisas funcionarem(Planejamento).
Evidente que eu não faço tudo sozinha, eu tenho o grupo, o grupo de
auxiliares e técnicos que executam determinadas funções, mas só da
assistência, as outras coisas, as coisas que eles não podem e também
não sabem fazer, são minhas [...] e são muitas [...](Organização).
Não adianta. Têm coisas que só o enfermeiro sabe e faz [...] A gente
sabe quando chega em uma unidade e não tem enfermeiro. É nítido, o
enfermeiro sabe administrar uma unidade(Avaliação).
Os enfermeiros, ao se expressarem sobre as ações administrativas, no
gerenciamento de seu trabalho, o fazem como uma atividade coletiva, mas, ao
mesmo tempo, fracionada, pela própria divisão do trabalho, que é arraigada,
principalmente, na enfermagem, como destacamos,
a atual estrutura da enfermagem em um sistema hierarquizado e
heterogêneo, se funda num trabalho parcelar, cujo controle e
organização pertence ao enfermeiro, que planeja e distribui a tarefa
aos outros agentes, bem como a organização do ensino da enfermagem,
desde que Nightingale fundou, em 1860, na Inglaterra, a Escola
Nightingale de enfermagem(8:25).
O enfermeiro exerce esse tipo de atividade, de gerência, com o objetivo de
fazer funcionar a organização em sua totalidade, controlando os trabalhos e os
trabalhadores. Na visão de Fayol este "controle" aparece como uma necessidade
de observar o desenrolar das ações de maneira que tudo ocorra conforme as
regras estabelecidas e as ordens dadas(9).
Este outro aspecto, presente na gerência, desponta nas falas dos enfermeiros,
demonstrando o quanto julgam importante e necessário o controle da unidade e da
equipe para que as ações de enfermagem sejam processadas com qualidade:
A gente exerce um controle sobre tudo que se passa na unidade e nos
outros setores que têm a ver [...]. Não é um controle, assim nocivo,
acho que é um controle necessário(Liderança).
Muitas vezes dizemos que o enfermeiro é controlador, centralizador,
com uma conotação pejorativa, como se controlar fosse um ato de
cobrança indevida. [...] temos que ter, sim, um controle [...] para
que as coisas andem, aconteçam(Motivação).
Ai tu tens que sair atrás de quem fez, porque tu precisa levar isso
adiante para ter certeza de que o procedimento foi feito e geralmente
fica difícil controlar, porque tem muita gente(Controle).
[...] aqui é um hospital universitário, eu vejo que é muito mais
difícil administrar. Por quê? Porque tu não consegues ter domínio e
controle sobre tudo,(Organização).
É interessante verificar a preocupação dos enfermeiros em relação à
interpretação do vocábulo "controle", como se esse possuísse apenas um
significado cerceador ou mesmo punitivo. Da mesma forma, observamos que os
enfermeiros têm uma necessidade profissional de "controlar", como parte do
exercício de suas ações administrativas, em seu processo de trabalho.
Acreditamos que as "macroempresas", possuem maior necessidade do enfermeiro
como gerente, ou seja, daquele elemento que intermedia a administração entre o
hospital e o trabalhador. Colocamos, ainda, que as expectativas das
instituições quanto ao trabalho do enfermeiro são relativas ao "controle
gerencial e burocrático de toda a unidade". Desse modo, para alcançar tal
expectativa, o trabalho do enfermeiro fica sendo o de "previsão e controle de
recursos humanos e materiais", de uma maneira abrangente, nas organizações onde
desempenham seu trabalho(10:25).
(...) tu acaba te envolvendo em todo o andamento e tu respondes por
tudo lá dentro, não que eu ache ruim, mas é uma responsabilidade
grande que tira tempo muitas vezes da parte que tu realmente tens
interesse, então tu tens que ir atrás e consegui, porque senão, tu
não vais conseguir quem faça(Gestão).
