Liderança e enfermagem: elementos para reflexão
REFLEXÃO
Liderança e enfermagem: elementos para reflexão
Leadership and nursing: elements is the reflection
Liderazgo y enfermería: elementos de la reflexión
Alcinéa Cristina Ferreira de OliveiraI; Aneth Rolin de Araújo da PazI; Eleny
Alves de Britto TellesII; Joséte Luzia LeiteIII;Marluci Andrade Conceição
StippIII
IEnfermeira. Aluna do Programa de Pós-graduação do Curso de Mestrado da Escola
de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. EEAN/UFRJ
IIEnfermeira. Aluna do Programa de Pós-graduação do Curso de Doutorado da
Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
EEAN/UFRJ; Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade
Estácio de Sá
IIIDocente da Disciplina Seminário de Chefia e Liderança do Departamento de
Metodologia da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; Membro do Núcleo de
Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício Profissional da Enfermagem -
NUPEGEPEn, da mesma instituição
1 Considerações Iniciais
As temáticas que envolvem a liderança tanto no aspecto conceitual, como nas
ações que o próprio termo determina, suscitam inúmeras reflexões e incitam ao
debate, uma vez que permeia as ações de profissionais de várias áreas, entre
elas, a prática dos enfermeiros no cotidiano do ambiente de trabalho.Ao tratar
do tema liderança, a literatura existente abarca diferentes possibilidades de
análise, não sendo percebido um consenso entre os autores, surgindo assim
diversas teorias que trazem à tona diferentes significados atribuídos à
liderança, suas bases conceituais e teóricas, impregnadas das posturas de seus
teoristas.
Ao versar sobre a liderança e enfermagemde forma reflexiva, através desse
relato, as autoras, alunas e professoras do Programa de Pós-graduação do Curso
de Mestrado e Doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - EEAN/UFRJ, abrem caminho à ampliação da discussão e
do debate, pontuando outras interrogações que articulam a liderança e o poder
com o processo de formação profissional do enfermeiro.
Assim, este estudo tem por objetivo fazer uma reflexão a respeito da temática
liderança e enfermagem tomando por base uma situação concreta vivenciada por um
grupo de enfermeiras, contextualizando com o mundo do trabalho de forma
reflexiva, uma vez que todas exercem papéis de liderança em suas práticas
profissionais.
Liderança na Enfermagem Uma proposta de discussão
A Disciplina Seminário de Chefia e Liderança em Enfermagem faz parte do
Programa de Pós-graduação e Pesquisa do Curso de Mestrado e Doutorado da Escola
de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi
oferecida pelo Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício
Profissional da Enfermagem - NUPEGEPEn, do Departamento de Metodologia da
Enfermagem, no segundo semestre de 2003.
A metodologia de ensino proposta pelas professoras foi baseada em práticas de
leituras e discussão de textos científicos sobre temáticas que enfocavam os
aspectos gerenciais na prática profissional, contribuindo para uma reflexão
ampliada, inter-relacionando conceitos que despertaram uma nova maneira de ver
os fenômenos de interesse na administração em enfermagem. A temática exigiu do
grupo de estudo uma delimitação do ponto de discussão, uma vez que o tema
existente nos periódicos e literaturas propiciava vários enfoques de análise.
As discussões semeadas pelo seminário culminaram com novos olhares para as
habilidades de liderança aprendidas no processo de formação.dos enfermeiros
tendo em vista as mudanças de paradigma nas Organizações de Saúde, que no
passado, valorizavam as funções de administração, em detrimento dos papéis de
liderança.
As funções de administração e os papéis de liderança no paradigma atual são
permeados pela emergência das mudanças tecnológicas e às forças sociais; o lado
comercial dos serviços de saúde; os aspectos financeiros e mercadológicos,
determinando mudanças no papel do enfermeiro-chefe, com novos conhecimentos e
habilidades, tendo em vista os objetivos institucionais. Para desenvolver nossa
proposta de reflexão, pontuaremos algumas abordagens sobre liderança e a sua
gênese na enfermagem, que se apoiará na idéia de liderança como uma habilidade
fundamental para o enfermeiro que exerce funções gerenciais.
Esta perspectiva analítica, não desqualifica outras abordagens, pondera apenas
a possibilidade de semear profissionais de um novo tipo, para uma nova era,
agregando elementos para melhor compreender a complexidade que fomente uma
liderança mais eficaz e objetiva.com vistas à sociedade em metamorfose
profunda.
Liderança concepções e abordagens
Os estudos científicos da liderança datam do século XX. Algumas concepções se
baseavam nos traços ou características da personalidade do líder.e outras
buscavam investigar suas ações, delineando seus estilos de liderar. Atualmente,
os estudos consideram a relação interativa e dialógica entre o líder e o
liderado, inscrita na cultura das organizações.
