Risco para amamentação ineficaz: um diagnóstico de enfermagem
PESQUISA/RESEARCH/INVESTIGACIÓN
Risco para amamentação ineficaz: um diagnóstico de enfermagem
Risk of ineffective breast-feeding: a nursing diagnosis
Risco para el amamantamiento ineficaz: un diagnostico de enfermería
Cláudia Silveira Viera
Enfermeira. Mestre em Enfermagem Fundamental pela EERP - USP. Docente da
Universidade Estadual do Paraná na disciplina de Pediatria e Obstetrícia
E-maildo autor: claudiavictor@terra.com.br
1 Introdução
Os acontecimentos que envolvem o nascimento de um bebê prematuro ou doente,
resultando na sua internação na Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTI
neonatal), levam as mães a manifestarem sentimentos e ações perante esta
situação, que muitas vezes são compreendidas pelos profissionais que as
assistem neste evento.
A experiência vivenciada pelas mães de recém-nascido (RN) prematuro ou doente
internado na UTI neonatal constitui-se efetivamente em um processo de (re)
significação de suas representações sociais, sendo este movimento o que
possibilita a participação efetiva e legítima das mães junto ao filho durante a
hospitalização do RN na unidade e proporciona elementos para essas mães viverem
a experiência. Esse processo poderá ser vivenciado com menos angústia e
sofrimento, pelas mães, dando-se com maior clareza para elas, se os
profissionais, que assistem os seus filho RN no contexto da UTI, tornarem-se
disponíveis transformando-se em seus parceiros na experiência materna de
vivenciar o nascimento do filho prematuro ou doente e sua internação na UTI
neonatal.
Estas colocações permitiram compreender que o profissional de enfermagem na UTI
neonatal precisa interagir com a mãe/família do RN hospitalizado para propor as
intervenções necessárias tanto para este como para sua mãe/família, porém o que
se percebe é que a equipe de enfermagem ainda tem o RN como centro do seu
cuidado e que a mãe/família é contemplada apenas como elo para o cuidado da
criança. Nesse sentido, quem atua em UTIs neonatais não pode desconsiderar a
necessidade de avaliação da mãe como um cuidado de enfermagem, uma vez que a
participação desta no processo de hospitalização é condição inata para a
melhora clínica e emocional do RN hospitalizado.
De outro modo, a mãe necessita de atenção, educação e acompanhamento para que
possa obter na alta hospitalar do RN uma lactação efetiva, possibilitando o
aleitamento materno do RN no pós-alta hospitalar.
Com base nessas afirmações é que surge esse estudo que tem como objetivo
apresentar o diagnóstico de enfermagem risco para amamentação ineficaz em mães
com filho prematuro hospitalizados em uma UTI neonatal.
2 Caminho metodológico
A escolha do tipo de pesquisa que foi desenvolvida nesse estudo recaiu sobre o
estudo de caso, considerando que as características deste método estão de
acordo com a proposta do trabalho. Mediante este tipo de pesquisa pode se ter
uma visão integral do indivíduo participante da pesquisa, pois se torna
possível o trabalho com uma abrangência do contexto que o rodeia.
O estudo de caso consiste em uma observação detalhada de um contexto, ou
indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento específico.
Ou ainda de um meio de organizar os dados sociais preservando o caráter
unitário do objeto social estudado sendo uma abordagem que considera qualquer
unidade social como um todo, em que esta unidade citada pode ser uma pessoa,
uma família ou um grupo social, um conjunto de relações ou processos (como
crises familiares, ajustamento à doença, formação de amizade, etc.), ou mesmo,
toda uma cultura(2).
Utilizou-se como roteiro de coleta e registro dos dados um instrumento
elaborado previamente, compondo-se de entrevista e exame físico, construído com
base no sistema conceitual proposto por Imogene King(3).
Depois da aprovação do estudo por um Comitêde Ética e Pesquisa o instrumento
foi aplicado à amostra, a qual se constitui de puérperas que tiveram seus
filhos prematuros hospitalizados.
A investigação foi desenvolvida em um hospital regional, que é uma instituição
pública e estadual, com cento e oitenta leitos, dos quais praticamente 90% são
ocupados por pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Do total de leitos,
nove são destinados para o Centro Obstétrico, 16 para o sistema de Alojamento
Conjunto (AC) Obstétrico e 14 para UTI Neonatal.
