Cuidar permanência: enfermagem 24 horas, nossa maneira de cuidar
INTRODUÇÃO
Esta reflexão, nascida das discussões da disciplina O Cuidado em Si, do Curso
de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos (CMACCLIS), acerca da análise do
conceito Cuidado em Enfermagem, reportou as pesquisadoras à prévia discussão
produzida em outra disciplina do mesmo curso: Filosofia da Ciência. Nesta,
utilizou-se a epistemologia de Gaston Bachelard, que remete o homem diurno à
reflexão de sua História, fazendo-o reconstruí-la sempre, criando um interesse
vital pelo instinto formativo e não conservativo do espírito científico,
aliando-se a isso, o homem noturno, um ser poético, fenomenológico, em
permanente busca de sua essência, sua subjetividade(1).
Houve também a contribuição de outros autores e teóricos, permitida pela sempre
flexível proposta de construção dialética de saberes entre saberes, defendida
por Bachelard. E, nesta dialética de saberes, tem-se Coelho(2), autora do
artigo Maneiras de Cuidar, que incentivou a criar novas maneiras de cuidar,
dando continuidade ao projeto Mil e Uma Maneiras de Cuidar Específicas da
Enfermagem.
Portanto, a partir da ideia metafórica do "homem 24 horas" de Bachelard e do
convite de Maria José Coelho, encontrou-se o fio que teceu uma nova maneira de
cuidar, delineada harmonicamente entre aspectos subjetivos e objetivos do ser
humano, contextuali-zando esse cuidar, no exercício cotidiano do cuidado de
enfermagem ao paciente renal crônico em tratamento de diálise. A essa maneira
de cuidar denominou-se de Cuidar Permanência, da qual emergiram as seguintes
questões norteadoras deste estudo: qual a subjetividade e objetividade que
permeia a maneira de cuidar de pessoas que precisam cotidianamente da terapia
dialítica? Qual a intenção do cuidado da Enfermagem na terapia dialítica?
Para iniciar o cuidar permanência ao paciente, é preciso começar pelo momento
do diagnóstico, quando o paciente inicia o tratamento dialítico, recebendo de
imediato o difícil diagnóstico de Insuficiência Renal Crônica (IRC). Um
paciente inseguro, que anseia saber quem e como será recebido nesta nova
realidade que, aliás, é repleta de mudanças das mais diversas ordens, na qual
teoricamente não se tem alta hospitalar, pois dependerá desse tratamento para o
resto de sua vida.
Os pacientes e seus familiares enfrentam diante da descoberta da doença renal
crônica e das intervenções terapêuticas, situações desoladoras, por vezes
incompreensíveis e inaceitáveis, de profunda transformação multidimensional,
que consiste em cuidados especiais por toda a vida. Dessa forma, o enfermeiro
deverá está preparado para o cuidar permanência, por meio de condutas de
aproximação, consideração e compreensão da existência do outro.
Com o reconhecimento da subjetividade/objetividade no cuidar da enfermagem,
torna-se relevante buscar ações/decisões, agregando ao habitual modelo
biologista a subjetividade que também permeia o cuidado em enfermagem,
evidenciando nesta reflexão a rotina de trabalho do profissional enfermeiro
dentro de uma unidade de diálise.
Diante do exposto, o estudo objetivou delinear novas maneiras de cuidar na
enfermagem dialítica, tecendo um sistema de cuidados dispensados ao paciente
renal crônico.
REFERENCIAL TÉORICO-METODOLÓGICO
Para descrever os cuidados da enfermagem prestados ao paciente com
insuficiência renal crônica, optou-se por um estudo teórico-reflexivo na
abordagem qualitativa. Foram utilizados os conceitos de cuidar de Maria José
Coelho(2) e do conhecimento científico, segundo o filósofo Gaston Bachelard em
sua obra denominada A formação do espírito científico: contribuição para uma
psicanálise do conhecimento e A poética do devaneio(1,3).