Alguns autores enfatizam a complexidade da liderança em relação à
administração, outros sugerem que a preparação para a administração, antecede a
preparação para a liderança, além daqueles que apostam em consensos possíveis,
através da integração administração-líder.
As diversas abordagens(1), apresentam aspectos passíveis de interrogações por
vários estudiosos sobre o assunto, entretanto, são merecedoras de exame, uma
vez que a liderança reflete a filosofia, a política e o processo de
administração de pessoal na s organizações
Estudos que focalizam as características, supõem que algumas pessoas têm certos
traços de personalidade que as fazem melhores líderes que outras, entretanto,
alguns autores(2) ponderam que essa abordagem pode ser contra argumentada uma
vez que tais características podem ser desenvolvidas, e não apenas herdadas.
As características do grupo também influenciam a maneira do líder exercer a
liderança, evidenciando que os líderes de grupos mais eficientes tendem a
desempenhar maior número de papéis, delegam mais autoridade aos liderados,
controlam menos, apóiam mais e dessa forma, desenvolve maior coesão entre os
indivíduos liderados(3).
As abordagens clássicas que enfocam o comportamento, enfatizam os estilos de
liderança do líder, frente aos subordinados, apresentando três estilos: o
autocrático, o democrático e laissez-faire,como formas diferentes de exercer
influência no grupo. Vários trabalhos culminaram desses estilos clássicos que
sinalizaram pontos positivos, negativos, contraditórios e complementares,
contudo, de extrema importância que fundamentaram outras análises com várias
possibilidades de contribuição e aprofundamento sobre as idéias contemporâneas
de liderança, que contemplam, na visão dos estudiosos, outras variáveis, como a
cultura organizacional, os valores do líder e a complexidade da situação.
Os enfoques e algumas teorias têm sido aplicados, entre eles podemos citar os
estudos sobre o Grid Gerencial de Blake & Mouton, Liderança Situacional de
Hersey & Blanchard, Teoria interacional de Liderança de Ouchi, Liderança
Transformacional de Burns,entre outros.As obras de alguns autores(2,4) atribuem
grande importância ao estudo da liderança no desenvolvimento do trabalho do
enfermeiro em diferentes áreas de atuação.
Diante da complexidade e diversidade das concepções sobre liderança, refletir
sobre a liderança na enfermagemtorna-se necessário considerar a situação
brasileira no que tange às questões que envolvem a saúde. A Saúde enquanto
questão humana e existencial é uma problemática compartilhada, indistintamente
por todos os segmentos sociais e, conseqüentemente, esse campo, se inscreve
numa realidade complexa que demanda conhecimentos distintos, conferindo uma
abrangência multidisciplinar. A equipe de saúde apresenta-se com um perfil
multiprofissional, e o trabalho do enfermeiro, tanto exerce quanto sofre
influências, constituindo um sistema interdisciplinar que tem o poder como fio
condutor.
Nesse contexto(1), a prática da liderança na enfermagem considera o sistema de
cuidados aos pacientes, as relações com as equipes de enfermagem e com outros
profissionais, além da estrutura das organizações de saúde, que nos
organogramas refletem uma posição na hierarquia da instituição social,
estruturada por relações de poder.
Dizer que uma instituição social é estruturada, nesse sentido, é dizer que são
caracterizadas por assimetrias e diferenças relativamente estáveis em termos de
regras, recursos, de poder, e também por relações tipicamente hierarquizadas
entre os indivíduos ou entre as posições que eles ocupam. A localização das
pessoas numa determinada instituição fornecem a esses indivíduos, diferentes
graus de poder para tomar decisões. Poder, nesse sentido, é a capacidade de
agir na busca de seus próprios objetivos e interesses e está relacionado à
capacidade de intervir em uma seqüência de eventos e alterar seu curso, de
tomar decisões e perseguir seus fins, fazendo um bom uso do poder(5).
Essa discussão suscita reflexões baseadas na liderança do enfermeiro inscrita
em uma lógica dinâmica, de acordo com as mudanças constantes do mundo em que
vivemos. Uma vez que não existe gerência sem conflito, esse conflito é
construtivo quando pessoas diferentes entre si aprendem com suas diferenças.
Nesse aspecto, entre o ideal e o real no contexto hospitalar(4), a liderança
deve ser focalizada como um recurso fundamental para o enfermeiro que exerce
funções administrativas, através do entendimento de seu significado visando a
excelência do trabalho.
Tendo em vista estas considerações, os gerentes para serem melhores, precisam
ser treinados a tolerar a dor de escutar pessoas que discordam deles. Os
investimentos em recursos humanos são características de organizações de alto
padrão e desempenho, através de estímulos para opinar com autonomia, para criar
coisas novas e, também, novas formas de fazer coisas, criando verdadeiro clima
de autonomia e iniciativa entre os membros dos grupos(6).
