Consulta de enfermagem na promoção da saúde sexual
REVISÃO/REVIEW/REVISIÓN
Consulta de enfermagem na promoção da saúde sexual
Nursing appointment (consultation) for the promotion of sexual health
Consulta del Enfermería en la promoción de la salud sexual
Edir Nei Teixeira Mandú
Enfermeira/ABEn-MT. Doutora em enfermagem pela USP/Ribeirão Preto, professora
da Faculdade de Enfermagem e Nutrição da UFMT
E-mail do autor: enmandu@terra.com.br
1 Introdução
As práticas em saúde das várias profissões buscam, apoiadas em processos
assistenciais e tecnológicos diversos, satisfazer necessidades e antecipar-se
e/ou solucionar problemas priorizados social, política e tecnicamente. A
consulta de enfermagem é uma desses processos que compõe a histórica atenção
clínico-educativa em saúde, comumente realizada de forma individualizada como
parte dos cuidados primários dos serviços de saúde.
No denominado campo da ginecologia, a consulta de enfermagem, nos limites
sociais das competências da enfermeira(o), tem se voltado sobretudo à prevenção
e resolução de um conjunto de problemas da biodinâmica feminina, de comprovada
relevância epidemiológica, afeitos ao sistema genital e desenvolvimento sexual.
Assim é que questões como DSTs e aids, transtornos genitais, câncer de mama e
colo uterino, controle da fertilidade, dentre outras, ocupam um espaço
privilegiado no seu encaminhamento.
Com esse contorno, desconsideram-se nas consultas vários direitos e
necessidades mais abrangentes em saúde sexual, relativos às suas bases sociais,
às inter-relações, à realização pessoal, ao prazer, às interações corporais
sexuais, à dimensão afetiva - constituintes da sexualidade de homens e
mulheres.
Em uma perspectiva de cuidados integrais, contudo, a abordagem desses aspectos
na prestação da atenção coletiva e individual é um diferencial, na medida em
que resgata dimensões sociais e subjetivas da vida humana. De modo que a ação
profissional da enfermeira(o) na consulta à saúde sexual deve contemplar, o
mais amplamente possível, aspectos biológicos, sociais, subjetivos e de
comunicação pertinentes às experiências eróticas, à autopercepção corporal, às
trocas afetivas e relacionais humanas significativas, lidando com
vulnerabilidades, potenciais, necessidades e/ou problemas relacionados.
Esse ponto de vista remete à necessidade de construir ou realçar alternativas
metodológicas que possibilitem tal abordagem pela enfermeira(o) através da
prática de consulta. Metodologias correspondem, em sentido amplo, à
operacionalização de um conjunto de passos, à aplicação de determinados
instrumentais, e a um conjunto de referências que dão sentido e sustentação ao
caminho traçado/trilhado (1-2). Ou seja, metodologias articulam referências que
delimitam a trajetória e o uso de determinados procedimentos, instrumentos e
conteúdos na abordagem de uma dada realidade (no caso, a vida e saúde sexual),
segundo a perspectiva ou conjugação de perspectivas adotadas.
Assim, a seguir, evidenciam-se algumas proposições em torno da consulta de
enfermagem em saúde sexual, assumindo uma perspectiva promocional de atenção.
Tais proposições podem ser utilizadas na construção concreta de trajetórias,
conteúdos, escolhas e usos de instrumentais aplicáveis às consultas.
De modo especial, valorizam-se aspectos relacionados a vulnerabilidades e aos
potenciais das pessoas no campo em questão, apoiados no desenvolvimento de
inter-relações e ações educativas adequadas ao incremento de capacidades como
as de interpretação, confrontação, e participação ativa no controle da própria
sexualidade, dos cuidados públicos e ambientes sociais e institucionais à saúde
sexual.
2 Objetivos da consulta de enfermagem à promoção da saúde sexual
O encaminhamento da consulta de enfermagem, tendo como finalidade última a
promoção da saúde sexual, deve desdobrar-se em objetivos amplos, que considerem
pelo menos quatro aspectos essenciais: os direitos sexuais históricos;
processos geradores de vulnerabilidades e potenciais de enfrentamento; perfis
sócio-epidemiológicos específicos; necessidades e demandas dos sujeitos alvos
de cuidados.