O pensamento é dinamizado através de dois caminhos: o da epistemologia e o da
poética, logo há a contestação de pressupostos e o afastamento de hábitos e
atitudes de conhecimentos arraigados pela tradição. De um lado a ciência, com
sua racionalidade e rigor, de outro, o devaneio, ou seja a subjetividade
humana, que nos enleva através de imagens súbitas e originais(1). Ciência e
poética, antagônicas como o dia e a noite, mas ao mesmo tempo, complementares,
pois nos instauram num mundo novo surreal, elevando-nos enquanto homem em toda
sua plenitude, pois é transitando nos dois caminhos que se alcança a formação
integral(4).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seguir o delineamento do Cuidar Permanência, no qual serão destacadas as sete
maneiras de cuidar do outro, dispostas na sequência que ocorrem, ou seja,
obedecendo à dinâmica regida pelo cotidiano da terapia dialítica (Quadro_1).

O primeiro cuidado
O "cuidar admissional" apresenta-se como um conjunto de normas e rotinas,
direitos e deveres. O paciente fragiliza-se quando é hospitalizado, por está
distante de seu habitat comum, a hospitalização faz com que ele necessite se
engajar em um outro grupo social. Ao dar entrada no hospital, o cliente sente
que seu mundo ruiu. Recebê-lo bem, com atitude cortez e amigável é a
articulação dos conhecimentos das ciências do comportamento para cuidar que
consolida este cuidar na enfermagem(2).
O primeiro cuidado é sem dúvida o acolhimento ao paciente. Neste acolhimento,
tem-se a postura receptiva assumida pelo profissional, exacerbando a
humanização do seu atendimento, a sua atitude ao recebê-lo, escutá-lo,
construindo uma relação de mútuo interesse(5).
Contudo, dado o pressuposto de que a pessoa deve tomar decisões, dar sentido e
direção a sua vida, lutando e se esforçando para viver, apresenta-se como
embasamento deste primeiro cuidado a Teoria Humanística de Josephine Paterson e
Loretta Zderad, já que esta busca compreender as vivências, considerando a
singularidade do paciente enquanto ser único, com o seu próprio mundo vivido.
Deste modo, o enfermeiro deve compreender a enfermagem como "uma experiência
vivida entre seres humanos" autênticos. Neste tipo de interação "o significado
da enfermagem como um ato humano é o ato em si mesmo", cuja enfermagem é
compreendida como "uma resposta à situação humana"(6). Considerando essa
dimensão de comunicação, a Enfermagem é entendida como um diálogo vivo,
desenvolvida a partir da formação de uma relação intersubjetiva, entre um
indivíduo único (EU) com o outro também único (TU). Nesta teoria, esta relação
dialógica é facilitada por tais elementos, como: o encontro, o relacionamento,
a presença, o chamado e a resposta(6).
O paciente, ao receber o diagnóstico de IRC, sente-se inseguro, confuso, com
muitas dúvidas porque ainda não compreende a amplitude de mudanças que são
inerentes a este diagnóstico. Acolher este ser, neste momento é acolher
empaticamente a sua dor, a sua angústia e o seu medo(7).
Através da experiência das pesquisadoras deste estudo, percebeu-se que no
momento da revelação do diagnóstico, o paciente quer ESCUTAR o profissional.
Ele necessita da ESCUTA não porque o enfermeiro sistematicamente tem que
informar o que a ele vai acontecer, mas porque deseja conhecer este novo mundo
ao qual acaba de adentrar. Esta percepção reflete o ENCONTRO entre o
profissional (EU) e o seu paciente (TU), na medida em que suas expectativas de
FALA e de ESCUTA, respectivamente, são percebidas entre ambos. Os aspectos
subjetivos são percebidos e a singularidade do ser posta à sua valorização.
