Bioética
REFLEXÃO
Bioética
Boethics
Bioética
Cássia Regina Rodrigues NunesI; Amauri Porto NunesII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem Fundamental. Especialista em Bioética e
Enfermagem Médico-Cirurgica. Docente da Faculdade de Medicina de Marília,
disciplina de Ética e Bioética e Enfermagem Clínica.
IIEnfermeira. Mestre em Cirurgia. Especialista em Bioética e Cirurgia Vascular.
Docente da Faculdade de Medicina de Marília. E-mail do autor:
enfermag@famema.br
1 Introdução
A bioética surgiu na década de 70 como um novo campo de conhecimento, onde o
interesse era de resgatar as ciências humanas, na área das ciências duras:
matemática, física, química, principalmente nas ciências biológicas e na
medicina. Isso se deu após um período de pensamento crítico em relação ao do
capitalismo inconseqüente, que gerou grandes males à civilização, no sentido de
fortalecimento de valores individualistas, no sentimento de posse e poder.
Historicamente, sabemos que a aventura do conhecimento na civilização ocidental
é estabelecida pela maioria dos pensadores como tendo sua origem na Grécia
antiga, com o aparecimento dos primeiros pensadores. Foi lá que pela primeira
vez houve uma tentativa de sistematização do conhecimento para se explicar o
mundo.
Após um período de obscuridade, durante a idade média, houve o surgimento do
desejo de explicação racional do mundo. Até então, não havia distinção entre
ciência, filosofia e arte, pode-se dizer que eram praticamente sinônimos,
englobados pela filosofia.
Por volta do século XIX, a nova ciência empírica que nascera dentro da
filosofia, adquiriu maioridade e buscou sua independência das ciências humanas.
Um movimento filosófico, chamado positivismo, tomou força e fortaleceu a
supremacia das ciências empíricas sobre as metafísicas, das quais faziam parte
principalmente as ciências que hoje conhecemos como ciências humanas ou
humanidades.
Nesse período criou-se uma dicotomia entre ciência e as ciências humanas, que
posteriormente viria a solidificar-se em ciência verdadeira. As únicas
disciplinas que poderiam ostentar o título de ciência seriam aquelas que
partilhassem do método científico, ou seja, passíveis de comprovação empírica,
pensamento esse que representa o cerne do positivismo.
Naquele momento havia realmente necessidade da afirmação das novas ciências
nascentes, para que essas se libertassem das amarras impostas pela religião e
pela própria metafísica. Esse processo de divórcio entre as ciências empíricas
e a filosofia, representou uma forma de busca de legitimidade e auto-afirmação
das ciências empíricas. Porém, essa separação e podemos dizer até esse
antagonismo, entre o saber empírico e o saber reflexivo trouxe também
conseqüências maléficas para ambos.
No momento em que as ciências empíricas se distanciaram das ciências humanas,
perderam a capacidade de percepção e auto-reflexão sobre si mesmas, perderam a
capacidade de auto-crítica e principalmente a possibilidade de gerar sentido em
suas atividades.
Em 1970 o oncologista americano Van Rensselaer Potter cunhou o neologismo
Bioética para expressar uma nova ciência que deveria ser o elo de re-ligação
entre as ciências empíricas e as ciências humanas, mais especificamente a
ética. Essa união teria como finalidade a preservação da vida no planeta, visto
que o desenvolvimento científico sem sabedoria poderia por em risco a própria
vida na terra.
2 Abrangência
A noção de bioética tem sofrido várias mutações nesses últimos anos, mas nos
parece que, a mais interessante e frutífera continua sendo a original proposta
de Potter(1). Ele primeiramente sugeriu uma Bioética ponte, com a intenção de
unir ciência e filosofia para promover a sobrevivência. Mais tarde, esta evolui
para a bioética global, visto a necessidade de fusão da ética biomédica com a
ecologia, numa escala mais ampla, com a mesma finalidade, trazendo à discussão
questões de saúde pública a nível mundial. Sua missão continua sendo o
desenvolvimento da ética para a sobrevivência humana sustentável em longo
prazo. Posteriormente, sugere a bioética profunda devido à necessidade de
ampliar mais a discussão da bioética, pois a ciência é demasiadamente
importante para estar nas mãos somente dos cientistas. A bioética profunda faz
nexo entre as descobertas genéticas, conduta ética e a bioética global. A
pergunta que Potter fez e que devemos fazer é: Que tipo de futuro teremos?
Teremos alguma opção? Que futuro teríamos frente a um progresso e avanços
materialistas próprios da ciência e da tecnologia? A resposta estaria no
conceito filosófico de progresso que põe ênfase na sabedoria de grande alcance.