Eu acho que o enfermeiro ainda exerce funções que não são de sua
competência, como chamar o pessoal da manutenção [...], então eu
realizo até função que não são minhas, mas que julgo necessárias.
(Supervisão).
Constatamos, nos depoimentos acima, que os enfermeiros referem exercer algumas
atividades que não são de sua competência, mas mesmo assim eles as executam, o
que pode vir a refletir na questão da qualidade da assistência prestada pela
equipe.
O desempenho do enfermeiro, também, pode ser definido pelo contexto
organizacional, missão da instituição e objetivos da mesma.
Eu sei que existem hospitais em que o enfermeiro só realiza
assistência [...] mas é outra realidade que eu nem sei se saberia
trabalhar, porque é tudo tão junto(Gestão).
Eu trabalho em dois lugares. Eu acho que aqui no HU é mais difícil
administrar porque tu acaba perdendo o controle das coisas, pela
quantidade de coisas que não são tuas e simplesmente não tem quem
faça [...] e tu faz (Organização).
Aqui no HU a gente tem mais poder de decisão. Eu trabalho em outro
local e não é assim, para trocar um paciente de leito tem que pedir
até para o bispo(Motivação).
Em mim reflete muito o local, as relações como estão e o tipo de
administração, isso reflete em má organização, interfere diretamente
no meu cotidiano de trabalho, no meu processo de trabalho
(Planejamento).
Outra coisa que eu acho que deve-se levar em conta é o local onde tu
trabalha, por exemplo um grande centro ou um pequeno centro, ou vamos
supor um hospitalzinho lá do interior, então a linha de ação dele é
bem diferente, a complexidade é bem menor do que tu trabalhar em
grandes centros. O setor de trabalho também interfere na forma que tu
vai atuar, porque os objetivos variam(Liderança).
Notamos que o exercício ou não, de algumas ações administrativas pelos
enfermeiros, está na dependência, entre outros fatores, da existência de
recursos humanos para a realização de funções, que não são de competência deste
profissional. Sabemos que a questão da contratação de recursos humanos é o
ponto nevrálgico de todas as organizações e as instituições de saúde não se
constituem em exceção. No entanto, esta "falta" de recursos humanos deve ser
contemplada, já que conhecida, quando do planejamento da assistência.
Definimos planejamento como prever, "percrutar o futuro e traçar o programa de
ação"(9:11). Os enfermeiros consideram o planejamento como uma etapa primordial
na execução de qualquer atividade de enfermagem. Ao planejar a assistência, o
enfermeiro efetua uma ação administrativa, como ilustram as falas que seguem:
Para mim administrar em primeiro lugar é tu ter planejamento, isso
não é só para enfermagem, qualquer administração eu acho que tem que
ter planejamento(Avaliação).
Sem querer estamos sempre planejando. Já quando estamos chegando nas
unidades, na escada, a gente tenta se lembrar qual o funcionário que
está de folga, quantos pacientes temos para fazer a divisão pelos
leitos (Liderança).
O planejamento é constante, seja sobre a divisão dos auxiliares, seja
sobre o material que irá faltar, da medicação que ainda não veio, da
assistência que eu devo prestar, das prioridades que eu devo atender,
tudo é planejado, às vezes, até, sem querer [...](Controle).
Ao discorrer sobre esta função, os enfermeiros deixam transparecer que ao
planejar, eles exercem uma certa liderança sobre a equipe e sobre as demais
questões relativas a assistência.
Referem-se à liderança como uma capacidade fundamental ao exercício das ações
administrativas e a vinculam com a competência do profissional. Entendem que a
liderança é exercida diariamente, não somente com a equipe de enfermagem, mas
com os demais profissionais da instituição.
Na verdade todo mundo é líder na sua profissão e aí o que acontece?
Coloca-se um profissional enfermeiro que não é capacitado, devido a
formação, para essa função grande, tendo que liderar e tendo que
conciliar um setor que depende de vários outros e que não tá
preparado para isso(Liderança).