A fala de um e a escuta do outro são vivenciadas em simulta-neidade vivida: "é
somente no relacionamento do NÓS que posso vivenciar concretamente você num
determinado momento de sua vida"(8). O chamado e a resposta acontecem de forma
verbal e não-verbal, cuja comunicação se estabelece com a fala do enfermeiro e
a escuta curiosa do paciente. No momento em que se reportou ao paciente com
todas as informações, assumiu-se uma postura de respeito, dando-lhe liberdade
de opções quanto à terapêutica a ser seguida. Assim, adentrou-se em seu espaço
íntimo, refletindo a confiança estabelecida.
O paciente, desta forma, passará então para uma próxima etapa que rege o
tratamento dialítico. A etapa das concretizações das mudanças inerentes à
terapêutica. Com conhecimento recebido e a confiança no profissional que dele
cuida. Ele agora necessita falar sobre essas mudanças.
O segundo cuidado
O segundo cuidado será caracterizado pelo estabelecimento do vínculo
intersubjetivo iniciado no primeiro cuidado, pois somente se chega ao
significado subjetivo a partir das palavras que o outro fala(8). Portanto, o
paciente necessita falar sobre o tratamento que irá iniciar e a esse assunto é
inerente à mudança que o seu corpo sofre.
Antes da mudança dietética ou da restrição hídrica, a instalação do acesso
vascular para a hemodiálise ou o cateter abdominal para a diálise peritoneal é
a primeira mudança pelo qual o paciente passará. A imagem corporal é afetada
pelo início do tratamento dialítico e o sofrimento é perceptível nesta etapa da
terapêutica. Sentimentos de dor, devido às punções venosas, vergonha, medo,
raiva, tristeza, constrangimento, fragilidade, angústia, mal-estar, frustração
e indiferença são comuns nesses pacientes(9,10,11).
Uma relação dialógica fortemente estabelecida deve ser evidenciada neste
momento do cuidado, pois o paciente sente-se seguro à abertura do diálogo,
renunciando ao desejo da escuta. Ele agora deseja FALAR, porque tem vontade de
partilhar suas angústias, seus medos. O vínculo criado e agora estabelecido
entre profissional e paciente permite a renuncia ao distanciamento entre ambos,
transformando-os em parceiros de confiança.
Portanto, a instalação do acesso dialítico anuncia o próximo passo a ser dado.
Um passo que permeia a objetividade puramente tecnicista inerente ao início da
sessão dialítica. Contudo, um profissional contaminado pelo vínculo
estabelecido e sem esquecer a subjetividade repleta de existencialismo-
relacional, antecipa o seu cuidado e fortalece a sua parceria, ajudando o
paciente no enfrentamento da árdua tarefa de iniciar o tratamento dialítico
propriamente dito.
O terceiro cuidado
O paciente nesse momento defronta-se com a tecnologia que o cerca. Uma
tecnologia dura, permeada por maquinários e ações técnicas repetitivas. O
paciente, então, defronta-se com ela e necessita enfrentá-la.
Consiste no momento do "Cuidar dos Líquidos Corporais", líquidos que entram e
que saem do corpo. É preciso medir, controlar, observar, anotar, comparar e
acompanhar com precisão no momento em que se fizer necessário. Os líquidos que
entram e saem e assim (des)equilibram o organismo(2).
Uma técnica realizada com a qualidade regida pelo seu manual de padronização,
pela segurança e habilidade do profissional e pela confiança estabelecida com o
vínculo intersubjetivo remete ao paciente uma sensação de bem-estar, refletida
pelo "entregar" de sua vida nas mãos de profissionais.
A punção de uma fístula, o manuseio de um cateter, a conexão do paciente a
máquina de hemodiálise, a primeira vez do paciente sozinho em casa ao iniciar a
diálise peritoneal não pode ser reduzido ao simplificado da ação livre e
dissociada ao ato de cuidar.
Um valor em si opõe-se à circulação de outros valores(3). Então, que valor é
atribuído à técnica de enfermagem?
As técnicas e as tecnologias de enfermagem devem constituir o saber de
enfermagem, valorizando-o, na medida em que são utilizadas como recurso para o
desenvolvimento do cuidado(12). A objetividade da técnica de Enfermagem nas
situações descritas deve estar imbricada na finalidade a que as mesmas se
prestam, ou seja, na necessidade subjetiva de cuidado daquele paciente.