Os direitos sexuais históricos(3) referem-se à necessidade de prazer corporal,
e de livre expressão do potencial sexual e reprodutivo (sem coerção,
discriminação, exploração e abusos relacionados ao sexo, gênero, à orientação
sexual, idade, raça, classe social, religião, a deficiências mentais ou
físicas). Dizem respeito ao direito ao desenvolvimento de habilidades para a
tomada de decisão autônoma e ética sobre a própria vida sexual e ao acesso a
informações baseadas no conhecimento científico ético. Além disso, abarcam o
acesso à educação sexual durante toda a vida, à prevenção e ao tratamento de
todos os problemas sexuais, preocupações e desordens.
Também devem nortear a consulta de enfermagem e os objetivos a atingir os
processos socioculturais, institucionais, familiares, subjetivos e
comportamentais geradores de vulnerabilidades(4) ou promotores de potenciais de
enfrentamento dos problemas no campo em questão. O reconhecimento de
suscetibilidades e/ou potenciais particulares é uma perspectiva importante à
adoção de processos interacionais e educativo-assistenciais apropriados ao
acolhimento de necessidades, possíveis nos limites da atenção individual.
Dessa forma, a consulta de enfermagem em saúde sexual, de um modo geral, deve
ter por objetivos:
-a promoção de percepções e relações favoráveis ao livre, saudável e
prazeroso exercício da sexualidade;
-a geração da autonomia, autocontrole corporal e responsabilização
com a vida e saúde sexual;
-a ampliação da participação dos sujeitos alvos da atenção na tomada
de decisão e controle em torno de questões relativas à sua vida e
saúde sexual;
-o reconhecimento de direitos sexuais, do direito à atenção à saúde e
à proteção contra abusos do corpo;
-a prevenção e controle dos sofrimentos e desgastes psico-emocionais,
relacionais e orgânicos;
-a redução de problemas como a aids, o câncer de mama e colo uterino,
DSTs, contracepção indiscriminada, gestação indesejada e abortos
provocados, violências domésticas e sexuais, desigualdades de poder
entre homens e mulheres ou outros de qualquer ordem, problemas psico-
emocionais e sexuais.
Do ponto de vista operacional, o encaminhamento da consulta de enfermagem deve
buscar estabelecer inter-relações favoráveis à abordagem da saúde sexual,
buscando a participação ativa daqueles que são alvos das ações. Deve considerar
a dimensão relacional da sexualidade e saúde sexual e adotar medidas educativo-
assistenciais de menor risco e desconforto, articulando os necessários apoios
locais, e em outros serviços e/ou setores.
Na eleição concreta dos objetivos de atendimento e na definição e uso de
tecnologias assistenciais deve-se ter em mente a dimensão biológica, subjetiva
e sociocultural da sexualidade em suas especificidades, considerando a inserção
social dos sujeitos e suas peculiares histórias de vida. Esses são aspectos que
integram a complexidade dos sujeitos alvos de cuidados (mulheres e homens),
sendo importantes no reconhecimento das peculiaridades relativas às
vulnerabilidades, necessidades e problemas relacionados ao exercício da
sexualidade.
Assim, a definição dos objetivos da consulta de enfermagem em cada localidade e
serviço de saúde deve igualmente considerar: o perfil sócio-epidemiológico dos
sujeitos que serão alvos de atenção; os recursos sociais e de saúde
disponíveis; o direcionamento político nacional, estadual e local para a
atenção à saúde/saúde sexual; e as demandas expressas dos sujeitos que serão
alvos dos cuidados de enfermagem.
3 Inserção da consulta de enfermagem em saúde sexual nos serviços de saúde
A consulta de enfermagem voltada à saúde sexual deve fazer parte do conjunto de
ações planejadas à atenção à saúde, e se articular a outras ações/medidas
internas e externas ao setor/serviço, envolvendo a equipe de saúde, práticas
interdisciplinares e intersetoriais. O acesso das pessoas à consulta de
enfermagem em saúde sexual deve ser complementado por outras modalidades
assistenciais e de acesso ao serviço/atenção que permitam respostas mais
abrangentes de enfrentamento de vulnerabilidades e necessidades vividas.
Nesse sentido, dentre outros aspectos, são importantes:
-o acesso abrangente e facilitado aos vários atendimentos, ações e
serviços;
-uma equipe integrada e capacitada (para diagnóstico, tratamento,
ações educativas, acolhimento, organização da atenção, vigilância à
saúde, etc.);
-a adoção sistemática de medidas de biossegurança;
-uma vigilância epidemiológica permanente (de investigação e
interrupção de cadeias de transmissão, de registro, notificação
compulsória e complementar, de análise de problemas, sua incidência e
causas, de definição e monitoramento de medidas de controle, e de
distribuição das informações);
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