Eu acho que é através das ações administrativas que nós exercemos
nossa autonomia enquanto profissionais da equipe. O enfermeiro é quem
centraliza o trabalho dentro da unidade, então ele não fica restrito
apenas aquela equipe de enfermagem, aos auxiliares e técnicos que
lhes são subordinados, mas ele acaba exercendo sua liderança no resto
todo(Motivação).
Eu penso que eu consigo executar minhas ações administrativas porque
eu exerço liderança não só diante dos funcionários como dos demais
profissionais do hospital. Acho que isto está na profissão: chamam o
enfermeiro para tudo e ele vai e dá conta do recado(Controle).
Outro ponto que merece reflexão, é o destaque dado pelos enfermeiros, à
informação e seu domínio, enquanto matéria essencial do trabalho da enfermagem
e, em especial, no trabalho do enfermeiro. Não deter as informações e
desconhecer a dinâmica de sua unidade parece-nos pouco tolerada para certos
enfermeiros e, ao contrário, ao saber tudo o que está se passando na unidade, o
enfermeiro sente-se seguro para exercer suas ações.
É muito complicado quando não conseguimos saber tudo de todos os
pacientes, tudo que se passa na unidade. Quando me ausento muito
tempo da unidade, quando volto quero saber de tudo, tudo(Motivação).
Acho que é coisa de enfermeiro, mesmo, quando alguém sabe de um
exame, de um procedimento, de uma internação antes do que eu, eu fico
louca. Acho que eu é que tenho que saber de tudo em primeira mão
[...] é complicado(Avaliação).
Poderíamos dizer que esta preocupação dos enfermeiros em "saber de tudo" ,
mantém uma estreita relação com a necessidade de organizar o trabalho. A
informação seria um componente fundamental da organização, pois a partir do
momento que o enfermeiro detém o conhecimento advindo das diferentes
informações que lhe são repassadas, mais facilmente organiza seu cotidiano de
trabalho.
Assim o processo de trabalho é "consagrado pelo uso para significar a
elaboração de uma assistência de enfermagem sistematizada e organizada"(11:83).
No depoimento que segue o enfermeiro ressalta a sistematização da assistência
como instrumento de organização da unidade, o que não deixa de ser um
instrumento do seu próprio processo de trabalho.
[...] estamos nos encaminhando para uma sistematização da assistência
em termos de prescrição [...] sinto falta em relação a minha
competência, ao meu trabalho, porque eu acho que a coisa ficaria mais
organizada(Supervisão).
Kurgant refere que Fayol entende organizar como "construir o duplo organismo,
material e social da empresa"(9:6)e o mesmo entendimento é expresso nos
depoimentos que seguem.
(...) a boa assistência para o paciente precisa de uma unidade
organizada, de materiais presentes, de equipe em número suficiente e
isso são preceitos administrativos(Treinamento).
A unidade quando está organizada, com os funcionários todos
presentes, sem faltas, com todo o material que a gente precisa, é
muito tranqüilo trabalhar, é muito bom(Avaliação).
Eu quando chego na unidade eu trato logo de organizar tudo, dividir
os funcionários, ver os exames, pedir o material que falta, organizar
tudo, sabe? Fazer as coisas andarem de vez, para eu também poder
trabalhar bem(Organização).
Percebemos que a organização parece uma condição para "trabalhar-se bem", que
"as coisas" e as pessoas estando "organizadas", o processo de trabalho pode,
aí, ser desenvolvido. Entretanto, a organização faz parte do processo de
trabalho, como instrumental, e não apartado do interior deste processo.
3.2 Ações administrativas como cuidado direto/indireto
Essa categoria mostrou a realização de ações administrativas como pertinentes
ao processo de cuidado.
Portanto "o cuidado refere-se às atividades, aos processos e as decisões
(diretas ou indiretas) dirigidas ao indivíduo, grupo ou comunidade em situações
de saúde/doença (evidentes ou potenciais)"(12:95).