Liderança na enfermagem gênese e poder
Acredita-se que antes mesmo da institucionalização da enfermagem como
profissão, a enfermeira tenha exercido a liderança na figura de Florence
Nightingale, precursora da Enfermagem Moderna. No conflito que envolveu a
França, Turquia e Inglaterra contra a Rússia no período de 1853 a 1856 (Guerra
da Criméia), Mrs Nightingale demonstrou seu potencial para as atividades
administrativas e as habilidades de liderança, supervisionando as enfermeiras e
organizando o cotidiano da assistência aos soldados.
O desempenho de Florence tinha marcas de alguns aspectos de sua personalidade
como a obstinação e a inteligência, além de um conjunto de autorizações, na
forma de um poder legitimado pelo Governo Britânico. A consolidação dessa
liderança foi o Sistema Nightingale através da exposição de sua preocupação de
que a Enfermagem é uma arte, uma profissão. Sua experiência no cenário da
guerra, consolida sua intenção de fundar uma Escola com objetivo de formar
enfermeiras capazes de treinar outras enfermeiras. Instituindo-se então, o
ensino de Enfermagem, com a abertura da Nightingale Training School for Nurses
at St. Thomas Hospital, em Londres (1860)(7)..
Em Notes on Nursing: What is and what is not,(8), são propostas várias
reflexões sobre o gerenciamento, entre elas, a compreensão do significado sobre
ser encarregado de, admoestando que poucos sabem como se desempenhar de um
encargo, talvez, sobre a questão da responsabilidade ou de estar encarregado
de. A responsabilidade, é vista como providenciar, e não apenas desincumbir-se
pessoalmente de suas tarefas, mas zelar para que todos façam o mesmo,
assegurando continuidade ao que foi designado.
A gênese da liderança na enfermagem sob essa perspectiva possibilita pensar a
liderança como uma habilidade do enfermeiro para fazer o que precisa ser feito,
para solucionar problemas, de levar ordem para onde quer que exista desordem,
de influenciar pessoas para que as tarefas sejam realizadas da melhor forma
possível. Embora existam críticas explícitas e implícitas sobre a gênese da
liderança vinculada as figuras de Florence Nightingale, é inconteste sua
habilidade de liderança, considerando, principalmente, a época em que viveu e
os papéis permitidos às mulheres
A capacidade de influenciar pessoas pode estar diretamente relacionada ao poder
de aprender a não caminhar sozinho, assumir os riscos e os desafios,
transformar as idéias em ações. Urge considerar e interpretar as lições de
líderes que estimulem e estabeleçam articulações possíveis com a nossa prática
de enfermeiros, repercutindo diretamente na profissão.
Nesse sentido, interpretar as lições de Maquiavel(9,10), pode ser considerado
um bom começo. Não com a interpretação de um mentor maior do poder
centralizado, ditatorial e absolutista, mas considerando a possibilidade de
libertação de um poder insólito, imprimindo uma nova direção às dimensões que
envolvem os líderes e as lideranças em Enfermagem.
Considerações Finais
Alguns autores referem que ainda existe uma tendência atual de negar os papéis
administrativos e de liderança como parte do trabalho do enfermeiro, no seu
processo de formação e uma busca do papel assistencial, o que tem suscitado
várias reflexões sobre os papéis negados e os papéis reforçados.
Considerando a liderança na enfermagem através dessa abordagem, implica avaliar
que seu enfoque é subvalorizado, o que não coaduna com a realidade eminente no
mercado profissional, uma vez que os estudantes se deparam com situações de
enfrentamento de gerenciamento e, conseqüentemente, de liderança.
Os papéis de gerência e lideranças devem ser inscritos numa lógica que os
complementem, preparando os futuros enfermeiros para exercerem ambos os papéis,
capacitando-os melhor para a realidade, com autonomia profissional marcada por
uma assistência comprometida com a verdade, e que estabeleçam articulações
possíveis entre a teoria e prática.
Uma prática de líder, que permita transformar o real e construir o ideal,
assumindo os desafios, removendo os entraves, contornando e superando as
barreiras assumidas como intransponíveis, considerando que a liderança se
inscreve em todas as atividades do trabalho do enfermeiro. Devemos construir
caminhos que coadunem com os interesses da nossa profissão, rejeitando
participar do jogo político, que é uma luta pelo poder de conservar ou de
transformar a realidade social. Muitas lacunas ainda existem, temos muito que
polemizar e estabelecer um desafio crítico-reflexivo, convictos de que as
teorias não se sustentarão, se não oferecerem estratégias de aplicabilidade.