O paciente, agora, contextualizado se integra à rotina crônica de seu
tratamento e também à possibilidade de nele se acomodar. Contudo, vale lembrar
de que as necessidades humanas não apresentam inércia, por mais rotineiras que
se apresentem. E, o profissional tem que estar atento a este fato, oferecendo
ao paciente a chance de o mesmo vir a ser o ator principal de seu regime
terapêutico.
O quarto cuidado
Estando agora o paciente já integrado ao contexto de seu tratamento, ele
necessita de APOIO para desenvolver o seu autocuidado por meio da adesão à
terapêutica.
Neste cuidado, cite-se o método de ajuda APOIO, no qual o paciente poderá ser
ajudado pelo sistema de apoio-educação. Nele o paciente conseguirá exercer o
seu autocuidado, aprendendo com o enfermeiro a ser agente do mesmo(13).
A adesão implícita nesta fase é extremamente importante para o seguimento ou
não do autocuidado. A educação desse paciente quanto ao cuidado com seu acesso
vascular, seguimento da dieta ou até mesmo na realização do procedimento
dialítico domiciliar será fator determinante para o sucesso desse cuidado.
É no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem os conflitos, nos quais o
pensamento empírico torna-se claro quando os argumentos são estabelecidos. O
ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos
mal estabelecidos(3).
O profissional, neste momento, cuida ao apresentar ao seu paciente à técnica de
troca de bolsa em diálise peritoneal, desmistificando a ideia anterior de que
aquele procedimento somente poderia ser realizado por alguém "letrado", cuida
ao sensibilizá-lo quanto à manutenção do curativo do cateter de hemodiálise
para a prevenção de infecção, cuida ao orientá-lo sobre a fisiologia de
funcionamento de sua fístula artério-venosa, alcançando os cuidados para evitar
a sua perda, cuida ao ajudá-lo a enfrentar o seu medo de punção, cuida ao
convidá-lo a participar de sua terapêutica, cuida ao convidá-lo a resgatar o
controle de sua vida, de seu autocuidado.
"Diante do mistério do real, a alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua. É
impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais. Diante do
real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber"(3).
Dessa forma, o reconhecimento dos saberes do paciente e suas possibilidades
frente ao autocuidado, à adequação em relação ao tratamento e às possíveis
mudanças dentro de uma realidade quase imutável, reflete a capacidade
perceptiva do profissional ao valorizar o paciente além de sua condição
biológica.
O quinto cuidado
Neste momento, será realizada uma análise do processo de cuidar do paciente
diante dos resultados apresentados, cujo retorno será permeado pela interação
entre enfermeiro e paciente. Esse reencontro busca observar os resultados e
discutir mediante as diversas formas de comunicação, como está acontecendo o
cuidado institucional e domiciliar. Ou seja, juntos, profissional e paciente,
estão conseguindo sucesso na terapêutica dialítica? Quais as deficiências e
possibilidades encontradas?
Tentando compreender a relação entre o que se apresenta explícito e o que se
pretende como resposta ao cuidado prestado, tem-se que o agir humano está em
função de motivações focalizadas a objetivos, que se projetam para um futuro,
compreendidas como "motivo a fim de", já as razões para as suas ações estão
conectadas em experiências do passado, denominadas de "motivos por que" desses
atos(3). Assim, o cuidar em enfermagem não pode ignorar o sentir-se humano
expressado pelo paciente, nem o sentido que atribui às próprias ações de
cuidado, suas reações e experiências vividas.
Ainda, em busca da compreensão desses resultados, vale ressaltar que os
critérios usados como instrumentos de avaliação e verificação de um resultado
são próprios do positivismo(3), que reduz a condição de intersubjetividade
entre o cuidador e paciente. Então, percebe-se que este ato de avaliar deve
superar as quantificações e generalidades, permitindo uma renovação científica,
que se processa pela "certeza da incerteza". "A verdade só ganha seu pleno
sentido ao fim de uma polêmica. Não poderia haver assim verdade primeira. Só há
erros primeiros"(3).