Vejo a administração sempre intimamente ligada à assistência, porque
o que se faz? Tu tens que saber dividir, mesmo que a administração te
roube tempo, se tu não fizer, ninguém vai fazer(Organização).
Eu realizo essas ações administrativas naturalmente, porque eu não
consigo fazer, bom agora eu estou administrando, agora eu estou
assistindo, agora eu estou educando, agora eu estou pesquisando, tudo
acontece muito ao mesmo tempo(Motivação).
Eu administro cuidando, educando, assistindo, todas numa só função
(Treinamento).
Não existe mais essa questão de que se eu estou fazendo alguma coisa
que não é diretamente com o paciente eu estou excluindo-o do meu
trabalho, que eu sou "enfermesa"(Conflito).
Os enfermeiros exercem o cuidado, como parte de seu processo de trabalho e o
percebem como um conjunto de atividades, que incluem as ações administrativas,
assistenciais e outras, como a educação e a pesquisa.
Notamos, em nossa vivência prática em unidades hospitalares que, há algum tempo
atrás, o enfermeiro não possuía essa visão unificada referente ao seu processo
de trabalho, fazendo uma cisão entre administrar e cuidar, sendo que, muitas
vezes, sentia-se culpado em exercer as ações administrativas e não "estar à
cabeceira" do paciente.
A enfermagem é responsável pelo cuidado direto ao paciente em toda a sua
integralidade como ser bio-psico-social. Através dos tempos, o trabalho do
enfermeiro tem envolvido dois campos de atividades "como os cuidados e
procedimentos assistenciais e o da administração da assistência de enfermagem e
do espaço assistencial"(6:39). Neste estudo, os enfermeiros possuem uma visão
bastante unificada desses dois campos citados, conforme as falas que seguem.
Bom, as ações administrativas eu considero e percebo elas como sendo
incluídas em todo e qualquer atendimento que a gente preste ao
cliente, ao paciente(Coordenação).
Não existe na enfermagem, mesmo que tu estudes durante a faculdade,
que tu veja aquelas três funções: a administrativa, a educativa e a
assistencial, elas se inserem juntas, não se diferenciam uma da
outra, elas estão sempre em prol do cliente(Controle).
Eu percebo as ações administrativas como parte integrante e tão
importante quanto as assistenciais [...], tem horas que tu tens que
fazer tarefas puramente assistenciais, mas na maior parte do tempo
elas se confundem [...](Planejamento).
Quando eu estou verificando a necessidade de luvas para a unidade, eu
estou cuidando do funcionário e também estou cuidando do paciente,
para que ele tenha um cuidado de qualidade(Planejamento).
Existem organizações hospitalares que adotam a divisão de funções
administrativas e assistenciais entre os enfermeiros. Então, aquele enfermeiro,
que é responsável pelo campo administrativo, recebe inúmeras designações, como
enfermeiro administrativo, enfermeiro máster, enfermeiro gerente, indo muitas
vezes ao encontro do contexto, missão e objetivos da instituição, fragmentando,
de qualquer forma, o processo de trabalho do profissional enfermeiro. Em alguns
hospitais, inclusive, os enfermeiros ditos administrativos têm seus salários
superiores em relação aos enfermeiros assistenciais, demonstrando a
diferenciação existente e sendo um cargo a ser almejado economicamente.
Há algum tempo atrás eu era enfermeira administrativa,mas agora não
existe mais esta figura aqui no hospital [...](Motivação).
Neste aspecto,
administrar é um processo de cuidar indireto porque quando você está
planejando, organizando, coordenando [...], você está pensando,
elaborando atividades que visam a qualidade da assistência (dos
cuidados), a qualidade da vida (o bem viver) dos seres humanos seus
clientes. Seja através de atividades com a Equipe de Enfermagem, seja
em parceria com outros profissionais e com a própria população, nesse
momento do processo de trabalho da enfermagem você está indiretamente
cuidando(12:69).