A ciência sempre nos colocou todas as possibilidades de descobertas e tornou-se
inquestionável o valor da evolução tecnológica, porém hoje se pergunta: tudo o
que posso fazer eu devo fazer?
A tese era de que havia sinais de que a sobrevivência de grande alcance da
espécie humana, em uma civilização sustentável, requereria o desenvolvimento e
manutenção de um sistema ético(1).
A ética se dedica ao estudo do comportamento na busca de uma melhor maneira de
agir. Quando falamos será que devo fazer isso ou aquilo, quando faço escolhas
baseio-me apenas em minhas experiências de vida. Mas o agir ético vai além de
um agir intuitivo ou baseado em experiências prévias de vida. Além das
experiências vividas, costumes e tradições, a ética propõe que nossas ações
sejam guiadas por princípios e, principalmente, por uma reflexão contínua.
Refletir é repensar nossa própria maneira de ser, é pensar sobre as situações
da vida, tentando entender as causas que as influenciam e as conseqüências das
mesmas, somente a partir de um entendimento mais amplo sobre as situações é que
podemos julgar, tomar decisões e agir. Isso é agir criticamente, o que exprime
verdadeiramente uma ação consciente. É portanto, desenvolver nossa capacidade
de pensar, analisar os fatos da vida, e nos considerarmos sujeitos e não objeto
de uma história construída. Não devemos adotar uma postura conformista, pensar
que as coisas não podem ser mudadas para melhor, que as coisas acontecem
independente de nossa intervenção. Se em todo momento colocarmos uma questão
para nós mesmos, se devemos agir assim, e procurarmos respostas entendendo que
o que cada um faz não tem conseqüências só para si ou somente para os outros,
estaremos modificando nossa história. Tudo o que fazemos tem conseqüências para
todos, porque a todo tempo estamos reproduzindo ou construindo valores novos,
porque fazemos parte de um todo, como espécie, como humanidade, como natureza.
A nossa maneira de pensar foi completamente influenciada pela nossa história e
assim se deu o não acompanhamento da evolução das ciências empíricas
conjuntamente ao das ciências humanas reflexivas. Essa incongruência entre
conhecimento e sabedoria começou a gerar conflitos na vida cotidiana.
Neste sentido a bioética tem um campo de reflexão bastante amplo, através dos
modelos teóricos desenvolvidos que ajudam a pensar sobre as situações da vida
ou de conflito, cotidianas, de limite e de fronteira e, também, classificadas
como problemas emergentes e persistentes.
Dentre os vários modelos teóricos desenvolvidos citamos: o principialismo, o
cantextualismo, o personalista humanista e o feminista. Todos o fazem de
maneira profunda e é extremamente importante estudarmos cada um deles, mas
podemos dizer que, diante desses modelos que analisam o mundo em que vivemos e
como nos relacionamos com ele, vários são os princípios que muitos deles
reforçam para que nossa existência possa ser mais pacífica e duradoura. Alguns
deles são: a solidariedade, a alteridade e a justiça. Muitos pensadores têm
discutido a impossibilidade hoje de se estabelecer princípios universais,
diante da diversidade moral e pluralidade de valores existentes. Assim se torna
necessário o exercício também da tolerância, do reconhecimento das razões
alheias e a importância do diálogo para entrar num consenso, nunca coercitivo,
mas com alguns requisitos para se chegar a um entendimento. Perguntamos, é uma
missão fácil? Colocar-se no lugar do outro, compreendê-lo, desfazer-se do
egoísmo, da competitividade ingênua ou manipulada, da busca do controle, da
dominação, do poder, do acúmulo de riquezas, da exploração, da competitividade,
tudo isso não é fácil e não mudamos por mudar. É por isso que precisamos
entender que temos boas razões para isso.
3 Conclusão
Existe hoje um grande número de produções nessa área que ajudam a nortear nossa
ação enquanto cidadãos, que buscam qualidade de vida e a preservação da vida no
planeta. Ampliar nosso conhecimento nesse sentido é buscar evoluir num
posicionamento crítico, isto é, preocupar-se com o modo de ser: pensamento-
julgamento-ação, em relação aos seres humanos entre si e com a natureza.
A bioética portanto, coloca-se na contínua busca da sabedoria, da crítica, do
uso da informação e do conhecimento para melhorar as condições de vida e
preservação da mesma. É poder combinar humildade, responsabilidade e
racionalidade, voltados tanto para o bem estar do indivíduo, quanto da
coletividade.
Para finalizar, colocamos o pensamento de Mill(2) em relação à preservação da
individualidade na busca desse bem estar, que está intrinsecamente ligado ao
ser e conviver em sociedade: Liberdade consiste em ser inteiramente si próprio,
fazer o próprio bem do seu próprio jeito, sem privar o outro do bem deles.