Logo, a avaliação compreensiva acontecerá quando o enfermeiro permite uma
parceria, e junto ao paciente e familiar, consegue encontrar possibilidades de
melhora, com relação ao cuidado de enfermagem, ao autocuidado e à qualidade de
vida.
Esta avaliação precisa acontecer continuamente, para que se consiga priorizar
as necessidades do paciente frente ao tratamento dialítico, já que no decorrer
deste, o paciente vivenciará uma realidade repetitiva e por vezes
desestimulante, como será verificado no sexto cuidado, caracterizado pela
rotina.
O sexto cuidado
Ao abordar a insuficiência renal crônica na vivência das pesquisadoras, depara-
se com uma condição de difícil enfrentamento tanto para o paciente, assim como
para sua família. Envolve a rotina do tratamento dialítico, que cansa, isola,
causa ansiedade, desestimula, transforma o corpo e a mente.
Os pacientes nefropatas em início de tratamento dialítico geralmente sentem-se
esperançosos, contudo, ao passar algum tempo, apresentam sentimentos ambíguos,
pois começam a sentir-se amedrontados pela morte. E, então, utilizam-se de
mecanismos de defesa, como a negação, refutando a dependência da diálise, não
seguindo às orientações e, na maioria das vezes, perdendo sua auto-estima(14).
Além disso, a condição crônica é expressa pelas características de permanência,
irreversibilidade, incapacidade residual, incurável, degenerativa e de longa
duração(15). Diante deste cenário conflitante, surgem momentos de completa
desesperança e abandono do autocuidado com os acessos para diálise e, pior,
consigo mesmo.
Agora, é importante que o enfermeiro e toda equipe não imponham formas de
cuidar, de tratar, mas busquem compreensão interdisciplinar do que está
acontecendo com esta pessoa. Ao explanar sobre a necessidade de compreensão
como um meio para interpretação do sentido dado ao cuidado de enfermagem,
remete o profissional a "revelar o que se encobre na mera aparência", sendo
necessário "alcançar o sentido, mostrando sua essência"(16).
É muito importante penetrar na estrutura dessa compreensão do outro, o
suficiente para ver que apenas se interpretam experiências pertencentes a
outras pessoas, em termos de experiências que são de fato vivenciadas pelos
profissionais enfermeiros, pois o relacionamento do NÓS básico já é dado pelo
mero fato de que se nasce no mundo da realidade social diretamente vivenciada
(3). Partindo desse encontro, a compreensão do outro é alcançada quando as
opiniões prévias com as quais se inicia uma relação não são arbitrárias(17).
Nesse sentido, estar inserido em um tratamento dialítico, explicita a condição
normativa que é imposta ao paciente, na qual requer adaptações e mudanças
diversas com relação aos hábitos de vida, organização familiar e relações
sociais. Assim, o enfermeiro junto à equipe interdisciplinar, precisa
apresentar possibilidades ao paciente e seus familiares para o resgate da
autonomia e melhor adesão ao tratamento dialítico. Essa necessidade de
emancipação será explorada no sétimo cuidado, que é caracterizado pela busca da
cidadania.
O sétimo cuidado
Diante da necessidade de enfrentamento das adversidades da doença renal
crônica, o resgate da autonomia visando à cidadania e à proteção dos direitos,
envolve a participação ativa do paciente e de seus familiares em busca de seus
valores, autoestima e reinserção social. Para exercer essa cidadania que
proporciona a autorrealização esta ação pode ser desenvolvida em qualquer
momento e ambiente do cotidiano, entretanto, é necessário que as pessoas
permitam que isso aconteça. A autorrealização das pessoas gera uma harmoniosa
relação interpessoal e um clima de autoconfiança(12).