A pesquisa foi realizada na unidade de internação do AC Obstétrico dessa
instituição, em que através da interação com a equipe de enfermagem da unidade,
obteve-se informações referentes à hospitalização, no local, de puérperas com
Rns prematuros e hospitalizados. De posse dessas informações, partiu-se para o
contato com a puérpera, explanando sobre a pesquisa. Após a obtenção do
consentimento formal, realizou-se a entrevista e exame físico, sendo agendado
um novo encontro com as puérperas quando elas retornavam ao serviço para
visitar o filho hospitalizado.
Fizeram parte da população deste estudo, as puérperas de qualquer idade que
tiveram seu filho prematuro internado na UTI Neonatal e que estavam ainda
hospitalizadas, ou seja, nas primeiras 72 horas após o parto. Dessa forma, a
amostra estudada constituíu-se de 35 puérperas, as quais foram reavaliadas
durante o período de hospitalização de seu filho, momento este em que se
questionou acerca de dados como rotina familiar e observou-se a visita da mãe
junto ao RN. E os dados foram coletados durante um período de quatro meses,
consistindo da entrevista e exame físico de 35 mães que estavam na situação
descrita e que se propuseram a participar do estudo através da assinatura de um
consentimento.
Durante todo o processo de coleta de dados as informações subjetivas e as
impressões do pesquisador foram confirmados com as puérperas e durante o
encontro seguinte, eram discutidos os problemas percebidos por ambos.
Em um segundo momento do estudo, estabeleceu-se os diagnósticos de enfermagem
com base na Taxonomia I dos Diagnósticos de Enfermagem da North American
Nursing Diagnoses Association - NANDA(4) (1999), utilizando-se o processo de
raciocínio diagnóstico, proposto por Risner(5), de acordo com a aplicação de
Carvalho e Jesus(6). Realizada essa etapa, a lista de diagnósticos e seu
respectivo processo de raciocínio foram entregues a duas pessoas, sendo uma
delas a própria orientadora deste estudo e a outra, docente da área de
enfermagem materna, para que fossem ou não confirmados os diagnósticos.
Posterior a essa fase, os diagnósticos de enfermagem seguindo a Taxonomia I dos
Diagnósticos de Enfermagem da NANDA foram inseridos em cada um dos três
sistemas propostos por King(3).
Considera-se importante ressaltar que na medida que foram estabelecidos os
diagnósticos de enfermagem, as pacientes receberam a assistência de enfermagem
específica, embora as intervenções de enfermagem não constituíssem foco de
interesse deste estudo.
A análise dos dados da pesquisa envolveu inicialmente uma caracterização geral
das puérperas investigadas nesse estudo, referentes a dados como a idade,
estado civil, escolaridade, renda familiar, ocupação/profissão, presença de
companheiro, número de gestações e de consultas no pré-natal, tipo de parto,
complicações no trabalho de parto e parto, idade gestacional no momento do
parto.
A seguir, fez-se a apresentação dos diagnósticos de enfermagem identificados,
optando-se pela apresentação e discussão daqueles com uma freqüência igual ou
maior que 50%.