(...) como a gente diz, a assistência indireta prestada ao cliente,
então quando a gente presta um cuidado direto ao cliente tem que ter
essa parte administrativa fundamentando, que pra mim é o cuidado
indireto ao cliente, mas que também é responsável pela qualidade da
assistência prestada (Motivação).
Pra mim as ações administrativas estão implícitas na assistência de
enfermagem. Não vejo o enfermeiro que só administra, eu acho que o
enfermeiro presta uma assistência de enfermagem ao paciente [...] o
planejamento da assistência é feito para que o cuidado seja efetuado
(Treinamento).
Os enfermeiros compreendem que administrar é cuidar, já que se destina a uma
finalidade imediata, para organizar o cuidado, e uma mediata, para prover
condições de adequada realização do mesmo. Quando os enfermeiros planejam,
organizam, avaliam e coordenam, eles também estão cuidando.
4 Considerações finais
Durante a revisão bibliográfica para este estudo, verificou-se que as ações
administrativas de enfermagem antecedem às teorias da enfermagem moderna,
quando as religiosas assumiam simultaneamente as atividades de enfermagem e a
administração interna dos hospitais, desempenhando as funções de controle,
coordenação, supervisão, avaliação e planejamento, mesmo que de forma empírica.
Florence Nightingale analisou e sistematizou essas funções experimentando-as e
teorizando-as, o que lhe permitiu sucesso em suas intervenções de enfermagem e
perpetuação de alguns de seus preceitos até os dias atuais.
A execução destas ações administrativas tornou-se mais evidente com a divisão
técnica e social do trabalho da enfermagem, caracterizando-se como atividades
eminentemente intelectuais e, assim, fonte de prestígio para o enfermeiro.
Com o passar do tempo, vem-se observando, cada vez mais, o enfermeiro
incorporando ações administrativas a sua prática profissional, cuja execução
vem distinguindo o enfermeiro dos demais profissionais da equipe de saúde.
Durante o estudo, observamos que as ações administrativas são uma constante no
processo de trabalho do enfermeiro e que fazem parte de seu instrumental,
juntamente com o conhecimento próprio da profissão e a tecnologia, entre
outros, pois são recursos utilizados para modificar o objeto (sujeito), para
que este receba uma assistência de qualidade como produto final.
A pesquisa não objetivava, contudo, verificar quais os tipos de ações
administrativas executadas pelos enfermeiros e, sim, suas percepções acerca das
mesmas, sendo que nesta busca diversas categorias temáticas foram levantadas,
categorias estas que se embricam, entrelaçam e que podem projetar outras tantas
categorias.
Constatamos que na categoria Ações Administrativas como Instrumento de
Gerenciamento, os profissionais percebem as ações administrativas como forma de
planejamento, coordenação do trabalho coletivo, liderança, controle, detenção
da informação e organização. Estas funções não diferem em sinonímia daquelas já
apregoadas por Fayol, quando enfocou as funções das organizações e, em
particular, as funções administrativas. Nesta categoria, igualmente, ficou
claro que as organizações são determinantes do papel que os enfermeiros devem
desempenhar em relação às ações administrativas, segundo o contexto
organizacional.
A categoria Ações Administrativas como Instrumento de Cuidado Direto/Indireto
retrata, na visão dos enfermeiros, a fusão das ações administrativas com as
ações assistenciais, pois, as ações de cunho administrativo desenvolvidas pelo
enfermeiro têm como objetivo um único produto, o cuidado de qualidade ao
cliente. Os enfermeiros têm o entendimento de que suas ações administrativas
estão voltadas para a concretização desse cuidado.
Observou-se, igualmente, no decorrer do estudo que muitas das ações
administrativas realizadas pelos enfermeiros são inerentes a sua função,
conforme apregoa o Código de Exercício do Profissional Enfermeiro, e são
fundamentais para que se alcance uma assistência de enfermagem eficiente e
eficaz.
Acreditamos que a temática Ações Administrativas não se encerra neste estudo,
pelo seu caráter primário, mas pode servir como reflexão acerca do trabalho do
enfermeiro.