Essa perspectiva de mudança consiste em redimensionar o cuidado como
possibilidade ética da humanidade, sugerindo um dinamismo dialético em que a
relação de dependência acontece mais para construir autonomia dos atores
envolvidos que para se manter em si mesmo, como exercício autocentrado de
poder. O cuidado como gestão da ajuda-poder tem como núcleo a dinamicidade
tanto dos processos históricos, quanto da natureza, assumindo-se aqui uma
abordagem social, ecológica e epistemológica do cuidar(18).
Compreendendo este caminhar pela cidadania como uma politicidade do cuidado, e
esta se expressa pelo conhecer para cuidar melhor, ou seja, é a percepção e
aceitação da dimensão existencial do outro; já o cuidar para confrontar, cuidar
para emancipar propõe-se a libertar o cuidado de sua institucionalização
capitalista predadória. Essa emancipação é o empoderamento da própria autonomia
enquanto pessoa, mas, além disso, esse fortalecimento do poder de decisão será
capaz de estabelecer estratégias de enfrentamento e de autocuidar-se física,
social e emocionalmente(18).
Dessa forma, o paciente será capaz de se libertar dessa relação de submissão e
passividade institucional, para então incorporar, em sua condição de
adoecimento a possibilidade criativa e segura de sua existência como autor de
sua própria saúde.
A classificação e descrições não são exaustivas, necessitam continuidade
mediante contínua observação do cotidiano no sentido de completar as mil e uma
maneiras de cuidar especificas da enfermagem(2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato de sobreviver com a insuficiência renal crônica, às vezes por longos
períodos, não significa "viver bem", pois quase sempre há limitações com
prejuízos da participação em várias atividades cotidianas. Por isso, é
importante abordar junto ao paciente o cuidado, mesmo em uma situação de
cronicidade, "ser crônico", é preciso estimulá-lo à compreensão do "estar
crônico", para emergir uma visão saudável em relação à continuidade da vida,
não permanecendo na estagnação e passividade da doença.
Os principais obstáculos epistemológicos identificados no contexto da terapia
dialítica foram: o conhecimento científico da equipe de saúde e a tecnologia,
vistos como categóricos, rotina desestimulante, e a desvalorização da
subjetividade humana.
O Cuidar Permanência, nesta perspectiva, pode ser entendido como: uma ação
intencional de cuidar, construída a partir da interação entre os saberes
científicos da enfermagem e a valorização da subjetividade humana. Considerando
a relevância desse cuidar de enfermagem no cotidiano do paciente renal crônico
e na superação dos obstáculos epistemológicos, propõe-se a construção do Cuidar
Permanência, apresentado em uma sequência de sete cuidados, julgados
indispensáveis no atendimento às expectativas do paciente renal crônico. Um
cuidar ante uma situação de cronicidade, permeada de ações técnicas
repetitivas, contudo necessariamente imbricadas por pretéritas ações humanas,
como a escuta, o acolhimento, o toque e a interação interpessoal.
Os cuidados elencados foram o acolhimento e vínculo efetivo com o paciente que
está chegando, via de regra, para ficar. Após essa interação, o enfermeiro
precisa desenvolver suas atividades técnicas com qualidade e segurança, com
base em um conhecimento científico aprofundado na área. Contudo, é preciso ir
além da técnica instucionalizada e buscar junto ao paciente e familiar, meios
para o autocuidado, já que a continuação do cuidar acontecerá no domicílio. Com
o retorno, que configura uma rotina desestimulante, será possível avaliar o
tratamento, suas deficiências, assim como, as possibilidades de mudança no
resgate à cidadania. Não obstante, esses cuidados, embora sequenciados, não
acontecem de forma linear, já que são interdependentes.
Nessa perspectiva, de reconstrução de um saber e pela busca da superação dos
obstáculos epistemológicos, ou seja, dos obstáculos biologicistas, sugere-se o
cuidar permanência como uma relação articulada e complementar entre o saber
científico, presente no cuidado de enfermagem, e a valorização da essência do
outro, como ser complexo em sua integralidade.