3 Resultados e discussão
Este diagnóstico não foi encontrado na Taxonomia I dos Diagnósticos de
Enfermagem da NANDA como um diagnóstico de risco e sim como um diagnóstico real
denominado Amamentação Ineficaz. Neste estudo, acredita-se que esse diagnóstico
de enfermagem, não seria o mais adequado para retratar a situação vivenciada
pela amostra estudada, pois se entende que quando o diagnóstico de Amamentação
Ineficaz é estabelecido é porque já se teve uma experiência com o processo de
amamentação e não se obteve sucesso por algum motivo. Em estudo que procurou
identificar os fatores de risco associados a esse diagnóstico e propõe sua
inclusão na NANDA. Com base no exposto, pensou-se que o estabelecimento desse
diagnóstico de enfermagem neste estudo é mais adequado como Risco
paraAmamentação Ineficaz,fazendo uso da definição "estado em que a mãe ou bebê
apresenta maior vulnerabilidade para dificuldade na amamentação"(7). Acredita-
se que neste estudo, este seja um diagnóstico de risco, devido à situação
vivenciada, pois como ainda não se estabeleceu a amamentação, não se pode
avaliar sua eficácia e sim os fatores de risco que predispõem essa mulher a não
estabelecer a amamentação. O referido diagnóstico foi detectado em 100% da
amostra, devido à situação vivenciada, pois a separação prolongada acarreta a
não estimulação do seio materno pela sucção do RN, levando ao retardamento da
"descida do leite". Esse fato associado ao estresse vivenciado pela mãe, aos
seus temores em relação à condição de seu filho, seu sentimento de culpa pelo
acontecido, muitas vezes a ingesta diminuída de líquidos, bem como o
desconhecimento de formas de manutenção da lactação enquanto o RN está
impossibilitado de sugar ao seio, e ainda a não estimulação da lactação nas
mães dos RNs hospitalizados por parte dos profissionais de saúde e o início da
estimulação oral nos RNs através de formas não naturais de aleitamento, como as
mamadeiras, direcionam a não amamentação deste RN na sua alta hospitalar. Essa
situação ocasiona todas as possíveis conseqüências do desmame ou do não
aleitamento materno.
O leite materno produzido e armazenado é removido através da sucção do RN ao
seio materno(8). Consistindo assim, a sucção como o primeiro estímulo para que
seja enviada uma mensagem que dê início ao reflexo neurohormonal que ativa a
produção de leite, na ausência de sucção e do enchimento completo das mamas, a
lactação não perdurará mais que alguns dias. Confirma então que os fatores
presentes nesse estudo de separação mãe e RN pela hospitalização e as condições
clínicas e de maturidade do RN que inviabilizam a coordenação de sucção e
deglutição, levam a não estimulação da sucção e, portanto, a diminuição da
lactação.
Coloca-se ainda que sentimentos de ansiedade, tensão e dor inibem o reflexo
neurohormonal ocorrendo à diminuição da ejeção do leite. Estudos confirmam essa
colocação sobre os sentimentos negativos vividos pela mãe como um fator que
inibe a lactação(9). Presenciou-se nesse estudo sentimentos de medo, envolvendo
culpa e apreensão, bem como de conflito perante os papéis desempenhados como
mãe.
A detecção desse diagnóstico deu-se através da constatação de fatores de risco
como a prematuridade do RN, que leva a hospitalização desse, propicia a
separação do RN de sua mãe e família e oportunidade insuficiente de amamentação
ao seio, levando a uma inconstância da sucção do seio materno. Nesse fator
pode-se incluir o número reduzido de visitas da mãe ao RN, as condições
clínicas do RN e o uso de alimentação artificial. Associado a esses fatores de
risco tem-se o desconhecimento pelas puérperas de formas de manutenção da
lactação, como a extração manual das mamas com freqüência, a ingesta hídrica
adequada, durante a hospitalização do RN, traduzindo-se no fator de risco de
déficit de conhecimento sobre manutenção da lactação.
Outros fatores de risco que emergiram neste diagnóstico foram o medo
materno,referente à possibilidade de secar o leite e a preocupação com o RN, a
história prévia de fracasso na amamentação, relatada como "secar" o leite,
doença da mãe e tipo de mamilo, a presença de anomalia do seio materno(mamilo
invertido ou semi-invertido).
A maior incidência dos fatores de risco apresentados neste trabalho foi à
associação dos seguintes fatores:prematuridade, oportunidade insuficiente para
a amamentação ao seio (RN hospitalizado), déficit de conhecimento (manutenção
da lactação), medo materno, inconstância da sucção do seio (separação,
prematuridade, alimentação artificial do RN), o qual foi detectado em 19
puérperas (54,28%) das que apresentaram esse diagnóstico.
Na literatura foram identificados alguns dos fatores que também foram
detectados nesse estudo, como mamilo mal formado, desconhecimento sobre como
extrair leite materno, a enfermidade da mãe e RN, baixa ingesta de líquido e a
ansiedade(7). É citado como fator de risco a demora no primeiro contato mãe e
RN(7). Acredita-se ser esse também um fator que pode ser considerado nesse
estudo que propicia o risco da amamentação ineficaz, pois a separação da mãe e
RN ocorreu imediatamente após o parto e a mãe só poderia ir visitá-lo na UTI
Neonatal quando estivesse em condições físicas de fazê-lo, o que ocorreu na
maioria das vezes após as primeiras 24 horas do pós-parto, portanto, ocorrendo
um contato tardio.
Das puérperas que participaram desse estudo, 13 (37,14%), tiveram seus filhos
caracterizados como prematuros moderados e 13 (37,14%), foram considerados como
prematuros extremos. Os Rns em uma UTI neonatal permanecem hospitalizados por
um período médio de 20 dias, e em média de 41 a 50 dias respectivamente para os
prematuros moderados e prematuros extremos(10). Dessa forma, percebe-se que
nesse estudo o tempo da separação mãe e RN, bem como da família e RN foi
prolongado, uma vez que os Rns foram caracterizados como prematuros extremos e
moderados esta situação pode levar a um não estabelecimento efetivo da
amamentação, pois se a mãe não estiver preparada para manter a lactação durante
este período de hospitalização do RN, dificilmente conseguirá amamentar seu
filho pós alta hospitalar.
Essa separação é um fator predisponente para a dificuldade de interação entre
mãe e RN, o que pode acarretar um menor tempo de duração da amamentação,
decorrente da menor interação entre mãe e filho nas primeiras 12 semanas de
vida do RN(11).
A mãe que sofre um parto prematuro e é separada de seu filho logo após o
nascimento, deve estimular artificialmente a produção de leite, utilizando a
expressão manual ou expressão elétrica ou por esgotadeira, bem como deve haver
a intervenção do profissional enfermeiro desde o nascimento da criança no
sentido de avaliar as condições da mãe, conhecimento sobre amamentação e seu
interesse em manter a lactação para amamentar o RN na alta hospitalar. Assim,
referimos os cinco princípios básicos para a manutenção da produção de leite, a
saber, hidratação adequada, ingesta diária de líquidos pela lactante (entre
dois a três litros/dia), dieta balanceada, relaxamento materno, estimulação
freqüente, extração das mamas para estimular a lactação e descanso, pois a
fadiga causa diminuição da produção de leite. A amamentação do RN prematuro
precisa de dedicação, perseverança, e esclarecimento para o suporte do cuidado,
em que a equipe de enfermagem tem um papel vital no estabelecimento de
condições que conduzam ao sucesso da amamentação.
Cabe dizer que a detecção dos riscos para amamentação ineficaz pelo enfermeiro
norteará o planejamento dos cuidados de enfermagem a essa mãe com o intuito de
promover a lactação, para que o RN possa ser amamentado ao seio materno, quando
estiver em condições clínicas de fazê-lo, prevenindo o desmame precoce.
Assim, a identificação de riscos para a não amamentação durante o período de
hospitalização, direciona um cuidado de enfermagem voltado para a prevenção de
um possível diagnóstico de amamentação ineficaz.
4 Considerações finais
Embasando-se na apresentação do diagnóstico de risco para a amamentação
ineficaz para os Rns hospitalizados em UTI neonatal, devido aos fatores de
riscos detectados nesse estudo, os quais envolve tanto as condições da mãe
quanto do RN, cabe ressaltar a importância do conhecimento desse diagnóstico de
enfermagem pelos profissionais da equipe de enfermagem atuante nas Utis
neonatal. Pois dessa foram poderão estar direcionando o cuidado à criança
hospitalizada e à mãe.
Somente mediante a prevenção dos agravos provocados pela separação mãe/filho
durante o período de internação hospitalar, como, por exemplo, promovendo a
interação precoce entre esses indivíduos, propiciando condições à mãe para que
esta permaneça junto do filho hospitalizado, promovendo e estimulando a
produção de leite materno pelo incentivo e treinamento da ordenha manual,
encaminhamentos e acompanhamento do banco de leite, avaliação psicológica que
minimize a dor da separação, favorecendo o esclarecimento e compreensão do
processo de separação e hospitalização do RN pela mãe/família, é que poderá se
obter sucesso na manutenção da lactação até a alta hospital do RN.